Uma Bienal é um grande desafio.

02/out

Quais são os rostos por trás das obras da 36ª Bienal?

Ministério da Cultura, Governo do Estado de São Paulo, por meio da Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas, Secretaria Municipal de Cultura e Economia Criativa da Cidade de São Paulo, Fundação Bienal de São Paulo e Itaú apresentam a 36ª Bienal Internacional de São Paulo até 11 de janeiro de 2026, no Pavilhão Ciccillo Matarazzo, Parque Ibirapuera, Portão 3, São Paulo, SP.

A arte é um exercício coletivo. São necessárias muitas mãos para construir uma exposição. Você já se perguntou quem é o artista e quem são as pessoas que trabalharam em cada obra? Este ensaio explora a categoria do retrato, destacando artistas, equipes de montagem, curadores e funcionários da Fundação Bienal.

Montar uma exposição da dimensão de uma Bienal é um grande desafio. Para registrar esse processo de dois meses, convidamos três fotógrafos a captar detalhes, rostos e momentos de criação da 36ª Bienal de São Paulo – Nem todo viandante anda estradas – Da humanidade como prática.

A segunda parte desse ensaio visual, realizada entre 18 de agosto e 04 de setembro no Pavilhão da Bienal e em ateliês de artistas, é assinada por Fe Avila. 36ª Bienal de São Paulo – Nem todo viandante anda estradas – Da humanidade como prática.

Curador geral: Bonaventure Soh Bejeng Ndikung / Cocuradores: Alya Sebti, Anna Roberta Goetz, Thiago de Paula Souza / Cocuradora at large: Keyna Eleison / Consultora de comunicação e estratégia: Henriette Gallus / Cocuradores adjuntos: André Pitol, Leonardo Matsuhei.

 

Sistemas acústicos ancestrais de Inara Vidal.

01/out

Mostra celebra 20 anos de trajetória de Inara Vidal e apresenta algumas obras inéditas que investigam sistemas acústicos ancestrais da América Latina por meio de esculturas sonoras.

O Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica, Centro, Rio de Janeiro, RJ, apresenta de 04 a 25 de outubro a exposição Sensoriais, que marca a primeira exposição da artista paranaense Inara Vidal no Rio de Janeiro. Com curadoria de Daniele Machado, a mostra percorre as intersecções entre som, corpo e matéria. As esculturas sonoras em cerâmica surgem do gesto e da escuta atenta. 

“Ao ativarmos as esculturas, são construídos sons por combinações de ar, água, espaço, argila e ação, que podem ser ouvidos, mas também tocados, vistos, cheirados. Eles têm peso, exigem o corpo todo, o equilíbrio, a consciência corporal e tantas outras camadas dos sentidos… São sons que reorientam o futuro pelo passado, ao revelarem que a multissensorialidade, um dos maiores legados da arte contemporânea, sempre foi parte de nós. Ao mesmo tempo, o caráter profético desses trabalhos também se revela no processo de criação, em que a artista desmonta a cadeia de produção: da queima à argila silvestre”, declara Daniele Machado, curadora da mostra.

“As narrativas históricas do Ocidente foram, em grande parte, escritas a partir de um único ponto de vista. Minha exposição no Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica e a pesquisa com sistemas acústicos ancestrais propõem outra forma de contar: a história da América Latina narrada por uma artista latino-americana. Eu acredito, sim, que é possível narrar nossas próprias histórias de modo diferente dos colonizadores – escutando o que vibra antes de 1500, quando os registros coloniais silenciam o que veio antes. Esse gesto, ao mesmo tempo estético e político, transformam som, corpo e matéria em uma linguagem própria, capaz de fazer ressoar memórias e imaginários que a escrita oficial tentou apagar”, declara a artista.

Sobre a artista.

Inara Vidal é formada em escultura e pós-graduada em História da Arte Moderna e Contemporânea, ambas pela Universidade Estadual do Paraná. Tem obras em diversos acervos, como os do Museu Paranaense (Paraná), do Museu de Arte Contemporânea de Jataí (Goiás), do Museu de Ceuta (Espanha), entre outros. Já expôs em São Paulo, Curitiba, Bariloche, Madrid e Nova Orleans. Atualmente, dedica-se à pesquisa sensível da argila silvestre, em diálogo com o território e os saberes da terra.

