Bate-papo na Mul.ti.plo.

10/jul


Na próxima sexta-feira, dia 12 de julho, a Mul.ti.plo Espaço Arte, Rua Dias Ferreira, 417, sala 206, Leblon, Rio de Janeiro, RJ, promove uma conversa entre a artista Sandra Antunes Ramos e o crítico de arte e curador Felipe Scovino. O encontro acontece em torno da atual mostra “Costuras”, da artista paulista, aberta em 04 de junho. A artista reuniu para esta exibição individual, cerca de 30 pinturas em pequenos formatos, que misturam tinta a óleo e costura sobre papel. Nessas obras, Sandra Antunes Ramos trabalha tanto a questão pictórica, com blocos de cor, sua marca registrada, como rompe com isso, através do uso de linhas fluidas e costuradas, que remetem ao corpo feminino. São obras delicadas, tanto no formato quanto no acabamento, que tentam equilibrar o geométrico e o orgânico, a rigidez e a fluidez. Prorrogada, a mostra vai até 27 de julho. O bate-papo começa às 18h30, com entrada franca. Vagas limitadas.

Geometria na SIM Galeria

05/out

A exposição coletiva que a SIM Galeria, Jardins, São Paulo, exibe sob o título “Geometria em Síntese”, traz a assinatura de Felipe Scovino na curadoria.

 

Artistas participantes

 

Amalia Giacomini, Amilcar de Castro, Daniel Feingold , Eduardo Coimbra, Geraldo de Barros , German Lorca, Hélio Oiticica, Hércules Barsotti , José Oiticica Filho, Luiz Sacilotto, Maria Laet, Mira Schendel, Paulo Roberto Leal, Ricardo Alcaide, Ruben Ludolf, Sergio Camargo, Wanda Pimentel e Willys de Castro.

 

 

 

Geometria em síntese

Por Felipe Scovino

 

As experiências construtivas no Brasil têm sido objetos constantes de exposições, livros e ensaios nos últimos tempos. Coloco-as no plural porque são inúmeras as especificidades desses trabalhos que foram desenvolvidos com maior densidade entre os anos 1950 e 1970. Definitivamente não houve um projeto construtivo, mas uma vontade plural em rever os caminhos da arte. Passado o modernismo e o seu desejo de construir e discutir uma identidade nacional pautada no indivíduo antropófago que se voltava simultaneamente às suas origens, ao contágio estrangeiro e ao tempo presente, as experiências construtivas se veem localizadas no bojo de um tempo, que, por um lado, se constituía de forma rápida, dinâmica e desenvolvimentista, e, por outro, era marcado por demandas sociais e políticas, envolvendo especialmente o que poderíamos definir como políticas do corpo –  o movimento hippie, o Flower Power, as Panteras Negras, o maio de 68, movimentos reivindicando o direito das mulheres, etc., se constituem no panorama desse período. É o ambiente para a aparição do neoconcretismo, por excelência.

 

Contudo, no início dos anos 1950, em meio à construção de Brasília, ao plano de Metas de JK, à industrialização e ao desenvolvimento da ciência, no plano das artes, em específico, é o momento em que a institucionalização da arte constrói uma nova ideia de espaço moderno, como pode ser observado na fundação dos museus de arte moderna no Rio e em São Paulo, além da criação do MASP e da Bienal de São Paulo. Havia um desejo de mudança pautado na chegada do abstracionismo no panorama da produção das artes plásticas e de inserir o país dentro de uma projeção internacional, especialmente quando a Bienal foi instituída. Por falar em campo político das artes, nota-se que todas as obras apresentadas foram produzidas após a realização do Salão Preto e Branco, que ocorreu em 1954. Ele foi um protesto contra o descaso do governo frente às necessidades de materiais adequados à nossa produção visual. A insatisfação dos artistas – tendo à frente Djanira, Iberê Camargo e Milton Dacosta – tem origem em 1952, quando a Carteira de Exportação e Importação do Banco do Brasil cassa as licenças de importação de tintas estrangeiras, com a justificativa de se encontrar a indústria local apta a satisfazer as necessidades dos artistas. O resultado foi a realização do Salão Preto e Branco e pouco tempo depois a possibilidade da geração seguinte de artistas – os concretos e neoconcretos – ter as tintas importadas e uma nova tecnologia de produção ao seu dispor.

 

O que essa exposição quer destacar não é só o papel de destaque que o pensamento construtivo exerceu nas artes visuais brasileiras (e o seu prolongamento, com nuances e especificidades próprias, no contemporâneo), mas também uma espécie de contraponto ao aspecto solar do projeto moderno brasileiro. Ao escolher obras produzidas em preto e branco e em sua maioria realizadas entre os anos 1950 e 70, destacam-se a ideia funcional e projetual da arte; a associação cada vez mais substancial, no início dos anos 1950, entre as experiências construtivas nas artes plásticas e o campo da fotografia (em especial, a presença dos olhares sensíveis e potentes de German Lorca, Geraldo de Barros, José Oiticica Filho e dos desenhos construtivos constituídos e observados a partir de ações e percepções singelas do cotidiano); e uma austeridade e complexidade próprias nessa escolha minimalista por parte dos artistas. Em relação a essa característica, cito o caso exemplar e pioneiro das Fotoformas, de Geraldo de Barros. A fotografia deixa de ser “o espelho da realidade” para se tornar espaço de invenção. A linha não é mais uma linha, nem o plano é mais um plano, distorcendo Theo van Doesburg e sua teoria da arte concreta. Barros funde fotografia e pintura, invenção e realidade.

 

Não há uma preocupação imediata com questões de identidade nacional nesses compromissos estéticos, mas um anseio legítimo e autoral de investigar a forma e a função do objeto de arte. Seja experimentando as novas percepções ópticas do objeto, seja investigando e ampliando as fronteiras da pintura e da escultura, esses artistas tinham um interesse em comum: associar de forma ainda mais duradoura a arte e o cotidiano. Portanto, a passagem do plano ao espaço, valorizada por uma crítica mais formalista a respeito dessas produções cinéticas e concretas, pode ser entendida também como uma perspectiva fundamental para se entender a ligação de artistas como Geraldo de Barros, Hércules Barsotti e Willys de Castro com as experiências da cidade, em especial suas produções de cartazes e móveis.

