Cristina Ataíde & Felipe Góes

31/mai

As salas da Galeria Virgílio, Pinheiros, São Paulo, SP, exibirão uma dupla de exposições paralelas com um ponto em comum: ambas são compostas por paisagens. A diferença entre elas está nas plataformas utilizadas e na fonte de inspiração das peças. Enquanto “Ocaso”, a individual do jovem artista brasileiro Felipe Góes, exibe telas com paisagens imaginárias, “Até o abraço”, da artista portuguesa Cristina Ataíde reúne esculturas e desenhos criados a partir dos cenários que ela observou em sua viagem pela Serra do Mar, no litoral do Brasil.

 

“Ocaso”, por Felipe Góes

 

A exposição tem curadoria de Douglas de Freitas da mais recente produção  de trabalhos de Felipe Góes, talento que ganha um destaque cada vez maior no cenário artístico nacional. Todas as obras são realizadas a partir de uma intenção inicial que se dissolve ao longo do processo da pintura: áreas alagadas podem se tornar planícies e nuvens se transformam em manchas indefinidas de cor, por exemplo. É desse processo que vem o nome “ocaso”, uma alusão ao momento em que algo termina ou chega ao seu limite. Tinta acrílica e guache, figuração e abstração, clareza de significado e ambiguidade são as técnicas e palavras-chave que definem os quadros de Felipe. O objetivo do artista é desconstruir os processos tradicionais das pinturas de paisagens, que remetem a lugares existentes, e ativar outras maneiras do público se relacionar com as imagens, traçando relações entre a obra e o repertório de lembranças e experiências de cada um.

 

“Até ao abraço”, por Cristina Ataíde

 

Em outra sala da galeria estarão reunidas as obras de Cristina Ataíde. Como grande parte de sua produção, as pequenas esculturas e desenhos foram produzidas durante uma viagem. “Os trabalhos refletem o afeto e a proximidade que experimento ao atravessar o Oceano e me sentir enleada com as pessoas e paisagens que toco e percorro, que tento compreender, viver e incorporar. Estas peças vão conviver e abraçar o espaço e fazer reviver as emoções que senti”, explica. Em 2012, depois de percorrer a Serra do Mar, totalmente imersa na Mata Atlântica, ela criou obras que revelam montanhas, rios e cidades. O nome da exposição “Até o abraço”, é um trecho de uma frase escrita pelo poeta alemão Novalis.

 

Sobre Cristina Ataíde

 

Nasceu em Viseu, Portugal. Vive e trabalha em Lisboa. A sua obra é feita muitas vezes em viagens, sempre transitando entre a escultura e o desenho, passando pela fotografia e vídeo. Licenciada em Escultura pela ESBAL em Lisboa, frequentou o Curso de Design de Equipamento da mesma escola. Foi diretora de produção de Escultura e Design da Madein, Alenquer, de 1987 a 1996, onde trabalhou com vários artistas como Anish Kapoor, Michelangelo Pistolleto, Keit Sonnier e Sergio Camargo. Também foi professora convidada da Universidade Lusofona em Lisboa de 1997 a 2012 e bolsista da Fundação Calouste Gulbenkian, F.L.A.D, Fundação Oriente e SEC. Fez algumas residências artísticas e diversas exposições internacionais.

 

 

De 08 de junho a 23 de julho.

Três na Artur Fidalgo

19/mai

A Artur Fidalgo galeria, Copacabana, Rio de Janeiro, RJ, apresenta Fernando de La Rocque, Julia Debasse e Victor Arruda. Os artistas se reúnem para apresentar seus mais recentes trabalhos. Com caneta, aquarela e nanquim uma série de desenhos nos surpreende e nos afeta de várias formas. O desenhar obsessivo de Victor Arruda, os corpos flutuantes de Fernando de La Rocque e, através das aquarelas de Julia Debasse, temos expostas nossas fauna e flora interiores. Apesar das diferenças entre esses três artistas, as situações que envolvem o corpo, acabam se tornando uma conexão entre esses universos.

 

 

De 20 de maio a 10 de junho.

Vergara exibe obras inéditas

03/mai

Entre o sólido e o pastoso, entre o poético e o plástico, entre o desejo de perpetuar e experimentar, assim situa-se a obra atual do artista Carlos Vergara na Mais Um Galeria de Arte, Ipanema, na exposição “Carlos Vergara – Inéditos”, com cerca de 20 obras produzidas recentemente. Com curadoria de Fernando Cocchiarale, a mostra exibe trabalhos feitos com asfalto sobre MDF recortado, realizados a partir de desenhos selecionados em cadernos do artista, dos anos 1970 aos dias de hoje.

 

“Os desenhos nos cadernos me interessavam, mas tinham um caráter de anotação. A proposta dessa exposição é dar a eles a potência do discurso. Vão para a parede como tatuagens”, comenta o artista.

 

Todo o processo de making off da nova série poderá ser visto num vídeo assinado por Inês Vergara, exibido ininterruptamente na vitrine da galeria. A ideia é levar arte de forma gratuita e democrática para quem estiver passando pela calçada.

 

Além das tatuagens, Vergará ocupará a Mais Um Galeria de Arte com quatro múltiplos em 3D da série “Mangue”, iniciada em 2010, que tem como pretexto os manguezais da Barra, região onde o artista realizou intervenções artísticas de caráter público. Pinturas sobre telas, aquarelas e desenhos também estarão reunidos na mostra.

 

 

Até 30 de junho.