Além da exposição, Sensoriais oferece uma conversa com artista e curadora no dia 11 de outubro, sábado, às 15h, quando ocorrerá também  o lançamento do catálogo digital, distribuído gratuitamente. 

Sensoriais, Inara Vidal, Daniele Machado, Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica, Inara Vidal é formada em escultura e pós-graduada em História da Arte Moderna e Contemporânea, ambas pela Universidade Estadual do Paraná, a mostra percorre as intersecções entre som, corpo e matéria. As esculturas sonoras em cerâmica surgem do gesto e da escuta atenta.  

 

Exposição de Lygia Pape na França.

30/set

Para coincidir com a Temporada Brasil-França 2025, a Bourse de Commerce – Coleção Pinault apresenta Weaving Space, a primeira exposição individual de Lygia Pape na França, importante artista brasileira de vanguarda, que estará em cartaz até 23 de fevereiro de 2026.

Nesta exposição, o público participa de uma viagem sensorial, a meio caminho entre a instalação, a abstração e a performance, uma imersão total num universo onde os materiais dão lugar às percepções. Conhecida por ter abalado profundamente os códigos da arte moderna, trata-se de uma arte viva e interativa, na qual o espetador se torna parte integrante da obra.

A instalação emblemática Ttéia 1, C dá as boas-vindas em uma sala mergulhada na semi-obscuridade, onde fios de cobre esticados como raios de luz flutuam no ar. Ao deambular por esta obra, os seus movimentos e a luz transformam a instalação: ela revela-se, desaparece, depois reaparece, sempre diferente. Aqui, o espaço torna-se matéria, estrutura e linguagem. O visitante é convidado a abrandar, a sentir, a tecer a sua própria relação com a obra.

Mas Tecendo o Espaço não pára por aí. A exposição leva o visitante a uma rica viagem aos primórdios de Lygia Pape, principalmente através de suas gravuras abstratas, base de sua linguagem visual. Esses primeiros trabalhos já revelam um desejo de romper com a passividade do olhar, recorrendo aos movimentos do corpo e ao jogo de luz. Um pouco mais adiante, pode explorar o majestoso Livre de la Nuit et du Jour (1963-1976), um diário visual da sua pesquisa sobre o tempo, o ritmo e os contrastes.

No Auditório, uma seleção de filmes experimentais prolonga esta experiência imersiva. Lygia Pape manipula as imagens como manipula o espaço: para ela, a arte não se limita a uma disciplina, mas abraça uma multiplicidade de meios para melhor questionar a vida, suas normas e suas tensões. Para quem se interessa pelo cruzamento entre arte contemporânea e compromisso social, estes filmes oferecem um olhar poderoso sobre um Brasil em plena transformação e uma artista que usou suas próprias armas para responder a um contexto político tenso.

Um lugar para experimentar a arte de forma diferente.

A exposição destina-se tanto aos amantes da arte contemporânea como aos curiosos que procuram uma nova experiência, tanto contemplativa como física. Em família, a dois ou com amigos, Weaving Space oferece um momento de suspensão, longe da agitação de Paris. No ambiente tranquilo da Bolsa de Comércio, a arte torna-se um jogo de reflexões, de presença e ausência, de vazio e tensão.

Quando em visita esta exposição, o visitante não estará olhando para uma obra de arte: estará caminhando através dela. Não estará à margem: estará envolvido, sendo chamado a interagir. Talvez esta seja a maior conquista de Lygia Pape: a ligação invisível, mas palpável, entre o artista, sua obra e o espectador.

 

Saberes ancestrais indígenas e afrodescendentes.

O Instituto Ling, bairro Três Figueiras, Porto Alegre, RS, receberá pela primeira vez a Mostra Internacional de Arte Contemporânea (MIAC), que apresenta a edição “O Tempo dos Corpos” entre os dias 14 e 22 de outubro. Será uma programação rica em arte, cultura e saberes ancestrais indígenas e afrodescendentes. 

