Conversa com artista na FIC

15/mar

Waltercio Caldas é o convidado da Conversa com Artista na Fundação Iberê Camargo, Porto Alegre, RS. O bate-papo, comandado por Felipe Scovino, curador de Narrativas em Processo: Livros de Artista na Coleção Itaú Cultural, em cartaz na Fundação Iberê Camargo, tem como tema as obras de Waltercio Caldas, que integram essa mostra. 

No dia 16 de março (sábado), às 16h, o Itaú Cultural e a Fundação Iberê realizam mais uma edição da Conversa com Artista, um bate-papo entre o artista Waltercio Caldas e o curador Felipe Scovino sobre as sete obras de Caldas presentes na exposição Narrativas em Processo: Livros de Artista na Coleção Itaú Cultural, em cartaz até 31 de março. Ao final, a conversa é aberta às perguntas do público. Por volta de uma hora e meia, eles exploram os processos de produção e os contextos dos livros Simétrica (1995), O Livro Velázquez (1996), Momento de Fronteira (1999), Estudo sobre a Vontade 1975 (2000), De Arte (2001), Outra Fábula (2009) e Como Imprimir Sombras (2012), todos de autoria de Waltercio Caldas. “Waltercio Caldas é o artista mais bem representado nesse recorte de livros de artista da exposição. Por isso, faremos uma mesa focada na fala dele sobre esses trabalhos e a relação deles com as suas outras obras, como as esculturas e desenhos”, adianta Felipe Scovino. “A ideia é contar essa história, não só da produção dos livros dele, mas da importância desse tipo de arte na produção plástica brasileira”, completa.

 

A exposição

Porto Alegre é a oitava cidade a receber essa mostra, que exibe mais de 40 obras do acervo do IC com foco nos artistas brasileiros na transição entre o moderno e o contemporâneo. Elas estão distribuídas em cinco eixos: Rasuras, Paisagens, Álbuns de Gravura, Uma Escrita em Branco e Livros-objetos. Rasuras reúne peças que se colocam à margem de uma narrativa obediente ao pragmatismo. Em Paisagens os livros podem problematizar a paisagem enquanto um labirinto sensorial. Álbuns de gravura concentra distintas análises, que exploram a reflexão sobre o diálogo entre a produção artística e os meios de experimentação. No núcleo Uma escrita em branco, os visitantes encontram obras livros que evidenciam a forma, o peso e a estrutura da obra ao invés da palavra. Por fim, o eixo Livros-objetos reúne e homenageia os pioneiros no Brasil dos chamados livros-objetos e sua intersecção direta com a poesia concreta.

 

Sobre a Fundação Iberê Camargo

Iberê Camargo construiu, ao longo de sua carreira, uma imagem sólida de trabalho e profissionalismo. O resultado desse esforço e olhar para a arte estão preservados em uma fundação que leva o seu nome. Neste espaço, o objetivo é o de incentivar a reflexão sobre a produção contemporânea, promover o estudo e a circulação da obra do artista e estimular a interação do público com a arte, a cultura e a educação, a partir de programas interdisciplinares. O artista produziu mais de sete mil obras, entre pinturas, desenhos, guaches e gravuras. Somando-se a esta ampla produção artística, estão diversos documentos que complementam suas obras e registram sua trajetória, já que o artista e sua esposa, Maria Coussirat Camargo, tiveram como preocupação constante a preservação da documentação e de sua produção. Toda a coleção compõe o Acervo Artístico e o Acervo Documental da instituição. São 216 pinturas que abrangem o período de 1941 a 1994; mais de 1500 exemplares de gravuras em metal, litografias, xilogravuras e serigrafias; e mais de 3200 obras em desenhos e guaches. Entre suas obras, destaque para um autorretrato pintado a óleo sobre madeira. Livre das regras do academicismo, Iberê sempre buscou o rigor técnico, mantendo-se fiel às suas memórias (o “pátio da infância”), e ao que considerava ético e justo. Sua pintura expressa este não alinhamento com os movimentos e as escolas. Dentre as diferentes facetas de sua vasta produção em desenho, gravura e pintura, o artista desenvolveu as conhecidas séries Carretéis, Ciclistas e As Idiotas, que marcaram sua trajetória.

 

Sobre a Coleção Itaú

Todas as peças desta exposição pertencem ao acervo do Banco Itaú, mantido e gerido pelo Itaú Cultural. A coleção começou a ser criada na década de 1960, quando Olavo Egydio Setubal adquiriu a obra Povoado numa planície arborizada, do pintor holandês Frans Post. Atualmente reúne mais de 15 mil itens entre pinturas, gravuras, esculturas, fotografias, filmes, vídeos, instalações, edições raras de obras literárias, moedas, medalhas e outras peças. Formado por recortes artísticos e culturais, abrange da era pré-colombina à arte contemporânea e cobre a história da arte brasileira e importantes períodos da história de arte mundial. Segundo levantamento realizado pela instituição inglesa Wapping Arts Trust, em parceria com a organização Humanities Exchange e participação da International Association of Corporate Collections of Contemporary Art (IACCCA), esta é a oitava maior coleção corporativa do mundo e a primeira da América do Sul. As obras ficam instaladas nos prédios administrativos e nas agências do Banco no Brasil e em escritórios no exterior. Recortes curatoriais são organizados pelo Itaú Cultural em exposições na instituição e exibidas em itinerâncias com instituições parcerias pelo Brasil e no exterior, de modo a que todo o público tenha acesso a elas e tendo alcançado cerca de 2 milhões de pessoas. Em sua sede, em São Paulo, o Itaú Cultural dedica duas mostras voltadas para as coleções Brasiliana e Numismática, expostas de forma permanente no Espaço Olavo Setubal e no Espaço Herculano Pires – Arte no dinheiro.

 

Signos na Paisagem no CCBB Rio

08/mar

Última sede da itinerância da mostra BIENALSUR 2023 no Brasil evidencia os olhares de artistas de diferentes origens sobre o impacto que as ações humanas vêm promovendo no planeta. Um dos exemplos notáveis da exposição é o vídeo da argentina Gabriela Golder, gravado no Cerro Mariposa (Valparaíso, Chile), que mostra a devastação provocada por um incêndio de enormes proporções, em 2015!

