Acontece na 60ª Bienal de Veneza

19/abr

Denilson Baniwa, Arissana Pataxo e Gustavo Caboco Wapichana, curadores do Pavilhão Hãhãwpuá. Foto: CABREL/Escritório de Imagem. Fundação Bienal de São Paulo.

A Gentil Carioca, São Paulo e Rio de Janeiro, anuncia que Denilson Baniwa, junto aos artistas Arissana Pataxó e Gustavo Caboco Wapichana, assume a curadoria do Pavilhão Hãhãwpuá na 60ª edição da Bienal de Veneza. O Pavilhão Hãhãwpuá – nome usado pelo povo indígena brasileiro Pataxó para se referir à terra, ao solo ou, mais precisamente, ao território que veio a ser chamado de Brasil após a colonização – abrigará a exposição Ka’a Pûera: nós somos pássaros que andam, que destaca os direitos territoriais e a resiliência das comunidades indígenas brasileiras. A mostra conta com obras dos artistas Glicéria Tupinambá, Olinda Tupinambá e Ziel Karapotó.

A artista Yanaki Herrera terá suas obras apresentadas no Pavilhão da Bolívia numa coletiva organizada pelo Ministério das Culturas, Descolonização e Despatriarcalização da Bolívia e comissionada por Juan Carlos Cordero Nina. A exposição, intitulada Olhando para o futuro-passado, estamos caminhando para frente – QHIP NAYRA UÑTASIS SARNAQAPXAÑANI, é inspirada na cosmovisão Aimará.

A pesquisa artística de Yanaki Herrera, nascida em Cusco, Peru, e atualmente residente em Belo Horizonte, MG, Brasil, é voltada à maternagem e suas lutas. Através da pintura, da escultura e de instalações, a artista cria narrativas que conversam entre a ancestralidade e o presente como um lugar de transformação. Compõem a sua imagética elementos que nascem a partir das expressões corporais e culturais da América Latina.

Esposizione Internazionale d’Arte – La Biennale di Venezia – Stranieri Ovunque – Foreigners Everywhere

Curadoria Adriano Pedrosa / Organização La Biennale di Venezia

Até 24 de novembro.

Bruno Dunley em exibição na Nara Roesler Rio

16/abr

A Nara Roesler, Ipanema, Rio de Janeiro, RJ, convida para a abertura da exposição “Pequenas Alegrias”, com 20 trabalhos inéditos de Bruno Dunley, no dia 18 de abril, com curadoria de Pedro França. As obras em “Pequenas Alegrias” são o resultado de um ano de trabalho de Bruno Dunley, um dos expoentes da nova geração de pintores brasileiros. A mostra permanecerá em cartaz até 01 de junho.

A adoção de pinturas em formato reduzido é um dos principais eixos dessa exposição individual do artista. Depois de explorar os grandes formatos durante sete anos – mostrado em duas  individuais, em 2020 e 2023 – Bruno Dunley se volta para trabalhos em menores dimensões. A pesquisa com materiais pictóricos e suas propriedades – muito também  em função da Joules & Joules, a fábrica de tintas a óleo artesanais fundada em 2020 por ele e seu amigo e também artista Rafael Carneiro – o levaram a pensar em novas soluções plásticas e pictóricas para seus trabalhos.

“Após as exposições com telas de três metros por dois metros e pouco, senti a necessidade de experimentar mais as soluções pictóricas, por causa dos materiais e meios que estavam entrando no meu pensamento, no meu cotidiano, por conta da Joules”, conta. “Daí, surgiu a ideia de fazer pequeno, para eu poder testar soluções, e chegar mais perto das coisas de uma forma mais rápida”, diz.

O pequeno formato possibilita um aspecto mais fluído e experimental na concretização de seu pensar artístico. Nas palavras do artista, existe um forte componente “desenhístico” nessas novas pinturas. Esse aspecto não se dá apenas em função de seu caráter experimental, mas também pela leveza, agilidade e gestualidade que esse formato possibilita. Ainda que sejam trabalhos inéditos, as obras presentes em “Pequenas Alegrias” revisitam momentos anteriores da trajetória de Bruno Dunley: “Em 2014, durante uma viagem para a Serra da Capivara, deparei com uma série de desenhos e pinturas rupestres realizados pelos primeiros habitantes do lugar. Ainda que fossem anteriores ao próprio conceito de arte e extremamente simples, eram carregados de significados, e fundamentais para organizarem o imaginário de um grupo. Naquele momento (estes desenhos) tiveram influência em minha poética e, agora, voltam a ser revisitados”. Bruno Dunley ressalta também o fato de que, ainda que se tratem de trabalhos diminutos, estes são repletos de detalhes, tanto de natureza temática, como elementos figurativos, resquícios de paisagens e seres reduzidos a formas essenciais, até elementos de natureza técnica, como sutis gradações tonais e elementos táteis.