Da obra de Denilson Baniwa, artista indígena do povo Baniwa e um dos maiores nomes da artes visuais contemporâneas no país, à aula aberta com Ana Maria Gonçalves, autora de “Um Defeito de Cor” e imortal da Academia Brasileira de Letras, a mostra mistura linguagens artísticas para expressar identidades, artes e futuro.

A curadoria é de Fernando Zugno e Guilherme Thiesen e a programação no Instituto Ling é gratuita.

A MIAC – O Tempo dos Corpos conta com patrocínio da Crown Embalagens, apoio do Instituto Ling e produção da Canard Produções. Realização do Ministério da Cultura, Governo Federal, por meio da Lei Rouanet de incentivo a projetos culturais.

 

Lançamento de Elisa Stecca e Willy Biondani.

29/set

Edição numerada permite revisitar a poética da natureza em uma experiência visual e tátil.

A instalação “Tangências/Alumbramento”, de Elisa Stecca e Willy Biondani, que desde julho ocupa a sala Maureen Bisilliat do Museu da Imagem e do Som (MIS), Jardim Europa, em São Paulo, se despede com um gesto inédito: o lançamento de uma caixa numerada, reunindo imagens das obras expostas e o catálogo oficial, permitindo ao público levar para casa uma experiência tangível e prolongada da mostra.

A exposição, que se destacou pela atmosfera imersiva e sensorial, transformou 260 m² em um espaço de encantamento. O percurso curvilíneo, sem cantos vivos, conduziu o visitante por 70 metros de obras têxteis transparentes, esculturas em vidro soprado espelhado, projeções de vídeo e fotografias, combinando diferentes linguagens e suportes para explorar a natureza e suas dimensões poéticas. A ambientação sonora, criada por Cid Campos, completou o cenário onírico, oferecendo pausas de silêncio e contemplação em meio à rotina urbana, enquanto a consultoria de arquitetura de Carlos Warchavchik garantiu uma circulação fluida e envolvente.

O lançamento da caixa é concebido como uma extensão participativa da experiência imersiva. O projeto gráfico, assinado por Pedro Cappeletti, organiza as imagens e folhas em diferentes papéis, permitindo ao espectador montar e explorar as peças de maneiras variadas, tornando-se coautor de sua própria interpretação. A tiragem é limitada a 140 unidades numeradas, reforçando a singularidade do objeto.

A mostra, que entrelaça utopia e razão, fluido e concreto, sonho e realidade, convida a refletir sobre a biodiversidade brasileira, inspirando-se na carta de Pero Vaz de Caminha e reinterpretando fauna e flora de forma fantasiosa e poética. A experiência propõe um mergulho do micro ao macro, em um tempo e espaço suspensos, evocando a contemplação, o encantamento a imaginação como motores do olhar artístico.

 

Dialogando com a obra de Hélio Oiticica.

Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica apresenta vídeo-performance de Stella Mariz na 3ª Chamada Programa Hélio Oiticica. A vídeo-performance “Núcleo I”, de Stella Mariz, integra o Programa HélioOiticica e investiga a relação entre corpo e espaço no ambiente virtual. Criada sob a persona @acaciavelata, a obra utiliza gestos espontâneos e repetitivos para evocar memórias arcaicas e movimentos universais, dialogando com a visão original de Hélio Oiticica para o “Grande Núcleo”.

O Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica (CMAHO) convida para a abertura da exposição coletiva do Programa Hélio Oiticica, com a vídeo-performance Núcleo I (2025) de Stella Mariz, selecionado para dialogar com a obra e o pensamento do artista Hélio Oiticica, no dia 04 de outubro de 2025, das 14h às 18h, no Rio de Janeiro, com curadoria de Cesar Oiticica.

