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AGENDA CULTURAL

Mostra de Eduardo Vieira da Cunha

Pintor, fotógrafo, desenhista e gravador, Eduardo Vieira da Cunha realiza exposição individual que integra uma série chamada “Percurso do Artista”, Sala João Fahrion, Reitoria da UFRGS, Porto Alegre, RS. A mostra é voltada para a idéia da viagem, do deslocamento, elementos sempre presentes na obra do artista. Essa exibição marca os 30 anos de uma carreira que começou com participações e premiações em salões na década de 1980 e mostras realizadas em Nova Iorque e Paris, cidades onde residiu.

 

São 32 pinturas, oito desenhos e cinco gravuras, além de fotografias e ilustrações escolhidas em torno da idéia de metáfora de viagem produtiva. O pintor recolhe exemplos de outras áreas para falar da vasta questão do deslocamento e da viagem: sonhos, fotos, papéis soltos, objetos, mapas, itinerários, planos, traduções, desenhos e pinturas que ajudam a pelo menos recompor o itinerário de uma viagem produtiva, ociosa positiva e negativamente.

 

A viagem imaginária começa com desenhos e fotos de um navio, navegando em um mar de areia, em um lugar qualquer no litoral do Rio Grande do Sul. O artista busca através de um personagem, um homem solitário que habitava o navio e que durante o dia se dedicava à infinita tarefa de pintar de preto o casco para evitar os danos da maresia. E que à noite, descia ao porão para revelar velhos negativos fotográficos. Esse homem que esperava remete à imagem representada pela ampulheta, aquele mar de areia que pode ser tanto o esquecimento como o elogio ao desprendimento.

 

Do litoral desértico do Rio Grande do Sul, Eduardo Vieira da Cunha buscou na animada, iluminada e extravagante cidade de Nova York dos  anos 80 e 90 resgatar imagens de sua autoria  que ilustraram frases da coluna “Diário da Corte”, do jornalista Paulo Francis  publicadas no jornal gaúcho Zero Hora até 1997. A cidade surge ali como um objeto de desejo, contraditória, ora como um firmamento, uma galáxia, um céu radiante, ora como um inferno. Esse estado de perpétua animação e crise da cidade-ilha é refletida nos textos de Francis.

 

A palavra do artista

 

À procura de uma sombra do viajante

 

“Odeio viagens e viajantes”. Com esta frase, um negativo da viagem, Claude Lévy-Strauss se vacinava logo ao abrir o grande poema que representa “Tristes Trópicos”. Um livro do deslocamento filosófico, da filosofia em negativo. O que talvez o etnólogo odiasse mesmo era o desafio de descobrir o noturno do trópico, em vencer seus desafios, penetrar no escuro da mata e passar necessidades, sede e fome. O ganho, entretanto, era a obra em se fazendo.

 

Viagem, ficção e filosofia. Percursos.  Já que outros filósofos pareciam incólumes a tais dissabores dos viajantes, como Platão e Pitágoras, e se entregavam com prazer às deambulações da viagem didática e de compartilhamento do conhecimento, um terceiro grupo onde incluo também homens de letras se aborrecia com as viagens e o trato com o estrangeiro. Isso porque talvez eles não precisassem procurar o desafio do desconhecido. Encontravam o fascínio da viagem ali mesmo, dentro da própria cidade: Sócrates, que preferia viajar pelas ruas e as praças de Atenas. E Machado de Assis e Mario Quintana, flâneurs do Rio de Janeiro e Porto Alegre, respectivamente.

 

…Escolho exemplos de outras áreas para falar da vasta questão do deslocamento e da  viagem. Se é muito difícil tratá-los em um texto, muito mais o seria em uma singela exposição. Em todo o caso, sonhos, fotos, papéis soltos, objetos, mapas, itinerários, planos, traduções, desenhos e pinturas ajudam a pelo menos recompor o itinerário de uma viagem produtiva, ociosa positiva e negativamente.

 

…A imagem desse homem que esperava, esperando talvez a oscilação improvável do corpo do navio enterrado na areia, começou a me perseguir em desenhos e pinturas, além das fotografias.  O emblema de Borges é a ampulheta, aquele rio de areia que pode ser tanto o esquecimento como o elogio ao desprendimento (da areia). Navegando na areia, o homem poderia ter como livro de cabeceira um livro de Borges com o poema Elogio das sombras: “(…) tantas coisas. Agora posso esquecê-las. Chego ao meu centro. À minha Álgebra, meu código. Ao meu espelho. Logo saberei quem sou.”

 

A fotografia é feita de reflexos, de espelhos e de sombras. Depois desse ocioso exílio do litoral desértico, passei a procurar em outras viagens, reflexos e sombras perdidos:  Busquei na animada, iluminada e extravagante Nova York do final dos  anos 80, e na Paris de matérias sombrias e opacas, cidade noturna dos flâneurs  surrealistas. Não achei nem no lado do otimismo tecnológico, nem no lado da inquietante estranheza. Por isso insisto tentando na pintura. E parafraseando Cortázar, adoto sua máxima: a obra talvez importe, mas não impede de andar.

 

 

Até maio de 2013.

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