Nova artista representada pela Fortes D’Aloia & Gabriel

Tatiana Chalhoub

A produção de Tatiana Chalhoub é estruturada segundo os parâmetros técnicos e formais da pintura, expandidos por meio da cerâmica, em relevos de superfície acidentada ou fragmentada. A fusão entre imagem e matéria que tem lugar em seus trabalhos faz com que manchas de pigmento em acabamentos esmaltados ou oxidados ganhem contornos de paisagem ou natureza morta. Peças soltas, fragmentos e resíduos são processados em reinterpretações da natureza, da história da arte ou de anotações mentais, reunindo esses pedaços díspares num mundo marcado por matizes líquidos e tons aquáticos. Em peças suspensas entre ícones e atmosferas em pequena escala, Chalhoub abraça o acaso e a imprevisibilidade da prática de ateliê, projetando soluções pictóricas a partir de quebras, ruídos e desvios de processo.

Entre suas exposições individuais recentes estão Romper o dia, crack of dawn, Fortes D’Aloia & Gabriel, São Paulo, Brasil (2024); Mais uma casa, Kubik Gallery + Espaço Cama, São Paulo, Brasil (2022); On the grass, 1111 Project Space, Budapeste, Hungria (2019) e O brilho do bronze, Galeria Ibeu, Rio de Janeiro, Brasil (2015). Entre suas últimas exposições coletivas estão Contra-flecha: gestos de amor, práticas de sedução, Almeida & Dale, São Paulo, Brasil (2024); Nunca só essa mente, nunca só esse mundo, Carpintaria, Rio de Janeiro, Brasil (2023); Desmanchar, desfaz, Quadra, São Paulo, Brasil (2022).

Acontece na Casa Museu Eva Klabin

15/abr

Baseada no livro “Um Teto Todo Seu”, de Virginia Woolf, a exposição “Uma Casa Toda Sua” está em cartaz até 23 de junho na Casa Museu Eva Klabin, Lagoa, Rio de Janeiro, RJ.

A curadora Isabel Portella une Eva Klabin e Virginia Woolf em um pensamento comum, convidando catorze artistas mulheres com discursos e poéticas bastante diversos para trazer propostas instigantes e interferências no espaço. São elas: Bel Barcellos, Carolina Kaastrup, Claudia Hersz, Daniela Mattos, Dora Smék, Julie Brasil, Karola Braga, Lyz Parayzo, Mariana Maia, Marlene Stamm, Panmela Castro, Patrizia D’Angello, Sani Guerra e Simone Cupello (foto).

O livro “Um Teto Todo Seu” é uma coletânea de palestras de Virginia Woolf ministradas em faculdades de Cambridge, em 1929. Na obra, a autora reflete sobre as condições sociais da mulher e sua produção literária, bem como as dificuldades para que elas tenham uma posição de destaque e possam se expressar livremente, características ainda presentes nos dias de hoje. Virginia Woolf defende que a mulher precisa ter domínio sobre a sua vida e autonomia financeira para poder criar.

No período em que o livro foi publicado, Eva Klabin tinha apenas 25 anos, mas já adotava os princípios de Virginia Woolf. Ao mesmo tempo que vivia intensamente suas viagens e estudos, ela também precisava de um espaço privado, um pedaço do mundo onde sua individualidade existisse isoladamente. Na casa da Lagoa – onde hoje funciona a Casa Museu – Eva Klabin reuniu peças vindas de civilizações e épocas diversas para conservá-las ao alcance dos olhos, no lugar onde vivia.

“O que proponho é uma exposição só com artistas mulheres independentes. Mães solo, mulheres negras, lésbicas, trans, periféricas, deficientes, idosas e mulheres livres que fazem seus trabalhos com garra e força, independentes de críticas e do mundo fálico dos curadores homens que habitam o nosso cenário artístico atual. No encontro da arte com tantos desejos e conquistas, celebremos a figura de mulheres que ousaram transgredir, oferecendo à vida o que têm de mais íntimo e sagrado”.