Em “Núcleo I”, Stella Mariz apresenta sua persona Acacia Velata (@acaciavelata), um trabalho de vídeo-performances que desenvolve desde 2021. Coberta por um traje que neutraliza a sensualidade e evidencia apenas o movimento – mãos e pés expostos -, a artista explora o vídeo como um espaço pictórico tridimensional virtual. Filmada por Antônia Ribas, com edição da própria Stella Mariz, a performance acontece em silêncio e sem coreografia, permitindo que gestos espontâneos emerjam como registros corporais de memórias ancestrais. A artista opta por não utilizar inteligência artificial na criação do trabalho, incorporando deliberadamente o erro como parte essencial do processo. Para Stella Mariz, enquanto a IA tende a corrigir e suavizar imperfeições, é justamente na falha humana que reside um potencial criativo único – um espaço onde o inesperado se transforma em gesto expressivo.

As sequências curtas e repetitivas induzem um estado de percepção sensível: um convite a reconhecer movimentos primordiais inscritos no corpo, atravessando categorias de raça, gênero, sexualidade ou território. Inserida em um ambiente digital idealizado, a ação provoca uma experiência subjetiva e simbólica, despertando emoções arcaicas que conectam passado e futuro.

O trabalho estabelece um diálogo direto com a visão original de Hélio Oiticica para o “Grande Núcleo”, em que a interação corporal e a participação ativa do público eram centrais. Em vez de apenas assistir, o espectador é instigado a sentir e perceber, criando novas relações simbólicas no ambiente virtual – uma atualização das proposições de Oiticica no contexto contemporâneo.

Sobre a artista

Nascida no Porto, Portugal, e radicada no Rio de Janeiro, Stella Mariz transita entre escultura figurativa, desenho, fotografia, vídeo-instalação e foto-pinturas em alto-relevo. É também cirurgiã plástica e possui pós-graduação em História da Arte e em Arte e Filosofia (PUC-Rio). Participou de residências artísticas na Art Students League (Nova York) e no Atelier Charles Watson (RJ), além de cursos na Escola de Artes Visuais do Parque Lage. Premiada no Salão Nacional de Arte em Cuba, já realizou diversas exposições individuais e coletivas. Em maio de 2025, apresentou a individual “Denso e Sutil”, com curadoria de Shannon Botelho, no Centro Cultural Correios RJ, explorando os limites entre bidimensionalidade e tridimensionalidade. Ainda este ano, foi selecionada pela mostra de performance arte Verbo, da Galeria Vermelho.

De 05 a 26 de outubro.

 

Exibindo a arte da preservação e da cidadania.

26/set

nstituto Tomie Ohtake, Pinheiros, São Paulo, SP,  apresenta “A terra, o fogo, a água e os ventos – Por um Museu da Errância com Édouard Glissant”. A exposição reúne obras de 60 artistas das Américas, Caribe, Europa, África e Ásia, que conta com o patrocínio do Nubank, Mantenedor Institucional do Instituto Tomie Ohtake, da SKY, na cota Bronze, e da Fundação Norma y Leo Werthein, na cota Apoio. Concebida como um museu em movimento e dedicada à obra e ao pensamento do poeta, filósofo e ensaísta martinicano Édouard Glissant (1928–2011), a exposição integra a Temporada França-Brasil 2025 como um de seus principais destaques. A iniciativa de intercâmbio cultural é promovida pelo Instituto Francês e pelo Instituto Guimarães Rosa (Itamaraty), com o apoio de um comitê formado por 15 empresas: Engie, LVMH, ADEO, JCDecaux, Sanofi, Airbus, CMA CGM, CNP Seguradora, L’Oréal, TotalEnergies, Vinci, BNP Paribas, Carrefour, VICAT e SCOR. Com curadoria de Ana Roman e Paulo Miyada, a mostra é uma realização do Instituto Tomie Ohtake, correalização do Mémorial ACTe, do Édouard Glissant Art Fund e do Institut Tout-Monde, além de parceria com o CARA – Center for Art, Research and Alliances e apoio institucional do Institut Français.