 

A escolha de obras fora desse arco temporal – décadas de 50, 60 e 70 – nos mostra o quanto esses gestos e ideias foram definidores de uma nova forma de pensar e produzir arte. Obras como as de Amalia Giacomini, Daniel Feingold, Maria Laet e Ricardo Alcaide têm as linguagens construtivas como referente, mas, acima de tudo, penso que elas mobilizam um repertório de delicadeza, suavidade e harmonia que leva o entendimento sobre o construtivo para outras fronteiras e percepções. Paulo Roberto Leal alia o silêncio do branco a uma forte tensão e suavidade com a ideia de pintura. Eduardo Coimbra é mais um dos artistas que não realizam uma adequação contemporânea do legado construtivo, mas investigam esse signo a seu modo, aproximando arte, arquitetura e cidade. Suas obras nos parecem uma visão aérea de um aglomerado de elementos cúbicos e planos superpostos que remetem à urbe. As presenças de Mira Schendel, com seus estudos para os Sarrafos, e Wanda Pimentel, artistas com estudos transversais sobre o construtivo, refletem esse estado de invenção que a exposição elabora e a forma como linguagens conceituais se aproximaram das tendências construtivas.

 

 

Até 27 de outubro.

Arden Quin em Curitiba

06/abr

A Simões de Assis Galeria, Curitiba, PR, exibe a exposição “Carmelo Arden Quin – A Utopia Modernista”, com obras do artista uruguaio do Grupo Madí, sob a curadoria de Felipe Scovino.

 

 

Carmelo Arden Quin: modernidade e invenção

 

Carmelo Arden Quin é um artista uruguaio que se estabelece na Argentina em meados dos anos 1930. É importante contextualizar esse período histórico, porque ao largo dos golpes de Estado que se sucederam em diferentes países da América Latina naquele momento, a arte floresceu e alcançou uma qualidade que está sendo somente agora reconhecida mundialmente. Arden Quin faz parte da geração seguinte a de outro artista uruguaio, Joaquín Torres Garcia. Esse aliou de forma altamente qualitativa a linguagem construtiva – ainda dando os seus primeiros passos nas Américas – cosmologia e espiritualidade com um traço naif sem de forma alguma ser ingênuo. Algo próximo da pesquisa de Paul Klee mas com uma originalidade assustadora. Infelizmente, essa produção nascida no Uruguai que antecipa questões formais e conceituais e que como fios acabaram tecendo laços com a arte construtiva brasileira ainda é pouco conhecida por nós. E daí a importância dessa exposição inaugural da Simões de Assis Galeria de Arte em São Paulo.

 

Em 1938, Arden Quin deixa o Uruguai e segue para Buenos Aires. Encontra uma Argentina em franco declínio social e econômico depois de ser uma das maiores potências das Américas. O país assistiu logo após o fim da Segunda Guerra Mundial a ascensão de Perón ao poder e a contínua política de nacionalização. Contudo, no campo das artes plásticas, em meados daquela década a Argentina inscreveria seu nome na história da arte ao ser a base do Grupo Madí. Como afirma o manifesto do grupo escrito em 1946:

 

Madí confirma o desejo do homem de inventar objetos ao lado da humanidade lutando por uma sociedade sem classes que libera a energia e domina o espaço e o tempo em todos os sentidos, e a matéria em suas últimas consequências.

Era o começo, digamos, mais maduro de uma prática consistente da arte não-figurativa na América Latina. Arden Quin, Gyula Kosice, Lidy Prati, Rhod Rothfuss, dentre outros artistas, estabelecem a base para a linguagem construtiva na Argentina. Suas pesquisas incluem diversos interesses e escolas da arte, como construtivismo, cubismo e mesmo o surrealismo. A obra de Arden Quin, naquele momento, estava fincada em proposições não-ortogonais e principalmente na ideia de desconstruir os limites da moldura. Interessava a ele ter a moldura não como um elemento redutor do espaço pictórico mas como parte intrínseca da obra. A moldura passava a ser um elemento de diálogo consistente com as formas geométricas construídas pelo artista. Essa situação, aliás, é bem demonstrada com uma reunião de obras importantes dessa fase na exposição. Em Forme Madí 2B (1946), por exemplo, observem como a linha da moldura obedece ou dialoga com o conjunto em seu interior, formado pelas figuras geométricas irregulares. Há um interesse claro em metaforicamente destruir barreiras e integrar moldura, formas e cores como elementos pictóricos. Os artistas do grupo Madí se interessavam por outras formas planares que não são simplesmente as ortogonais. Começaram a elaborar outros polígonos, regulares ou irregulares, que se convertiam em pentágonos, hexágonos, círculos e toda a sorte de figuras geométricas.

 

Interessante perceber que o princípio da quebra, concreta e metafórica, da moldura também se manifestará poucos anos depois no Brasil. Lygia Clark começa em 1952 a produzir Superfície modulada e Planos em superfície modulada. Em ambas as séries, a artista desenha a lápis sobre o cartão uma série de polígonos regulares ou irregulares, sempre utilizando para efeitos óticos a relação entre cheio e vazio, por conta do preenchimento ou não do interior desses polígonos com grafite preto ou cinza. Criava-se, portanto, ainda no plano, um embaralhamento entre as posições de figura e fundo. Esses estudos se transformavam em pinturas feitas em tinta industrial sobre madeira, e o que antes era lápis demarcando as fronteiras entre os polígonos se transforma em fissura. A artista cravava essas linhas fronteiriças com bisturi. Foi um passo importante para o que ela chamou de “linha orgânica” e que chegou até à sua célebre série Bichos (1960-64), pois os polígonos das superfícies moduladas se soltam do plano, alcançam o espaço e passam a ser modificados por meio de dobradiças nas esculturas.

 

Esse foi um breve comentário sobre as possíveis conexões do trabalho de Arden Quin com a arte brasileira. Chama-me também a atenção a sua série intitulada Forme Galbée (1971), presente na mostra. Eis a sua mais esplêndida pesquisa acerca do cinético. Outro ponto alto dessa exposição é a oportunidade de termos acesso a um número robusto de obras do artista ao mesmo tempo em que percebemos e refletimos sobre os vários interesses e pesquisas que Arden Quin realizou. Se durante o Madí, sua pesquisa envolvia estudos sobre arte concreta e a forma muito própria em como os latinos absorveram e reinventaram as pesquisas planares, cubistas e não-euclidianas do movimento concreto europeu, nos anos 1970 Carmelo se volta para a arte cinética e a capacidade de ampliar o conceito de pintura. Ele não está sozinho nessa jornada, pois a própria Argentina, com Le Parc e Tomasello; a Venezuela, com Cruz-Díez, Otero e Soto; e, o Brasil com Palatnik, Antonio Maluf, Lygia Clark, Mary Vieira, Sérvulo Esmeraldo, Willys de Castro, dentre muitos outros, também desenvolvem suas pesquisas em arte cinética.