Para Ivens Machado

26/abr

O MAM Rio, apresenta uma homenagem ao artista Ivens Machado (Florianópolis, 1942 – Rio de Janeiro, 2015), falecido há um ano, e que ao longo de cinco décadas produziu obras destacadas na cena contemporânea. Com curadoria de Fernando Cocchiarale, serão apresentadas, no Salão Monumental do Museu, dezesseis importantes obras do artista, algumas não vistas pelo público há anos. Estarão esculturas, instalações e desenhos pertencentes à Coleção Gilberto Chateaubriand / MAM Rio, e desenhos e um vídeo do Acervo Ivens Machado, projeto responsável pelo seu legado, a cargo da designer Mônica Grandchamp, colaboradora e amiga próxima do artista.  Ao longo de sua trajetória, iniciada em 1973, quando venceu o V Salão de Verão no MAM, participando a seguir da XII Bienal de São Paulo, Ivens Machado só teve no Museu uma exposição individual, em 1975, embora tenha integrado ali diversas mostras coletivas.

 

“Ivens talvez seja o artista de sua geração mais importante surgido no sul do país, ainda que sua obra tenha florescido no Rio de Janeiro, cidade em que se radicou a partir de 1964”, destaca Fernando Cocchiarale. O curador lembra que Ivens Machado foi “pioneiro da videoarte no Brasil – sua primeira experiência com este meio eletrônico foi feita em 1974, simultaneamente à de outros artistas como Anna Bella Geiger e Sonia Andrade”. “Algumas questões (ou eixos poéticos) atravessam o conjunto da obra de Ivens desde seu florescimento efetivo, lá pelo começo dos anos 1970, até seus trabalhos finais dos dois últimos anos. Tais eixos poéticos resultam de práticas de permanente construção/reversão, acionadas por Ivens para a produção de esculturas contaminadas por métodos e práticas da construção civil popular-comunitária, tanto no que diz respeito aos materiais de que são feitas – cimento, vergalhão, areia, azulejos, pedras etc. – como pelo rústico acabamento dos trabalhos”, observa.

 

Ocupando lugar de destaque no Salão Monumental estará a grande instalação “Cerimônia em três tempos” (1973), que será montada como na versão original, vencedora do V Salão de Verão do MAM Rio. Em uma referência a um açougue, a obra traz sobre um ambiente de  plástico branco três mesas de azulejos brancos, que recebem o sangue que pinga de uma carne pendurada. Na extensa parede de doze metros de comprimento, será projetado o vídeo “Encontro/Desencontro” (2008), de 12 minutos, de Ivens Machado, em codireção de Samir Abujamra. Nele, atores e acrobatas fazem um percurso que vai desde a extinta Perimetral, até uma cena poética em que balançam nus, suspensos em cordas.

 

A curadoria optou por não fazer divisões espaciais, ampliando a visão do espectador do conjunto da exposição, que ocupará ainda os dois espaços contíguos com as esculturas e os desenhos.

 

 

Esculturas e desenhos

 

“Mesas” (1996), em concreto armado, madeira e ferro, não é vista desde 2003. “Tapete” (1979), em concreto armado e vidro, foi exposta há sete anos. A exposição terá ainda uma das mais importantes obras de Ivens Machado, “Mapa Mudo” (1979), um mapa do Brasil feito com cacos de vidro verde cravados sobre cimento. Realizada durante a ditadura militar, a imagem evoca, ao mesmo tempo, as exuberantes florestas brasileiras e os muros das residências bem protegidas, sendo também um símbolo das fronteiras sociais e políticas no país. Em relação às esculturas, Fernando Cocchiarale acentua que “há que considerar também a reversão simbólica desses métodos e práticas representada pela precariedade anticartesiana dos resultados específicos destas obras que sequer correspondem aos quesitos funcionais das construções populares, fator que atribui a esses trabalhos um teor contradiscursivo”.

 

O curador destaca que estarão na exposição os primeiros três desenhos de Ivens Machado, dois de 1974 e um de 1980, em que fez, à mão, pautas sobre cadernos. Mais tarde, o artista passou a intervir “diretamente na operação das máquinas de pautar da indústria de cadernos, ou no velamento de pautas com tintas corretoras de estêncil para mimeógrafo”. “Marco inicial do florescimento poético de Ivens, a questão se manifesta de outra maneira, mas com o mesmo sentido e intenção contradiscursivos”. “Aqui o teor espacial normativo das pautas de caderno é desconstruído graficamente, por meio de linhas que se rompem ou quebram a uniformidade da página original, por meio de desvios e sinuosidades, ou são ‘corrigidas” por corretores de estêncil”, explica.

 

A série de dezesseis desenhos “Fluidos Corretores” (1976), com corretor para estêncil sobre papel, da Coleção Gilberto Chateaubriand / MAM Rio, ocupa uma extensão de quase dez metros, e será complementada com outro desenho da série, de 1974, feito com caneta sobre folha de caderno.

 

 

 

Sobre o artista

 

