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AGENDA CULTURAL

Dois na Galeria Mezanino

A Galeria Mezanino, Pinheiros, São Paulo, SP, inaugura as exposições individuais “Meu sertão” de Nilda Neves, com pinturas e “Lágrimas artificiais” de Emídio Contente com fotografias. A apresentação da pintora baiana é da curadora Eugênia Gorini Esmeraldo e a do fotógrafo paraense Emídio Contente traz a assinatura do expert da área, o curador Diógenes Moura.

 

“Não deixar o sertão morrer”. Esta foi a explicação imediata e objetiva que recebi de Nilda
Neves ao perguntar sobre a razão de suas pinturas. Não é para menos, uma vez que ela ilustra suas lembranças e histórias com precisão de detalhes. E foi para fazer a capa de seu primeiro livro – ou seja, ela também escreve – que começou a pintar. Sua marca é o mandacaru. As pintoras sem formação acadêmica são inúmeras no Brasil, afora a infinidades de amadoras que se dedicam à pintura desde sempre. Isso se considerarmos apenas as mulheres que, ao longo do tempo, em fuga da solidão da rotina doméstica, por vezes buscam na potencialidade dos pincéis uma forma de desabafo, alívio, reconhecimento das pessoas mais próximas e, talvez, uma certa alegria interior. Algumas, corajosas e desafiadoras, voam mais alto, conseguem ultrapassar o recinto caseiro e ousam se manifestar com maior intensidade e fantasia. Elas precisam do olhar do público para se sentirem participantes do mundo. O trabalho de Nilda Neves, traz à lembrança três Marias artistas: Maria Auxiliadora da Silva, Maria Florência e Maria de Lourdes Indelicato. A primeira, negra, egressa da Praça da República, foi descoberta pelos colecionadores. Florência já tinha idade e fazia pequenas pinturas, delicadas, em geral de flores. Lourdes era dona de casa, nordestina casada com um italiano, se inspirava nas lembranças de sua região com um certo folclore. Nilda e essas Marias, de quem poucos lembram, o que as leva a tomar esta decisão de pintar? Sobre Nilda, a primeira informação foi de uma ‘cabelereira’ que pintava e expunha suas obras no próprio salão. Renato De Cara mostrou as pinturas, os desenhos e fomos conhecer. Numa rua de poucas centenas de metros, uma insólita cabeceira de cama coberta de pinturas, colocada na calçada, antecipa que é ali. Sobe-se dois degraus e o salão minúsculo abriga uma infinidade de trabalhos que confunde o olhar. A mulher forte, risonha, bonita e decidida que se apresenta foge do estereótipo das que não sabem direito o que estão fazendo. Nilda sabe, e bem, a que vem. Não teve uma vida fácil, como muitos nordestinos que procuram o sul. Mas ela é diferente. Nilda nasceu no interior baiano, em 1961, em Botuporã. Desde menina, curiosa, teve interesse por história e cultura. Quando jovem ajudava o pai em todos os trabalhos, inclusive nas boiadas. Sabe montar e vaquejar. Estudou, casou, teve filhos, lecionou matemática. Em São Paulo desde 1999, trabalhou no comércio. Como as pessoas gostavam de suas histórias, decidiu escrever um livro. A pintura veio da necessidade de ilustrar a capa. Gostou e não parou mais. A leitura de seus dois livros, numa linguagem falada muito pessoal, mistura acontecimentos pessoais com lendas de sua região, com simplicidade em descrições que, muitas vezes, ilustra depois nas pinturas. Nos trabalhos Nilda utiliza o óleo com base em tinta acrílica. A temática é prolixa como ela: vasos de flores, temas do sertão, de suas lembranças e vivências. As cores, sem exagero como as do sertão, são sóbrias e algumas obras lembram grafismos. Cenas do campo, lendas do imaginário popular brasileiro, animais, paisagens, vaqueiros, cactos – palmas, mandacarus, xique-xiques – surgem floridos com ingenuidade; ela também insere flores delicadas nas árvores. Algumas obras mostram o interior de casas, paióis, o cotidiano rural com uma intenso rodeio e mesmo uma comovente cena de igreja. A presença familiar é forte, frequente e ela credita aos pais a formação sólida, que a fez gostar e ter esta consciência de pertencimento àquela região, apesar de viver longe dali. E vem à mente até mesmo algo de Frida Kahlo e suas auto referências corpóreas. Mas o corpo que Nilda foca é a natureza, em constante ameaça.

 

Duas pinturas me impactaram pela estranheza e uma fantasia muito própria, agressiva.
Imediatamente lembrei uma experiência pessoal de anos atrás que nunca esqueci: uma
gravação com a grande Tarsila do Amaral, feita por Paulo Portella Filho aos 18 anos, que ele me fez ouvir. Jovem e, como disse ele, ingênuo, ousou perguntar-lhe de onde viera a figura do Abaporu; a artista respondeu-lhe que eram as lembranças que ela tinha da infância, quando as criadas, na fazenda, faziam relatos dos monstros que vinham à noite assustar as crianças que não se comportavam… Perguntei a Nilda sobre as duas obras. Foi direta: “Esta é uma raiz da árvore queimada pelo homem que se revolta e se torna monstro. É a revolta da natureza, como eu chamo”. A outra é sua visão da floresta sendo engolida pelo fogo e retornando como um espectro disforme. Em ambas estão suas angústias pessoais. Nilda é clara: quer mostrar o perigo do desequilíbrio ecológico, da falta de cuidado do homem com seu habitat, com o mundo. Só posso desejar que ela persista, e permaneça. Como ela diz: “o trabalho é a base que me segura perante o mundo…”

Enfim, pintar é realmente a necessidade de mostrar a todos que o sertão é forte, bonito, sua gente é boa e isso não pode ser esquecido.

 

Eugênia Gorini Esmeraldo/agosto 2015

 

 

Sobre a artista

 

Nilda Neves, Botuporã, BA, 1961  – Nasceu em 1961 em Botuporã, no sertão da Bahia. Em Brumado, BA, estudou contabilidade e teve seu segundo filho. Com a família morou em várias cidades do estado e, ao divorciar, voltou para sua cidade natal, onde foi professora particular e de escola pública, ensinando matemática. Chegou a ter restaurante, fazendo muito sucesso. Perdendo parte da família nos anos 1990, resolveu vir para São Paulo em 1999 e, em 2010, escreveu o romance O Lavrador do Sertão em três dias. Logo depois lançou O Belo Sertão, com os seres lendários do Brasil, na Bienal do Livro do mesmo ano. Para produzir a capa do livro resolveu ela mesma pintar e, desde então, não parou mais de produzir, contando suas lembranças e histórias do sertão. Hoje, em seu pequeno ateliê, possui um acervo com mais de 2.000 pinturas, além de músicas e esculturas.

 

 

Uma programação química

 

 
Lágrimas Artificiais é um experimento. Emídio Contente vasculhou um bulário médico-
oftalmológico para chegar diante dos olhos dos outros, que são os seus mesmos olhos e
refletir sobre a existência humana, o corpo líquido, a chama das imagens que derretem
segundos – um após o outro e nos faz perceber a linha tênue que se instala entre o modo ver e o modo enxergar. O artista se importa com a nossa existência. Busca uma saída. Imprime olhossob o efeito de drogas: dilatadores de pupilas, a janela aberta, remédios para gripe, cocaína, o ônibus do outro lado da rua, maconha, a última notícia no telejornal, o lindo sonho delirante, o encontro fortuito no meio da madrugada, Ritalina para concentrar os resquícios do amanhã, o sexo desnudo porque se você falar em amor eu vou embora, a pífia solidão como material de consumo. Imprime lembranças de sua terra natal, Belém, porque guarda na memória a imagem do seu avô em estado de luta diária para vencer o tempo: os olhos de cera (ex-votos) sobre a mesinha ao lado da cama. Uma promessa atrás da outra para que Nossa Senhora de Nazaré não se derreta entre as velas do Círio, quando o que mais todos os santos desejam atualmente é descansar de todos nós. A fotografia empalidece.

 

 
O tempo de Emídio Contente é um tempo em camadas. Sua “arte contemporânea” é barroca: azul sobre o corpo infectado ou em estado puro, impresso sobre folhas de atlas de anatomia. Algo se decompõe/outro algo se renova: o homem derretido, o símbolo das almas. Uma impressão descansa sobre a outra para fazer surgir o terceiro olhar. Cianotipia sobre a droga descrita na página impressa. O artista frequenta o Hospital das Clínicas. Vive nos arredores. Vasculha as esquinas da cidade e os sebos em busca de livros científicos de todos os tempos.Aprisiona um pequeno animal dentro de um vidro/a transparência do vidro (seria uma falsa liberdade?) que rola na beira da praia até ser engolido pelo azul de noturno mar. Antes, pensou assim: onde verdadeiramente estaria a simbologia de uma pomba com seus olhos de cristal bruto, o sentimento petrificado? Mais adiante, ali, pairando sobre o portão de entrada? Ou taxidérmica, em sua solidão impregnada, em seu estado cristão de pureza e simplicidade e mais adiante semeando a paz, a oxoplasmose, a criptococose, a psitacose, a cegueira?

 

Emídio Contente ainda tem esperança. Mesmo que suas lágrimas sejam artificiais.

 

Diógenes Moura/Escritor e Curador de Fotografia

 

 

Sobre o artista

 

 
Emídio Contente, Belém, PA – 1988 – Fotógrafo e artista visual paraense, graduado em comunicação social. Seu trabalho possui uma poética singular, utilizando-se de uma fotografia adulterada, com técnicas fotográficas pouco convencionais, para abordar um universo delicado, denso e algumas vezes melancólico. Na série Cobogó, por exemplo, se utiliza de furos de tijolos como recurso para a construção de uma câmera, criando um plano dividido em seis imagens distintas que remetem ao olhar decupado do cubismo e da película cinematográfica.

 

Exibiu suas obras em coletivas e salões de arte como IV Prêmio Diário de Fotografia (2013); Salão Arte Pará (2012); XIX Salão Unama de Pequenos Formatos (2014); Muestra Internacional de la Fotografia Estenopeica (México / 2012); Muestra Internacional de la Fotografia Estenopeica (Equador / 2013); Ruídos e Silêncios: Corpos Flutuantes (2013); 100menos10 (2012) e Indicial: Fotografia Contemporânea Paraense (2010) Em 2012 recebeu o Grande Prêmio da Mostra Primeiros Passos (MABEU), em 2013 foi premiado no IV Prêmio Diário Contemporâneo de Fotografia e também em 2013 foi o vencedor da categoria fotografia do Movimento Hotspot. Possui obras nos acervos do Museu de Artes Brasil Estados Unidos/MABEU, Associação Fotoativa e Museu de Arte Contemporânea Casa das Onze Janelas.

 

 

De 22 de setembro a 10 de novembro.

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