 

Determinadas obras da série Forme Galbée aludem a uma partitura. Essa sensibilidade do artista em executar ritmos e sinuosidades de grande impacto visual revelam a sua especificidade. É importante destacar que o caráter cinético dessas obras se dá pela forma em como o espectador se coloca defronte a obra, isto é, a cada mudança de perspectiva dele, a obra cria novas percepções e imagens. Outro ponto de destaque é o fato dela possuir concavidades no suporte da madeira, provocando uma sensação de miragem óptica. É algo semelhante ao que acontece com os Relevos Progressivos, de Palatnik, realizados a partir dos anos 1960. Nessas obras, o sequenciamento dos cortes na superfície do material – cartão, metal ou madeira – cria camadas ou ondas que variam dependendo da profundidade e localização do corte, constituindo sua própria dinâmica. O uso do papel-cartão, em especial, é algo surpreendente porque a produção de relevos empregada pelo artista leva à execução de ritmos e sinuosidades de grande impacto visual. Já na série de Arden Quin, não só o jogo próprio de linhas, formas e cores cria uma vibração intensa, mas como o suporte em que estão instalados – levando em conta essa perspectiva da concavidade – reitera e enfatiza a experiência óptica. Ademais, a linha é transformada, por ilusão óptica, em vibração, o material em energia. Quando o espectador se movimenta diante destas obras, o fundo fragmenta a linha de cores ou objetos impregnados sobre a superfície (de modo geral são pequenas estruturas de madeira), de modo que ele se apresenta como uma série de pequenos pontos flutuando no espaço. Eis a matemática se metamorfoseando em estruturas vibratórias a serviço de uma nova experiência de mundo para o sujeito.

 

Na série Plastique, realizada em meados dos anos 1980, o artista adotou uma forma de experimentação utilizando superfícies construídas e unidades visuais modulares feitas em acrílico e madeira que redimensionaram a sua obra. Não há a preocupação apenas, como se isso fosse pouco, em experimentar novas capacidades cinéticas mas também a percepção em construir e organizar um estado pictórico. Esta analogia se faz presente na escolha e na ordem com que compõe os feixes em acrílico sobre a madeira. Numa das obras, um recorte em acrílico, formado por três linhas em paralelo percorrendo a sua extensão e sobre as mesmas um conjunto de pequenos aros metálicos, remete claramente ao braço de uma guitarra ou violão. Esse feixe percorre longitudinalmente a superfície do plano compondo com as cores e formas geométricas dispostas, um salto (musical) para o espaço. Há o pensamento de um pintor articulando formas e cores naquela superfície. Arden Quin reatualiza as célebres obras de Picasso, mas para além disso institui a sua marca própria e autenticidade: refletir sobre o lugar da arte e seu compromisso com a invenção e com o agora. Ele é um artista conectado ao moderno e a todas as formas críticas do pensamento cultural. Sua pintura, desde o início, possui um vínculo com outras artes, seja a música, o design ou a arquitetura. Ao contrário de seus contemporâneos ligados ao figurativismo, o jovem Carmelo desafiou as regras e desejou que a sua obra alcançasse o espaço, e assim o foi.

 

Em uma de suas últimas pinturas, também presente na mostra, Domaine n. 18 (2006), mais uma vez a celebração à música se faz presente. Corpo de um violão, cordas, fundo, faixas. Tudo está lá. Fracionados e dispostos em intervalos separados pelo cheio (zonas pintadas em preto) e o vazio (zonas claras), essas partes compõem um todo. A moldura recortada continua e reforça esse efeito da mobilidade dos planos. As unidades geométricas parecem estar em um balanço contínuo, mesmo, claro, se tratando de uma pintura. Essa sensação se alimenta também pelo fato do artista magicamente tornar curvas as retas, possibilitando outra linguagem e visualidade para o elemento concreto. Percebam que essa “magia” é consequência, sem dúvida, das experimentações da arquitetura moderna que caminham lado a lado ao seu trabalho.

 

Essa é uma exposição histórica. Primeiro, por se tratar do trabalho de um artista notável que teve mais de 60 anos de produção e tem o seu nome celebrado pela história da arte. É também a oportunidade de o público brasileiro, em especial, tomar contato de forma mais aprofundada com uma obra que se caracterizou pelo compromisso com a invenção. Este conceito se confunde na obra de Arden Quin com a incessante pesquisa que realizou acerca do movimento. Interessou a ele sob as mais diversas circunstâncias, operações formais e conceituais ter o espectador como cúmplice das suas investigações plásticas. Dos anos 1930 à primeira década desse século, sua obra provocou novas percepções óticas caminhando conjuntamente com as inovações tecnológicas, artísticas e culturais que o mundo atravessava. De forma pioneira, e é bom destacar esse ponto, sua produção estimula o movimento, seja nas relações intrínsecas que a obra promove entre cor, forma e plano alçando a pintura ao espaço, seja nas obras cinéticas, estimulando a participação do espectador e promovendo a multiplicação das imagens. É a própria obra posta em questão, ameaçando os seus limites e experimentando as suas várias possibilidades de forma intensa.

 

Felipe Scovino

QUINN, Arden; KOSICE, Gyula. Manifesto Madí. In: AMARAL, Aracy A. (org). Projeto construtivo brasileiro na arte: 1950-1962. Rio de Janeiro: MAM; São Paulo: Pinacoteca do Estado, 1977, p. 62-64.

 

 

Até 19 de maio.

A mágica da cor 

27/fev

A Lurixs Arte Contemporânea, Rio de Janeiro, RJ, abre a programação 2018, em sua nova sede no Leblon, com a exposição individual de Renata Tassinari, “A Espessura da Cor”, sob curadoria de Felipe Scovino, na quinta-feira, 01 de março, às 18h. São 15 trabalhos – dez pinturas e cinco desenhos (pintura sobre papel) – realizados entre 2015 e 2018, em que se vê planos geometrizados por cores sobre papel ou estruturas de acrílico em lugar de telas, resultado de uma pesquisa que a artista faz desde 2003.

 

Em uma primeira observação, as obras de Tassinari provocam dúvidas: são retângulos e quadrados soltos, justapostos, ou se trata de uma superfície contínua? A pintura é feita sobre tela por trás da caixa acrílica ou a tinta é aplicada diretamente sobre a placa industrializada que também lhe serve de proteção? Há ainda a madeira nua, sem tinta alguma, que  entremeia os planos de acrílico. Tassinari conta que a forma de seus trabalhos tem inspiração na arquitetura urbana – fachadas, portas e janelas – de linhas e ângulos retos exclusivamente. O desenho da estrutura das pinturas é transformado em caixas de acrílico de cinco centímetros de profundidade.