Ivens Machado (Florianópolis, SC, 1942 – Rio de Janeiro, RJ, 2015). Escultor, gravador e pintor. Estudou gravura na Escolinha de Arte do Brasil (EAB), no Rio de Janeiro, onde foi aluno de Anna Bella Geiger (1933). Em 1974, fez sua primeira exposição individual na Central de Arte Contemporânea, no Rio de Janeiro. Participou quatro vezes da Bienal de São Paulo – em 1981, 1987, 1998 e 2004 -, e também esteve na Bienal de Paris e na Bienal do Mercosul, em Porto Alegre. Possui esculturas públicas no Palazzo di Lorenço, na Sicilia, Itália, no Paço Imperial, Rio de Janeiro, no Jardim das Esculturas do MAM, São Paulo, no Jardim da Luz, na Pinacoteca de São Paulo, no Jardim das Esculturas do MAM, Salvador, e no Largo da Carioca, Rio de Janeiro (atualmente retirada até a finalização da reurbanização do Centro da Cidade). Sua última exposição individual foi na Casa França-Brasil, em 2011. Além dela, merecem destaque a exposição “Encontro/desencontro” (2008), no Oi Futuro; “Acumulações (2007), no Paço Imperial; “O Engenheiro de Fábulas” (2001), apresentada no Paço Imperial, no Rio de Janeiro, na Pinacoteca do Estado, em São Paulo, no Museu de Arte Contemporânea, em Curitiba, e no Museu Ferroviário da Vale do Rio Doce, em Vitória. Em 1975, ele realizou uma exposição individual no MAM Rio. Dentre suas principais exposições coletivas estão: “Lines”, na Hauser & Wirth, em Zurique , na Suiça e “On the Edge: Brazilian Film Experiments of the 1960s and Early 1970s”, no MoMA, em Nova Yok, ambas em 2014; “Sobrenatural”, na Estação Pinacoteca, em São Paulo e “Fato aberto: o desenho no acervo da Pinacoteca do Estado”, em 2013/2014; ”Violência e Paixão”, no MAM Rio e no Santander Cultural, no Rio Grande do Sul, em 2002; “Palavra Imagem”, no MAM Rio, e ”Espelho Cego”, no Paço Imperial e no MAM SP, ambas em 2001; ”Século 20: arte do Brasil-Brasil+500”, na Fundação Caloustre Gulbekian, em Portugal, em 2000; “Vista Assim Mais Parece um Céu no Chão”, 16oSalão Nacional de Artes Plásticas, no MAM Rio, e “Terra Incógnita”, no CCBB Rio, ambas em 1998; “Re-Aligning Vision”, no Museo del Barrio, em Nova York, em Arkansas, Austin, Monterey e Miami, nos EUA, e em Caracas, na Venezuela, em 1997; “A Fronteira dos Vazios – Livro  Objeto”, no CCBB Rio, em 1994; “A Caminho de Niterói” – Coleção João Sattamini, no Paço Imperial, em 1992, e no Centro Cultural São Paulo, em 1993; “Brasilian Contemporary Art”, no MAC – SP e “Brasil Segni D’Arte”, em Veneza, Milão, Florença e Roma, na Itália, ambas em 1993, entre outras.

 

 

 

Acervo Ivens Machado

 

 

O Acervo Ivens Machado é o projeto responsável pela gestão do acervo pessoal do artista, com curadoria da designer Mônica Grandchamp, amiga de longa data de Ivens Machado. Selecionado pelo Prêmio Funarte de Incentivo às Artes Visuais em 2015, para mapeamento da obra de Ivens Machado, e inscrito no Rumos Itaú Cultural 2016 – com resultado previsto para maio – o Acervo Ivens Machado tem como missão a catalogação da produção do artista, sua manutenção e visibilidade. Mônica Grandchamp é formada em desenho industrial pela Faculdade da Cidade, com pós-graduação iniciada em História da Arte e Arquitetura, na PUC-Rio, é professora de História da arte e História do design no Senac-RJ, desde 2011.

 

Texto de Fernando Cocchiarale

 

 

Esta mostra homenageia Ivens Machado, artista recentemente falecido, cuja contribuição para a história da arte brasileira das últimas cinco décadas ainda está por ser criteriosamente estabelecida. A maior parte das peças aqui expostas pertence ao MAM (coleção Gilberto Chateaubriand e coleção MAM), complementadas com obras do Acervo Ivens Machado, projeto responsável pela gestão do acervo pessoal do artista. Pioneiro da videoarte no Brasil (sua primeira experiência com este meio eletrônico foi feita em 1974, simultaneamente à de outros artistas como Anna Bella Geiger e Sonia Andrade, por exemplo), sua produção nessa mídia é marcada pela criação de situações em que o poder e seu tenso exercício é corporificado por atores que podem atuar em interação com o artista ou sem ele. Ivens talvez seja o artista de sua geração mais importante surgido no sul do país, ainda que sua obra tenha florescido no Rio de Janeiro, cidade em que se radicou a partir de 1964. No entanto algumas questões (ou eixos poéticos) atravessam o conjunto da obra de Ivens desde seu florescimento efetivo, lá pelo começo dos anos 1970, até seus trabalhos finais dos dois últimos anos. Tais eixos poéticos resultam de práticas de permanente  construção/reversão,acionadas por Ivens para a produção de esculturas contaminadas por métodos e práticas da construção civil popular-comunitária, tanto no que diz respeito materiais de que são feitas − cimento, vergalhão, areia, azulejos, pedras etc. – como pelo rústico acabamento  dos trabalhos. Há que considerar também a reversão simbólica desses métodos e práticas representada precariedade anticartesiana dos resultados específicos destas obras que sequer correspondem aos quesitos funcionais das construções populares, fator que atribui a esses trabalhos um teor contra-discursivo. Nos desenhos manuais de pautas de caderno, nos trabalhos em que Ivens interveio diretamente na operação das máquinas de pautar da indústria de cadernos ou no velamento de  pautas com tintas corretoras de estêncil para mimeógrafo marco inicial do florescimento poético de Ivens a questão se manifesta de outra maneira, mas com o mesmo sentido e intenção  contra-discursivos. Aqui o teor espacial normativo das pautas de caderno é desconstruído graficamente, por meio de linhas que se rompem ou quebram a uniformidade da página original por meio de desvios e sinuosidades, ou “corrigidos” por corretores de estêncil.

 

 

 

De 30 de abril a 26 de junho.

Pinakotheke São Paulo/Segall

19/abr

A Pinakotheke Cultural, Morumbi, São Paulo, SP, apresenta na presente exposição, mais de sessenta trabalhos, a maioria proveniente de coleções da família Segall. Estão representadas as diversas linguagens utilizadas pelo artista tendo o papel como suporte:xilogravura, gravura em metal, aquarela e desenhos a tinta preta e grafite. Além dos papéis, a mostra é pontuada por esculturas e pinturas sobre tela, algumas inéditas, como as duas cenas de Meissen, Alemanha, feitas durante a Primeira Guerra Mundial.
Há obras de diferentes épocas, desde os primeiros anos do século 20, quando ele transitava entre a cidade natal de Vilna, na Lituânia – na época parte do Império Russo – e as cidades de Berlim e Dresden, onde frequentou as academias e fez parte do Expressionismo alemão. Os trabalhos mostrados nesta exposição se estendem até os anos 1950, passando pelo período que viveu em Paris, de 1928 a 1932.

