Cruzando Carmela Gross com Lina Bo Bardi

17/abr

Chama-se “Quase Circo” a exposição de Carmela Gross no Sesc Pompeia, São Paulo, SP. A mostra estará em cartaz até 25 de agosto e compreende 13 obras, em grande escala, que ocupam diferentes espaços da antiga fábrica. Com curadoria de Paulo Miyada, a exibição reúne uma convergência do trabalho de Carmela Gross com a arquitetura de Lina Bo Bardi. Carmela Gross realiza trabalhos em grande escala que se inserem no espaço urbano e que assinalam um olhar crítico sobre a arquitetura e a história urbana. O eixo comum, para além da diversidade dos contextos e das propostas elaboradas em cada caso, é o conceito básico de trabalhar-na-cidade. O conjunto de operações que envolvem desde a concepção do trabalho, passando pelo processo de produção, até a disposição no lugar de exibição, enfatizam a relação entre a obra e o espaço, entre a obra e o público.

A exposição propõe uma leitura panorâmica das obras da artista, pautada no diálogo com a fábrica projetada por Lina Bo Bardi.  Esta exposição apresentará trabalhos de grandes dimensões, como a instalação “Roda Gigante”, de 2019, e “Escadas Vermelhas”, de 2024.  Painéis luminosos, vídeos, e desenhos também compõem o espaço da área de convivência, além de duas obras expostas anteriormente no Sesc Pompeia, intituladas “Rio Madeira” (1990) e “Estandarte Vermelho” (1999). Destaca-se ainda, a obra “Gato”, realizada especialmente para a exposição, que será instalada nas passarelas do complexo esportivo, inspirada em um desenho de Lina Bo Bardi.

Sobre a exposição, diz o curador Paulo Miyada

“Esta exposição é uma convergência. De uma parte, a obra da paulistana Carmela Gross, que há quase seis décadas produz arte como uma forma peculiar de observar, deslocar e recombinar as coisas do mundo, muitas vezes fazendo dos despojos do crescimento urbano a matéria de suas obras. De outra parte, a arquitetura da italiana Lina Bo Bardi, que encontrou no Brasil lições sobre o trabalho, arquitetura e design populares, que ela estudou e incorporou em sua própria arquitetura de princípios modernistas”.

Sobre a artista

A artista visual Carmela Gross nasceu em São Paulo, em 1946. Suas primeiras obras, nos anos 1960, foram realizadas enquanto estudava no Curso para Formação de Professores de Desenho, na Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), em São Paulo. Concluiu o mestrado em 1981, e o doutorado em 1987, na Escola de Comunicação e Artes da USP, ambos sob orientação do crítico de arte e curador Walter Zanini (1925-2013).  A artista participou de oito edições da Bienal de São Paulo (1967, 1969, 1981, 1983, 1989, 1998, 2002 e 2021); duas edições do evento Arte-Cidade (1994 e 2002); da 2ª Bienal de Arte Contemporânea de Moscou (2007) e da 5ª Bienal do Mercosul (2005), em Porto Alegre.  Algumas de suas obras públicas permanentes são: Grande Hotel (2017), no Sesc 24 de Maio, São Paulo;  Terra (2017), no Museu de Escultura e Ecologia – MuBE, São Paulo; Cascata (2005), em Porto Alegre, Rio Grande do Sul; Fronteira, Fonte, Foz (2001), em Laguna, Santa Catarina; Painel Hans Staden (1997), no Hotel Renaissance, em São Paulo. Seus trabalhos fazem parte de diversas coleções: Museu de Arte Moderna de São Paulo, Museu de Arte Contemporânea da USP, Pinacoteca do Estado de São Paulo, Museu de Arte de Brasília, Fundação Padre Anchieta, Museu de Arte de São Paulo, Itaú Cultural, Biblioteca Luis Angel Arango de Bogotá, Museum of Modern Art, em Nova Iorque, Museum of Fine Arts, em Houston, entre outras.

Sobre o curador

Paulo Miyada é curador e pesquisador de arte contemporânea. Graduado em Arquitetura e Urbanismo pela FAU-USP, tem mestrado em História da Arquitetura e Urbanismo pela mesma instituição. Foi assistente de curadoria da 29ª Bienal de São Paulo, em 2010, e fez parte da equipe de curadores do Rumos Artes Visuais do Itaú Cultural, entre 2011 e 2013. Em 2021, passou a atuar como curador adjunto do Centre Pompidou, em Paris, uma das mais renomadas instituições de arte da Europa. Miyada também foi curador adjunto da 34ª Bienal de São Paulo e do 34º Panorama da Arte Brasileira do MAM-SP. Atualmente, é diretor artístico do Instituto Tomie Ohtake.

Exposições de Paulo Pasta e Iberê Camargo 

05/mar

 

Paulo Pasta retornou à Fundação Iberê Camargo, Porto Alegre, RS. Em diálogo com sua exposição, Paulo Pasta fez a curadoria de obras de seu professor e amigo Iberê Camargo para “Eclipses”. São 19 obras, algumas de grandes dimensões, em que percebe cores crepusculares na produção do pintor. As duas aberturas ocorreram no dia 02 de março. O artista e Lorenzo Mammì, um dos nomes mais importantes da crítica cultural brasileira, conversaram sobre a sua produção.  

Após um hiato de dez anos, Paulo Pasta, um dos artistas mais respeitados e bem-sucedidos do país, retornou à Fundação Iberê Camargo – em exibição até 19 de maio – para celebrar 40 anos de trajetória. A exposição “Paulo Pasta Para que serve uma pintura conta com 40 trabalhos de formas distintas faixas horizontais e verticais, quadros, retângulos que desafiam o artista a enfrentar a superfície das telas. A pintura de Paulo Pasta é uma forma de construir um lugar, um ambiente que se transforma conforme as variações de cor e de luz.    

Por outro lado, suas combinações cromáticas, marcadas por baixos contrastes e passagens suaves entre um tom e outro, acabam por tensionar os limites dessas divisões. Paulo Pasta cria a sensação de que áreas do quadro parecem pulsar para fora da tela, como se quisessem se espalhar pelo mundo. Seu processo de construção, em algumas obras, inclui também a utilização da cera, que tira o brilho do óleo, dando “lentidão” para a cor. O trabalho de acrescentar e testar misturas dá origem aos tons impuros e únicos que caracterizam sua pintura.   