Isabel Portella – curadora

Exposições simultâneas no Recipiente Porongo

O Centro Cultural Recipiente Porongo, Botafogo, Rio de Janeiro, RJ, inaugura dia 19 com duas exposições simultâneas: “Brotar”, coletiva com curadoria de Shannon Botelho com a participação de 30 artistas da cena contemporânea atual. São eles: Aline MacCord, Amador e Jr. Segurança Patrimonial Ltda, Ana Klaus, Camile Soares, Cibele Nogueira, Cibelle Arcanjo, Edu Monteiro, Eloá Carvalho, Fernanda Sattamini, Gabriela Noujaim, Hugo Houayek, Ju Morais, Julia Arbex, Karin Cagy, Kika Diniz, Luanda, Marcelo Monteiro, Mariana Guimarães, Maria Baigur, Maria Palmeiro, Paloma Carvalho, Patrizia D’Angello, Rafael Adorján, Rafael Prado, Rafa Diås, Raul Leal, Stefanie Ferraz, Thadeu Dias, Ursula Tautz, Vanessa Freitag e “Perspectivas para além da visão”, exibição individual de Michele Martines com curadoria de Renata Santini.

Mano Penalva na Simões de Assis Curitiba

12/abr

Dois pra lá, dois pra cá

Uma das possibilidades de revisão da história social do Brasil apresenta-se através de uma história do movimento. Polivalente, esse movimento pode acontecer de inúmeros modos: migrações populacionais, variações de maré, dinâmicas comerciais e de troca e, próprio ao corpo cultural, a dança. Apesar das variantes sedutoras, opto por manter esta investigação historicamente próxima ao “movimento”, pela insubordinação que o próprio fenômeno carrega consigo em relação ao desapego disciplinar e à liberdade de deslocamento no pensamento.

Em Dois pra lá, dois pra cá, exposição individual de Mano Penalva em Curitiba, é a tentação do olho que comanda o deslocamento, que ativamente distorce a imagem fruída ao passo que o espectador se move no espaço. As salas expositivas, idealmente neutras, tornam-se um diagrama de coreografias planejadas pelo artista. Nas obras da série Ventana, produzidas com ripas de madeira multicoloridas, é como se cada canto assobiasse, chamando para mais perto, em disputa com os chamarizes em si mesmo. Os trabalhos demonstram uma repulsa à frontalidade, a um ponto de vista único, hermético e pré-fixado, questão amplamente discutida pela prática escultórica contemporânea. Ambíguo, os objetos tridimensionais de Penalva se apresentam camuflados de pinturas postos à parede; sem a intenção do engano, mas com o truque do fascínio. A apontar para uma crise de classificação em um mundo de objetos e nomes cambiantes, o trabalho engendra compreensões intervalares em sua própria natureza.

Penalva incentiva uma observação livre da forma, pautada pelos apetites sensoriais a serem saciados através do movimento em diversos ângulos, em mudanças completas de cor e composição em determinadas posições. Com esses trabalhos, portanto, o artista propõe ao espectador uma insinuação de dança defronte às obras: dois pra lá, dois pra cá. Tal movimento pendular, como as contas de um ábaco – ou como seus Alpendres que balançam ao vento -, joga pontos de referência a primorosos sistemas estéticos de origem popular, assim como sobrescreve um incontornável legado da arte cinética, sobretudo do modernismo latino-americano. Esse resíduo histórico que acompanha a produção de Penalva é análogo ao ruído visual causado pelos trabalhos apresentados, onde fenômenos ópticos – como o moiré – se intensificam e se acumulam na retina de quem absorve os trabalhos, impregnando o próximo trabalho com o zumbido do anterior. Desse modo, Penalva reverencia a sofisticação de vocabulários visuais igualmente populares – e, por consequência, suas epistemologias e relações sociais -, como na composição de elementos da arquitetura vernacular, na composição de bancas de feira com lonas e caixas de madeira, na diagramação de cartazes com letras pintadas manualmente. As ventanas guardam semelhanças com os aparatos arquitetônicos postos em vãos de janelas e portas que permitem o fluxo de ar ao mesmo tempo que bloqueiam a incidência solar. Tal solução formal, criada em países com climas desafiadoramente quentes, apresenta diversidade caleidoscópica de formas e combinações de padrões geométricos – como em cobogós, muxarabis, venezianas e persianas. Pedindo o inverso do que o objeto que as geram propõe, as Ventanas de Penalva pedem ao espectador que as descortinem, que as esguelhem, que as desvelem em soslaio. Essa geometria dinâmica encontra diálogos bem humorados: em Beijo, por exemplo, a parábola formada pelo tenso peso da fiada de contas encontra, em uma carícia tangente, o arco côncavo da forma circular pintada em acrílica sobre madeira. Essa espécie de colar de miçangas, além de sugerir conexões religiosas e espirituais densamente ocorrentes nas visualidades populares, fazem cócegas no conceito do ornamento, presença temida pelo modernismo minimalista. Em Beleba, esferas imantadas que sugerem divertidas bolinhas de gude, comuns em brincadeiras e rua, também simbolizam campos de troca, de conquistas e de estratégias¹. Visualmente, inserem pontos visuais marcantes em meio ao ritmo vertical, como semibreves em uma partitura rotacionada.