Parte da pesquisa de longo prazo do Instituto Tomie Ohtake em torno da produção de memória, a exposição dá sequência a iniciativas recentes como a mostra Ensaios para o Museu das Origens (2023) e o seminário “Ensaios para o Museu das Origens – Políticas da memória” (2024), que reuniu representantes de museus, arquivos e comunidades em um intenso debate sobre preservação e cidadania. Com seu título inspirado na antologia poética La Terre, le feu, l’eau et les vents (2010), organizada pelo escritor martinicano, a mostra ensaia o que seria um “Museu da Errância”. 

Errância é uma vivência da Relação: recusa filiações únicas e propõe o museu como arquipélago – espaço de rupturas, apagamentos e reinvenções sem síntese forçada. Contra genealogias rígidas, propõe-se uma memória em trânsito, feita de alianças provisórias, traduções e tremores – um processo institucional movido pelo encontro entre tempos, territórios e linguagens. Ainda que Glissant tenha deixado fragmentos de sua visão para um museu do século 21, não chegou a concretizá-lo. A curadoria imagina como poderia ser esse Museu da Errância em uma mostra de múltiplas camadas e conexões inesperadas entre obras, documentos e paisagens. As duas ideias-chave da organização da montagem da exposição são a palavra da paisagem e a paisagem da palavra, concebidas a partir da concepção de Glissant de “parole du paysage”. Como apontam em texto, “No primeiro caso, o território infiltra-se na fala; no segundo, a linguagem se projeta no espaço, convertendo signos, letras e códigos em relevo, clima ou correnteza”. Para o poeta, a paisagem não é apenas cenário externo, mas força ativa que molda memórias, gestos e linguagens. Além disso, estão presentes em frases, manuscritos e entrevistas do autor outras ideias como Todo-mundo, crioulização, arquipélago, tremor, opacidade, palavra da paisagem e aqui-lá. Para a curadoria, que trabalhou em contínuo diálogo com Sylvie Séma Glissant, trata-se de um arco de assuntos interligados com profunda relevância no mundo contemporâneo, que mais uma vez se vê permeado por discursos e medidas de intolerância perante o diverso e incapaz de criar canais de escuta dos Elementos naturais e das paisagens ameaçados de destruição.

É nesse horizonte que se apresenta, pela primeira vez no Brasil, parte da coleção pessoal reunida por Glissant e atualmente preservada no Mémorial ACTe, em Guadalupe. O conjunto inclui pinturas, esculturas e gravuras de artistas com quem o pensador conviveu e sobre os quais escreveu, como Wifredo Lam, Roberto Matta, Agustín Cárdenas, Antonio Seguí, Enrique Zañartu, José Gamarra, Victor Brauner e Victor Anicet, entre outros. São artistas de crescente reconhecimento internacional, que viveram trajetórias de diáspora e imigração, e produziram em trânsito entre línguas, linguagens, paisagens e histórias múltiplas. Trata-se de um valioso recorte da produção artística da segunda metade do século 20, que lida com o imaginário, a figuração, a linguagem e as grafias como recursos carregados de traços de memória, identidade e invenção.

À coleção de obras somam-se documentos, cadernos, vídeos e fragmentos de textos e entrevistas de Glissant, igualmente inéditos. Entre eles, destaca-se o Caderno de uma viagem pelo Nilo (1988) – com notas e desenhos em fac-símile – que vai além do registro de viagem para se tornar um exercício poético-filosófico, no qual o autor questiona a ideia de uma origem única e propõe a noção de origens múltiplas. A mostra apresenta também trechos da extensa entrevista concedida em 2008 a Patrick Chamoiseau, escritor martinicano e parceiro intelectual de Glissant, da qual resultou o monumental Abécédaire. O público poderá conferir dezessete verbetes selecionados pela curadoria, exibidos em seis monitores distribuídos pela exposição. Esses materiais revelam como o poeta elaborava suas ideias no cruzamento entre escrita, oralidade e imagem. Este extenso e rico acervo é apresentado em diálogo com trabalhos de mais de 30 artistas contemporâneos das Américas, Caribe, África, Europa e Ásia – nomes como Chico Tabibuia, Emanoel Araújo, Federica Matta, Frank Walter, Julien Creuzet, Manthia Diawara, Melvin Edwards, Sheila Hicks, Rebeca Carapiá, Pol Taburet, Tiago Sant’Ana, entre outros – que convocam o público a experimentar, de forma sensorial, o entrelaçamento entre paisagem, linguagem e memória. Nas palavras dos curadores: “Entre as peças selecionadas há partituras visuais que serpenteiam pelas paredes como cordilheiras, vídeos em que frases viram espuma marítima e instalações sonoras que transformam poemas em ar e vibração”. Parte dessa proposta inclui ainda obras especialmente comissionadas para a exposição, realizadas por Aislan Pankararu, Pedro França e Rayana Rayo, do Brasil, e por Arébénor Basséne, Hamedine Kane, Nolan Oswald Dennis, Pol Taburet, Kelly Sinnapah Mary e Tarik Kiswanson, de diferentes contextos internacionais, ampliando as vozes e perspectivas que atravessam a mostra.

