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AGENDA CULTURAL

Retratos na Galeria Bergamin

A Galeria Bergamin, Jardins, São Paulo, SP, inaugura a exposição coletiva temática “Retratos: the last headline”. A curadoria é de Ricardo Sardenberg e entre os artistas participantes encontram-se obras assinadas por Nan Goldin, Pancetti, Di Cavalcanti, Lorenzato, Monvoisin, Leonilson, Marcos Chaves, Joaquín Torres-García, Alex Katz, Portinari e Guignard. De acordo com o curador, a mostra apresenta “…aproximadamente 50 obras de mais de 40 artistas do século XIX – época do apogeu do retrato como projeção do poder (no caso, a projeção do Império de D. Pedro II) – até os dias atuais..”

 

 

Retratos: the last headline
Texto de Ricardo Sardenberg

 

Não estamos vivendo a extinção das espécies, mas a extinção da espécie humana. A extinção da história, do prazer, do amor e do tempo. O fim de tudo o que somos por dentro: o ser humano vive um processo de extinção interior, antes mesmo de sua extinção no mundo. Também por isso, esse processo é irrefreável. A partir de agora, devemos prestar homenagens a uma era em que se acreditava que o mundo seria eternamente melhor. Não será.

 

O retrato, hoje, é o mausoléu de si. O museu das coisas mortas e passadas. Parece que estamos esperando o último retrato, a última pose, o último olhar antes da extinção. Nossa transitoriedade torna-se evidente quando olhamos qualquer retrato. Já não existe mais o personagem do retratado, aquele que projeta o que acredita ser por meio do olhar, da pose, da indumentária. Assim como o personagem do retratista, tantas vezes afirmado como quem coloca tudo de si em uma obra, também se tornou, no fluxo de tempo, aquele que busca apenas o prazer instantâneo no registro de uma humanidade que, simplesmente, foi esvaziada pela obsessão do consumo. Hoje, ao observarmos um retrato, notamos que ele pode apenas estar despertando a nostalgia de um tempo em que se acreditava na existência de uma cultura. Cultura, no sentido de permanência das experiências em sociedade. Hoje, sabemos que as pessoas se vão. Outrora, guardávamos imagens para nos recordarmos das pessoas; atualmente, por outro lado, o retrato pode revelar uma autoafirmação, confirmando nossa existência vazia, como um corpo extinto por dentro.

 

Retratos: the last headline não é um exposição milenarista em busca do apocalipse. Mas sim uma homenagem em forma de instalação ao instituto do retrato, que cada vez mais passa a ter um sentido de presente fugaz. A instalação consiste na exposição de aproximadamente 50 obras de mais de 40 artistas do século XIX – época do apogeu do retrato como projeção do poder (no caso, a projeção do Império de D. Pedro II) – até os dias atuais, quando sua existência é irônica e efêmera. Nesse processo de passagem do tempo, percebemos senão um rastro das imagens passadas, das tradições dos álbuns fotográficos, e uma certa projeção de nostalgia por aquilo que as próximas gerações deixarão de reconhecer. O retrato é como um repositório da memória de pessoas e momentos especiais no fluxo da vida.

 

Talvez estejamos entronando a abstração conceitual, provando a vitória dos conceitos diante dos sentimentos. Trata-se de um mundo desromantizado no qual até aqueles que amamos são transformados em representações do presente, ou seja, estão ausentes de imagens passadas que devem ser recordadas. Os arquivos digitais de imagens de nossas pessoas mais queridas logo se transformam em arquivos descomunais compostos por milhares de fotos similares. Tais arquivos assemelham-se ao depósito de fotos policiais provindas dos porões de uma ditadura ou dos desaparecidos na guerra.

 

Guardamos uma vaga lembrança do momento em que registramos essas fotos, mas, ao mesmo tempo, são dezenas de imagens cuja pose é a mesma: uma pequena variação da direção do olhar ou um borrão na imagem, resultado da pressa em registrar o instante que depois ficaria esquecido nos porões de um HD externo. O HD externo, e aqui também acho que a “nuvem” é a sua realização em escala global, é o monumento ao esquecimento. E espero que a montagem dessa exposição faça jus ao que está esquecido dentro da caixinha digital, ou pelo menos torne-o visível. Nesse sentido, o retrato deixou de ser um memento.

 

 
Até 30 de abril.

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