 
Vida em Meissen

 
Logo depois da Alemanha declarar guerra à Rússia, em agosto de 1914, os cidadãos russos que viviam em Dresden foram levados para a cidade vizinha de Meissen, famosa por sua porcelana. Em seus escritos autobiográficos Segall fala de sua situação de “prisioneiro civil de guerra”. Em 1915, quando pintou as duas telas desta exposição –“Praça do mercado em Meissen I”, de 1915,e “Praça do mercado em Meissen II”, de 1915 -, sabemos que ele estava ali. Ao lado do pintor Alexander Neroslow, saía com frequência em caminhadas para documentar aspectos da cidade e dos arredores, além de produzir retratos dos amigos.

 
“Verdade interior”

 
A produção do período europeu presente nesta mostra tem nas xilogravuras seus melhores exemplos. Feitas na Alemanha na segunda metade dos anos 1910 e na década seguinte, elas se aproximam das gravuras primitivas, por motivos estéticos e ideológicos. A gravação é marcada por uma simplificação brutal das formas, mostrando que nessa época Segall já estava sintonizado com o Expressionismo alemão, ao dar à sua obra gráfica a força de um panfleto. Os expressionistas se utilizaram dessa linguagem simplificada e veemente, para conduzir à imediata apreensão dos conteúdos, impregnados das ideias políticas e sociais de esquerda que caracterizaram o movimento. Segall explora esse contraste decisivo entre o preto das superfícies carregadas de tinta e o espaço em branco cavado na matriz, como seus predecessores Erich Heckele Karl Schmidt-Rottluff – criadores em 1905 de “A Ponte”, primeiro agrupamento do Expressionismo alemão – ou como Conrad Felixmüller e Will Heckrott, integrantes, como ele, da segunda geração dos expressionistas.  As gravuras de Segall têm como referência o tema do eterno judeu errante, as recordações de sua cidade e os ritos da ortodoxia judaica que povoaram sua infância. A forte impressão que guardou de Vilna, ocupada e arrasada pelos alemães em 1915, também repercutiu em seu espírito solidário – os mortos, mesmo anônimos, eram os de Segall. A devastação da cidade e o desaparecimento de grande parte dos homens deu origem a cenas como “Viúva”, de 1919, e “Viúva e filho”, de 1918, uma mulher grávida tem ao lado o menino de mãos estendidas à espera de uma esmola. Os corpos acuados e as cabeças e olhos imensos dão a dimensão do desamparo humano dessas vítimas da guerra, e esses personagens trágicos têm presença insistente em toda a obra de Segall.
Na xilogravura “Enterro”, de 1915, o branco ilumina a dramaticidade teatral do assunto. O corpo do morto atravessa a cena em diagonal, apoiado no retângulo de um caixão simples de madeira, comum nos enterros judaicos, e sua cabeça é uma máscara negra e paira à direita, em contraste com os rostos brancos dos três personagens que acompanham o enterro. Os olhos vazados, são de desesperança e assombro em presença da morte.
Também são desse período as xilogravuras “Oração lunar”, c. de 1917, “Cabeça de rabino”, de 1919, “Jovem orando”, de 1920 e “Mãe e filho”, de 1921, nas quais a estética expressionista se associa ao repertório pessoal do artista, para dar ênfase à sua “verdade interior”, conforme expressão sua. Em todas elas, as áreas em branco invadem os corpos criando personagens duplos, vidas partidas entre luz e sombra. Nesse sentido, cabe destacar a gravura “Mulheres errantes – II”,versão de 1919, na qual as máscaras dos personagens compõem, com o fundo de formas geométricas, um fantasmagórico tabuleiro de xadrez. Em “Mãe e filho”, de 1921, os rostos unidos são invadidos por um branco simbólico, pelo vazio que anula as personalidades. Nas duas folhas comemorativas em que ele grava homenagens à mãe – falecida quando Segall tinha dezesseis anos – e à avó, o texto em hebraico é uma associação de caracteres geométricos cavados em tábuas de ressonâncias bíblicas.

 
Expressionismo eslavo

 
A obra gráfica de Segall produzida na Alemanha e presente nesta exposição se completa com duas litografias, “Família”, de 1920, em que o corpo feminino estende-se em diagonal como nas telas “Gestante”, de 1919 e “Encontro”, de 1920, cuja composição, na unidade das cabeças e das mãos, repete as soluções da pintura “Dois seres”, de 1919. As coincidências não são casuais. Ao contrário, a reafirmação frequente de certas soluções plásticas é um dos elementos certificadores da poética segalliana.  Há ainda duas gravuras em metal –“Margarete”, c. de 1921, vigoroso retrato da primeira mulher do artista, e uma imagem da série “Mendigos II”, de 1922/ 23, nas quais já estão presentes os traços exatos e as formas geométricas características da Nova Objetividade, tendência que influenciou toda a arte alemã dos anos 1920.