Signos na Paisagem reúne obras de Rochelle Costi e Dias & Riedweg (BRA); Gabriela Golder e Matilde Marín (ARG); Stephanie Pommeret (FRA); Alejandra González Soca (URY); Gabriela Bettini (ESP); Sara Abdu, Zhara Al Ghamdi e Hatem Al Ahmad (SAU). Os trabalhos problematizam a experiência de vida contemporânea e têm como chave, em sua maioria, a questão do meio ambiente. A mostra faz parte da 4ª edição da BIENALSUR, o evento cultural mais extenso do mundo – 18.730 km de arte contemporânea, em 28 países e mais de 70 cidades nos cinco continentes chega ao Centro Cultural Banco do Brasil Rio de Janeiro permanecendo em cartaz até 15 de maio.

“Uma das premissas do trabalho da BIENALSUR é explorar o panorama artístico internacional por meio de uma convocatória livre e horizontal que realizamos para cada edição. A partir deste chamado, surgem os temas principais sobre os quais trabalhamos, bem como um conjunto de projetos de artistas de diferentes contextos culturais, que são selecionados para serem incluídos nas diversas exposições e intervenções realizadas simultaneamente em cada edição do evento”, explica Diana Wechsler, Diretora Artística da BIENALSUR.

Do último chamado aberto surgiu o tema dominante que orienta a seleção de artistas nesta exposição. A experiência vital contemporânea é problematizada em todas as obras; em algumas delas, a questão ambiental é fundamental. “De diferentes maneiras, nosso olhar sobre o ambiente natural – antes identificado entre as disciplinas artísticas convencionais simplesmente como paisagem – é urgente e exige atenção. Há séculos sabemos que as sociedades humanas vêm modificando a natureza por meio da extração de recursos, o que gera um grande impacto no planeta”, diz a curadora.

A exposição

A observação do entorno próximo durante o período de isolamento social entre 2020 e 2021 devido à Pandemia foi o ponto de partida para as observações de Rochelle Costi (BRA), o que a levou a desenvolver sua série Casa & Jardim;. As fotos registraram insetos encontrados na área externa de sua casa/ateliê (localizada a 4 km do centro da cidade de São Paulo). O trabalho não foi apenas uma observação, mas também uma provocação, pois incorporou na paisagem do jardim doméstico placas de plástico em relevo, criando uma topografia na tentativa de imitar a natureza, ao mesmo tempo atraindo e causando estranheza nos insetos, alterando seus comportamentos habituais. A série exibe o contraponto do que a comunidade global estava passando naquela época, quando as rotinas e paisagens cotidianas estavam sendo alteradas e a sensação de estranhamento dominava a sociedade. Este foi o último trabalho da artista, falecida em novembro de 2022.

Em uma linha de reflexão semelhante, o trabalho de Dias & Riedweg (BRA), a série Silêncio, composta por 16 fotografias digitais, observa as marcas no ambiente urbano e adota um tratamento formal dessas fotografias que remove o volume e a cor, deixando apenas as linhas, aproximando-se da imagem de uma gravura em metal. Esta estratégia escolhida para desafiar o olhar é um convite para descobrir, através de pequenos detalhes, a anomalia, o estranho, o que se torna alheio a uma narrativa visual convencional. Por meio destas imagens tiradas em 2020, eles destacam a questão do risco latente e o aviso de que algo se perdeu.

A abordagem de Gabriela Golder (ARG) em “Tierra Quemada” também evidencia momentos de marcas e perdas. O vídeo (2015), gravado no Cerro Mariposa (Valparaíso-Chile), observa a área devastada pelo incêndio: casas e fauna queimadas por um fogo que, segundo depoimento de um morador, “era tão alto como se o mundo estivesse prestes a acabar. A terra queimou”. A convivência entre as intervenções humanas e a natureza expõe suas tensões, e a sensação de saturação, de “fim do mundo”, emerge.

De uma perspectiva diferente, Matilde Marín (ARG) aborda sua série “Temas sobre a Paisagem”, fotografias que, em seu formato extremamente panorâmico, captam a sensação de infinidade experimentada nesses espaços, criando faixas de atmosferas inesgotáveis, linhas e fugas de luz que se tornam imagens cativantes de um momento efêmero que resgata o conceito de beleza na paisagem e seus limites. O ponto de vista escolhido pela artista é ao mesmo tempo sua marca registrada e a marca de sua presença latente.

Já Gabriela Bettini (ESP) traz para a mostra Paisagens Brasileiras-Pernambuco/Maranhão, realizadas a partir das obras de Frans Post – pintor barroco holandês que trabalhou as paisagens do Brasil levando-as para a Europa. A artista é conhecida por suas pinturas hiper-reais que se aproximam da estética da fotografia de arquivo. A memória pictórica de Bettini, rica em referências visuais, resulta em obras que não apenas remetem para a questão colonial, mas também para as disputas identitárias que ocorreram e ocorrem nestes espaços lidos a priori como “paradisíacos”.

Hatem Al Ahmad (SAU), por sua vez, resgata em sua vídeo-performance “To Speak in Synergy”, junto aos membros da comunidade de Abha (SAU), uma técnica de cuidado antiga que tende a fornecer certos elementos às árvores em seus processos vitais, ao mesmo tempo em que contribui para sua proteção contra mudanças de temperatura ou, por exemplo, alguns insetos. Através da ação dos corpos na paisagem, ele expõe práticas e conhecimentos tradicionais atualizando-os. Hatem afirma: “O sentido prolongado da temporalidade da performance oferece um reconhecimento das histórias e dos corpos que moldaram e habitaram o passado, bem como da racionalidade de nossos futuros”.

A questão das relações com recursos do passado, o tempo e a forma como ele nos interpela aparece reinterpretada como um cenário fictício na obra de Zara Al Ghamdi (SAU) “Echo of the past”, uma instalação com seiscentas peças de blocos de areia e argila fabricados que busca expressar, através do resgate de técnicas antigas de construção, as formas pelas quais o tempo afeta a existência. As rachaduras visíveis nessa orografia imaginária estariam revelando o colapso dos arquétipos tradicionais ou, pelo menos, tensionando as tradições ancestrais vernáculas com um presente que as altera.