Ao intitular a mostra como Dois pra lá, dois pra cá, o artista desvia o movimento para a dança, e alguns pilares fulcrais bailam no horizonte: a relação intrínseca com a música; a corporificação de expressões culturais das mais diversas, miscigenadas, transpostas e reconfiguradas; a dimensão afetiva; e a efemeridade da dança, que só acontece em determinado momento e, quando se repete, é sempre nova, embora repita uma tradição. A dança é, portanto, inexata em suas recorrências, tenha o mesmo princípio medidor, uma matriz de instruções comum. Quadris, ombros, pés e mãos obedecem a cantos inteligíveis que ativam corpos sensíveis, cuja inteligência corporal é mestra. Há, por certas matrizes, uma tentativa de esquematização dos movimentos da dança, de modo a controlá-lo, reproduzi-lo em intentos disciplinares, geométricos, científicos. Ironizar a tentativa de ensinar alguém a ter molejo foi uma das intenções centrais de Andy Warhol na série Dance Diagram (1961-1962), onde a sinuosidade e espontaneidade dos movimentos dão lugar a linhas duras e vetoriais que instruem sobre o movimento dos pés². Nas ocasiões em que trabalhos dessa série eram expostos – em lugares onde ver pessoas dançando causa estranheza, como museus e galerias de arte –, eram raras as vezes em que os observadores não tentavam replicar as instruções defronte às obras.

Em Dois pra lá, dois pra cá, Mano Penalva propõe uma ativação similar: em uma sala com paredes em tom mais quente, ecoa um bolero que incentiva os visitantes à dança. As duas caixas de som sobre tripés, defronte aos grandes Alpendres que lavam as paredes do teto ao chão, sugerem dois corpos que, em par, somam-se à dança. A instalação sonora Bolero para o silêncio – composta por Penalva e pelo produtor musical Meno Del Picchia -, além de atentar para os hibridismos culturais da América Latina, suas influências hispânicas e resistências originárias e diaspóricas, disserta sobre a importância do intervalo: a pausa que intercala os passos é tão importante quantos os elementos cheios. Maestro é quem domina o tempo, determina o ritmo e dispõe as frestas na completude. Cercado de obras que privilegiam a apreensão visual em detrimento a outros sentidos, Bolero para o silêncio amalgama-se com o observador em um processo de ignição do corpo através da audição. Nota-se, portanto, uma inexatidão nas práticas da dança: embora haja um decoro que as rejam, cada uma acontece de modo específico, dentro de um parâmetro convencionado. Essa matemática orgulhosamente inexata, descompassada pela generosidade, tende sempre ao transbordamento, a um pouco a mais: surge, assim, a obra Um tanto e meio. Penalva questiona se esse sistema de medida pautado pela partilha não se faz mais pertinente nas relações humanas do que a escala de unidade métrica, onde, em frieza tal, o que determina o que é medido é o comprimento de raios de luz no vácuo em um intervalo mentalmente incompreensível.