 
Figuras e retratos

 
“Homens à mesa”, c. de 1910 e “Velho de quepe dormindo”, c. de 191, são os desenhos mais antigos desta exposição, povavelmente feitos em Vilna em uma das viagens de férias para visitar a família, quando Segall frequentava a Academia de Dresden. Também nos primeiros desenhos, a escolha dos personagens retratados – velhos, viúvas, mendigos, doentes – segue a indicação de um olhar sem demagogia, compassivo para com os desfavorecidos e marginalizados. Nesses e em outros desenhos que faz mais adiante, é frequente Segall retratar tipos e não individualidades exacerbadas, ao contrário, por exemplo, de seu contemporâneo e amigo Otto Dix, fundador, junto com ele, da Secessão de Dresden- Grupo 1919.
Quando Segall se dedica a figuras femininas como o delicado “Margarete deitada”, c. de 1915, as linhas se suavizam; traços distendidos envolvem a figura em repouso. No retrato de “MobBarzinsky”, de 1917, ou em “Moça de franja”, c. de 1920, e “Retrato feminino”, c. de 1920, as cabeças têm destaque no centro do papel e os retratados vêm igualmente para o primeiro plano. O grafite e o crayon acentuam detalhes aqui e ali, ora o nariz, o pescoço, as olheiras, trabalhando pela expressividade do conjunto. “O Retrato de homem” c. de 1919, um óleo com a transparência da aquarela, também nos encara. “Moça de busto nu”, c. de 1920 é um nu sem erotismo, perturbador na anatomia frágil da modelo. Em “Jovem sentada”, c. de 1920, o grafismo rápido esboça mais do que um retrato (talvez Margarete) e tem uma inquietante permanência em nosso espírito.

 

 

Paisagem brasileira

 
Ao emigrar para o Brasil em fins de 1923, a paisagem humana de Segall altera-se completamente. Ele vê o novo país como uma festa exótica, longe das tensões do mundo europeu, com novas formas e cores a lhe oferecer, um país que lhe revelou “o milagre da cor e da luz”. Fascinado pelos tipos de negros e pela vegetação dos trópicos, surgem “Jovem negra”, c. de 1925, também em aquarela; “Retrato de homem com a mão no rosto”, c. de 1925; e vários desenhos da série “Plantas tropicais”, c. de 1925.
“Três gaivotas e respiradouros” de 1930 é uma gravura da série “Emigrantes”, em que o navio e os detalhes da embarcação dialogam com as aves e o mar à volta, cenário da aventura dos emigrantes. A série “Mangue” – famosa zona de prostituição do Rio de Janeiro, cantada em prosa e verso- está representada por três obras: a xilogravura “Mulher do Mangue com espelho”, de 1926, a ponta-seca “Mulher do Mangue com cactos”, de 1927 e o desenho a pincel “Figuras no Mangue”, c. de 1928.
“Nu de costas”, c. de 1928, aquarela, focaliza uma anatomia feminina mais generosa do que as do período alemão. Os desenhos de nus femininos dos anos 1930 são um capítulo à parte, estendendo sobre o papel a languidez convidativa dos corpos femininos. A sensualidade de linhas curvas e suaves desenha o “Casal”, c. de 1930, que inverte os planos da pintura “Dois nus”, de 1930, na qual o homem ocupa o primeiro plano e a mulher aparece atrás, deitada, parcialmente encoberta pelo corpo masculino sentado à sua frente.
Dois desenhos a grafite de 1936, com o mesmo título -“Mulher nua deitada” – são exemplos dessa sensualidade distraída que Segall retratou como ninguém. O poder de permanência de tais nus femininos encontra seu ápice na série que tem Lucy Citti Ferreira como modelo. Por outro lado, ela aparece identificada na companhia de instrumentos musicais, em obras de diferentes técnicas. “Lucy com violão”, c. de 1936, é um esboço rápido, bem-humorado, enquanto “Lucy com acordeão”, de 1936, compõe um tema que seria retomado em mais de uma pintura sobre tela. Também são de acentuado cunho erótico os desenhos “Casal”, c. de 1945, de linhas limpas, sem interrupção, “Casal abraçado”, c. de 1950, reforçado com insistência pela caneta de tinta vermelha, e o relevo em bronze “Encontro”, de 1954, em que o brilho do metal destaca a anatomia dos corpos. Outra escultura, “Duas mulheres”, de 1936, repete soluções exploradas nos anos 1920. Os corpos juntos e a amarração das mãos, ao centro, transformam os dois personagens femininos em apenas uma entidade.
A família está representada no desenho “Jenny”, c. de 1930, traçado com tinta sépia a pincel e em “Ossi”, de 1931, – Oscar, o filho mais novo -, feito em Arcachon, no período em que o casal Segall viveu na França. A mãe com seus filhos, tema constante, ganha corpo na compacta “Maternidade”, de 195, em bronze.
Cenas do campo e naturezas-mortas surgem em um momento de tranquilidade e vida junto da família, durante a estada francesa. É quando Segall começa a esculpir e, também na pintura, os objetos e animais ganham em presença corpórea, adquirem uma qualidade tátil. As cores se aproximam da solidez e opacidade da argila – ocres,marrons e brancos invadem as telas. “Vacas no campo”, de 1931, e “Natureza-morta com vaso ornamentado”, c. de 1931, são exemplares nesse sentido e prenunciam a matéria densa das paisagens de Campos do Jordão. Dessa época também são as idílicas aquarelas “Animais com pinheiros”, de 1931, cena de inspiração chagalliana, e “Nora”, c. de 1931, a filha de Victor Rubin, amigo e protetor de Segall em Dresden. Após a partida de Lucy para a França, em 1947, Mira Perlov torna-se sua modelo. Ela está presente em três obras aqui exibidas, feitas por volta de 1952. Em tinta preta ou bistre e aquarela, Segall se deteve na bela e delicada figura da jovem.