No catálogo da mostra, Lorenzo Mammì, doutor em Filosofia pela USP, onde é professor de História da Filosofia Medieval desde 2003, escreve: “Os retângulos não são apenas combinações de linhas e planos: parece que alguma vez, num passado semiesquecido, foram alguma coisa como portas, vigas, colunas, reais ou pintadas, sem que o pintor nos diga (o saiba) o que foram. O mesmo quanto às cores. Elas funcionam, em parte, como timbres musicais, determinando a estrutura do espaço. É um princípio da pintura tonal: cada instrumento de uma orquestra tem um som específico que faz com que pareça mais próximo ou distante. Instrumentos mais carregados de harmônicos (sons secundários que envolvem o som principal) parecem naturalmente mais longínquos: uma trompa será sempre mais distante que um trompete, um oboé de uma clarineta. Da mesma forma, um vermelho, no limite inferior do espectro cromático, será sempre mais encorpado que um azul, que pertence ao limite superior; portanto, o vermelho será mais profundo, o azul mais superficial. Mas o uso da cor nas pinturas de Pasta não leva em conta apenas essas relações físicas e sim, também, o caráter afetivo que toda cor carrega e que é dado tanto pelas experiências anteriores de cada um, quanto, no caso das pinturas, por ser o resultado de uma série de operações e decisões calculadas. Nos trabalhos de Pasta, estas não se revelam por rastros do movimento do pincel na superfície da tela, que costuma ser muito lisa, mas pelo esforço perceptível com que cada cor procura um ajuste com aquelas que estão ao redor. As cores de Pasta são geralmente muito elaboradas, fruto de uma combinação minuciosa de pigmentos. Se, uma vez distendidas na tela, elas parecem simples, é porque atribuímos boa parte de suas características à luz atmosférica, e não à matéria pictórica. Nesse sentido também, as obras de Pasta conservam algum ilusionismo.”   

 

Os Eclipses de Iberê pelo olhar de Pasta  

Em diálogo com sua exposição, Paulo Pasta fez a curadoria de obras de seu professor e amigo Iberê Camargo para “Eclipses”. São 19 obras, algumas de grandes dimensões, em que Pasta percebe cores crepusculares: “Iberê lançava mão da matéria, quase um barro original, de onde tudo poderia brotar. Suas cores também não estariam dissociadas dessa matéria, lugar do qual, no dizer de Ferreira Gullar, elas surgiriam “como gemas sujas da noite, arrancadas ao caos” (…) A melhor metáfora, para mim, sobre as cores de Iberê, é a do eclipse. Para além do aspecto noturno de seus trabalhos, a luz construída por ele parece não iluminar, não aquecer, mais ou menos como a sugestão de um sol que foi fechado.”   

Paulo Pasta conheceu Iberê Camargo no início da década de 1990, em um workshop com artistas consagrados, no Centro Cultural São Paulo. A partir daí, começaram a trocar cartas e telefonemas. Para Paulo Pasta, aquele encontro foi a confirmação de sua vocação, a prova da existência da pintura, e do pintor.  “Naquele momento (que conheceu Iberê), ele representou, para mim, a confirmação da vocação, a prova da existência da pintura, do pintor. No final da década de 1970, quando comecei a fazer faculdade, existia um predomínio da arte conceitual. Também nesse sentido, Iberê representava uma exceção: ele vivia a vida da própria pintura, perfazendo uma relação simbiótica entre arte e vida. Na contramão das tendências nacionais/populares, ele se evidenciava como uma espécie de outsider, construindo uma visão singular dentro da pintura brasileira. Seu realismo era uma escavação interior, o que fazia repercutir, em seu trabalho, um raro acento subjetivo e expressionista. Desde então, eu o vi como uma espécie de exilado, buscando arquitetar uma “pintura grande”, no Brasil, enfrentando o mal-estar de ser um pintor em um contexto carente de tradição (ou, pelo menos, a tradição que ele gostaria). Iberê buscava, assim, criar um lugar de origem, onde memória e autobiografia pudessem se unir para fundar essa espécie de pátria real: a de pintura. Concentrando-se na experiência da pintura e do pintor, e longe de quaisquer bairrismos, sua obra revelava, por meio do seu fazer obsessivo, a gênese do próprio indivíduo, uma verdadeira condensação do próprio tempo. (…) Também penso as cores de Iberê como sendo crepusculares. Elas nos remeteriam a uma escuridão primordial, mesmo porque, na sua prática, o pintor anoitecia as cores, criando uma espécie de blackout. Só assim, talvez, ele poderia terminar uma pintura e se reconhecer nela. Possivelmente, a melhor metáfora, para mim, sobre as cores de Iberê, seja a do eclipse. Para além do aspecto noturno de seus trabalhos, a luz construída por ele parece não iluminar, não aquecer, mais ou menos como a sugestão de um sol que foi fechado. A palavra eclipse vem do grego, que significa despedida, abandono. A experiência com as cores de Iberê, para mim, obedeceria a esse mesmo conteúdo poético. Nelas, no seu sentido de não cor, somos desertados da luz solar, apesar de toda a intensidade reinante”, escreveu Paulo Pasta.    

 

Sobre o artista 

 

Paulo Pasta nasceu em 1959, em Ariranha, São Paulo, e hoje vive e trabalha na cidade de São Paulo. Formou-se no curso de Artes Plásticas da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP), em 1983, tornando-se mestre e doutor pela mesma universidade. Em 1984, realiza sua primeira exposição individual na Galeria D. H. L., em São Paulo. Recebe a Bolsa Emile Eddé de Artes Plásticas do MAC/USP, em 1988. Impacta na formação de uma nova geração de pintores através de relevante atividade docente, lecionando pintura na Faculdade Santa Marcelina e desenho na Universidade Presbiteriana Mackenzie, na USP e na Fundação Armando Álvares Penteado FAAP. Atualmente, ministra um curso livre de pintura. Entre as exposições individuais realizadas, destacam-se: Pintura de bolso, Millan, São Paulo (2023); Recent Paintings, David Nolan Gallery, Nova York, EUA (2022); Paulo Pasta, Cecilia Brunson Projects, Londres, Reino Unido (2022); Correspondências, Millan, São Paulo (2021); Paulo Pasta: Luz, Museu de Arte Sacra de São Paulo (2021); Projeto e Destino, Instituto Tomie Ohtake, São Paulo (2018); Lembranças do futuro, Millan, São Paulo (2018); Setembro, Palácio Pamphilj, Roma, Itália (2016); Correntes, Sesc Belenzinho, São Paulo (2014); A pintura é que é isto, Fundação Iberê, Porto Alegre (2013); Sobrevisíveis, Centro Cultural Maria Antonia, São Paulo (2011); Paulo Pasta, Centro Cultural Banco do Brasil, Rio de Janeiro (2008) e Paulo Pasta, Pinacoteca do Estado de São Paulo (2006). Entre suas participações em exposições coletivas estão: Abstração: a realidade mediada, Millan, São Paulo (2022); Os Muitos e o Um, Instituto Tomie Ohtake, São Paulo (2016); Quase figura, quase forma, Galeria Estação, São Paulo (2014); 30x Bienal, Pavilhão da Bienal, São Paulo (2013); Europalia, International Art Festival, Bruxelas, Bélgica (2011); Matisse Hoje, Pinacoteca do Estado de São Paulo (2009); Panorama dos Panoramas, Museu de Arte Moderna de São Paulo MAM-SP (2008); MAM [na] Oca, Oca, São Paulo (2006); 3ª Bienal do Mercosul, Porto Alegre (2001); Brasil +500 Mostra do Redescobrimento, Pavilhão da Bienal, São Paulo (2000); Panorama das Artes Visuais, Museu de Arte Moderna de São Paulo recebe o Grande Prêmio (1997); Havana São Paulo, Junge Kunsthaus Lateinamerika, Haus der Kulturen Der Welt, Berlim, Alemanha (1995); XXII Bienal de São Paulo (1994) e III Bienal de Cuenca, Equador (1991). Suas obras integram importantes coleções, entre as quais: Museu Reina Sofía, Madri, Espanha; Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo MAC/USP; Museu de Arte Moderna de São Paulo MAM-SP; Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro MAM-Rio; Museu de Belas-Artes do Rio de Janeiro; Instituto Figueiredo Ferraz, Ribeirão Preto, SP;  Instituto Itaú Cultural, São Paulo; Pinacoteca do Estado de São Paulo; Kunsthalle, Berlim, Alemanha, e Kunstmuseum Schloss Derneburg, Hall Art Foundation, Holle, Alemanha.   