Embora as medidas representem uma lata de um litro e uma de meio litro – empírica, sábia e precariamente apropriadas da produção industrial, ao reutilizarem latas metálicas de óleo de cozinha como recipiente para medida de grãos e farinhas em feiras públicas -, Um tanto e meio indaga acerca da arbitrariedade dessas convenções: não se sabe quanto faz um tanto ser um tanto, muito menos meio. A obra propõe uma alternância, sempre dinâmica: de um lado, o cheio intransponível, como esculturas maciças de Iran do Espirito Santo que não servem para medida alguma; ou o vazio presente, como nas moedas sem valor de Cildo Meireles. Os objetos em si nada valem, mas pautam o valor das coisas que medem e trocam. Existem virtualmente, em potência. Com conteúdo mutável, podendo ser preenchidas com matérias dos mais diversos valores, Um tanto e meio enfatiza a dinâmica da troca. Além disso, indaga se propor possibilidades centradas na generosidade nas dinâmicas capitalistas não são encenações utópicas. Complica-se ainda mais quanto as etapas produtivas são subvertidas pelo paulatino abandono da reutilização das latas industriais, passando a produzir artesanalmente – e vender – novos utensílios medidores com volumes aproximados. Assim, reitera-se um deslocamento central: um instrumento de medida passa a ser de representação, em uma ciranda cruzada entre imagem, objeto e significado. Ao mesmo tempo que se referem a uma prática dada, Um tanto e meio independe dos objetos que a constituem, posto que (in)citam, em senso estrito, os movimentos feitos por outras latas que não aquelas. Incentivando os mecanismos imaginativos, Penalva sugere a possibilidade sonora dessas latas quando cheias, como chocalhos que cumprem a percussão do bolero, a soar o ritmo do cotidiano, o barulho das feiras, o som do baile.

Mateus Nunes

Até 20 de abril.

A memória pessoal de um artista

O artista Pedro Carneiro, inaugura no dia 14 de abril de 2024, às 13h, no Sesc Madureira, Rio de Janeiro, RJ, sua maior exposição individual: “Antes que a Memória me Esqueça”. Aproximadamente 40 obras – entre pinturas, vídeos e fotografias – ocuparão os espaços expositivos do térreo da instituição. A fé, a religiosidade, o sonho e a sobrevivência diante da violência e do racismo também estão nos trabalhos de Pedro Carneiro. O curador Raphael Couto distribuiu as obras do artista em três grandes núcleos: o primeiro, relacionado ao cotidiano, ao ambiente familiar e afetivo; o segundo, lúdico, o movimento em busca dos sonhos; e o terceiro com obras que fazem comentários mais diretamente políticos. Os trabalhos de Pedro Carneiro partem de sua memória pessoal, principalmente em torno das matriarcas de sua família: as avós materna e paterna, que moravam juntas com as tias do artista em Oswaldo Cruz, bairro vizinho a Madureira. A morte da avó Ridete, em 2023, e a isquemia sofrida pela outra avó, Luiza, provocaram no artista uma urgência em registrar suas memórias. “Ainda que sejam relacionadas a minha memória, tento encontrar um lugar familiar na memória de todos que vejam meus trabalhos”, diz. “A memória é frágil, ela pode se perder, mas resistimos e queremos que ela persista o máximo de tempo possível. Mesmo quando eu partir, eu quero que algumas coisas sejam lembradas”.

O público é recebido pelas fotografias das duas avós, Ridete e Luiza, as matriarcas “anfitriãs” da exposição. Nesta primeira parte, estarão duas séries de pinturas de plantas: “Raízes”, plantas usadas como proteção por religiões afro-brasileiras, destacadas sobre um fundo de spray dourado; e “Do Quintal nº 240″, com plantas do quintal da avó Ridete, com o fundo em tom de rosa, uma característica do trabalho do artista.

“Há um rosa nos quintais, carrancas e álbuns de famílias, nas espadas de São Jorge e numa Coca-Cola na mesa do bar. Um rosa onde o cotidiano é mágico e banal, onde se cata o feijão na mesma mesa em que se lê uma história de super-herói. Há um rosa mágico, entre nuvens contempladas de um quintal no subúrbio, uma rosa dos ventos alegórica e pop. E há um rosa direto e absurdo, que avermelha no sangue dos corpos pretos vitimados ao portar pinhos sóis, guarda-chuvas e furadeiras. Rosa acobreado nos cartuchos de traçantes que riscam a paisagem tal qual Pedro risca a parede. O rosa de Pedro Carneiro é manchado, dissonante, colorido”, destaca Raphael Couto.

Cenas do ambiente familiar estão nas pinturas “Naquela mesa”, “Retomar a memória esquecida”, “Antes de mudar a história da arte da minha rua”, “Aprendendo a respirar”, e as avós, em “Raízes, Vó Luiza” e “Raízes, Ridete”. Em “Take it easy, my brother Charles”, um policial de costas, em silhueta, olha para uma paisagem. “Um dado muito discrepante é que o Brasil tem a polícia que mais mata, e também a que morre mais. Um policial preto que mata um preto. Quero discutir esse sistema. Como se constrói e se perpetua”.