 

A parte interna dessas caixas é pintada com tinta acrílica e a face externa ganha camadas de tinta a óleo, sem se sobreporem. O contraste da característica dos materiais, o brilho da placa acrílica, a opacidade do óleo no plano de fora e da madeira,  mais o fio branco de tinta nas bordas do suporte criam um volume, que projeta os planos pintados para o espaço. As cores e a materialidade é que provocam a impressão de relevo e depressão, mas a estrutura é absolutamente plana. Aos olhos do espectador, é quase uma mágica o que Tassinari consegue criar com as cores. E aí entra outro recurso autoral da artista: ela cria sua paleta cromática e todas as cores são bem-vindas. Nenhuma sai do tubo industrializado à venda no mercado.

 

“Transmitir esse caráter expansivo à cor definitivamente não é pouca coisa. Transformar a cor em algo que magicamente avança em direção ao  espaço e que em outros casos, dentro da sua obra, concretamente ganha uma espessura ou dobra, como é o caso das pinturas recentes que fabricam uma imagem, como escrevi há pouco, da fratura, são características notáveis no trabalho da artista”, elogia o curador Felipe Scovino.

 

Dentro do que está reunido nessa exposição, há a série “Lanternas”, formada por módulos de acrílico pintados e instalados na parede em linhas paralelas verticais ou horizontais, que dão a ilusão de hastes de luz acesas. “A partir das ‘lanternas’, os trabalhos aumentaram sua relação com o espaço”, diz a artista. O conjunto mais recente dessa mostra é o intitulado “Beiras”, que são um desenvolvimento das lanternas, de aparência mais econômica na forma (mais estreita) e composição de cores (tons rebaixados).

 

Nas pinturas sobre papel, que Tassinari prefere chamar de desenhos, o plano é dividido com linhas de grafite em quadrados e retângulos. Alguns campos são eleitos para receber tinta a óleo em tons intensos ou suaves. Ambos demonstram um toque de leveza, como se o papel merecesse um contato mais fluido por ser frágil. Críticos detectam na produção da artista um chamado para um olhar mais minucioso e atento do espectador, em contraste com a dispersão vertiginosa do momento.

 

“Em tempos de uma desatenção acelerada, as obras da artista nos levam a nos determos sobre os detalhes, as minúcias e as singularidades de um gesto sobre o papel, a espessura do óleo ou a fresta branca (o “pulmão da obra”, o risco por onde corre o ar) que percorre os limites da pintura sobre a superfície de material acrílico transparente”, resume o curador Felipe Scovino.

 

 

Sobre a artista

 

Formada em Arte pela FAAP, SP, onde foi aluna de grandes mestres como Carlos Fajardo e Dudi Maia Rosa, Renata Tassinari tem dezenas de mostras individuais e coletivas em seu histórico, incluindo a retrospectiva no Instituto Tomie Ohtake, SP, em 2015 e mostras solo no MAM RJ, MAM SP e Paço Imperial. Paulo Venancio Filho, Rodrigo Naves, Lorenzo Mammi, Taisa Palhares e Laura Vinci são alguns dos críticos,  historiadores de arte e artistas que já escreveram sobre seu trabalho.

 

 

“A Espessura da Cor” fica em cartaz até 14 de abril.

Arte Cinética em Curitiba

25/out

A Simões de Assis Galeria de Arte, Curitiba, Paraná, promove até o dia 16 de dezembro a exposição coletiva “Arte Cinética Latino-Americana”.

 

Panorama sobre a arte cinética na América Latina

Felipe Scovino

 

O recorte para essa exposição possui mais uma particularidade além de estarem sendo apresentadas obras de arte cinéticas produzidas por artistas latino-americanos. Outro ponto de inflexão é o fato que o início da produção de arte cinética nas Américas coincide com o processo de modernização de grande parte desse continente. A mostra reúne a produção de três países (Argentina, Brasil e Venezuela) que entre os anos 1950 e 1970 passaram por profundos processos de industrialização, alargamento de políticas de importação, reformas amplas de infraestrutura em seus núcleos urbanos, diferentes práticas de uma arquitetura moderna e um desenvolvimento nunca antes visto na América Latina. Essa política de aporte financeiro e prosperidade – que pode ser exemplificada na construção de Brasília e no Plano de Metas (“50 anos em 5”) de Juscelino Kubitschek, ou na indústria petrolífera venezuelana ou ainda na rica vida cultural de Buenos Aires – possibilita um campo frutífero para as artes. Entre o fim dos anos 40 e o início dos anos 50 no Brasil assistimos a um amplo processo de institucionalização das artes com a fundação dos primeiros museus de arte moderna no Rio de Janeiro e em São Paulo (1948), além do MASP (1947) e da I Bienal de São Paulo (1951). Esta rede institucional permitiu a realização de importantes mostras de artistas internacionais no país, desde Calder a Picasso, passando pela importante mostra Pop na Bienal de 67, assim como possibilitou a emergência de uma nova geração de artistas brasileiros. E é aqui que se encontram os cinéticos. Desde 1950, Palatnik desenvolvia os seus Aparelhos cinecromáticos. O fascínio pelo movimento do jogo de luzes e o aspecto lúdico que o Cinecromático possui não podem mascarar uma importância que é singular nessa obra: não apenas marca o pioneirismo da arte cinética no mundo, mas essa invenção dialoga intensamente com a produção cinética na Europa e na América do Sul, particularmente na Argentina e na Venezuela, assim como amplia o conceito de pintura.

 

Em 1948, Mary Vieira realiza seus Polivolumes, torres vazadas, feitas em alumínio anodizado, formadas por semicírculos móveis em que o espectador, agora transformado em participante, escolhe a posição destes. Essas estruturas são móveis apenas no sentido horizontal. Se nos Aparelhos cinecromáticos e nos Objetos Cinéticos de Palatnik, o movimento e a participação se dão de forma autônoma em relação ao espectador – o que não acontecerá nas suas pinturas de matriz construtiva, a série W apresentada nessa mostra, já que a mobilidade do espectador frente a elas causa uma nova proposta para a ideia de movimento, dinâmica, e confronta a suposta rigidez que uma pintura teria -, os Polivolumes anteciparam de certa forma questões encontradas nos Bichos (1959-1964) de Lygia Clark. Nesses dois últimos exemplos, a obra é o molde para a nossa vontade.

 

O que temos nessa mostra, referindo ao campo de produção da arte brasileira, é a reunião de 4 artistas que tiveram participação fundamental no processo de pensar a simbologia do moderno. Abraham Palatnik, Antonio Maluf, Sérvulo Esmeraldo e Ubi Bava, cada um a seu modo, constituíram uma aproximação entre arte e ciência e pavimentaram a arte cinética no país.