Está programado o lançamento de um catálogo, em português e em inglês – cuja edição em inglês está sendo coeditada pelo CARA – que reúne textos das instituições parceiras, ensaio curatorial de Ana Roman e Paulo Miyada, verbetes sobre os artistas participantes, além da transcrição de trechos do Abécédaire. O volume inclui também o manuscrito Caderno de uma viagem pelo Nilo, de Glissant, assim como legendas técnicas e ficha detalhada da exposição. Em novembro, no Instituto Tomie Ohtake, a programação se completa com um seminário com a participação de alguns dos artistas da exposição e com importantes intelectuais que dialogam com a obra de Glissant.

O projeto contemplou, ainda, uma residência artística na Martinica, realizada em agosto de 2025, com a participação de Rayana Rayo e Zé di Cabeça (José Eduardo Ferreira Santos). Os frutos dessa vivência, que conta com o apoio da Coleção Ivani e Jorge Yunes e do Instituto Guimarães Rosa, darão origem a intervenções em diálogo com a coleção de arte africana do MON – Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba, PR. O evento também integra a Temporada França Brasil. No primeiro semestre de 2026, a exposição tem itinerância prevista para Nova York, no CARA – Center for Art, Research and Alliances.

Artistas participantes

Agustín Cárdenas, Aislan Pankararu, Amoedas Wani e Patrice Alexandre, Antonio Seguí, Arébénor Basséne, Cesare Peverelli, Chang Yuchen, Chico Tabibuia, Eduardo Zamora, Emanoel Araújo, Enrique Zañartu, Ernest Breleur, Etienne de France, Federica Matta, Flavio-Shiró, Florencia Rodriguez Giles, Frank Walter, Gabriela Morawetz, Geneviève Gallego, Gerardo Chávez, Hamedine Kane, Irving Petlin, Jean-Claude Garoute (Tiga), José Gamarra, Julien Creuzet, Kelly Sinnapah Mary, M. Emile, Manthia Diawara, Mélinda Fourn, Melvin Edwards, Minia Biabiany, Nolan Oswald Dennis, Öyvind Fahlström, Pancho Quilici, Paul Mayer, Pedro França, Pol Taburet, Raphaël Barontini, Rayana Rayo, Rebeca Carapiá, Roberto Matta, Serge Hélénon, Sheila Hicks, Sylvie Séma Glissant, Tarik Kiswanson, Tiago Sant’Ana, Victor Anicet, Victor Brauner, Wifredo Lam, Zé di Cabeça (José Eduardo Ferreira Santos). 

Até 25 de janeiro de 2026.

 

Instalações pictóricas de Beatriz Milhazes.

25/set

Com curadoria de Lauro Cavalcanti, a exposição na Casa Roberto Marinho, Cosme Velho, marca a primeira apresentação institucional de Beatriz Milhazes no Rio de Janeiro em 12 anos. A mostra reúne pinturas de grande formato – incluindo obras recentemente exibidas na Bienal de Veneza – e esculturas. Pela primeira vez no Brasil, o público também poderá ver maquetes, estudos e reconstruções de painéis de projetos realizados em instituições e espaços públicos na Europa, Américas e Ásia – incluindo intervenções icônicas na Ópera Estatal de Viena, Tate Modern e Fondation Cartier – que evidenciam a dimensão arquitetônica de sua prática. Em exibição até 15 de março de 2026.