 

Sobre o crítico Lorenzo Mammì  

Lorenzo Mammi é formado em Matérias Literárias pela Universidade dos Estudos de Florença e doutor em Filosofia pela USP, onde é professor de História da Filosofia Medieval desde 2003. Como crítico de música e de arte, organizou e publicou ensaios em diversos livros, como Volpi (Cosac Naify, 1999), Carlito Carvalhosa (Cosac Naify, 2000) e Carlos Gomes (Publifolha, 2001). Parte expressiva deles foi reunida nos livros “O que resta: arte e crítica de arte” (Companhia das Letras, 2012), com foco em artes visuais e “A fugitiva” (Companhia das Letras, 2017), que reúne os ensaios musicais. De 1999 a 2005, foi diretor do Centro Universitário Maria Antonia (USP), em São Paulo. De 2015 a 2018, foi curador-chefe de Programação e Eventos do Instituto Moreira Salles.  

 

  

 

As formas expansivas de Diambe

08/dez

A Simões de Assis, São Paulo, Curitiba, anuncia a representação de Diambe (Rio de Janeiro, 1993). Sua prática expande as noções de coreografia e escultura, desdobrando em instalações que também incorporam pinturas, filmes, têxteis e performances. Diambe explora possibilidades fabulativas de novos seres, elevando aspectos estéticos e ornamentais da natureza. Trata da materialidade ao lidar com o bronze e com formas reconhecíveis de povos diaspóricos, agora em novos arranjos, mimetizando outros seres ou criando novos integrantes de seu ambiente criado. Seu trabalho faz parte de relevantes coleções particulares e figura no acervo de importantes instituições, como: Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (MASP), Pinacoteca do Estado de São Paulo, Museu de Arte do Rio (MAR), entre outros.  

 

Paço Imperial exibe Ana Holck

29/nov

Neste sábado, dia 02 de dezembro, o Paço Imperial, Centro, Rio de Janeiro, RJ, inaugura a exposição “Entroncados, Enroscados e Estirados”, com obras inéditas da artista carioca Ana Holck, que marcam uma nova fase na sua reconhecida e destacada trajetória de 22 anos nas artes. Com curadoria de Felipe Scovino, serão apresentados oito trabalhos, pertencentes às três séries que dão nome à mostra. As obras, que foram produzidas este ano, em porcelana e aço inox – materiais até então nunca utilizados pela artista -, transitam entre a ideia de pintura e escultura.

“Os objetos criam uma situação transicional, variam entre serem bidimensionais e tridimensionais, colocando-se de maneira duplamente vetorizada, ou seja, tem uma proximidade com a pintura – não só pelo fato de estarem presos à parede, mas especialmente pela grafia destes trabalhos – e, ao mesmo tempo, não deixa de ser uma escultura”, afirma o curador Felipe Scovino.

Os novos trabalhos se aproximam muito dos temas sobre os quais a artista já vem se debruçando desde o início de sua trajetória: a cidade, o urbano, a arquitetura e a construção civil. No entanto, se nas obras anteriores Ana Holck utilizava materiais pré-fabricados, industrializados, como blocos de concreto, tijolos e vinis adesivos, nesta nova fase a artista resolveu experimentar, pela primeira vez, materiais mais maleáveis. “Não sou ceramista, a porcelana para mim é um meio a mais para fazer escultura e por isso mesmo sempre quis juntá-la com outros materiais”, conta a artista, que usa uma fita de aço inox maleável, com mola, para essa combinação com a porcelana. Formada em Arquitetura e Urbanismo, a artista utiliza em suas obras muitas questões ligadas a sua formação, mas de forma diferente. “Minha percepção do espaço com base na temporalidade da experiência vem da arquitetura, mas procuro desconstruir o que aprendi, aceitando o improviso, o acaso, o acidente”, diz. Apesar do encanto pelo novo material, Ana Holck encontrou na cerâmica um desafio às suas obras monumentais, que marcam sua trajetória. A solução para aumentar a escala veio a partir de peças que se encaixam, com módulos e repetições. O aço inox entrou como um elemento de ligação. “Este metal que utilizo tem uma mola, que dá estrutura, o que me atraiu bastante. Os “arranjos” dos tubos de porcelana geram um núcleo a partir do qual o metal se expande no espaço, gerando um desenho que não é muito controlado, no qual há um dado de surpresa”, conta a artista que, apesar de utilizar um material bruto e maleável, ela o subverte, transformando a porcelana em tubos de bitolas regulares, pré-estabelecidas, através de uma prensa chamada extrusora. “A passagem pelo equipamento apaga as digitais deixadas pela manipulação do barro, tornando-o impessoal, indo contra sua natureza moldável e imprimível”, ressalta. Além disso, os materiais são afastados de sua funcionalidade original: a cerâmica, que em seu uso cotidiano costuma conter algo, em potes, vasos e louças, aqui torna-se passagem para o metal, que cria desenhos no espaço.

Esses desenhos, por sua vez, criam um jogo de luz e sombra. “A incidência da luz sobre os trabalhos projeta uma sombra que, por sua vez, reforça a ideia de dinâmica e de velocidade das três séries e causa também uma sensação de prolongamento desta grafia no ambiente, criando desenhos no espaço”, afirma o curador Felipe Scovino, que destaca, ainda, que, apesar de não serem trabalhos cinéticos, a ideia de dinamismo e velocidade explora esse aspecto. Além disso, ele ressalta que há, nestes trabalhos, uma referência ao construtivismo russo e ao minimalismo norte-americano.

Séries em exposição

Na mostra serão apresentadas as séries: “Entroncados”, “Enroscados” e “Estirados”.