Em uma dimensão diferente, a instalação “Moebius” de Alejandra González Soca (URY) tem como objetivo “Cultivar o vazio”. Segundo ela, “convivem dois tempos de um mesmo rosto para gerar uma matriz de eventos onde a germinação e a ação performática modificam constantemente a peça e, portanto, as possíveis relações com ela”.  “Moebius, continua a artista, “aspira a criar um espaço quase ritual que questiona a ideia de um sujeito autoconsciente e seguro de si mesmo, a partir de uma vulnerabilidade assumida e oferecida. Um evento cíclico e efêmero, onde o que acontece de alguma forma evidencia a mínima distância entre os processos de construção e destruição”. A obra da artista se modifica ao longo da exposição.

“Unir a ecologia, a conservação da natureza e a arte permite um diálogo de ideias que vai além das culturas. É necessário aproximar esses mundos e, assim, abrir o campo de possibilidades para ativar um novo imaginário de colaboração”, é o que afirma a artista Stéphanie Pommeret (FRA), que desenvolve em sua série de fotografias “Tous Migrants”, uma síntese poética possível na qual explora as maneiras como nos relacionamos como migrantes com nosso ambiente. Este projeto realizado na reserva natural da baía de Saint-Brieuc a levou a uma longa observação que resultou na operação de apropriação das fotografias naturalistas de Alain Ponsero, combinadas com suas próprias imagens, servindo para reivindicar “a hospitalidade como o único ambiente que favorece o futuro de nossa espécie”. Descobrir o mundo do outro, conhecer seus conhecimentos, sentir sua sensibilidade desencadeia um novo olhar sobre seu horizonte.

Sara Abdu (SAU) “Anatomy Of Remembrance” oferece um conjunto de paisagens imaginárias que procedem do seu interesse em explorar as qualidades indiciais de sentidos distintos da visão. Com base nas memórias olfativas, ela resgata sua imediatez para evocar uma imagem mental do passado e suas emoções, resultando em cartografias psicogeográficas suspensas com as quais Abdu explora o lugar ou loci da memória dentro de nós e cria um ambiente particular ao enfrentar essas topografias do passado.

No dia 20 de março, dia da abertura da exposição, entre as 17h e as 18h, haverá uma visita guiada com a diretora artística da BIENALSUR, Diana Wechsler, e os artistas Maurício Dias e Walter Riedweg (Dias & Riedweg), Matilde Marín e Alejandra González Soca. Os visitantes que estiverem nas galerias poderão participar livremente, sem necessidade de emissão de ingresso específico.

BIENALSUR

Uma ampla proposta de arte, cultura e pensamento contemporâneo que rompe com a ideia de geografia estabelecida, ao criar uma grande rede de unidades autônomas em torno do evento, que tem o quilômetro zero no Museu da Imigração, Buenos Aires, e se estende a mais de 18 mil km, até Tóquio, Japão, na Universidade Nacional de Belas Artes e Música. Criada pela Universidade Nacional de Tres de Febrero (UNTREF), na capital argentina, nasceu com o propósito de buscar outras dinâmicas para a arte e para a cultura, fazendo chamadas abertas a curadores e artistas de todo o mundo, sem temas pré-determinados.

“A BIENALSUR prova que a arte é a melhor ferramenta para superar as fronteiras políticas e identitárias que colocam em tensão as relações internacionais”, comenta Aníbal Jozami, sociólogo que idealizou a BIENALSUR junto com a historiadora e curadora Diana Wechsler. Ambos são acadêmicos – respectivamente Reitor Emérito e Vice-Reitora da Universidad Nacional de Tres de Febrero, universidade pública da Argentina. A primeira edição do evento foi realizada em 2017, com a participação de mais de 400 artistas em pelo menos 80 espaços, em 34 cidades de 16 países. Em 2019 o mapa foi ampliado para 112 áreas em 47 cidades de 21 países; em 2021, apesar da Pandemia, aconteceu em 120 locais, em 48 cidades de 24 países da América, da Ásia e da Europa.  Mais de 1.800 artistas de todo o mundo participaram das três primeiras edições do evento.

Marcelo Lago no Ateliê 31

Um dos nomes da geração de escultores do Rio de Janeiro na década de 1980, o artista Marcelo Lago inaugura a exposição individual “Esculturas, Pinturas, Gravuras” no Ateliê 31, Cinelândia, Centro, Rio de Janeiro, RJ, no dia 15 de março. Nessa mostra, Marcelo Lago apresenta 22 obras que compõem a sua trajetória, além de trabalhos recentes e inéditos. A mostra permanecerá em cartaz até o dia 15 de abril e a curadoria é assinada por Shanon Botelho.

“Para este momento Marcelo Lago nos propõe uma reflexão sobre a mutabilidade dos materiais – metais, bonecos de plástico, lambris, corpos e outros – e de três conceitos que fundamentam a sua pesquisa visual: Energia, Memória e Movimento”, descreve o curador. A produção dos trabalhos de Marcelo Lago tem processos longos. Ele utiliza diversas materialidades que envolvem desde fibra de vidro, plástico, chapa de alumínio, até motor de aquário. “Sou eclético com relação aos materiais, normalmente tenho uma ideia e busco a solução para a fatura, mas cada material tem sua própria linguagem, que sempre contribui com a poética final”, revela Marcelo Lago.

A obra mais recente e ainda inédita que será apresentada na mostra é “Energia Primal” (2024), da série Energias, uma escultura vertical em PVC e tinta automotiva, medindo 160 x 60 x 3 cm, na qual o artista propõe uma interrupção da ordem (linhas paralelas que se encontram no infinito), através da energia mais contundente possível, o calor. Mas ainda na exposição será possível encontrar outros trabalhos pouco vistos, como é o caso da série “Memórias, Sonhos e Reflexões”, que esteve no Paço Imperial (2005) e em função de uma greve ficou apenas duas semanas em cartaz. Embora tenha na escultura uma marca registrada, sendo um dos principais nomes de sua geração, o desenho sempre esteve presente na dinâmica do artista. “Sempre desenhei, desde muito jovem, mas nunca expus, pois depois que comecei a trabalhar com a três dimensões, e já faz mais de quarenta anos da minha primeira exposição individual, toda minha energia ficou direcionada na escultura e suas relações com o espaço”, diz o artista. Os desenhos da série “Sondas Espaciais” (2011), foram escolhidos para serem apresentados ao público pela primeira vez. “Movimento nesta exposição significa o momento atual de Marcelo Lago, um artista aguçado no exercício de suas capacidades criativas, em constante movimento em busca de novos materiais, formas de comunicar e de constituir objetos tridimensionais dotados de verdade e afeto”, define Shannon Botelho.

