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AGENDA CULTURAL

Dois em Ribeirão Preto

A Galeria Marcelo Guarnieri, unidade de Ribeirão Preto, SP,  apresenta as exposições individuais e simultâneas dos artistas Julio Villani e Renata Siqueira Bueno.

 

Sobre Julio Villani e Almost Readymades: Pequenas Madalenas

 

“Se eu usar a geladeira afim de refrigeração, ela é uma mediação prática; não é um objeto, mas um frigorífico. Nesse caso, eu não o possuo. A posse nunca se refere à um utensílio, já que ele é vinculado ao mundo real, mas sempre ao objeto abstraído de sua função, transformado em algo subjetivo ao sujeito”. (Jean Baudrillard, O sistema dos objetos)

 

É por uma breve nota no projeto Passagen-Werk que Walter Benjamin confronta a noção de vestígio à de aura, ambas remetendo às emoções podendo ser despertadas por objetos naquele que os observa. De acordo com o aforismo que o filósofo propõe, “o vestígio é o advento de algo próximo, por mais distante que possa ser o que o deixou; a aura é a manifestação de uma distância, por mais próximo que possa ser o que a evoca.” Os objetos de Julio Villani, são ao mesmo tempo familiares e fantásticos, tributários das duas noções.
A função original dos utensílios desponta sob suas formas, tornando-os – apesar de sua idade – em vestígios de uma memória comum.
O blecaute do destino prático dos antigos apetrechos permite sua apropriação enquanto objetos. As formas domésticas tornam-se então recipientes das projeções imaginárias do artista; elementos que contrariam as exigências da funcionalidade para atender uma experiência de um tipo diferente: viram sonhos, seres com sopro de vida, evasão.
Proporcionando-lhes uma história que os distancia da sua fabricação – transformando os objetos pertencendo à um momento histórico específico em figuras atemporais – Villani os reveste de aura.

 

Esses objetos são, de certa forma, os seus Traumhäuser (casas de sonho). O termo, cunhado por Walter Benjamin, descreve edifícios de formas historicistas – que tem uma “aparência” familiar – reinvestidos de novos usos relacionados com um sonho. Os Traumhäuser surgem à partir de uma prática contraria à da oniromancia surrealista. Ao invés de extrair dos sonhos elementos à serem aplicados à realidade, seu ponto de partida é material: objetos arqueológicos, bibelôs, fragmentos, imagens desbotadas ou utensílios obsoletos, os vestígios se unem para formar um mundo povoado de objetos e seres, criando uma paisagem de sonho, levando a uma experiência fantástica.

 

O olhar que deita Villani sobre os objetos resgatados nos mercados de pulga parisienses é desse tipo: premendo os olhos, ele vê na concha uma garça, a bigorna é tatu.
Os bichos se impõem à visão do artista sem terem sido suscitados por um exercício de memória consciente. Se ele adiciona aqui um rabo, umas asas acolá, é simplesmente para nos dar a ver a sua visão, que se inscreve em seguida no espectador como a revelação de uma realidade nunca percebida – e no entanto presente – no objeto de origem.
Nesse sentido, os almost readymades de Villani materializam o estado de espírito descrito por Proust quando do memorável episódio da madalena: de repente, o que fora perdido é reencontrado. (texto por Betina Zalcberg)

 

 

Sobre o artista

 

Julio Villani, nasceu em 1956, em Marília, São Paulo, Brasil. Vive e trabalha em Paris, França. Cursou Artes Plásticas na FAAP – Fundação Armando Álvares Penteado, na Watford School of Arts de Londres e na École Nationale Supérieure des Beaux Arts de Paris. Participou de diversas exposições individuais e coletivas, das quais destacam-se nas seguintes instituições: Pinacoteca do Estado de São Paulo; Paço Imperial, Rio de Janeiro; Museo del Barrio, Nova York, EUA; Centro de Arte Reina Sofia, Madrid, Espanha; MAM – Museu de Arte de São Paulo; MAM – Museu de Arte do Rio de Janeiro; Musée d’Art Moderne de la Ville de Paris, França.

 
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Sobre Renata Siqueira Bueno e Ascensão

 

Dentro do contexto urbano, somos permitidos a nos enxergar apenas como parte de uma multidão, a aglomeração nos impossibilita uma consciência de autonomia total e pela inércia formamos um grupo. Essa consciência pode sofrer variações, estimulada, por exemplo, por ruídos que ativam a coletividade desse grupo: comportamentos duvidosos ou acontecimentos inesperados. A subitez de uma queda provoca uma reação que é, por excelência, coletiva. O indivíduo que cai ganha um rosto e uma qualidade: a fraqueza, atribuída por esse grupo que agora compartilha do mesmo sentimento.

 

As fotografias se propõem a localizar em outra esfera esse indivíduo que cai, talvez na esfera do sagrado ou do absurdo, apesar da queda ele continua anônimo. O instante da fotografia impossibilita que saibamos o que aconteceu depois, não sabemos quem ele é, talvez não interesse: podia ser qualquer um. A cena captada, que poderia ser um still de um filme proibido ou um registro descompromissado, adquire um caráter misterioso e imaculado, se desassociando da qualidade da fraqueza. É como se o corpo tivesse sido acometido por um momento de luz divina, uma força exterior que desestrutura o indivíduo e o obriga a ter a consciência de autonomia em relação ao coletivo ao seu redor.
Aqueles que aparecem caindo nas fotografias são na verdade amigos, atores ou dançarinos convidados para simular a ação. Isso não é algo que deve estar necessariamente explícito ou oculto. A intenção é que nunca possamos ter certeza de nada através da imagem, essa dúvida é da natureza da fotografia.
Percebemos em Ascensão o confronto entre as especificidades da técnica e o conceito do trabalho. Através de uma reflexão sobre o instante fotográfico, Renata se utiliza de aparelhos analógicos que evidenciam o embate entre dois tempos distintos. Talvez seja esse o tempo da fotografia analógica que possibilite à imagem uma força que faz da queda algo da ordem muito mais do poder, que da falência.

 

Os lugares definidos para as tomadas fotográficas são sempre aqueles onde o indivíduo nunca pode se encontrar em solidão: ou por haver uma aglomeração de pessoas ou pela existência de uma arquitetura construída para abrigar esse corpo coletivo ou, em último caso, pela impossibilidade de não haver a subtração dos rastros humanos na cena. Espaços sem a delimitação de serem públicos ou privados, possíveis de serem identificados ou não. Espaços onde seja evidente a construção da cena ou, ainda, onde haja uma casualidade do instante na captura da imagem. (texto por Julia Coelho e Renan Araújo)

 

 

Sobre a artista

 

Renata Siqueira Bueno, nasceu em 1960, em  Anápolis, Goiás, Brasil. Vive e trabalha entre Ribeirão Preto e São Paulo, Brasil. Tem trabalhado com figurino e cenário para teatro desde os anos 80. Atuando entre Brasil e França. Como artista participou de diversas exposições individuais e coletivas, das quais destacam-se os seguintes espaços: OpenScape – ANOA Gallery/Galerie Patrick Mignot, Paris, França; 8º Paraty em Foco – Festival Internacional de Fotografia, Brasil; Arte e Medicina, Museu Histórico Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, Brasil; SESC Santo Amaro, São Paulo, Brasil.

 

 

De 02 a 26 de agosto.

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