A segunda parte de “Antes que a Memória me Esqueça” tem um caráter mais lúdico, e aborda a luta pela realização dos sonhos, a fé, o respiro necessário para admirar a vida, as curas. Pedro Carneiro diz que “faz parte de nossa vida “parar e olhar o céu”, em uma apropriação do Cartola” – as pinturas “Ao mergulhar no céu” e “Leste – Oeste”. “É importante observarmos um autocuidado, nos protegermos, cuidarmos uns dos outros, e trabalhar para melhorar nossa realidade”. Esses temas estão em obras como a pintura “Herói-tropicaos-marginal”, “Fé: levei as dores para serem lavadas no mar. I e II”, “Caminhar no mundo” e “Carranca”, uma instalação com sal grosso e resina epóxi, que “transpira” com o tempo, criando uma crosta, e uma poça em volta, sem no entanto perder a forma.

Estrelas Cadentes/Balas traçantes

No último segmento da exposição, estão trabalhos que discutem mais diretamente o racismo, a violência urbana, a segurança pública e o conceito de “bala perdida”.

Sobre o artista

Pedro Carneiro nasceu em 1988, Rio de Janeiro, RJ. Tem participado de exposições coletivas importantes, como “Carolina Maria de Jesus: Um Brasil para os brasileiros” – apresentada no Instituto Moreira Salles Paulista, e depois em itinerância em Sorocaba e São José do Rio Preto, em São Paulo, e no Rio de Janeiro, onde esteve no Parque Madureira, na Ocupação MAR, e no Museu de Arte do Rio (MAR). No MAR, Pedro Carneiro integrou também a mostra “Um Defeito de Cor”, que depois foi apresentada no Museu Nacional da Cultura Afro-Brasileira (Muncab), em Salvador, BA. Entre outras coletivas, também participou de “Parada 7″,  no Centro Cultural Hélio Oiticica e Centro Cultural da Justiça Federal, no Rio de Janeiro, e da Bienal do Mercosul, em Porto Alegre, RS.

A arte urbana de Bruno Portella

A Galeria Alma da Rua I, Vila Madalena, São Paulo, SP, espaço cultural dedicado à expressão artística contemporânea, dá início ao segundo trimestre de sua agenda expositiva de 2024 com a abertura da mostra “Héstia: A Deusa do Fogo”, do artista plástico Bruno Portella, sob a curadoria de Tito Bertolucci. Este evento é representativo na trajetória da galeria, que se destaca por sua propensão a abordar temáticas relevantes e atuais através da arte, especialmente da arte urbana. Com abertura no dia 13 de abril, a exposição, composta por 11 pinturas, permanerá em cartaz até 13 de maio.

“Héstia: A Deusa do Fogo” surge como uma homenagem singular às mulheres que influenciaram de forma marcante a sociedade ao longo da história, comparando sua essência à do fogo, elemento que molda e ilumina o mundo ao seu redor. O título da exposição  Héstia – , que remete à divindade grega do lar e do fogo, evoca não apenas o calor e a luz emanados por estas figuras femininas, mas também sua capacidade transformadora, sua presença vital e reconfortante.

Bruno Portella, artista reconhecido por sua habilidade em retratar a energia e a vitalidade do fogo em seus trabalhos, utiliza a arte urbana como meio de expressão para destacar o legado dessas mulheres, sejam elas líderes visionárias ou figuras anônimas que, em sua simplicidade, deixaram uma marca indelével na História da Humanidade. Sua opção pela street art, como forma de expressão, não é por acaso: ela representa uma linguagem acessível e inclusiva, capaz de dialogar diretamente com o público e de transmitir mensagens profundas e impactantes. Ao adentrar a galeria, os visitantes estarão imersos em um ambiente que mescla elementos da arte urbana com a aura de reverência e respeito a essas figuras femininas. Cada obra servirá como uma janela para a alma dessas mulheres, revelando não apenas suas conquistas e realizações, mas também suas lutas, suas dores e suas esperanças. São retratos que capturam a essência da feminilidade em toda sua diversidade e complexidade, desde as mulheres comuns que desafiaram as convenções sociais até aquelas que se destacaram como líderes em seus campos de atuação. Em “Héstia: A Deusa do Fogo”, Bruno Portella propõe um convite à reflexão sobre seu próprio papel na sociedade e sobre sua capacidade de fazer a diferença. A mostra não se limita a ser um evento artístico; ela é também um espaço de encontro e de diálogo, onde as histórias das mulheres retratadas encontram eco nas experiências e vivências do público. É um convite à reflexão, à celebração e à ação, em um momento em que a luta pela igualdade de gênero e pelo reconhecimento do papel das mulheres na sociedade continua mais relevante do que nunca. Além de proporcionar uma experiência única de imersão na arte urbana, a mostra estabelece um diálogo inspirador com os visitantes, convidando-os a explorar e refletir sobre o legado das mulheres que incendiaram o mundo com sua presença e determinação. A Galeria Alma da Rua se oferece como espaço para que todos se juntem a essa jornada de descoberta e inspiração, celebrando a influência das mulheres na sociedade contemporânea através da expressão artísticande Bruno Portella.