Sobre o artista

Marcelo Lago nasceu em 1958, no Rio de Janeiro. Participou da icônica exposição “Como Vai Você Geração 80?”, na EVA do Parque Lage, Marcelo Corrêa do Lago dá continuidade a uma geração de escultores do Rio. Suas peças se integram à paisagem urbana, como “Intervenção Vermelha”, grande tubo de aço pintado que durante quatro anos “abraçou” toda a fachada da Casa de Cultura Laura Alvim, na praia de Ipanema, ou o “Grande Painel Azul” que foi feito para sua primeira exposição no Paço Imperial, mas que a pedido de seu diretor, Lauro Cavalcante, ficou instalado no atrium por 12 anos. Tem trabalhos também no jardim da PUC Rio, no metrô Barra Funda, em São Paulo, Museu da República, em Brasília, no jardim do Museu Mineiro, em Belo Horizonte e na Praça Paris, Centro do Rio, onde permaneceu por três anos. Marcelo Lago mora e trabalha em Petrópolis, desde 1984, onde além do ateliê, desenvolve atividades como professor de escultura contemporânea, curadoria e produção cultural.

Siron Franco no Recife

A Galeria Marco Zero, Boa Viagem, Recife, PE, apresenta exposição individual de Siron Franco, premiado artista goiano com sua produção revisitada com curadoria de Agnaldo Farias.

Poetizar a vida, manter-se aberto para o mundo e sentir e refletir o seu entorno e o que está dentro de si. Esses são princípios que norteiam a produção de Siron Franco (1947) desde que começou a produzir arte, ainda na infância. Sua obra, inquieta e provocadora, nunca cedeu a classificações ou correntes, exprimindo-se por diferentes mídias e suportes. Para marcar o retorno do artista a Pernambuco, após quase três décadas desde sua última individual, a Galeria Marco Zero apresenta “Siron Franco – De dentro do Cerrado”, exposição que reúne cerca de 50 obras em pintura e escultura. A mostra estará aberta ao público a partir do dia 13 de março.

Nascido em Goiás Velho (GO), Siron Franco vive e produz em Goiana. A vivência no cerrado do Brasil, com sua exuberância, tradições e contradições, permeia seu trabalho de múltiplas maneiras, seja nos seres grotescos, que misturavam figuras humanas com bichos, no início da sua carreira, ou na denúncia da exploração desenfreada da natureza, como na série “Césio”, em referência ao acidente radiológico ocorrido em 1987, em Goiana.

A palavra do curador

“Siron nunca tratou o político como uma questão menor. Ele sempre teve uma visão de Brasil que ultrapassava o país urbano e, nesse sentido, fez vários trabalhos que traziam questões urgentes, de cunho social, como a causa indígena. Ele se interessa pelo que acontece ao seu redor, se incomoda. A natureza é muito presente na sua obra, de uma maneira muito particular. Desde que surge no cenário artístico, ele consegue se impor pintando o grotesco, se arriscando em diferentes mídias, no seu próprio tempo. Trabalhou com o figurativo, o abstrato, com a escultura, o vídeo, sempre no seu tempo, sem seguir tendências”, explica o curador Agnaldo Farias.

A palavra do artista

“É uma alegria muito grande voltar a Pernambuco, estado que sempre me inspirou muito artisticamente. Fiquei muito feliz quando me deparei com a seleção presente na exposição porque me dá, também, a oportunidade de me relacionar com os trabalhos de outra forma. No meu ateliê, tenho uma gaveta na qual guardo desenhos desde a época em que era garoto. Quando reencontro algumas dessas obras, percebo que temas que estão aparecendo nos meus trabalhos do momento, já estavam em mim há décadas. Então, considero ter muita sorte em poder exercer o meu ofício, aos 76 anos. Me considero um aprendiz constante e o que me move é o mistério da vida”.

Esculturas de Advânio Lessa

A Gomide&Co e a Galeria Marco Zero apresentam “Redemoinho não leva pilão”, primeira individual de Advânio Lessa em São Paulo, SP. Com curadoria de Valquíria Prates, a mostra inaugura o programa anual de exposições da Gomide&Co em 2024. Advânio Lessa (1981) nasceu e vive em Lavras Novas, distrito de Ouro Preto (MG). Tanto o seu local de origem, marcado pela herança quilombola, quanto os ofícios de seus pais (cesteira e tropeiro) são partes fundamentais do universo no qual se baseia sua poética como artista e agricultor desde a adolescência. Realizando esculturas em escala humana a partir de troncos de madeira de árvores mortas, raízes e trançados de cipó, o artista vincula os conhecimentos da cestaria e da marcenaria com madeiras e fibras encontradas nas matas da região de Ouro Preto, como cipó-alho, cipó-de-são-joão, candeia, jacarandá, folha miúda e alecrim. É em estreito diálogo com esse repertório que Lessa realiza suas obras, nas quais a natureza é uma espécie de coautora. Em entrevista concedida a Valquíria Prates, pesquisadora de sua obra, o artista afirma: “As sensações impressionantes que eu já tive, seja de estética, de energia, de movimento, de equilíbrio, de textura, eu nunca vi nada mais vibrante que a própria natureza. Então, para mim, tudo já está aí. A gente precisa compreender e ser humilde o suficiente para conectar mais com o que já está aí.” (Valquíria Prates, “Em tudo que é grande, a emenda é pequena: uma conversa caminhada com Advânio Lessa”, 2023).

Sempre interessado na capacidade humana de transformar contextos, lugares, situações e relações, Lessa tem em sua pesquisa artística o foco no trabalho, nos saberes e nas espiritualidades dos povos sequestrados da África e trazidos para o Brasil. Para “Redemoinho não leva pilão”, o artista convida os visitantes a um profundo processo de reflexão em torno de uma das plantas mais importante ligadas à história da Avenida Paulista: o café. A exposição consiste em um circuito composto por seis esculturas, tramas e flores de cipó-de-são-joão, pilões e milhares de grãos de café em côco que se interligam, formando uma grande instalação que pretende abordar os sistemas de produção em torno do cultivo desta que é uma planta tão comum no cotidiano de pessoas que vivem em todo o país. Planta de caráter mágico em algumas tradições religiosas, o café está presente nas mesas de casas, padarias, restaurantes, escritórios, salas de trabalho, além de nas bancas espalhadas pelas calçadas da cidade, movimentando esforços econômicos e interferindo nos ciclos de atenção há séculos, passando pelas mãos de quem planta e de quem bebe e gerando recursos em abundância.