 
Fiel às origens

 
O ano de 1927 traz a Segall uma dupla tristeza – os falecimentos de Oscar, o irmão com o qual tinha maior afinidade, e de seu pai Abel Segall, que vivia no Brasil desde 1924. Abel com a filha mais nova, Lisa, são os últimos da família a deixar Vilna. A morte do pai é assunto de um desenho a grafite em que aparecem registrados o dia e a hora do acontecimento – “O pai do artista morto” (10/02/1927, 7h30) – e no qual a assinatura de Segall é posta em russo, reafirmando, na presença do pai falecido, as suas origens.
O trágico acontecimento é tratado ainda em óleos sobre tela como “Fim de começo”, de 1929, em que o patriarca aparece ao lado do pequeno “Mussi” (Maurício, filho mais velho de Lasar e Jenny), em xilogravuras –“Pai Segall”, de 1927, “Artista em vigília fúnebre”, c. de 1927, “Vigília fúnebre”, c. de 1927,na água-forte “Kaddish”, de 1927, e na pintura “Vigília fúnebre”, c. de 1928, escura e monocromática, que repete a composição da xilogravura de mesmo título. Na parte superior da pintura, a homenagem do artista na inscrição em hebraico “Pai Segall” (Aba Segall). Ele não deixou, até os últimos anos de vida, de lembrar sua ligação com a ortodoxia religiosa, à qual esteve exposto desde criança. O tema da tela “Judeu com livro de orações”, c. de 1954, rendeu outras pinturas, desenhos, aquarelas e guaches.

 
Campos do Jordão

 
Em Campos do Jordão, região que Segall conheceu em 1935, ele se entregou ao registro poético das florestas e do campo, seus habitantes e grupos de animais que pontuavam a paisagem montanhosa da chamada Suíça brasileira. O delicado “Morro com casas e animais”, c. de 1937, faz lembrar a análise de Mário de Andrade sobre o desenho, chamando a atenção para o caráter mais necessário dele, o de “ser um fato aberto como a poesia. Cada desenho é uma palavra, uma frase. Uma confidência”.
Caminhando pelas estradas de Campos do Jordão com seu bloco de papel ou com suas telas e tintas, Segall explorou em inúmeros trabalhos feitos “do natural”, as árvores, vistas de fora ou de dentro dos bosques. O que interessava a ele era principalmente a arquitetura dos troncos, curvos ou retos, em agitação dionisíaca-“Floresta”, de1951, – ou em ordenamento apolíneo –“Floresta”, de 1955. Alguns desses apontamentos deram origem a pinturas a óleo como a “Floresta fechada”, de 1954, construída por faixas verticais em que não há luz ou qualquer vislumbre de céu. A série “Florestas”, com que Segall se despede da vida, parece indicar seu caminho para a sublimação dos temas e para a verticalização das formas, permanecendo fiel, no entanto, à sua convicção figurativa.
Apesar das florestas de Segall serem florestas e não arte abstrata, como quiseram alguns críticos, o que conta nelas não é a representação do real, mas o valor simbólico da matéria sensual e silenciosa da qual são feitas. Nelas, respiramos Segall, não o ar rarefeito da região montanhosa de Campos do Jordão. E essa aproximação com o artista e sua obra só acontece pela via do sentimento e não da razão. Lembrando mais uma vez Susan Sontag, “em vez de uma hermenêutica, precisamos de uma erótica da arte. Desarmados, temos mais capacidade de perceber que cada esboço, cada pintura, gravura ou escultura de Segall é um documento de identidade impossível de falsear”.

 

 

Texto : Vera d´Horta/Setembro de 2015

 
Até 28 de maio.

Millôr no IMS/Rio

15/abr

“Millôr: obra gráfica”, Instituto Moreira Salles, Gávea, Rio de Janeiro, RJ, é a primeira retrospectiva dedicada aos desenhos do humorista, dramaturgo e tradutor Millôr Fernandes. Em 500 originais, os curadores Cássio Loredano, Julia Kovensky e Paulo Roberto Pires mapeiam os principais temas que estiveram presentes ao longo de 70 anos de produção do artista.

 

Com a mostra também será lançado um livro com o mesmo título, organizado pelos curadores da exposição. Além de reproduzir os originais, o volume de 288 páginas traz ensaios críticos e uma cronologia de vida e obra de Millôr. Os desenhos, feitos na maior parte para ser publicados na imprensa, revelam a força e a complexidade de uma obra fundamental para a arte brasileira. O livro foi lançado no dia 13 de abril.

 

“O livro, felizmente, ficou a cara do conceito da exposição”, afirma Paulo Roberto Pires. “É o trabalho de um artista gráfico, que achava que sua obra encontrava plena realização não numa galeria, mas nas páginas de revistas e jornais”. Tendo isso em mente, os curadores-organizadores optaram por não criar um livro de arte tradicional, mas um objeto nascido dessa cultura impressa, em que além dos desenhos – a atração principal – se destacam também as imperfeições dos originais, as marcas de corte, as notas de Millôr. Para Paulo Roberto, “no livro você vê o artista em movimento, como se estivesse por trás de seu ombro no estúdio”.

 

Assim como a exposição, o livro divide a obra de Millôr em cinco grandes conjuntos, dos autorretratos à crítica implacável da vida brasileira, passando pelas relações humanas, o prazer de desenhar e a imensa e importante produção do “Pif-Paf”, seção que manteve na revista O Cruzeiro entre 1945 e 1963. É uma visão de conjunto sobre uma obra que, de forma fragmentada, fez e faz parte da vida dos brasileiros.

 

 

A partir de 16 de abril.

Para conhecer Benetazzo

06/abr

A exposição “Antonio Benetazzo, permanências do sensível”, Centro Cultural São Paulo, Piso Flávio de Carvalho, SP, reúne cerca de 90 desenhos realizados por este artista e militante político, brutalmente assassinado pelo regime militar brasileiro em 1972. Autor de uma obra desconhecida do público, que ficou por décadas guardada nas residências de seus amigos e familiares, Benetazzo ressurge em uma mostra inédita dedicada inteiramente à sua trajetória artística, na qual, além da apresentação de seus principais trabalhos, estão presentes objetos pessoais e documentos de origem biográfica. A exposição é dividida em sete partes, nas quais revelam-se eixos temáticos e variedades estilísticas de uma obra pulsante produzida entre 1963 e 1972. A curadoria é de Reinaldo Cardenuto, uma realização da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania, Secretaria Municipal de Cultura e Centro Cultural São Paulo com apoio do Instituto Vladimir Herzog.