 

No caso Relevo progressivo (série realizada a partir dos anos 1960) de Palatnik, o sequenciamento dos cortes na superfície do material – cartão – cria camadas ou ondas que variam dependendo da profundidade e localização do corte. O uso do papel-cartão leva à execução de ritmos e sinuosidades de grande impacto visual. Relevos também se desmembrou a partir dos anos 1990 na série W. Saiu o cartão ou o metal e entrou a tinta acrílica. O artista pinta telas abstratas que servem como ‘base’ para as futuras pinturas cinéticas. Num segundo estágio, o corte a laser fatia a pintura em réguas finíssimas. Depois, movimentando as varetas do ‘quadro fatiado’ no sentido vertical, ‘desenhando’ o futuro trabalho, o artista constrói um ritmo progressivo da forma, conjugando expansão e dinâmica visual. É importante destacar que o caráter cinético dessas obras se dá pela forma em como o espectador se coloca defronte a obra, isto é, a cada mudança de perspectiva dele, a pintura cria novas percepções e imagens.

 

Antonio Maluf foi o autor do cartaz da I Bienal de São Paulo. Artigo raríssimo em exposições, esse cartaz é um dos marcos do design brasileiro e das experimentações artísticas daquele momento. Os elementos estruturais do desenho, feito em três versões, reiteram e enfatizam o formato retangular do suporte. À medida que são reduzidos, os retângulos se adensam em direção ao centro do papel, projetando uma perspectiva tanto espacial quanto temporal. Todo esse conjunto de elementos é integrado ao formato do cartaz e o movimento das linhas paralelas, em duas cores, resultantes do seu perímetro, permite uma vibrante miragem óptica. Figura e fundo não conseguem diferenciar-se, são alternâncias constantes.

 

Maluf ainda dará início, na década de 1950, à produção das séries Progressões crescentes e decrescentes e Equação dos desenvolvimentos em progressões crescentes e decrescentes, realizadas em guache sobre papel, num primeiro momento, e depois com tinta acrílica sobre madeira. Nesse conjunto percebemos que a linha é transformada, por ilusão óptica, em vibração, o material em energia. Quando o espectador se movimenta diante destas obras, o fundo fragmenta a linha de cores, de modo que ele se apresenta como uma série de pequenos pontos flutuando no espaço. Eis a matemática se metamorfoseando em estruturas vibratórias a serviço de uma nova experiência de mundo para o sujeito. Em Equação dos desenvolvimentos (década de 1980), o artista elimina a dimensão física do quadro, privilegiando as construções gráficas. O exercício cinético, provocado pela repetição em série de estruturas monocromáticas, explora processos perceptivos de criação e recriação da forma (tem-se a sensação de multiplicação de quadrados num regime de tempo e espaço interminável).

 

Na série Homenagem ao espectador, realizada ao longo dos anos 1970, Ubi Bava adotou uma forma de experimentação utilizando superfícies construídas com espelhos ou unidades visuais modulares que captam o ambiente e a imagem do espectador. Os limites do círculo e a sua capacidade de reflexão são as unidades motoras do artista. Ademais, não há a preocupação apenas, como se isso fosse pouco, em experimentar novas capacidades cinéticas e propor a participação do espectador como um sujeito ativo e constituinte da obra, mas também a percepção em construir e organizar um estado pictórico. Esta analogia se faz presente na escolha e na ordem com que compõe os espelhos multicoloridos sobre o acrílico. Há o pensamento de um pintor articulando formas e cores naquela superfície.

 

E737, de Sérvulo Esmeraldo, é um exemplar dos mais importantes da sua icônica série Excitáveis. Produzida a partir de 1964, essa série é formada por caixas-objeto, feitas em acrílico, com elementos movimentados por eletricidade estática gerada pelo espectador quando a superfície da obra é tocada. Esmeraldo resolvia simultaneamente os desafios de fazer uma arte de participação do espectador e de estabelecer uma linguagem cinética sensível. Excitáveis retorna à problemática do acaso: a repetição exata de movimento, por mais complexa que seja, torna-se monótona na ideia do artista. Deve ser exercido algum controle. Isso é geralmente obtido pela descoberta de alguma relação entre os elementos nas caixas que se mantêm constantes no decurso de toda e qualquer variação de movimento. Excitável, aqui, diz respeito à ação de colocar em movimento. Como afirma Matthieu Poirier, “cabe ao espectador a função de carregar negativamente a obra, esfregando vigorosamente a mão na superfície da caixa, fazendo que a tal superfície atraia e tire da inércia as diversas linhas cuja carga é positiva.”[1] Essa ação do espectador desorganiza a ordem pré-estabelecida; o que era razão transforma-se em caos. De forma efêmera, criando um tempo próprio de nova aparição e organização para a obra, o gesto do espectador articula uma poderosa ligação entre arte e ciência, e ainda entre o que existe e não necessariamente é visto a olho nu, como novamente afirma Poirier: “Disfarçada pela impressão unicamente telecinética de produzir o deslocamento de objetos a distância, a obra nos torna conscientes da capacidade motriz das forças elétricas invisíveis que nos circundam e nos constituem” [2].

 

As vanguardas geométricas se estabelecem na Venezuela e na Argentina, respectivamente, com as operações de Alejandro Otero, Carlos Cruz-Diez, Gego e Jesús Rafael Soto e do Grupo Madí. Como afirma o manifesto do grupo argentino feito em 1946:

 

Madí confirma o desejo do homem de inventar objetos ao lado da humanidade lutando por uma sociedade sem classes que libera a energia e domina o espaço e o tempo em todos os sentidos, e a matéria em suas últimas consequências.[3]

 