O título da exposição é inspirado no provérbio Yorùbá “Ijì kìí kó gbódó” (O redemoinho não leva o pilão), retirado do livro Òwe – Provérbios, de Mãe Stella de Oxóssi, e que celebra a força dos que não são derrotados mesmo em condições e contextos adversos. Procura assim fazer alusão àqueles que são responsáveis pela construção e geração de riquezas, sob todo tipo de violência, opressão e injustiça, em todas as áreas de atuação humana do país. As esculturas a serem apresentadas de maneira inédita na exposição fazem parte da série Nascimento e vêm sendo trabalhadas por Lessa desde 2010, realizadas com madeiras de árvores e épocas diversas das matas de Lavras Novas, no que carregam em si “as histórias dos minerais, insetos e animais que com elas coexistiram temporariamente, camadas abaixo da terra, sobre ela e debaixo das estrelas e planetas que estão sendo com a gente, agora”, segundo palavras do artista. Encontros e conversas sobre modos de produção do café, a possibilidade de instaurar sistemas de bem viver integrados à produção de comida, além de estudos de caso entre a arte e a agricultura, fazem parte da programação pública da exposição.

A proposta de Advânio Lessa para sua primeira individual em São Paulo é uma continuidade de seu processo de pesquisa sobre sistemas de transformação pelo trabalho entre espécies em contextos específicos, que se iniciou com a exposição Se quiser saber do fim, preste atenção no começo (2023), com curadoria de Valquíria Prates. Apresentada no Museu da Inconfidência, em Ouro Preto, a exposição foi realizada pelo Instituto de Arte Contemporânea de Ouro Preto (IA) no contexto do Programa Raiz, que investiga a arte contemporânea produzida por artistas da região com mais de 20 anos de carreira.

Sobre a curadora

Valquíria Prates é curadora, pesquisadora e educadora. É mestre em Políticas Públicas de Acessibilidade (USP) e doutora em Artes e Mediação Cultural (UNESP). Atualmente, é curadora do Instituto de Arte Contemporânea de Ouro Preto (IA), consultora de Arte e Mediação Cultural do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM SP) e colaboradora em projetos do Pólo Sociocultural Sesc Paraty, do Centro Cultural do Cariri (CE), do Instituto Moreira Salles (SP) e da Fundação Roberto Marinho (RJ).

Sobre o artista

Advânio Lessa nasceu em 1989 e vive até hoje em Lavras Novas, distrito de Ouro Preto (MG). Tanto a sua terra de origem, marcada pela herança quilombola, quanto os ofícios de seus pais (tropeiro e cesteira), são partes fundamentais do universo que irriga a sua poética. Realizando esculturas de grande escala a partir de troncos de madeira de árvores mortas, raízes etrançados de cipó, o artista vincula os conhecimentos da cestaria e da marcenaria com as madeiras e fibras encontradas nas matas da região de Ouro Preto: Cipó Alho, Cipó São João, Candeia, Jacarandá, Folha Miúda e Alecrim. É em estreito diálogo com esse repertório que Lessa, que também é agricultor, realiza suas peças. Nesse sentido, não nos parece enganoso afirmar que a natureza aqui é uma espécie de coautora de suas obras. A produção do artista ganha o mundo munida, a um só tempo, de uma intensa eloquência formal e de uma relevante conotação discursiva. Suas esculturas, cujas escalas se aproximam àquela do corpo humano, atestam uma relação de reciprocidade entre nós e tudo aquilo que é vivo ao nosso redor. Nesse sentido, ressoam uma tendência importante da atualidade: no lugar de epistemologias caras a um modo Ocidental de conceber o mundo, para as quais nós humanos estamos sempre em posição superior, entram em cena cosmologias onde testemunha-se uma relação não hierárquica entre todos os seres vivos. O trabalho de Advânio Lessa foi apresentado, entre individuais e coletivas, em instituições como o Espaço Cultural CEFET – Ouro Preto (Ouro Preto, Brasil, 1998); Galeria Clélia Valadares (Belo Horizonte, Brasil, 2008); Galeria da FIEMG (Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais, Ouro Preto, Brasil, 2010); Galeria Graphos Brasil (Rio de Janeiro, Brasil, 2013); Museu Afro Brasil (São Paulo, Brasil, 2013); Fundação Clóvis Salgado – Palácio das Artes (Belo Horizonte, Brasil, 2015); IA – Instituto de Arte Contemporânea de Ouro Preto e Museu da Inconfidência, com curadoria de Valquíria Prates (Ouro Preto, Brasil, 2023), entre outras. Sua obra compõe a coleção da Pinacoteca do Estado de São Paulo (São Paulo, Brasil).

Até 04 de maio.

As constelações celestinas

06/mar

 

As fotografias de Wagner Celestino estão em cartaz no SESC 14 Bis, Bela Vista, São Paulo, SP, até 07 de abril. Wagner Celestino, fotógrafo negro e artista periférico nascido em 1952 na zona Leste paulistana. Seus registros revelam trabalhadores, artistas e ritos culturais e religiosos que enaltecem a beleza e a memória da população afrodescendente. São registros em preto e branco de alto contraste, com abordagem entre o projeto artístico e o documentário histórico.