“Entroncados”, série composta por esculturas feitas a partir da junção aleatória de partes de tubos de porcelana, que são previamente produzidos pela artista. Em seguida, são passadas, por dentro deles, uma única fita de aço inox, gerando um inesperado desenho no espaço. “Antes frágil, a porcelana é agora testada pela força da mola da fita de inox, que percorre e tensiona o tubo de cerâmica, a parede, o ar. A passagem de uma única fita de metal que percorre os tubos gera um segundo desenho, não premeditado”, conta a artista, que vê neste título a questão urbana, sugerindo vias que se entroncam.

Já “Enroscados” são caracterizados pela repetição de módulos curvos, onde a fita de metal completa os desenhos circulares sugeridos pelos tubos em porcelana. “Nesta série temos um movimento repetitivo e obsessivo do metal percorrendo os tubos como calhas, que cumpre este papel de errar, desviar, sair do eixo. Me interessa a repetição dos elementos e sua organização no espaço”, afirma Ana Holck.

A última série, “Estirados”, se relaciona com a primeira, mas é composta por elementos lineares, criando uma tensão maior entre a rigidez da cerâmica e a maleabilidade do metal. A mostra será acompanhada de um catálogo em formato e-book a ser lançado ao longo do período da exposição.

Sobre a artista

Ana Holck (Rio de Janeiro, 1977) é formada em Arquitetura e Urbanismo pela FAU/UFRJ (2000), com Mestrado em História pela PUC-Rio (2003) e Doutorado em Linguagens Visuais pela EBA-UFRJ (2011). Inicia sua trajetória nos anos 2000, com instalações de grande formato, entre as quais, Elevados, no Paço Imperial (2005), Bastidor, no CCBB RJ (2010) e Splash, no SESC Pinheiros (2010). Entre suas principais mostras individuais estão Perimetrais, MdM Gallery, Paris (2013); Perimetrais, Zipper Galeria, São Paulo (2012); Ensaios Não Destrutivos, Anita Schwartz Galeria, Rio de Janeiro (2012); Os Amigos da Gravura. Museu da Chácara do Céu (2010). Entre as coletivas estão: Coleção Edson Queiroz, Fortaleza (2016), Edital Arte e Patrimônio, Paço Imperial (2014), Mulheres nas coleções João Sattamini e MAC Niterói (2012)  Lost in Lace, no Birmingham Museum and Art Gallery, Inglaterra (2011); 1911-2011 Arte Brasileira e depois na Coleção Itaú Cultural. Paço Imperial (2011); AGORA simultâneo, instantâneo. Santander Cultural, Porto Alegre (2011); Trilhas do Desejo, Rumos Artes Visuais 2008/2009. Itaú Cultural (2009); Borderless Generation: Contemporary Art in Latin America. Korea Foundation, Coréia do Sul (2009); e NOVA ARTE NOVA. CCCBB RJ e SP (2008/2009). Possui obras nos acervos do Itaú Cultural, Pinacoteca do Estado de São Paulo, MAM Rio, MAM São Paulo, MAC Niterói, entre outros. A artista está no recém-lançado livro “Remains – Tomorrow: Themes in Contemporary Latin American Abstraction”, organizado por Cecília Fajardo-Hill.

Sobre o curador

Felipe Scovino é professor Associado do Departamento de História e Teoria da Arte e do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da UFRJ. Foi curador de exposições como Lygia Clark: uma retrospectiva (cocuradoria com Paulo Sérgio Duarte, Itaú Cultural, São Paulo, 2012), Cao Guimarães: estética da gambiarra (Cavalariças, Parque Lage, Rio de Janeiro, 2012), Emmanuel Nassar: estes nortes (Centro de Arte Hélio Oiticica, Rio de Janeiro, 2012), Barrão: Fora daqui (Casa França-Brasil, Rio de Janeiro, 2015), Narrativas em processo: Livros de artista na coleção Itaú Cultural (Palácio das Artes, Belo Horizonte, 2019), Franz Weissmann: o vazio como forma (Itaú Cultural, São Paulo, 2019) e Abraham Palatnik: a reinvenção da pintura (co-curadoria com Pieter Tjabbes, CCBB, Brasília, 2013; CCBB, Rio de Janeiro, 2017), que recebeu o prêmio de melhor exposição pela APCA em 2014. É organizador de diversos livros e ensaios sobre arte brasileira para catálogos e periódicos nacionais e internacionais. Foi professor visitante no Departamento de Artes da Universidad de Chile, em 2014, e da University of the Arts, Londres, em 2021. Escreve regularmente para Artforum desde 2017 e escreveu para a Folha de S. Paulo entre 2015 e 2016. Entre 2017 e 2020 foi curador do Clube de Gravura do MAM-SP.

Novas pinturas de Helena Carvalhosa

07/nov

A Galeria Marcelo Guarnieri, Jardins, São Paulo, SP, apresenta, de 18 de novembro a 20 de janeiro de 2024, “Tinha uma saia rodada e um galope na cabeça”, segunda mostra da artista Helena Carvalhosa na unidade de São Paulo. A exposição reúne um conjunto de pinturas, objetos e cerâmicas produzidas pela artista durante os últimos anos que dão conta de evidenciar sua íntima relação com a poesia. “Tinha uma saia rodada/E um galope na cabeça/O galope virou trote/E passo a passo/ caminho”. Helena Carvalhosa dá forma às suas imagens também através da palavra, reanimando memórias afetivas e reconstruindo, dentre outras arquiteturas, espaços domésticos e jardins. Suas pinturas de jarros de flores, galhos, cadeiras e passarinhos se confortam nas pequenas dimensões de suas telas, assim como os objetos com os quais escolhe trabalhar, coisas que podem caber dentro das mãos. A artista se vale do ritmo de seus poemas, por vezes também curtos, para pensar em sínteses: figuras que se resolvem em pinceladas soltas, descrições abertas, assemblages que rimam. “Eu pinto um ar que me habita”, define a artista. A inauguração desta exposição marca também o lançamento de seu livro de poemas “Tinha uma saia rodada e um galope na cabeça”, publicação que conta com texto de apresentação do artista Paulo Pasta e posfácio do curador Marcelo Salles.

Em “Tinha uma saia rodada e um galope na cabeça”, um centenar de pinturas compõem o espaço como uma espécie de álbum de recordações, cenas banais que adquirem valor pelo equilíbrio entre a simplicidade da abordagem temática e manejo sofisticado do uso da cor. Como observa Paulo Pasta em seu texto de apresentação “Para isso ela se vale desse lugar indefinido entre a figuração e abstração, entre ser e parecer, como também do emprego de relações cromáticas, vivas e sutis, destacando suas possíveis harmonias, e – com coragem, também suas notas dissonantes. Suas pinturas fazem uso igualmente de um claro sentido planar, matisseano, que, a exemplo do ensinamento do mestre, buscam um olhar novo e fresco sobre as coisas.” Complementado essa extensa coleção de imagens, incorporam-se os seus objetos, arranjos entre elementos aparentemente díspares que, ao serem combinados, ressignificam, convidam a leituras múltiplas enquanto poemas tridimensionais. “E, penso mais, que depois de um tempo o poema de Helena é ainda mais potente. A imagem mental que se constrói é tão poderosa e menos literal que sentimos pena das belas e frágeis contas negras, envoltas numa transparência gelatinosa, emolduradas por tons alaranjados que cumprem uma efêmera existência.”, conclui Marcelo Salles.