O terreno para a abstração, particularmente o cinetismo, na Venezuela se deu no começo dos anos 1960. Cruz-Diez segue caminhos que poderíamos chamar de “um espaço extra-pictórico”, muito próximos aos de Soto. Suas obras iniciais lançam a cor ao espaço por meio da luz reflexiva: o fundo da pintura se transformava numa espécie de tela branca, destinada a receber os reflexos de luz. De certa forma, se apoia nessa presença corpórea da obra (e aqui as estruturas vibratórias de Soto entram na discussão) para aprisionar a luz projetada em direção ao espaço, assim como, mais tarde, utilizará meios transparentes para alcançar o maior grau possível de imaterialidade, como são os casos das duas obras apresentadas na mostra. Em Color Aditivo Panam 7 (2010) e Physichromie Panam 226 (2015) observamos que as figuras construídas sobre o plano promovem um contínuo jogo de alternância entre figura e fundo de modo a confundir as suas respectivas fronteiras. Sem dúvida, esse conjunto de retângulos almeja conquistar o espaço. Notem, portanto, as relações frutíferas entre essa qualidade de arte cinética e as práticas de uma arquitetura moderna na América Latina. Vejam os casos do arquiteto venezuelano Carlos Raúl Villanueva, muito próximo a Soto e Cruz-Diez, e também Niemeyer. Ambos tornaram curvas as retas, possibilitando uma outra linguagem e visualidade para o elemento concreto. Sobre a obra de Soto aqui apresentada, é importante dizer que além de colocar em suspenso a tradicional oposição entre figura e fundo, em que não se sabe qual é qual, resultando em uma disposição não mais hierarquizada, o encontro das linhas que atravessam essa obra desperta a geometria lírica desse artista. Eis o fenômeno da vibração – mais que ótica – que este cruzamento provoca. É uma tensão por estarem tais linhas no mesmo plano indicando um “nó espacial, que mesmo Mondrian deixa em suspenso ao eliminá-las em sua última fase” [4]. Há algo de musical, mágico e lúdico nessa obra. O plano se torna ativo ou é constantemente reativo pelo espectador. Daí artistas como Soto e Palatnik se declararem como pintores, apesar da pintura de ambos lidar com elementos tridimensionais. As hastes de Soto alteram discretamente a estabilidade do horizonte, e a escultura com motor de Kosice caminha pelo mesmo interesse. É a própria obra posta em questão, ameaçando os seus limites, experimentando as suas várias possibilidades, de forma intensa. Estava em questão o envolvimento total do espectador e a potencialização de toda a sensorialidade. A repetição e a progressão, causadas pelo acionamento do motor, estão entre os modos possíveis de suscitar uma ultrapassagem em direção ao ilimitado. O mundo é movimento, ou melhor, cinético, estando muito além do estritamente visual. E a obra quer acompanhar este modo de ser e se converte em obra-motor, obra-movimento. Ela entra em dissolução, se refaz no contato com o espectador, diminuindo sua distância com ele e exigindo sua participação. Eis a sua riqueza e contribuição: a obra é o espaço sensorial, ativo e mobilizador da vontade e da consciência do sujeito.

 

Luis Tomasello e Julio Le Parc são dois artistas argentinos de primeira ordem mas que fazem parte da geração seguinte ao do Madí. As obras desse último se caracterizam pelo uso da luz como componente central e como ela pode gerar, conectadas a motores, formas no espaço. Entretanto, nas duas obras do artista que estão na exposição notamos a associação entre luz e cor. A série Modulation destaca o largo potencial de variações cromáticas que a pintura pode oferecer. Tratam-se de obras baseadas em elementos geométricos, que utilizam as reações fisiológicas de percepção ótica. Os movimentos do espectador modificam as imagens que a pintura pode oferecer. Ela deixa de ser algo estritamente estático para nesse campo da interação (claro, guardadas as especificidades de uma interação entre espectador e obra bidimensional) promover a multiplicação das imagens. Já Atmospheres chromoplastiques nº 446 e nº 972 e Objet Plastique nº 897, todas de Tomasello, fazem uso de estruturas em relevo onde a ocupação do espaço tridimensional é o desejo maior. O volume que é dado pelas estruturas em madeira se transforma em fluxo e logo se faz tridimensional. A projeção de sombras sobre as madeiras promove uma espécie de expansão dessas formas. É através de uma economia de elementos que o artista promove uma larga experimentação envolvendo planos ilusórios, expansão das formas no espaço e a relação intrínseca entre luz, cor e forma. Em Atmosphere chromoplastique no508, se instala o conceito da ambiguidade e da desorientação ópticas através de ritmos aleatórios e padrões geométricos. A obra associa uma severa destreza técnica, conservando o rigor construtivo, com a delicada gestualidade de traços que deixam de se articular ao perímetro do quadrado para se dirigirem ao centro do quadro e desaguarem no ilusionismo óptico.

 

Essa é uma exposição de fôlego e muito importante para que tomemos conhecimento sobre a produção cinética nesses 3 países e os laços e as diferenças que podem ser analisados quando essas obras ocupam o mesmo espaço. Assinalo que os artistas dessa mostra não foram considerados de vanguarda apenas em seus respectivos países mas no mundo. A produção cinética latino-americana é uma das mais respeitadas no âmbito crítico e institucional, afirmando a qualidade e a pertinência desses artistas.

 

[1] POIRIER, Matthieu. Os Excitables de Esmeraldo ou cinetismo em viveiro. In: AMARAL, Aracy (org). Sérvulo Esmeraldo. São Paulo: Pinacoteca do Estado, 2011, p. 119-121.

[2] Idem, p. 121.

[3] Cf. QUINN, Arden; KOSICE, Gyula. Manifesto Madí. In: AMARAL, Aracy A. (org). Projeto construtivo brasileiro na arte: 1950-1962. Rio de Janeiro: MAM; São Paulo: Pinacoteca do Estado, 1977, p. 62-64.

[4] VENANCIO FILHO, Paulo. Soto: a construção da imaterialidade. Rio de Janeiro: Centro Cultural Banco do Brasil, 2005.

Em Curitiba

07/ago


Desenho, é a exposição que a SIM galeria, Curitiba, PR, apresenta de 12 de agosto até 23 de setembro, sob curadoria de Felipe Scovino. Participam os artistas André Komatsu, Cadu, José Damasceno, Juan Parada, Marcius Galan e Nicolás Robbio.

 
Texto da curadoria

 

Desenho,

 

A primeira particularidade dessa exposição é o seu título. A vírgula depois da palavra “desenho” indica, entre outras possibilidades, falha, descontinuidade ou a própria impossibilidade de se designar o que é essa prática artística diante de uma infinitude de possibilidades. Na contemporaneidade, o desenho se articula como um traço no papel, mas, acima de tudo, como uma gama de desvios e circunstâncias que o aproxima da tridimensionalidade e mesmo, eventualmente, do cinema. Essa exposição conta com obras de seis artistas (André Komatsu, Cadu, José Damasceno, Juan Parada, Marcius Galan e Nicolás Robbio) que pensam o desenho como um agenciamento poético que se relaciona de forma cada vez mais potente e crítica com as idiossincrasias de um mundo não só em constante mudança mas fundamentalmente com a visão de um mundo em colapso. Percebam que essas obras constroem uma atmosfera na qual a precariedade e o acidente estão acentuados e são partes constituintes de suas poéticas.