 

Sobre o artista:

Veterano fotógrafo que se notabilizou pela qualidade de suas reportagens fotográficas que, desde 1977, enfocam com rara sensibilidade a cena cultural afro-brasileira, Wagner Celestino possui formação não-formal em fotografia que obteve em oficinas de fotografia do Museu Lasar Segall. Sua obra transita entre o projeto artístico e documentário histórico investigativo. O fotógrafo atua na prospecção de imagens que revelam os fazeres do povo proletário e periférico em sua grandeza e humanidade em abordagem de notável acuidade psicológica e sociológica. Retratou nomes da música brasileira e, dentre eles, integrantes da Velha Guarda do Vai-Vai. Também é responsável pela série fotográfica “Cortiços”, de 1988. Nesta exposição individual, são acrescentadas a este acervo novas fotos, de moradores do bairro do Bixiga e da Velha Guarda do Vai-Vai

 

As constelações são áreas específicas do céu compostas por agrupamentos de estrelas aparentemente ligadas por linhas imaginárias. Assim, elas podem assumir a função de referência enquanto dispositivo de localização e instrumento de orientação. É dessa forma que o trabalho do fotógrafo Wagner Celestino direciona nossa caminhada, na soma dos fragmentos da realidade, para apresentar um olhar sobre o universo afropaulista. Wagner Celestino tem, em mais de quarenta anos de trajetória, a experiência que explica a intimidade entre ele e aquilo que ele fotografa, sejam paisagens, festas profanas ou religiosas, ou personagens que posam para suas lentes. Trabalhando sempre em preto e branco e preferencialmente sob luz natural, os retratos evidenciam o profundo respeito dedicado àqueles que nos precederam, bem como à esperança de um futuro luminoso, sem deixar de lado as lutas enfrentadas ao longo do caminho. Como afirma Claudinei Roberto da Silva, curador da mostra, “Celestino se ocupa daqueles e daquelas cuja história, a memória e os afetos, são, frequentemente, preteridos nas narrativas da história da arte que se quer hegemônica”. Pesquisador da cultura popular nas suas matrizes sagradas e profanas, Celestino, cuja arte pode traduzir notas de melancolia, carrega interesse pela complexidade dos sujeitos em seus contextos, onde memórias e afetos são riquezas inestimáveis.

“Em celebração ao início das atividades do Sesc 14 Bis, a exposição Wagner Celestino recorre a uma obra que, ao se voltar a personagens, melodias, cadências e enredos vinculados à negritude, permite o vislumbre da dignidade particular ao cruzamento de olhares, entre fotógrafos e pessoas retratadas, que perfaz a carreira do artista”, comentou Danilo Santos de Miranda, diretor regional do Sesc São Paulo.

 

Exposições de Paulo Pasta e Iberê Camargo 

05/mar

 

Paulo Pasta retornou à Fundação Iberê Camargo, Porto Alegre, RS. Em diálogo com sua exposição, Paulo Pasta fez a curadoria de obras de seu professor e amigo Iberê Camargo para “Eclipses”. São 19 obras, algumas de grandes dimensões, em que percebe cores crepusculares na produção do pintor. As duas aberturas ocorreram no dia 02 de março. O artista e Lorenzo Mammì, um dos nomes mais importantes da crítica cultural brasileira, conversaram sobre a sua produção.  

Após um hiato de dez anos, Paulo Pasta, um dos artistas mais respeitados e bem-sucedidos do país, retornou à Fundação Iberê Camargo – em exibição até 19 de maio – para celebrar 40 anos de trajetória. A exposição “Paulo Pasta Para que serve uma pintura conta com 40 trabalhos de formas distintas faixas horizontais e verticais, quadros, retângulos que desafiam o artista a enfrentar a superfície das telas. A pintura de Paulo Pasta é uma forma de construir um lugar, um ambiente que se transforma conforme as variações de cor e de luz.    

Por outro lado, suas combinações cromáticas, marcadas por baixos contrastes e passagens suaves entre um tom e outro, acabam por tensionar os limites dessas divisões. Paulo Pasta cria a sensação de que áreas do quadro parecem pulsar para fora da tela, como se quisessem se espalhar pelo mundo. Seu processo de construção, em algumas obras, inclui também a utilização da cera, que tira o brilho do óleo, dando “lentidão” para a cor. O trabalho de acrescentar e testar misturas dá origem aos tons impuros e únicos que caracterizam sua pintura.   

No catálogo da mostra, Lorenzo Mammì, doutor em Filosofia pela USP, onde é professor de História da Filosofia Medieval desde 2003, escreve: “Os retângulos não são apenas combinações de linhas e planos: parece que alguma vez, num passado semiesquecido, foram alguma coisa como portas, vigas, colunas, reais ou pintadas, sem que o pintor nos diga (o saiba) o que foram. O mesmo quanto às cores. Elas funcionam, em parte, como timbres musicais, determinando a estrutura do espaço. É um princípio da pintura tonal: cada instrumento de uma orquestra tem um som específico que faz com que pareça mais próximo ou distante. Instrumentos mais carregados de harmônicos (sons secundários que envolvem o som principal) parecem naturalmente mais longínquos: uma trompa será sempre mais distante que um trompete, um oboé de uma clarineta. Da mesma forma, um vermelho, no limite inferior do espectro cromático, será sempre mais encorpado que um azul, que pertence ao limite superior; portanto, o vermelho será mais profundo, o azul mais superficial. Mas o uso da cor nas pinturas de Pasta não leva em conta apenas essas relações físicas e sim, também, o caráter afetivo que toda cor carrega e que é dado tanto pelas experiências anteriores de cada um, quanto, no caso das pinturas, por ser o resultado de uma série de operações e decisões calculadas. Nos trabalhos de Pasta, estas não se revelam por rastros do movimento do pincel na superfície da tela, que costuma ser muito lisa, mas pelo esforço perceptível com que cada cor procura um ajuste com aquelas que estão ao redor. As cores de Pasta são geralmente muito elaboradas, fruto de uma combinação minuciosa de pigmentos. Se, uma vez distendidas na tela, elas parecem simples, é porque atribuímos boa parte de suas características à luz atmosférica, e não à matéria pictórica. Nesse sentido também, as obras de Pasta conservam algum ilusionismo.”   

 

Os Eclipses de Iberê pelo olhar de Pasta  

Em diálogo com sua exposição, Paulo Pasta fez a curadoria de obras de seu professor e amigo Iberê Camargo para “Eclipses”. São 19 obras, algumas de grandes dimensões, em que Pasta percebe cores crepusculares: “Iberê lançava mão da matéria, quase um barro original, de onde tudo poderia brotar. Suas cores também não estariam dissociadas dessa matéria, lugar do qual, no dizer de Ferreira Gullar, elas surgiriam “como gemas sujas da noite, arrancadas ao caos” (…) A melhor metáfora, para mim, sobre as cores de Iberê, é a do eclipse. Para além do aspecto noturno de seus trabalhos, a luz construída por ele parece não iluminar, não aquecer, mais ou menos como a sugestão de um sol que foi fechado.”   