Desde o final da década de 1970 Helena Carvalhosa explora o campo tridimensional por meio de uma investigação sobre as formas e os significados gerados a partir de associações improváveis entre objetos encontrados, tais como potes de vidro, pedaços de madeira, peças de ferro retorcido e molas. O interesse da artista por tais objetos passa não somente pela particularidade de sua composição material e visual, seus significados e usos, mas também pelo vínculo afetivo que possui com cada um deles e com a possibilidade de conservarem histórias. A partir da segunda metade dos anos 1980, Helena Carvalhosa desenvolve, em paralelo, um trabalho em pintura, onde explora a ambiguidade das formas a partir da observação do mundo ao seu redor, desde paisagens até cenas interiores.

Sobre a artista

Helena Carvalhosa nasceu em 1938 em São Paulo, onde vive e trabalha. Iniciou seus estudos em artes na Escola Brasil em 1970 e em 1977 formou-se em Artes Plásticas pela FAAP (Fundação Armando Álvares Penteado). Ainda no final da década de 1970 estudou na New School of Arts, em Nova York e desde os anos 1980 vem fazendo cursos e sendo orientada por artistas como Hélio Cabral, Nelson Nóbrega, Paulo Pasta e Sara Carone. Sua produção transita entre a pintura, a escultura, o desenho e o objeto. O início de sua carreira foi marcado pela participação na “Mostra de Escultura Lúdica” em 1979 no MASP, que contou com artistas como Palatnik, Tomie Ohtake, Leon Ferrari e Guto Lacaz. Na ocasião, a artista expôs “Estruturas Mutantes”, duas peças formadas por tecido, ferro e isopor que remetiam à forma de um casulo e que podiam ser vestidas e transformadas pelo público. A escolha por materiais acessíveis, de uso cotidiano, é ampliada em “O objeto reinventado”, exposição que ocorreu no SESC Pompeia em 1992 e que reuniu assemblages formadas por objetos descartados, já gastos por outros usos. Sobre aquela produção de Carvalhosa, o crítico Pietro Maria Bardi escreveu: “Com o máximo de simplicidade, Helena demonstra, através da combinação de formas, que aquilo que está ao nosso redor pode ser motivo de fruição estética”. No ano seguinte participou da coletiva “Objeto. Objeto-Livro. Fotografia” na Pinacoteca de São Paulo. Segundo a crítica Maria Alice Milliet, em texto de 1993: “Os objetos de Helena pertencem ao universo feminino da sedução, do jogo de aproximações que transforma o banal em inédito, do encantamento surpreendido no arranjo das coisas inúteis cuja gratuidade retém um frescor derivado da fantasia. Atestam a possibilidade de criar a partir do encontrável, do desprezível, de restos e sobras.” Em 1998, Carvalhosa retorna à Pinacoteca para ocupar um dos “vãos livres” do edifício com “O Caminho: Instalação com Flores”, composta por móveis antigos, fotos de família, vasos, quadros e peças em porcelana, propondo uma reflexão sobre as fases da vida e a passagem do tempo. Em paralelo ao seu trabalho com o campo tridimensional, Helena Carvalhosa desenvolve, desde a segunda metade dos anos 1980, uma produção em pintura. Em seus primeiros anos, centrou-se em paisagens e retratos através do uso mais despojado da pincelada, e a partir de 2005 dá início à transição de sua pintura para uma abordagem mais sintética da composição. Segundo o jornalista Antonio Gonçalves Filho, essas pinturas são “quase um diário íntimo sem compromisso com o tempo, como nas composições intimistas de Morandi, feitas de cores sóbrias e perfeito equilíbrio tonal”. Nelas, a artista ainda mantém o seu interesse pelos objetos, agora amalgamando-os, no campo bidimensional, aos outros elementos do quadro, operação que se dá pelo uso da tinta em diferentes cores e texturas. Em texto para o catálogo da exposição “Pulo do Gato”, apresentada no Museu Afro Brasil em 2016, o curador Marcelo Salles escreve: “a artista lida com um fazer que não é orientado por premissas políticas, sociais, mercadológicas; seu interesse reside numa necessidade ancestral, aquela que existia antes de nomearmos todas as coisas e aprisionarmos não somente coisas, mas nós mesmos”. Em mais de quatro décadas de carreira, participou de inúmeras mostras individuais e coletivas, em instituições como: MASP, SESC Pompeia, Pinacoteca do Estado de São Paulo, Museu Afro Brasil, SESC Belenzinho e Centro de Arte Dragão do Mar, em Fortaleza. Desenvolveu curadorias para o SESC São Carlos, SESC Santana e Museu da Casa Brasileira. Possui três livros publicados: Fazenda Pinhal; Ócio: obras de Helena e poesia de Manoel de Barros; e Pulo do Gato.

Novo artista representado

10/out

A Simões de Assis, São Paulo, SP, tem a alegria e o prazer de anunciar a representação de Flávio Cerqueira (São Paulo, 1983). O artista explora a construção de narrativas a partir de figuras humanas em bronze, evocando questões importantes de classe, identidade e raça. A partir de suas esculturas, Flávio Cerqueira é capaz de cristalizar o instante e o fragmento de uma ação, tornando desse modo o espectador um coautor na produção de significados da obra.

Seu trabalho faz parte de relevantes coleções particulares e figura no acervo de importantes instituições, como: Instituto Inhotim, Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (MASP), Pinacoteca do Estado de São Paulo, Universidade de Missouri Kansas City (UMKC); Museu Afro Brasil, Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP) e Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS), entre outros.

Dois conceituados artistas na Paulo Darzé

19/set

 

Com abertura no dia 21 de setembro, a Paulo Darzé Galeria, Corredor da Vitória, Salvador, inaugura as exposições de Paulo Pasta, um dos mais conceituados pintores brasileiros do cenário contemporâneo, (Galeria 1, andar térreo), e com o título de “Linha em expansão”, em sua primeira exposição na Bahia, pinturas de Lúcia Glaz (Galeria 2, segundo andar). As mostras ficam abertas ao público até o dia 21 de outubro.