Pinturas Nômades

“Pinturas Nômades” reúne 17 projetos celebrando os 21 anos das instalações pictóricas de Beatriz Milhazes em arquitetura. Nas primeiras conversas com a artista veio-nos à mente o termo “mural nômade” com o qual Le Corbusier batizou as suas tapeçarias de grande escala que, no seu entender, resolveriam o aspecto de mobilidade que faltava aos painéis incorporados definitivamente às construções. O autor de “Modulor” encarava as tapeçarias como os “murais da era moderna” uma vez que, sendo componentes móveis, poderiam ser enroladas e utilizadas noutro local. Classificava-as como uma outra via entre arte e design, pintura e escultura, especialmente apta a dialogar com a arquitetura. Nas pinturas, o território no qual Beatriz tão bem transita é aquele em duas dimensões, a partir de uma tela em branco. Nas obras em arquiteturas específicas, as questões pictóricas se agregam àquelas das três dimensões, com as quais terá de, forçosamente, lidar. A lógica da organização do espaço e as questões específicas do campo arquitetural, que antes lhes pareciam tão distantes, passaram a compor o território estendido de seu trabalho. Na interação com a arquitetura, a escolha das cores possui opções mais estreitas em uma gama de tons industriais existentes nos catálogos de vinil ou, no caso das cerâmicas, a partir das tonalidades que se adéquem ao processo de queima nos fornos. A presença em arquiteturas ampliou seu público, não mais restrito aos frequentadores de galerias e museus, uma vez que os trabalhos foram executados, na sua maioria, em locais públicos das cidades. Seis deles têm caráter permanente: a instalação da Casa A em Inujima, no Japão, e nos Estados Unidos da América, as duas composições em cerâmica no Hospital Presbiteriano de Nova Iorque, o painel da Grace Farms, em Connecticut, e os dois murais das portarias de um condomínio em Miami. Ao reunir os 17 projetos e suas respectivas documentações, “Pinturas Nômades” confere merecida perenidade a todos e permite ao público o sabor de conhecê-los.

Lauro Cavalcanti

curador

Mostra de diferentes contextos históricos e sociais.

Até o dia 1º de dezembro, o CCBB Belo Horizonte, MG, recebe a exposição “Uma História da Arte Brasileira”, que reúne obras e nomes incontornáveis da Arte Moderna e Contemporânea do Brasil, com trabalhos que atravessam diferentes contextos históricos e sociais. 

A mostra apresenta mais de 50 obras do acervo do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, compondo um amplo panorama da produção artística nacional nos séculos XX e XXI. Assinada por Raquel Barreto e Pablo Lafuente, curadora-chefe e diretor artístico do MAM Rio, a exposição traz um percurso que evidencia continuidades, rupturas e experimentações que ajudaram a moldar a Arte brasileira ao longo de mais de cem anos. 

A exposição é organizada em cinco eixos temáticos, reunindo trabalhos em variados suportes e linguagens. O trajeto começa com o Modernismo das primeiras décadas do século XX, quando surgia uma estética ligada à busca por identidade nacional. Em seguida, aborda o Abstracionismo e o Concretismo dos anos 1950, avança para a Arte Crítica e Conceitual das décadas de 1960 e 1970 – marcadas pela resistência à Ditadura Militar – e alcança a explosão de cores e a revalorização da pintura na “Geração 80″. Cada núcleo propõe diferentes formas de olhar e representar o Brasil, compondo um mosaico do imaginário coletivo do país. 

A partir dos anos 2000, o recorte curatorial destaca a força de artistas mulheres, negros e negras, indígenas e LGBTQIA+, ampliando as perspectivas históricas e questionando narrativas tradicionais. Essa produção recente evidencia a vitalidade da Arte Contemporânea Brasileira e a sua capacidade de dar visibilidade a vozes antes marginalizadas. 