Paulo Pasta conheceu Iberê Camargo no início da década de 1990, em um workshop com artistas consagrados, no Centro Cultural São Paulo. A partir daí, começaram a trocar cartas e telefonemas. Para Paulo Pasta, aquele encontro foi a confirmação de sua vocação, a prova da existência da pintura, e do pintor.  “Naquele momento (que conheceu Iberê), ele representou, para mim, a confirmação da vocação, a prova da existência da pintura, do pintor. No final da década de 1970, quando comecei a fazer faculdade, existia um predomínio da arte conceitual. Também nesse sentido, Iberê representava uma exceção: ele vivia a vida da própria pintura, perfazendo uma relação simbiótica entre arte e vida. Na contramão das tendências nacionais/populares, ele se evidenciava como uma espécie de outsider, construindo uma visão singular dentro da pintura brasileira. Seu realismo era uma escavação interior, o que fazia repercutir, em seu trabalho, um raro acento subjetivo e expressionista. Desde então, eu o vi como uma espécie de exilado, buscando arquitetar uma “pintura grande”, no Brasil, enfrentando o mal-estar de ser um pintor em um contexto carente de tradição (ou, pelo menos, a tradição que ele gostaria). Iberê buscava, assim, criar um lugar de origem, onde memória e autobiografia pudessem se unir para fundar essa espécie de pátria real: a de pintura. Concentrando-se na experiência da pintura e do pintor, e longe de quaisquer bairrismos, sua obra revelava, por meio do seu fazer obsessivo, a gênese do próprio indivíduo, uma verdadeira condensação do próprio tempo. (…) Também penso as cores de Iberê como sendo crepusculares. Elas nos remeteriam a uma escuridão primordial, mesmo porque, na sua prática, o pintor anoitecia as cores, criando uma espécie de blackout. Só assim, talvez, ele poderia terminar uma pintura e se reconhecer nela. Possivelmente, a melhor metáfora, para mim, sobre as cores de Iberê, seja a do eclipse. Para além do aspecto noturno de seus trabalhos, a luz construída por ele parece não iluminar, não aquecer, mais ou menos como a sugestão de um sol que foi fechado. A palavra eclipse vem do grego, que significa despedida, abandono. A experiência com as cores de Iberê, para mim, obedeceria a esse mesmo conteúdo poético. Nelas, no seu sentido de não cor, somos desertados da luz solar, apesar de toda a intensidade reinante”, escreveu Paulo Pasta.    

 

Sobre o artista 

 

Paulo Pasta nasceu em 1959, em Ariranha, São Paulo, e hoje vive e trabalha na cidade de São Paulo. Formou-se no curso de Artes Plásticas da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP), em 1983, tornando-se mestre e doutor pela mesma universidade. Em 1984, realiza sua primeira exposição individual na Galeria D. H. L., em São Paulo. Recebe a Bolsa Emile Eddé de Artes Plásticas do MAC/USP, em 1988. Impacta na formação de uma nova geração de pintores através de relevante atividade docente, lecionando pintura na Faculdade Santa Marcelina e desenho na Universidade Presbiteriana Mackenzie, na USP e na Fundação Armando Álvares Penteado FAAP. Atualmente, ministra um curso livre de pintura. Entre as exposições individuais realizadas, destacam-se: Pintura de bolso, Millan, São Paulo (2023); Recent Paintings, David Nolan Gallery, Nova York, EUA (2022); Paulo Pasta, Cecilia Brunson Projects, Londres, Reino Unido (2022); Correspondências, Millan, São Paulo (2021); Paulo Pasta: Luz, Museu de Arte Sacra de São Paulo (2021); Projeto e Destino, Instituto Tomie Ohtake, São Paulo (2018); Lembranças do futuro, Millan, São Paulo (2018); Setembro, Palácio Pamphilj, Roma, Itália (2016); Correntes, Sesc Belenzinho, São Paulo (2014); A pintura é que é isto, Fundação Iberê, Porto Alegre (2013); Sobrevisíveis, Centro Cultural Maria Antonia, São Paulo (2011); Paulo Pasta, Centro Cultural Banco do Brasil, Rio de Janeiro (2008) e Paulo Pasta, Pinacoteca do Estado de São Paulo (2006). Entre suas participações em exposições coletivas estão: Abstração: a realidade mediada, Millan, São Paulo (2022); Os Muitos e o Um, Instituto Tomie Ohtake, São Paulo (2016); Quase figura, quase forma, Galeria Estação, São Paulo (2014); 30x Bienal, Pavilhão da Bienal, São Paulo (2013); Europalia, International Art Festival, Bruxelas, Bélgica (2011); Matisse Hoje, Pinacoteca do Estado de São Paulo (2009); Panorama dos Panoramas, Museu de Arte Moderna de São Paulo MAM-SP (2008); MAM [na] Oca, Oca, São Paulo (2006); 3ª Bienal do Mercosul, Porto Alegre (2001); Brasil +500 Mostra do Redescobrimento, Pavilhão da Bienal, São Paulo (2000); Panorama das Artes Visuais, Museu de Arte Moderna de São Paulo recebe o Grande Prêmio (1997); Havana São Paulo, Junge Kunsthaus Lateinamerika, Haus der Kulturen Der Welt, Berlim, Alemanha (1995); XXII Bienal de São Paulo (1994) e III Bienal de Cuenca, Equador (1991). Suas obras integram importantes coleções, entre as quais: Museu Reina Sofía, Madri, Espanha; Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo MAC/USP; Museu de Arte Moderna de São Paulo MAM-SP; Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro MAM-Rio; Museu de Belas-Artes do Rio de Janeiro; Instituto Figueiredo Ferraz, Ribeirão Preto, SP;  Instituto Itaú Cultural, São Paulo; Pinacoteca do Estado de São Paulo; Kunsthalle, Berlim, Alemanha, e Kunstmuseum Schloss Derneburg, Hall Art Foundation, Holle, Alemanha.   