Sobre o artista

Paulo Pasta nasceu em Ariranha, São Paulo, em 1959, e com suas pinturas busca construir uma temporalidade na pintura. As cores e as formas dos trabalhos do artista parecem planificar a percepção da passagem do tempo: diante de suas telas, o presente se coloca de maneira quase absoluta. As formas e as geometrias representadas nas atmosferas espessas desenhadas pelo artista são vagarosamente reconhecidas através do olhar atento do espectador, que é, por sua vez, colocado entre horizontes e obstáculos que impedem que se veja o espaço da representação com nitidez. A densidade e o tempo criados por Paulo Pasta são contrários a qualquer concessão ao mundo prático e a suas necessidades de presteza e prontidão: é no rumor e na abertura ao tempo presente que recaem sua poética. Doutor em Artes plásticas pela Universidade de São Paulo (2011), realizou as exposições individuais Pintura de bolso (2023), Correspondências (2021) e Lembranças do futuro (2018), na Millan (SP), além de outras mostras individuais em instituições como: David Nolan Gallery (Nova York, EUA, 2022); Cecilia Brunson Projects (Londres, Reino Unido, 2022); Museu de Arte Sacra de São Paulo (SP, 2021); Instituto Tomie Ohtake (SP, 2018); Palazzo Pamphilj (Roma, Itália, 2016); Sesc Belenzinho (SP, 2014); Fundação Iberê Camargo (Porto Alegre, RS, 2013); Centro Cultural Maria Antônia (SP, 2011); Centro Cultural Banco do Brasil (RJ, 2008); e Pinacoteca do Estado de São Paulo (SP, 2006). Entre suas participações em exposições coletivas estão: Abstração: a realidade mediada (Millan, SP, 2022); Os muitos e o um (Instituto Tomie Ohtake, SP, 2016); 30xBienal (Pavilhão da Bienal, SP, 2013); Europalia, International Arts Festival (Bruxelas, Bélgica, 2011); Matisse hoje (Pinacoteca do Estado de São Paulo, SP, 2009); Panorama dos panoramas (MAM-SP, 2008); Mam (na) oca: Arte Brasileira do Acervo do Museu de Arte Moderna de São Paulo (Oca, SP, 2006); Arte por toda parte (3ª Bienal do Mercosul, Porto Alegre, RS, 2001); Brasil + 500 – Mostra do Redescobrimento (Pavilhão da Bienal, SP, 2000); III Bienal de Cuenca (Equador, 1991); entre outras. Suas obras integram diversas coleções, entre as quais estão: Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía (Madrid, Espanha), Pinacoteca do Estado de São Paulo (SP), Museu de Arte Moderna de São Paulo (SP), Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (RJ), Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (SP), Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro (RJ), Kunsthalle (Berlim, Alemanha), Kunstmuseum Schloss Derneburg (Hall Art Foundation, Holle, Alemanha) e Instituto Figueiredo Ferraz (Ribeirão Preto, SP).

Apresentação da mostra

por Jacopo Crivelli Visconti – “Ser pintura”

Quem acompanha a pintura de Paulo Pasta sabe que ela não opera por meio de saltos ou rupturas, mas por um desenvolvimento silencioso, natural, um prolongar-se de tentativas e exercícios que se dão de uma tela para outra, ao longo do tempo. O prazer de ver, após alguns meses ou anos de intervalo, uma nova exposição de obras do artista é comparável ao de acompanhar, mais ou menos de perto e com uma convivência mais ou menos assídua, o crescimento de filhos de amigos. Pode acontecer que, à distância de meses, eles ainda pareçam iguais, mas pouco a pouco fica evidente que não, eles não são os mesmos. Aliás, já se tornaram totalmente outros. Quando voltei ao ateliê do Paulo, transcorridos anos desde a última vez, para ver as telas que estariam nesta exposição, a conversa se aglutinou ao redor das pequenas mudanças na comparação entre uma tela e outra, ou, para ser mais preciso, na maneira como algo que num quadro chamou a sua atenção e o inspirou, se transforma ao ser levado para outro. Uma linha particularmente sutil, dois retângulos lado a lado contra um fundo homogêneo, uma série de quadrados que se apoiam uns nos outros: diante de um universo tão diáfano e vibrátil, mesmo coisas que a princípio são iguais ou muito parecidas se tornam completamente distintas quando algo ao redor delas muda. A ideia de que um elemento possa “chamar a atenção” do próprio autor do quadro não deve surpreender. Apesar de ter um controle razoável sobre sua composição, como demonstram a nitidez das formas e as variações relativamente limitadas em sua paleta, Paulo é o primeiro a aprender com o resultado. Porque além de pintar, ele olha: é preciso um tempo para fazer, e outro para entender. Não é por acaso que as obras sejam consideradas acabadas, muitas vezes, dias ou semanas depois de terem recebido a última pincelada. É nesse momento que Paulo retira a fita que protege a faixa branca que, frequentemente, fecha a composição em sua parte inferior. Numa das pinturas mais surpreendentes da exposição, na qual três quadrados se empilham num equilíbrio aparentemente instável, ao retirar a fita Paulo percebeu que o branco destoava do resto, e decidiu então transformá-lo num amarelo pálido. O que torna a composição insólita não é tanto esse detalhe, mas a presença dos quadrados. Trata-se de uma forma que também aparece em outras telas da exposição, mas está longe de poder ser considerada frequente no vocabulário do artista. Além disso, a maneira desengonçada como esses quadrados se apoiam uns nos outros, indicando que a torre instável que conformam poderia desmoronar a qualquer momento, sugere um peso, e implicitamente uma tridimensionalidade, ausentes na maioria das outras obras. Apenas outra pintura na exposição sugere algo semelhante ao introduzir um segundo elemento que pode ser considerado raro na poética de Paulo: uma linha diagonal. Nesse caso, a linha fecha na parte superior uma faixa branca vertical, que passa a sugerir, assim, o que poderia ser uma porta ou uma janela entreaberta, e, de novo, a tridimensionalidade. Mas é uma tridimensionalidade que tem a ver antes de mais nada com a própria história da pintura: com o fato de que uma linha diagonal numa tela pode ser usada para sugerir uma perspectiva ou um ponto de fuga. Talvez não seja por acaso, então, que nessa tela, ao invés de uma única faixa branca na parte inferior, Paulo tenha criado uma pequena moldura, quase imperceptível, que percorre os quatro lados da tela, como uma janela por onde olhamos uma cena. Mas é uma cena abstrata, esvaziada, onde as arquiteturas metafísicas de um de Chirico ou as cores de um Piero della Francesca viraram apenas lembranças. É a ideia de uma cena. E uma ideia, no fundo, totalmente alheia a essas pinturas, que nunca contam uma história, nunca pedem para ser “entendidas”, muito menos de um único jeito. As obras de Paulo Pasta parecem afirmar o tempo todo que são apenas campos de cor sobre uma superfície plana, e que qualquer arquitetura ou alusão a elementos do mundo real que possamos ler nelas é apenas isso, uma leitura feita por quem olha, e não algo implícito ou sugerido pela pintura. Não há por que buscar nessas pinturas uma razão de ser ou um significado, não há uma explicação ou uma lógica. Elas apenas existem, como existem uma montanha, uma pedra, uma onda no mar. Essa aparente simplicidade é em realidade o resultado de uma reflexão longa e coerente, a tradução física de um pensamento filosófico, de um olhar e de um profundo conhecimento teórico e prático. As pinturas, porém, não sabem nada disso. Elas são, e nada mais.