Sobre a galeria

A Galeria Alma da Rua, idealizada e criada pelo empreendedor Tito Bertolucci em 2015 tem se destacado como um espaço dedicado prioritariamente à promoção da street art no Brasil. A essência da galeria reside na colaboração com artistas que atuam nas ruas, não apenas de grandes centros urbanos como São Paulo e Rio de Janeiro, mas com abrangência nacional. Tito Bertolucci expressa sua intenção de ampliar ainda mais essa diversidade geográfica, buscando representantes da arte urbana de todas as regiões brasileiras e também no plano internacional. A street art, caracterizada pela expressão artística em espaços públicos, como muros, fachadas de prédios e viadutos, é uma manifestação cultural que reflete as dinâmicas e identidades das comunidades urbanas. Dentro das instalações da galeria, encontram-se obras de renomados artistas brasileiros como Binho Ribeiro, EDMX, Enivo, Onesto, Pato, Cris Rodrigues, Mari Pavanelli, Gatuno entre outros. Destaca-se também um espaço reservado ao movimento de pichação no Brasil, com obras de Dino e Cripta Djan. Tito Bertolucci enfatiza a postura inclusiva da galeria, que se destaca ao proporcionar visibilidade aos pichadores, oferecendo-lhes um espaço para expressar sua arte sem restrições. A Galeria Alma da Rua emerge como um ponto de encontro essencial para apreciadores e artistas da cultura urbana brasileira. Além de servir como plataforma expositiva, a galeria desempenha um papel fundamental na promoção e valorização da street art, contribuindo para sua consolidação e reconhecimento no contexto artístico nacional.

Mostra de Tomie Ohtake

11/abr

A Nara Roesler São Paulo tem o prazer de apresentar, em parceria com o Instituto Tomie Ohtake, “Infravermelho”, com mais de quinze pinturas de Tomie Ohtake, artista nipo-brasileira, considerada um dos grandes nomes da arte contemporânea nacional.  A curadoria é de Paulo Miyada, diretor artístico do Instituto, e a exposição terá ainda uma escultura da artista, em tubo metálico pintado de branco, e um conjunto nunca mostrado ao público de pinturas de 30cm x 30cm, estudos de suas obras. O arquiteto e designer Rodrigo Ohtake, neto da artista e vice-presidente do Instituto Tomie Ohtake, fará uma intervenção expográfica, criando uma segunda pele nas paredes das duas primeiras salas, com um painel de chapas metálicas perfuradas, em um plano sinuoso que envolverá esses espaços. “Infravermelho” oferece uma oportunidade de aprofundar o olhar sobre uma importante etapa do trabalho da artista.

Tomie Ohtake é uma das artistas integrantes da 60ª Bienal de Veneza, “Stranieri Ovunque/Foreigners Everywhere” – entre 20 de abril a 24 de novembro, que tem como curador o brasileiro Adriano Pedrosa. Seu trabalho irá compor o núcleo histórico modernista latino-americano e diaspórico.

“Infravermelho” reúne trabalhos majoritariamente desenvolvidos ao longo da década de 1990, quando a artista consolida a transição, iniciada dez anos antes, do uso de tinta acrílica em detrimento da tinta a óleo. O uso dos pigmentos diluídos em água permitiu Tomie explorar as transparências, as veladuras, a fluidez, de uma forma que não teria sido possível com a tinta óleo, em que os solventes são mais espessos, além de altamente tóxicos. “A água é a própria noção de fluidez, e isso permitiu com que Tomie lidasse com texturas que são menos controladas, do que as da pintura a óleo”, observa Paulo Miyada. “Uma pincelada muda a cor e a densidade, e as obras caminham para uma composição mais sintética”.  Ele explica que nos anos 1960 as obras de Tomie Ohtake tinham o fundo mais claro, onde “flutuavam retângulos, quadrados de cor. Nos anos 1970 e 80, o fundo foi sumindo e os planos coloridos se expandiram, com bordas bem definidas”.

Obras de Gabriela Machado em exposição

09/abr

A Luciana Brito Galeria, Jardim Europa, São Paulo, SP, abriu a maior exposição da artista Gabriela Machado. A exibição de “Cadê o Abre Alas?” tem curadoria de Oswaldo Corrêa da Costa e essa é a primeira exibição da artista na galeria e a mais completa que já realizou ao longo da carreira reunindo mais de cem obras, entre pinturas de maior e menor escala, assim como esculturas em porcelana, ocupando todos os espaços da galeria.

“Uma grande exposição de pinturas pequenas. Uma pequena exposição de pinturas grandes. Uma estante que vai do chão ao teto com pequenas esculturas (…) Montagem sistemática, minimizando subjetividade, provocando combinações impensadas”, diz Oswaldo Corrêa da Costa. A montagem da exposição foi inspirada pela ideia da “Morte do Autor”, de Roland Barthes, onde este defende que o autor deve desaparecer no momento em que nasce o leitor (ou espectador, no caso), pois é a partir das reflexões desse último que novas ideias surgem. Aqui, essa ideia pode ser entendida como um apagamento do rastro do curador, ou a diminuição radical de seu protagonismo, parte da crítica contemporânea à autoridade do “homem branco ocidental”. Para por essa ideia em prática, a proposta curatorial dividiu as pequenas pinturas em três grupos, ou “enxames”, compostos de telas do mesmo tamanho. Dentro de cada enxame, o ordenamento nas paredes será por degradês que vão do mais claro ao mais escuro, ou vice versa. Transferir a responsabilidade para critérios mais objetivos aumenta o enfoque sobre a cromaticidade dos trabalhos e gera um ordenamento coletivo, ao mesmo tempo em que cada obra continua se sustentando individualmente.

Essas pequenas pinturas são realizadas por Gabriela Machado como quem escreve um diário de bordo. Por onde passa, registra suas impressões na tela. Sua percepção pontual das cores, formas, brilho e luminosidade ficam registrados a óleo nas telas pequenas, que carrega para todos os lados, e contam as histórias do seu caminhar. Desde 2017, elas guardam memórias de lugares onde a artista esteve para residências artísticas, ou apenas para a formação de um olhar para sua pintura, seja em diferentes regiões de Portugal, França e Estados Unidos, ou em cidades de Minas Gerais, Rio de Janeiro e Bahia, incluindo impressões e percepções pontuais, registradas em determinados momentos, e captadas com a ajuda de frases escritas, como “Aqui cabe tudo”, “O céu perto de mim”, “Queira ou não queira, esse é o meu lugar”, “Pulo do gato” e “Cadê o Abre Alas?”, título que dá nome à exposição; frases que são exteriorizadas como verdadeiros tiros certeiros no tocar de um relógio cuco. Como num acordo íntimo entre a artista e o relógio, a cada cantada do pássaro a artista escrevia uma frase na superfície da pintura que realizava no momento, compondo o “livro do cuco”. Muitas vezes, as pinturas de Gabriela Machado situam-se no limiar entre o figurativo e o abstrato, deixando o entendimento para o espectador.

A mostra também apresenta um conjunto de pinturas mais recentes, de maior escala. Diferentemente das pequenas, essas obras maiores carregam o peso do gesto da artista em uma escala corporal. Por meio da tinta acrílica, Gabriela Machado utiliza processos rápidos e orgânicos, exteriorizando sentimentos e estados de espírito em grandes desenhos abstratos. Enquanto as pinturas menores, a óleo, realizam um trânsito de fora para dentro, trazendo para a tela as percepções do entorno, as grandes, em acrílica, acontecem de dentro para fora, traduzindo sensações momentâneas.

Em um diálogo direto com as pinturas, Gabriela Machado também apresenta uma série de pequenas esculturas em porcelana esmaltada. Dispostas da mesma forma que costumam permanecer no estúdio da artista, as peças são apresentadas em uma grande estante de madeira. Os gestos intimistas de moldagem, em escala manual, ditam os movimentos dessas peças que, segundo o curador, são “informadas pelo conhecimento acumulado em uma longa estrada, por uma habilidade desinteressada em exibicionismo. A primazia é sempre da mão; sua pegada sempre visível”.