 

A exposição investiga o desenho, portanto, não como projeto, estudo ou algo “menor”, mas como um passo importante para entendermos o caminho desses artistas e, ao mesmo tempo, refletir sobre um campo ampliado dessa prática artística. Nas obras desses artistas, ele adquire muitas vezes uma circunstância tridimensional; passa a ter volume e textura e, em alguns casos, se mistura com a paisagem do cotidiano, como é o caso de Geometria acidental (2008), de Robbio. Essa obra é um vídeo no qual o artista destaca, por meio de inserções gráficas, formações geométricas que acontecem ao acaso mediante o caminhar de transeuntes por uma praça. Vetores detectam o vai-e-vem dessas pessoas, gerando relações geométricas específicas (trapézios, etc.) que aparecem e desaparecem na tela, obedecendo à mesma velocidade.

 

O diálogo entre essas obras cria uma conjunção estética pelo fato de aproximar temas como invenção de território, memória, geografia e política. São obras que têm a economia de métodos e de elementos como prática constante. Esses desenhos também percorrem um território que se coloca como presente e inconclusivo, transparente e ambíguo, enfim, um mundo de referências imbricadas que a descrição conceitual jamais esgotará. A mostra também discute o desenho pela sua “negatividade”, isto é, por uma estrutura que pode ser revelada como algo indeterminado ou uma aparição ambígua no espaço, já que, em muitos casos, o que se torna visível para os olhos são rastros ou mecanismos que evidenciam uma perda. É o caso da paisagem recortada, fora de ordem, difusa em sua própria estrutura, explícita na série Cada um, cada qual (2017), de Komatsu. Ou ainda na funcionalidade perdida e descreditada das Pinturas burocráticas (2013), de Marcius Galan. O desenho passa a ser uma presença permeada de furos ou fraturas, pois ele mais esconde do que revela. Contudo, é essa força “negativa”, oblíqua, estranha, desviante que interessa à curadoria. Expor uma função reversa do desenho: não mais a revelação de uma estratégia, plano ou ideia, mas a imposição de sua própria estrutura, como algo desafiador e problematizador. Eis a fina ironia da Escultura borracha, de Damasceno: a borracha perde sua função operacional de apagar o que se traçou, pois é mármore e impõe ao desenho a sua própria duração e a impossibilidade de se voltar atrás.

 

O desenho também é uma miragem, e podemos perceber essa acepção no conjunto horizontalizado de lápis, constituindo uma massa homogênea (Horizonte duplo, 2015, de Marcius Galan) que, a distância, estimula nossa imaginação a pensar numa janela ou brise-soleil. Entramos no terreno do acidente e do desenho como ocupação virtual de espaço, campo de experimentação e ampliação da obra bidimensional.

 

Interessa à exposição aproximar o desenho de circunstâncias ou dados imateriais, como é o caso da série Windline (2014).

 

Em parceria com o artista e designer Marcos Kotlhar, Cadu concebeu uma estrutura que sistematiza leituras do comportamento do vento em forma de desenhos. No aparato, dados colhidos por um anemômetro são interpretados por um software de leitura, que utilizando a velocidade como vetor de deslocamento e a direção dos pontos cardiais como coordenadas, produz comandos que movem uma caneta presa a um suporte numa área de desenho (…). O que se vê é o registro da volatilidade do comportamento do vento em uma mesma região.

 

O desenho consegue condensar e vibrar, ao mesmo tempo, a densidade, o peso e o volume do vento. Por acaso, ciência e arte se fundem em meio a um regime de sensibilidade muito especial promovido por essa série de trabalhos. O desenho na obra de todos esses artistas funde-se entre ser projeto, ideia e realização no espaço. De forma geral, não há como distinguir pintura, escultura e instalação do desenho.
Felipe Scovino

 

Três no Santander Cultural

31/mai

Dentro da proposta de valorizar o trabalho curatorial neste ano, o Santander Cultural, Porto Alegre, RS, inaugurou a exposição que leva o nome dos seus artistas integrantes: “Zerbini, Barrão, Albano”. Ao todo, são 43 obras, em diferentes técnicas, como pintura, gravura, escultura e fotografia. A seleção para cada artista ficou a cargo de um curador diferente. As obras de Luiz Zerbini, SP, tiveram a curadoria de Marcelo Campos. As de Barrão, RJ, de Felipe Scovino; e as de Albano, SP, por Douglas Freitas. “Foram seis cabeças dividindo o mesmo espaço”, explicou o diretor-superintendente do Santander Cultural, Carlos Trevi. Com estilos diferentes, o desafio foi promover o diálogo entre as diferentes linguagens de cada artista.

 

As esculturas de Barrão ocupam a parte central da galeria, com trabalhos na cor branca. “Geralmente meus trabalhos têm escala menor, mas como fiz obras especialmente para esta exposição, levei em conta o espaço e fiz em escala maior”, explica Barrão. As obras de Albano e Zerbini estão nas laterais. Zerbini apresenta monotipias, pinturas e, em primeira mão, três mesas, cujos superfícies de vidro lembram praias e ondas. Já Albano traz instalações que abordam a questão da luz e da sombra e um tríptico fotográfico.

 

 
Até 16 de julho.

Palatnik no CCBB/Rio

31/jan


O CCBB, Centro, Rio de Janeiro, RJ, exibe a retrospectiva itinerante do mestre internacional da arte cinética Abraham Palatnik, com curadoria assinada por Pieter Tjabbes e Felipe Scovino. “A Reinvenção da Pintura” apresenta 92 obras produzidas entre os anos de1940 e 2000. A exposição composta por pinturas, desenhos, esculturas, móveis, objetos e estudos do artista brasileiro conhecido por obras que combinam luz e movimento e, em muitos casos, utilizam instalações elétricas.“A obra de Palatnik caracteriza-se por uma qualidade inegável: permite não só observar as passagens do moderno ao contemporâneo, mas também estudar e reconhecer uma das

 

primeiras associações entre arte e tecnologia no mundo, um diálogo cada vez mais presente a partir da metade do século XX. Esta exposição ultrapassa os limites da pintura e da escultura modernas, intenção que o artista manifestou claramente nos Aparelhos cinecromáticos, nos Objetos cinéticos e em suas pinturas, quando passou a promover experiências que implicam uma nova consciência do corpo”, pontuam os curadores no texto de apresentação da exposição.