Sobre a artista

Lúcia Glaz nasceu em Santos, litoral de SP no ano de 1961. Pintora desde jovem, participou de várias exposições. Entre elas a coletiva “Razão concreta”, ao lado de pintores como Volpi, Rubem Valentim, Judith Lauand e outros, na Galeria Berenice Arvani (SP), em abril de 2016. No ano seguinte participou da coletiva SPART 2001. Em setembro desse mesmo ano na Galeria Berenice Arvani, realizou individual com curadoria de Pedro Mastrobuono, “A beleza é metafísica na pintura de Lúcia Glaz”. Participou da Pinta Miami Art Fair em dezembro de 2017. Em setembro de 2018 fez outra individual, desta vez no Rio de Janeiro, na Galeria Almacén Thebaldi “O diálogo da cor”. Participou da PARTE/Feira de Arte Contemporânea, em 2018. Integrou a exposição coletiva “Modernos Eternos” (Mosteiro de São Bento/SP), em agosto de 2019. Em novembro de 2019 participou do Projeto Felicidade-Clube Hebraica; fez uma individual na Pinacoteca Benedicto Calixto, “A Pintura como processo”, também em novembro de 2019. Participou da feira de arte On Line Arte Viewing Room pela Galeria Berenice Arvani em agosto de 2020, “A geometria como forma de expressão “. Participou da Expo/Sevivon-Beit-Chabat em dezembro de 2020. Em setembro de 2023, individual na Paulo Darzé Galeria, com o título de “Linha em expansão”, com apresentação de Antonio Gonçalves Filho.

Apresentação da mostra

por Antonio Gonçalves Filho – “Liberdade construtiva”

Embora de uma outra geração, a pintura de Lúcia Glaz (1961) guarda uma proximidade com mestres de outras escolas que antecederam sua iniciação na arte nos anos 1980, sendo possível citar pelo menos dois nomes com os quais se identifica: o francês François Morellet (1926-2016), cuja obra, nos anos 1950, prefigura o minimalismo, e o construtivista brasileiro Milton Dacosta (1915-1988). Nesta sua primeira exposição individual na Galeria Paulo Darzé, Lúcia Glaz presta um tributo a Morellet e a Dacosta, exibindo uma nova série de pinturas que evocam tanto a estrutura como a figura do quadrado, marcantes na carreira do francês, de 1953 em diante, como as construções com a referida figura geométrica pintada por Dacosta no mesmo período (e suas composições elaboradas entre 1957 e 1958 justificam essa comparação). Se as primeiras estruturas de Morellet com o quadrado (1953) dividiam a superfície da tela em dezesseis partes iguais, replicando um ordenamento típico de Mondrian, as de Milton Dacosta usavam o quadrado num registro próximo das construções sintéticas de Morandi (sem a pureza formal de Mondrian). Entre os dois, Lúcia Glaz descobre uma solução que não abandona o racionalismo abstrato, mas amplia seu vocabulário. Trata-se de uma investigação que caminha para a forma como Albers caminhou para suas pesquisas sobre a expansão da cor. Uma afinidade, mais que uma influência. Há um projeto gráfico nas pinturas desta exposição que, embora reverente à ortogonalidade, subverte essa ordem para afirmar seu compromisso com a natureza lírica do movimento da figura do quadrado, forma criada pelo homem que, aliás, quer ser perfeita. Pintada sobre a superfície terrosa nas telas de Lúcia Glaz, essa forma, no entanto, resiste à racionalização serialista de Mondrian para sugerir um jogo lúdico com o espectador. A abstração geométrica não extermina a poesia dessa movimentação aleatória de dados que brinca com a aventura cinética de Morellet sem confrontar sua adesão à turma de Sobrino e Julio Le Parc, em 1958. As formas de expressão de Lúcia Glaz não passam pela adesão a qualquer movimento. Antes de se integrar a métodos, ela prefere se render voluntariamente à instabilidade sugerida pela percepção física da figura do quadrado como uma entidade não física que ocupa o espaço, mais ou menos como os quadrados transformados pelas linhas de néon nas pinturas de Morellet. São decisões subjetivas que resistem a uma execução mecânica e revelam o virtuosismo de Lúcia Glaz como renovadora da linguagem construtiva que tanto marcou a arte brasileira. Ela agrega o intimismo de Paul Klee num registro monocromático, sóbrio e próximo das coisas concretas do mundo. Um equilíbrio necessário num mundo desordenado.

Antônio Obá na Pina Contemporânea

21/jun

 

Revoada

A exposição de Antonio Obá Galeria na Praça, da Pina Contemporânea, Luz, São Paulo, SP, em cartaz até 18 de fevereiro de 2024, olha para a trajetória do artista que, em vinte anos de carreira, difundiu suas obras em coleções públicas e privadas no Brasil e no exterior. Seu trabalho é constituído por três importantes pilares, que conduzem a narrativa da exposição: a rememoração de acontecimentos históricos, a atribuição de novos significados a esses episódios e o processo educativo. A exposição “Antonio Obá: Revoada” é patrocinada pela Livelo, na cota Apresenta e tem curadoria de Ana Maria Maia e Yuri Quevedo.

A instalação e as crianças

A exposição apresenta um conjunto de pinturas com temáticas voltadas para a infância, e uma instalação inédita (Revoada), pensada a partir do contexto do museu – a Pinacoteca nasceu originalmente para ser uma escola. A obra consiste em 200 pares de mãos de crianças moldadas em resina em oficinas oferecidas pelo artista na Ocupação 9 de Julho (Movimento Sem Teto do Centro), em duas escolas particulares e no ateliê da Pina Contemporânea.

Além da instalação, 20 pinturas se organizam a partir do tema da infância e de um movimento vertical, muito presente no trabalho de Obá. No percurso de revisitar momentos da história, o artista inscreve a tragédia e a violência em um tempo mítico, transformando os personagens históricos em entidades, arquétipos que podem rever sua posição na própria história.

A infância em “Antônio Obá” não é ingênua. As crianças-personagens do artista são agentes do seu tempo, conscientes e capazes de transformar o mundo.

Sobre o artista

Antonio Obá nasceu em Ceilândia, Brasília, DF, em 1983. Foi professor de artes para crianças por muitos anos e seu projeto de individual parte da perspectiva da educação. O artista participa de exposições coletivas e individuais desde 2001, com um trabalho que maneja história e universo simbólico, alinhavando linguagens e experiências próprias. Suas últimas exposições incluem Path, Oude Kerk, Amsterdam; Antonio Obá: Fables, X Museum, Pequim (2022); Carolina Maria de Jesus, um Brasil para os brasileiros, IMS Paulista, São Paulo (2021); Enciclopédia Negra, Pinacoteca do Estado de São Paulo, São Paulo (2021). Hoje, Obá vive e trabalha em Brasília, DF.