 

Sobre o crítico Lorenzo Mammì  

Lorenzo Mammi é formado em Matérias Literárias pela Universidade dos Estudos de Florença e doutor em Filosofia pela USP, onde é professor de História da Filosofia Medieval desde 2003. Como crítico de música e de arte, organizou e publicou ensaios em diversos livros, como Volpi (Cosac Naify, 1999), Carlito Carvalhosa (Cosac Naify, 2000) e Carlos Gomes (Publifolha, 2001). Parte expressiva deles foi reunida nos livros “O que resta: arte e crítica de arte” (Companhia das Letras, 2012), com foco em artes visuais e “A fugitiva” (Companhia das Letras, 2017), que reúne os ensaios musicais. De 1999 a 2005, foi diretor do Centro Universitário Maria Antonia (USP), em São Paulo. De 2015 a 2018, foi curador-chefe de Programação e Eventos do Instituto Moreira Salles.  

 

  

 

Novidade da Galatea em Salvador

04/mar


A Galatea tem a alegria de anunciar que Alana Silveira é a Diretora da
Galatea Salvador. Alana atua no setor cultural da cidade de Salvador,
onde nasceu, há mais de uma década. Acompanhando José Adário nos
últimos anos, operou a interlocução entre a Galatea e o artista,
resultando na sua individual, que inaugurou a Galatea São Paulo em
novembro de 2022. De lá para cá, foi liaison de Adário e possibilitou o
estreitamento dos laços da Galatea com a cena artística da capital da
Bahia, pavimentando a chegada da galeria na cidade.

Sobre Alana Silveira
Entre os seus projetos de destaque no campo das artes visuais, estão:
co-curadoria de Cais (Galatea Salvador, 2024); curadoria de Alágbedé
– Retrospectiva José Adário dos Santos (Caixa Cultural Salvador,
2023), mostra ganhadora do prêmio de melhor exposição individual do
Brasil no ano de 2023 pela revista Select; curadoria de Alagbedé – O
Ferreiro dos Orixás (Salvador, 2022); curadoria e direção artística de
InstruMentes – música para (re)invenção (Salvador, 2019),
contemplado no edital Rumos Itaú Cultural; produção de Ori
Tupinambá (Caixa Cultural Salvador, 2023); produção executiva na 3a
Bienal da Bahia (2015).

 

Expressão e extravasão de Maxim Malhado

29/fev

Estará aberta ao público a partir do dia 05 de março, na Paulo Darzé Galeria, Rua Chrysippo de Aguiar 8, Corredor da Vitória, Salvador, BH, com o título de “Até onde a vista alcança”, a exposição de pinturas e esculturas de Maxim Malhado.

Para o crítico e curador Ricardo Resende, “…a arte para Maxim é sua maneira de desver o mundo, como também era para o poeta, artista mesmo, Manoel de Barros. Era também uma maneira de subverter a vida enfadonha daquele interior de Sítio Novo, cidade onde cresceu na Bahia. Sonhar, desenhar, pintar e esculpir são a sua forma de expressão e extravasão máxima dos sentimentos. Os que despertavam sua curiosidade pelo mundo e os que o afligiam. Um mundo que é só imagem, e até mesmo imagem de uma imagem, nada de nada. Os homens, por sua vez, não passam de imagens, sonhos…”, e concluindo na apresentação no catálogo da exposição que a sua obra “…é a de um menino que via coisas e imaginava mais coisas ainda depois das coisas que via, um claro desejo de sustentar espaços”. A mostra, cumprirá temporada até 05 de abril.

George Love além do tempo

28/fev

O Museu de Arte Moderna de São Paulo (sala Milú Villela), Parque Ibirapuera (Av. Pedro Álvares Cabral, s/nº – Portões 1 e 3, apresenta de 02 de março a 12 de maio a exposição “George Love: além do tempo”. George Love nasceu em Charlotte, Carolina do Norte, Estados Unidos da América, 1937 e faleceu no Brasil em 1995.

A palavra do curador

No despertar da cultura fotográfica brasileira na segunda metade do século XX, um nome figura entre as maiores referências: George Love. Artista carismático, ele sempre foi cercado por uma aura de mistério, que beirava a lenda, de tão conhecido quanto enigmático que era, pelo tanto que ele foi exposto e como ficou escondido. Atuando em uma era de efervescência intelectual, de questionamento comportamental e de transição de costumes, George exibia um intenso brilho em suas realizações, na interação profissional e no convívio particular. A luz que trazia ao ambiente extravasava paredes e repercutia na atmosfera e nas pessoas, que vislumbravam as infinitas possibilidades de um marcante meio de expressão. Suas ações no meio cultural, editorial e corporativo expandiam os horizontes da fotografia, abrindo caminhos adiante do seu tempo. Conscientemente ou não, gerações de fotógrafos brasileiros seguem sua inspiração e seu modelo, que se realça entre as raízes de nossa contemporaneidade. Chamá-lo de gênio também não é hipérbole. George Leary Love nasceu em 24 de maio de 1937, em Charlotte, Carolina do Norte, Estados Unidos. Negro, filho único em uma família simples e culta, concluiu seus primeiros estudos superiores antes dos 20 anos. Adotou a câmera fotográfica também cedo, vislumbrando a possibilidade profissional no segmento de fotografia de viagem, representado por arquivos de imagens, um mercado importante na época, com o qual se manteria ligado por toda sua vida profissional. Fixando-se em Nova York para mais estudos, logo passou a se dedicar à fotografia como criação autoral, tendo suas primeiras mostras em galerias de Manhattan, dando cursos e palestras. Assim, foi aceito como um dos mais jovens participantes da Association of Heliographers, um grupo restrito de expoentes da fotografia americana que promovia a arte, propunha sua expansão e inovava no uso de impressões coloridas no meio expositivo. George Love se identificava com a proposta, de forma que o ideário dessa associação é chave importante para compreender a obra que desenvolveu por toda a sua vida. Em pouco tempo, o jovem fotógrafo se tornou vice-presidente e coordenador da galeria da associação. Foram dois anos intensos, entre 1963 e o fim de 1965, até o encerramento da entidade, por carência de recursos. A perspectiva de um novo rumo lhe foi oferecida por uma rara heliógrafa estrangeira, que o estimulou a se aventurar pelo continente sul-americano. Em janeiro de 1966, George juntava-se a Claudia Andujar em Belém para uma inusitada expedição no interior da Amazônia, verdadeira epopeia até a terra dos Xicrin. Voltaram para Belém, subiram pelo rio até Iquitos, depois Lima e Bolívia, e entraram de volta no Brasil pelo famoso “trem da morte”. Fixaram-se em São Paulo, no apartamento da Avenida Paulista, casaram-se…e, então, o resto é história.

Zé De Boni – curador