 

Haverá ainda exibição do curta-metragem “Entre imagens (intervalos)”, filme-ensaio em torno da vida e obra de Antonio Benetazzo; lançamento de um livro com textos e reproduções dos desenhos realizados pelo artista.

 

Para o crítico Silas Martí que recomenda uma visitação, “Quase desconhecida, a obra deste artista italiano radicado em São Paulo e assassinado de forma brutal por agentes da ditadura militar nos anos 1970 é alvo agora de uma grande exposição no Centro Cultural São Paulo. A mostra põe em evidência a potência de um trabalho de forte carga política e ao mesmo tempo de grande ousadia formal para a época, com um diálogo poderoso com os experimentos dos artistas pop do país, como Wesley Duke Lee”.

 

Até 29 de maio.

Ilustrações no MARGS

05/abr

Trabalhos gráficos inéditos da artista plástica Magliani encontram-se em exibição na Galeria Aldo Locatelli do MARGS, Centro Histórico, Porto Alegre, RS. Artista múltipla, Maria Lídia Magliani, Pelotas/RS, 1946 – Rio de Janeiro/RJ, 2012, foi pintora, desenhista, gravadora, escultora, ilustradora, figurinista, diagramadora, capista, figurinista, atriz e cenógrafa. O traço forte e as imagens marcantes dos desenhos de Magliani estamparam as páginas de diversos jornais brasileiros nos anos 1970 para denunciar os abusos e o sofrimento da época da ditadura militar no Brasil. A mostra apresenta 25 desenhos e dois exemplares encadernados do Jornal Versus, pertencentes à coleção de Omar de Barros L. Filho. As técnicas usadas são: desenho a nanquim sobre papel vegetal; colagem sobre papel vegetal; e técnica mista sobre papel vegetal.

 

Em um tempo em que a redação dos principais jornais brasileiros dava voz ao sentimento de indignação da população frente aos excessos da ditadura militar, era comum os editores, como no caso do Grupo Caldas Júnior, no jornal Folha da Manhã, escolherem pessoalmente quem iria dar personalidade às matérias, a partir das ilustrações. Nesse momento, Magliani entrava em cena com suas ilustrações.

 

 

Texto do jornalista Omar L. de Barros Filho

 

Magliani e eu

 

Nos últimos meses de 1976, eu vivia e trabalhava em S. Paulo como editor do jornal Versus, importante publicação cultural e política fundada pelo jornalista gaúcho Marcos Faerman. Fazia algum tempo que não encontrava com Magliani. Nossos últimos contatos pessoais ocorreram na redação da Folha da Manhã, da Caldas Jr., em Porto Alegre, onde ela atuava como ilustradora, depois promovida à diagramadora, e eu como repórter. Certo dia, Magliani surgiu do nada carregando uma carpeta plástica vermelha no velho sobrado da Rua Capote Valente, em Pinheiros, onde funcionava o Versus. Embora rápida, a visita durou o suficiente para uma conversa afetiva entre amigos que não se viam há algum tempo e também para que ela, ao final, exibisse 29 desenhos que trazia de Porto Alegre como presente, para que eu zelasse por eles e os publicasse em Versus, quando julgasse apropriado. Fiquei surpreso e feliz com a generosidade de Magliani para com o jornal, que dependia de colaborações para manter sua sobrevivência sob as perseguições e restrições impostas pela ditadura.

 

Da coleção que me foi entregue, utilizei duas peças como ilustrações em uma matéria assinada pelo repórter Percival de Souza, intitulada “A Jaula”, um ensaio sobre a violência nas prisões. Como abertura do texto publicado em duas páginas, escrevi um “olho” que dizia: “Este repórter, há muitos anos, percorre os presídios. Hoje, ele sabe que nada é impossível. Nem as histórias que conta”. Em página dupla, as duas expressivas obras de Magliani mostravam, na primeira, uma figura humana deformada, presa por uma camisa de força e cercada por rostos também disformes atrás de uma cerca de arames. A segunda delas, no alto da página, obrigava o leitor a fixar a imagem de um homem em negro e branco, do mesmo modo aprisionado, mas trespassado por pesados alfinetes cravados na cabeça, no coração e no estômago. Versus completava seu primeiro de vida. Na redação paulistana, a passagem de Magliani foi devidamente reconhecida, ilustrando as páginas mais importantes daquela edição (Versus nº 6, págs. 30 e 31, 15/10 a 15/11, 1976).

 

Em maio de 1977, Versus publicou uma quarta capa de autoria de Magliani, quase um cartaz, com a palavra “CHOQUE”,quase gigante em magenta sobre preto. A ilustração de Magliani abusava da página, encimando três brevíssimos episódios narrados pelo psiquiatra Marcondes Farias Costa, diretor do Hospital Portugal Ramalho, em Maceió. No mesmo estilo dos desenhos anteriores, Magliani retratava asperamente uma cabeça em profunda agonia e dor, coberta por fios elétricos pretensamente terapêuticos. (Versus nº 15,  pág. 44, 05/1977)

 

De lá para cá, 40 anos se passaram. Considero um privilégio que a vida me reservou manter íntegros estes trabalhos de Magliani, com exceção dos desenhos impressos em Versus que, muito provavelmente, desapareceram da redação para sempre,quando nosso jornal foi invadido e interditado pela polícia em 1979. Daquela aventura restaram osdesenhos que aqui estão reunidos e apresentados juntos pela primeira vez. São ilustrações feitas para jornais de Porto Alegre e alguns livros editados por amigos, cujos sentimentos Magliani sabia cultivar com carinho.