Dentre os artistas representados estão nomes fundamentais como Adriana Varejão, Anita Malfatti, Anna Bella Geiger, Anna Maria Maiolino, Arjan Martins, Beatriz Milhazes, Candido Portinari, Carlos Zilio, Cildo Meireles, Di Cavalcanti, Heitor dos Prazeres, Judith Lauand, Leonilson, Lúcia Laguna, Luiz Zerbini, Lygia Clark, Lygia Pape, Márcia X, Maria Martins, Tomie Ohtake, Tunga, Victor Brecheret e outros que, em diferentes momentos, ajudaram a construir uma narrativa múltipla e diversa da arte no Brasil. 

 

As práticas artísticas de Lia Letícia.

23/set

O Governo do Estado de Pernambuco, a Prefeitura da Cidade do Recife, o Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães, Dona Ledy Arte e Cultura e Rosa Melo Produções Artísticas apresentam Tudo dá, individual de  Lia Letícia sob curadoria de Clarissa Diniz no MAMAM, Recife, PE.

Faz quase 30 anos que Lia Letícia, nascida no Rio Grande do Sul, radicou-se em Pernambuco. Sua mudança para Olinda em 1998 possibilitou a consolidação das práticas artísticas que havia iniciado tempos antes, quando trabalhou na confecção de carros alegóricos no carnaval gaúcho. Uma vez que chegou à terra do frevo, especialmente no ateliê de Iza do Amparo e nas ações do coletivo Molusco Lama, Lia Letícia encontrou espaços, interlocutores e aliados tão instigantes quanto aguerridos para sua formação e atuação como artista. Desde então, tem desenvolvido uma obra vasta em contaminações e colaborações, hackeando e reinventando concepções elitistas de arte que, como velhas fortalezas, ainda hoje erigem muros que inocuamente tentam conter sua vocação ao múltiplo, ao outro ou ao avesso de si.

Letícia Letícia fez performance, pintura, objeto, instalação, vídeo, fotografia, intervenção, serigrafia, direção de arte, gestão de espaços independentes, ilustração, cinema, militância, cenografia, curadoria, educação. Sua prática nunca se restringiu a galerias e museus: ao contrário, esteve fundamentalmente lastreada nas ruas, sets de filmagem, comunidades, salas de aula ou mesmo em grupos de WhatsApp. Não à toa, passaram-se muitos anos até que sua obra pudesse ser apresentada em conjunto numa instituição cultural de relevo: um gesto que, sem qualquer ambição de contemplar toda a sua trajetória, tem todavia a intenção de compartilhar as forças norteadoras de sua poética com os públicos do Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães. Ocupando todos os andares do MAMAM, a exposição se organiza em quatro núcleos. Neles, aproximamos trabalhos de linguagens e períodos distintos que, todavia, transitam nas mesmas órbitas políticas. No térreo, Nesta terra, tudo dá reúne obras que denunciam o extrativismo (neo)colonial através de uma filosofia da abundância capaz de resistir aos seus projetos de escassez. No primeiro andar, o núcleo Artista desconhecida explora a debochada iconoclastia que tanto identifica a obra de Lia Letícia, enquanto Arriar a bandeira desafia o triunfalismo do poder e suas presunções de progresso. Por fim, Desculpe atrapalhar o silêncio de sua viagem que congrega obras que, a partir da experiência das cidades, insurgem-se contra as injustiças sociais do nosso tempo. Ao longo da exposição, alguns gestos e interesses revelam sua permanência na obra da artista: memórias insurgentes, posicionamentos irônicos, subversões de traços anárquicos, enfrentamentos políticos performativos, criações colaborativas, o caminhar como método, estéticas da abundância. Permeando diferentes temas e estratégias de linguagem, de forma transversal, testemunhamos a iconoclasta vocação da obra de Lia Letícia de arejar as tão estafadas concepções tradicionais de arte, aqui devidamente inscritas – e nutridas – na vida que Tudo dá.

por Clarissa Diniz

Até 09 de novembro.