Representação ousada feminina

07/jun

A exposição “Teresinha Soares: um alegre teatro sério” é o atual cartaz – até 29 de julho – da galeria Gomide&Co, Paulista, São Paulo, SP. Com organização de Luisa Duarte, apresenta um conjunto de obras entre desenhos, pinturas e gravuras da intensa trajetória da artista mineira pelos anos 1960 e 1970. A exposição conta ainda com textos inéditos de Lilia Schwarcz e de Julia de Souza. Inserida no contexto repressor da ditadura militar brasileira, a artista ousou a representar temas feministas e de gênero, por um viés do erótico e de grande contestação das relações do corpo com os costumes morais, o consumo e a máquina política.

“Minha arte é realista precisamente porque condeno os falsos valores de uma sociedade a que pertenço. Realista e erótica, minha arte é como a cruz para o capeta” – Teresinha Soares

O aspecto ousado está tanto na temática quando no tratamento formal empregado pela artista, com traços e cores que transitam e se relacionam com os movimentos artísticos da época, como a arte pop, o noveau réalisme e a nova objetividade brasileira.

“Em “Um alegre teatro sério”, trabalho que dá nome à exposição, o corpo feminino aparece duplicado – ora mais curvado e talvez reprimido; ora expansivo e sem amarras. Frases como “de luz apagada”, que aparece logo abaixo de um abajur iluminado, ou “há os outros naturalmente” e “recebe até na cama e o governado” contracenam com rostos que se beijam e o que parece ser uma máscara de teatro. A obra faz pensar no teatro da corporalidade feminina, sujeita a tantas proibições, jogos de simulação e não ditos. Permite introduzir também o imaginário erotizado dessa artista numa súmula bem-feita e que faz performance dentro e fora das telas” – trecho do texto de Lilia Schwarcz para exposição.

Antes de ser artista, Teresinha Soares foi a primeira vereadora eleita em sua cidade natal, Araxá, onde foi também miss e professora. Além de artista, é também escritora e ativista dos direitos da mulher e ambiental.   Nos últimos anos, seu trabalho tem sido revisto e reinscrito na história da arte brasileira, tendo participado de importantes exposições coletivas.

O seu olhar feminista e libertário, a sua capacidade de aliar eloquência formal de energia contestatória, nos endereçam uma obra munida de singular atualidade para pensarmos os caminhos da arte e os desafios políticos da contemporaneidade.

Sobre a artista

Teresinha Soares nasceu em Araxá, Minas Gerais, em 1927. Mudou-se para Belo Horizonte no início da vida adulta, onde iniciou sua carreira artística. Participou de três Bienais de São Paulo (1967, 1971 e 1973) e realizou as exposições individuais “Amo São Paulo” (1968), na Galeria Art-Art, São Paulo, e “Corpo a Corpo in Cor-pus Meus” (1971), na Petite Galerie, Rio de Janeiro. Seu trabalho vem sendo revisitado e inscrito na história da arte brasileira, tendo recentemente feito parte de grandes exposições no Brasil e internacionalmente, como “The World Goes Pop”, na Tate Modern (2015), “Radical Women: Latin American Art”, 1960-1985, no Hammer Museum (2017), Brooklyn Museum (2018), e na Pinacoteca do Estado de São Paulo (2018). Em 2017, o MASP realizou a sua primeira exposição retrospectiva em 40 anos: “Quem tem medo de Teresinha Soares?”.

Mestre Didi no Inhotim

26/mai

A exposição temporária “Mestre Didi – os iniciados no mistério não morrem” chega à Galeria Praça a partir do dia 27 de maio, com curadoria de Igor Simões, curador convidado, e da equipe curatorial do Inhotim, MG. A exibição de cerca de 30 obras da coleção do Instituto Inhotim de Deoscóredes Maximiliano do Santos (1917-2013), o Mestre Didi, faz parte do Programa Abdias Nascimento e o Museu de Arte Negra e apresenta ao público o universo múltiplo onde as atividades de artista, intelectual e liderança religiosa no Candomblé se encontram.

As esculturas expostas utilizam fibras de dendezeiro, búzios, contas, sementes, tiras de couro e outros símbolos que remetem às tradições iorubá. Além de artista, Mestre Didi foi sacerdote supremo do culto aos ancestrais Egungun e fundou, nos anos 1980, a Sociedade Religiosa e Cultural Ilê Asipá, em Salvador, BA. A mostra busca compreender as diversas vivências de sua trajetória, da intelectualidade ao sagrado, sempre em diálogo com as experiências afro-diaspóricas.

Integram ainda a exposição trabalhos de Rubem Valentim, Ayrson Heráclito e comissionamentos do Ilê Asipá. As inaugurações na Galeria Praça de 2023 são patrocinadas pela Shell, por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura.

Sobre o artista

Deoscóredes Maximiliano dos Santos (Salvador, Bahia, 1917-2013), mais conhecido como Mestre Didi, foi um sacerdote-artista, filho de Arsênio dos Santos, um grande alfaiate baiano, e de Maria Bibiana do Espírito Santo, conhecida como Mãe Senhora por seu papel de Ialorixá no terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, em Salvador. Didi começou ainda na infância a executar objetos rituais associados ao Candomblé, mantendo essa prática ao longo de toda sua vida. Ao mesmo tempo, iniciou-se na religião aos oito anos de idade, aprofundando-se no culto aos Egunguns (ou Ancestrais), parte essencial da cultura nagô de origem iorubana. Em suas peças, fibras do dendezeiro, contas, búzios, tiras de couro, emblemas dos orixás Nanã, Obaluayê, e Oxumarê, reapresentados no campo semântico da arte e, como tal, esgarçando práticas que nem sempre cabem na palavra. Entre a década de 40 e 90, Mestre Didi se posiciona como um intelectual afro-atlântico, e em sua produção estarão presentes traduções do Iorubá para o português, autos coreográficos, contos e escritos que o posicionam como figura incontornável na guarda e na difusão dos saberes da diáspora africana, não apenas no Brasil, como entre as Américas e Europa. Em 1966, viajou para a África Ocidental para realizar pesquisas comparativas entre Brasil e África, contratado pela Unesco. Em 1980, fundou e presidiu a Sociedade Cultural e Religiosa Ilê Asipá do culto aos ancestrais Egun, em Salvador. Foi coordenador do Conselho Religioso do Instituto Nacional da Tradição e Cultura Afro-Brasileira, representando no país a Conferência Internacional da Tradição dos Orixás e Cultura. Mestre Didi realizou importantes mostras individuais e coletivas em instituições como Pinacoteca do Estado de São Paulo, Museu Afro Brasil Emanoel Araújo, Museu de Arte Moderna de São Paulo, Museu Oscar Niemeyer, Museu de Arte Moderna da Bahia, Museu Histórico Nacional e Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, além de participar na Bienal da Bahia e na 23ª Bienal de São Paulo. No exterior, expôs em Valência, Milão, Frankfurt, Londres, Paris, Acra, Dacar, Miami, Nova York e Washington. Seus trabalhos figuram em coleções de destaque, incluindo Museu de Arte Moderna da Bahia, Museu de Arte Moderna de São Paulo, e Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand.