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AGENDA CULTURAL

Milagros, de Milton Marques

 

O Ateliê397, Vila Madalena, São Paulo, SP,  com apoio da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo – via ProAC, inaugura a exposição “Milagros”, do artista Milton Marques, com curadoria de Thais Rivitti. A mostra é composta por dois trabalhos novos: uma dupla de retratos e um objeto plástico-sonoro, ambos sem título, de 2015. Os retratos, de dois curadores brasileiros conhecidos, foram feitos a pedido do artista a partir de fotos achadas na internet. Milton encomenda as pinturas e, depois de recebê-las, adiciona a elas um mecanismo que as faz “chorar”. Gotas d’água brotam da tela, na altura dos olhos do retratados, e escorrem pelo quadro. Ao lado dos retratos, a exposição traz um trabalho no qual um mecanismo construído pelo artista faz um pedaço de cortiça roçar nas paredes de taças de cristal em rotação, gerando um ruído que se espalha pelo ambiente. O “choro” dos retratados encontra, assim, seu equivalente sonoro no barulho que vem do cristal.

 
Para a curadora, “o caráter postiço dessas presenças que se sobrepõem no espaço expositivo – o choro falso e o som estranho – colaboram para a criação de um ambiente onde mágica e truque, feitiço e embuste encontram-se em tensão”. O que estaria em jogo, para ela, é a própria função do curador no sistema da arte: “Nessa exposição, Milton explora a operação, algumas vezes atribuída ao curador, de transformar um objeto comum em obra de arte. Essa espécie de transubstanciação que, supostamente, o curador realizaria é, como todo milagre, um gesto cercado de contradições e ambiguidades: há algo sublime e algo duvidoso em sua natureza”.

 

 
Milton Marques é artista plástico nascido em Brasília em 1971. Já participou de inúmeras mostras, individuais e coletivas, no Brasil e  no exterior dentre as quais destacam-se: “Situações Brasília”, Museu Nacional do Conjunto Cultural da República, Brasília, 2012; “Os Primeiros Dez Anos”, Instituto Tomie Ohtake, São Paulo, 2011; “Cinema, Sim – Narrativas e Projeções”, Itaú Cultural, 2008; “Nova Arte Nova”, Centro Cultural Banco do Brasil, São Paulo, 2009; “Contraditório – Panorama da Arte Brasileira”, Museu de Arte Moderna, 2007, “5a, Bienal do Mercosul”, Porto Alegre, Brasil, 2005 e “26a. Bienal de São Paulo”, São Paulo, Brasil, 2004.

 

 

 

MILAGROS por Thais Rivitti

 
Na exposição “Milagros”, Milton Marques apresenta duas obras novas: um par de retratos de curadores brasileiros que, tendo acoplados um mecanismo de gotejamento, soltam água imitando um choro e um aparelho construído pelo artista no qual pedaços de cortiça encostam nas bordas de taças de cristal em constante rotação, propagando pelo ambiente um som ligeiramente diferente cada taça.

 
Os retratos, de curadores conhecidos, foram encomendados pelo artista e tiveram como base fotografias disponibilizadas na internet ou em revistas de arte. As imagens se condensam na tela tal com vieram dos meios de comunicação e conservam algo de seu contexto original (uma expressão, uma pose). A série de retratos que Milton está fazendo compreende muitos outros retratados, além dos dois presentes. Mais do que a intenção de personificar esse ou aquele indivíduo, a discussão centra-se na própria figura (genérica) do curador que está atuando no presente, que aparece como resultado nas buscas do google ou o dá declarações sobre seu ofício à imprensa.

 
Depois de selecionar as imagens, Milton acopla a elas um mecanismo que faz com que elas soltem água pelos olhos, simulando o ato de chorar. Essa intervenção nas imagens, esse choro postiço inserido ali pelo artista, acaba por gerar uma série de relações provocantes. A ideia de milagre vem a mente uma vez que a obra evoca imediatamente as histórias populares que relatam imagens de santos que choram. Além disso, como o próprio nome da exposição sugere, milagros são também ex-votos, peças (fotos, desenhos, réplicas de partes do corpo) feitas em agradecimento a alguma graça alcançada.

 
“Milagros”, assim, refere-se muito diretamente ao universo mágico religioso do qual, no processo de modernização, a arte teria se separado. E não o faz sem certa ironia. Evidentemente há uma menção a certos poderes extraordinários que são atribuídos aos curadores em nosso sistema da arte. Mas a obra não para diante dessa denúncia, não se resolve em um esquema paródico. Se flerta com o cômico, também recoloca as dificuldades que hoje cercam a atuação desse profissional cuja tarefa é a de separar o joio do trigo na produção de arte de seu tempo. Os critérios para se afirmar a qualidade a um objeto de arte talvez nunca tenham sido tão difíceis de enunciar quanto são hoje. Por mais que curadores esforcem-se em tornar claras suas escolhas, posições e olhares, há sempre algo, em uma leitura de obra, em uma aposta nesse ao naquele artista, que não pode ser sintetizado por um discurso rigorosamente objetivo. Talvez as lágrimas venham dessa condição – mais semelhante a do profeta do que ao santo – de muito solitariamente enxergar algo ali, onde normalmente não se vê nada.

 
A evocação do milagre está presente também na obra sonora, que acaba por funcionar como um coro, uma tradução sonora dos vários choros no espaço. Preenchidas com vinho, as taças, que são componentes essenciais da peça recém realizada, remetem tanto ao episódio bíblico das Bodas de Caná, onde Jesus transforma água em vinho, como ao próprio ato litúrgico da eucaristia, no qual o vinho transubstancia-se em sangue de Cristo. Nessa exposição, Milton explora a operação, em parte atribuída ao curador, de transformar um objeto comum em obra de arte. Essa espécie de transubstanciação que, supostamente, o curador realizaria é, como todo milagre, um gesto cercado de contradições e ambiguidades: há algo sublime e algo duvidoso em sua natureza.

 

 
De 23 de fevereiro a 20 de março.

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