 

A variedade dos temas abordados por ela indicam como os editores dos jornais locais trabalhavam naquela época, os desenhos a serviço dos textos, complementando-os por encomenda: crime, polícia, economia, cidade, internacional e esporte eram as solicitações mais frequentes. Já as imagens especialmente produzidas para obras literárias, antes de tudo mostram os primeiros passos da artista e a profundidade de seu amor por aqueles que com ela dividiam suas melhores fantasias – Caio Fernando Abreu, Sergio Capparelli e outros tantos talentos que surgiram ou sumiram em coletâneas poéticas e de contos.

 

 

 

Até 15 de maio.

Mostra em Joinville

28/mar

O Museu de Arte de Joinville, SC, apresenta a exposição individual “Cosmos”, do artista visual Carlos Wladimirsky. A mostra é constituída de quinze desenhos de pequenas dimensões aproximadas de 28 x 38 cm, em técnica mista sobre papel de algodão. Os desenhos, produzidos em 2015, são resultado de dezenas de diluições de pigmentos e gestos gráficos, com o uso de técnicas do desenho com aquarela, giz, pastel seco e guache, gerando uma veladura. Esta superposição de aguadas criam imagens que remetem a um mundo sideral e cósmico com formas abstratas em contínua transformação.

 

Serão apresentados também ao público, quatro vídeos que abordam os processos de criação do artista, seu ateliê e a performance “Cosmos, Parada 547”; realizada na Fundação Vera Chaves Barcellos, Viamão, RS, em 2014. A performance tem roteiro e direção de Carlos Wladimirsky. O artista estará presente na abertura da exposição e conversará com o público.

 

Sobre o artista

 

Carlos Wladimirsky nasceu em 1956, em Porto Alegre, RS, vive e trabalha na mesma cidade. Foi integrante do “Espaço NO” de 1979 a 1982, grupo pioneiro e de relevante importância para as artes visuais e a contemporaneidade gaúcha. Dedicou-se inicialmente ao teatro, ao cinema experimental e às performances e, nos anos 80, ao desenho e à pintura. Em 1990 fez viagem de residência artística a Portugal e entrou em contato com a pintura de Maria Helena Vieira da Silva e com a joalheria de René Lalique, iniciando trabalhos com joias em prata, e pedras brutas semipreciosas. Wladimirsky iniciou em 2002, sua pesquisa com cerâmica, produzindo pratos, bowls e máscaras esmaltadas que têm configurações enraizadas em suas investigações com o desenho. Em cerca de 40 anos de carreira realizou diversas exposições entre as quais “Desenhos” no Museu de Arte do Rio Grande do Sul, 1981; “Artistas Gaúchos Contemporâneos”, Pinacoteca do Estado de São Paulo, SP, 1981; “OS NOVOS”, Espaço Cultural Yázigi”, curadoria de Renato Rosa, 1983; “Panorama da Arte Atual Brasileira”, MAM, SP, 1984; Projeto Macunaíma, FUNARTE, RJ, 1985; “Velha Mania – o Desenho Brasileiro”, EAV- Parque Lage, RJ, 1985; Trienal de Desenho de Nuremberg – Alemanha, 1985; “Desenho Contemporâneo Brasileiro”, INAP, Funarte, RJ, 1988. Lançou em 2009 livro sobre sua obra organizado por Mário Röhnelt.

 

Até 1º de maio.

No Museu Correios, Brasília

17/mar

Até dia 03 de abril, o público pode conferir a exposição “Elifas Andreato, 50 Anos” no Museu Correios Brasília, Setor Comercial Sul

 

Quadra 04, Bloco A, 256, Brasília, DF. A mostra comemora meio século de carreira do artista paranaense e traz obras que marcaram a fase áurea da música popular brasileira, a luta contra a ditadura e o teatro brasileiro.

 

Os visitantes têm oportunidade de conferir capas e cartazes feitos para os principais nomes da MPB, como Paulinho da Viola, Elis Regina, Martinho da Vila, Tom Zé, Chico Buarque, Adoniran Barbosa e Vinicius de Moraes, entre outros. Um dos destaques é a releitura da histórica capa do disco ‘Ópera do Malandro’, de Chico Buarque – uma das mais caras produções de arte para a indústria fonográfica.

 

O universo infantil está representado através da reprodução em grande escala da arca e dos bichinhos que compõem a capa do inesquecível ‘Arca de Noé’, de Vinicius de Moraes. Crianças e adultos podem se colocar dentro da capa, em uma proposta expográfica que desdobra os planos da obra, quase como em um livro pop-up.

 

A contribuição de Elifas Andreato para o teatro ganha espaço com cartazes de peças como ‘A Morte de Um Caixeiro Viajante’, de Arthur Miller, com direção de Flávio Rangel; ‘Mortos Sem Sepultura’, de Jean-Paul Sartre, dirigida por Fernando Peixoto; e ‘Murro em Ponta de Faca’, de Augusto Boal, com direção de Paulo José.

 

A atuação política, sobretudo durante o regime militar, é representada através das cópias de alguns dos trabalhos que ilustraram a resistência à Ditadura, como capas para publicações alternativas que fundou e dirigiu: os jornais ‘Opinião’ e ‘Movimento’ e a revista ‘Argumento’.    Como denúncia dos crimes cometidos pelo regime, estão ‘25 de Outubro’ (1981), onde Elifas escancarou em tela o assassinato do jornalista Vladimir Herzog nas instalações do DOI-CODI, e o majestoso painel ‘A Verdade Ainda que Tardia’ (2012), encomendado pela Comissão da Verdade da Câmara, presidida pela deputada federal Luiza Erundina. A mostra traz ainda um raro exemplar do Livro Negro da Ditadura Militar, com capa assinada pelo artista, além de outras reproduções e objetos valiosos que ajudam a recontar a trajetória de Elifas Andreato e seu compromisso com a cultura e a história do País.

 

Depois de Brasília, a exposição ocupará o Centro Cultural Correios, em São Paulo, de 16 de abril até 07 de junho.