 

Segundo os curadores, a singular contribuição de Palatnik para a história da arte não se dá apenas por sua posição como um dos precursores da chamada arte cinética- caracterizada pelo uso da energia, presente em motores e luzes-, mas também pela leitura particular que faz da pintura e em especial pela articulação que promove entre invenção e experimentação:“Seu lado ‘inventor’ está presente em uma artesania muito particular que o deixa cercado em seu ateliê por porcas, parafusos e ferramentas construídas por ele mesmo e não pelas tintas,imagem característica de um pintor. O crítico de arte Mário Pedrosa e o escritor Rubem Braga já afirmavam, na década de 1950, que Palatnik pintava com a luz”.

 

“Palatnik dinamizou a arte concreta expandindo-a para além de seu campo usual e integrou-aà vida cotidiana por intermédio do design. Ao longo de sua trajetória, o artista produziu cadeiras, poltronas, ferramentas, jogos e sofás, entre outros objetos. Sua obra habita o mundo de distintas maneiras, apontando para uma formação incessante de novas paisagens e leituras à medida que diminui, desacelera e molda o tempo. Nesta exposição reunimos todos esses momentos da obra extraordinária de Abraham Palatnik. Uma obra que oferece ao público experiências marcantes e solicita, em troca, uma entrega total”, afirmam os curadores.

 

 

A palavra da curadoria

 
A obra de Abraham Palatnik (1928) caracteriza-se por uma qualidade inegável: permite não só observar as passagens do moderno ao contemporâneo, mas também estudar e reconhecer uma das primeiras associações entre arte e tecnologia no mundo, um diálogo cada vez mais presente a partir da metade do século XX. Esta exposição ultrapassa os limites da pintura e da escultura modernas, intenção que o artista manifestou claramente nos Aparelhos Cinecromáticos, nos Objetos Cinéticos e em suas pinturas.A retrospectiva“Abraham Palatnik- A Reinvenção da Pintura” começa pelas obras nas quais se vê a técnica acadêmica com a qual ele romperia no final da década de 1940 para dedicar-se à arte cinética, caracterizada pelo uso da energia, presente em motores e luzes, com as séries Aparelhos Cinecromáticos e Objetos Cinéticos.

 

Essa mudança de rumos na produção de Palatnik ocorreu em um momento decisivo para a arte nacional. Nascia a Bienal de São Paulo, um dos marcos na entrada do país no circuito da arte internacional. Palatnik participou da Bienal de 1951 com um Aparelho Cinecromático, uma invenção- tão artesanal quanto engenhosa – de uma pintura feita de luz e movimento.Se os Aparelhos Cinecromáticos criaram uma nova forma de pintar, os Objetos Cinéticos podem ser vistos como uma renovação na forma de ocupar o espaço. No lugar dos volumes da escultura, esses aparelhos lúdicos, coloridos e quase sempre motorizados ocupam o espaço com movimento, aproximando a pesquisa de Palatnik das proposições de Alexander Calder e Soto. Palatnik foi um dos precursores da arte cinética e da arte concreta. Mas também dinamizou a arte concreta, expandindo-a para além de seu campo usual, e integrou-a à vida cotidiana por intermédio do design. O experimentalismo e a organicidade sobrevoam a sua trajetória – em particular na série de obras que utilizam a madeira como suporte e meio,aproveitando os desenhos naturais dos veios dos troncos de jacarandá.

 

Na década de 1980, o artista inicia outra pesquisa com cor: a criação de telas com cordas coladas para dar volume, e novamente a exploração das cores com a tinta. Na série W, o artista estuda os jogos óticos resultantes do corte (que hoje realiza com laser) e subsequente reagrupamento de tiras de madeira pintada, técnica que teve origem na série Relevos Progressivos (feitos com papel cartão) iniciada na década de 1960. Palatnik movimenta as varetas do ‘quadro fatiado’ no sentido vertical, ‘desenhando’ o futuro trabalho, construindo um ritmo progressivo da forma, conjugando expansão e dinâmica visual e “explorando o potencial expressivo de cada material”. A produção de Palatnik, apresentada nesta retrospectiva em todas as suas facetas, intriga e encanta: suas obras vão construindo uma narrativa visual marcante e profundamente elaborada sobre os horizontes alargados por ele.

 

 

Até 24 de abril.

Gonçalo Ivo no MON

20/out

A metáfora de um corpo ou mais especificamente de uma pele na obra de Gonçalo Ivo é o ponto central da mostra “Gonçalo Ivo: A Pele da Pintura”, que poderá ser visitada no Museu Oscar Niemeyer, MON, Curitiba, PR, a partir de 28 de outubro. Com curadoria do crítico Felipe Scovino, a exposição apresenta mais de 100 obras, entre aquarelas, objetos e pinturas, que percorrem a trajetória do artista nas duas últimas décadas. Sob coordenação e supervisão de Flávia Simões de Assis e Waldir Simões de Assis Filho, a exposição “Gonçalo Ivo: A pele da Pintura” teve sua produção realizada por Rafaela Tascae expografia assinada pelo escritório da arquiteta Fernanda Cassou.

 

Gonçalo Ivo é um dos mais destacados artistas brasileiros da geração 80. Radicado na Europa há 15 anos, possui ateliês em Paris e Madri, alternando-se em temporadas de trabalho com o Rio de Janeiro, onde mantém seu ateliê na serra de Teresópolis. Sua obra é reconhecida internacionalmente, sendo exposta em destacadas galerias e museus do Brasil e do exterior. Recentemente seus trabalhos foram apresentados em diversas instituições como o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro, Instituto Moreira Salles – São Paulo e Rio de Janeiro -, Espace Krajcberg, Paris e na Pinacoteca do Estado de São Paulo.

 

Para Juliana Vosnika, diretora-presidente do Museu Oscar Niemeyer, a mostra é um convite para um mergulho na arte em sua camada mais profunda, “Estamos sempre buscando trazer para o nosso visitante o que há de mais prestigiado no cenário nacional e internacional. Esta mostra que apresenta obras de Gonçalo Ivo nos últimos 20 anos é um convite para uma experiência intensa que passa pela excelência técnica e pela inspiração diversificada de um pintor cuja história transcende as fronteiras do Brasil”, relata Juliana.

 

Em “Gonçalo Ivo: A Pele da Pintura”, a curadoria propõe a metáfora da pele como ponto da trajetória do artista, “É uma cor-matéria que vibra incessantemente e também se adequa como uma fina camada epidérmica sobre a tela-corpo. A cor confunde-se com a pele podendo ser na obra de Gonçalo, rugosa, desigual, seca, vibrante.”, analisa Felipe Scovino que reforça também as qualidades harmônicas e musicais da obra de Gonçalo, expressas na escolha dos títulos de algumas de suas obras: como contraponto, acorde, variações para coral e prelúdio. “A qualidade intervalar, que é construída por meio dos módulos de cor, me leva a crer que suas pinturas, agrupadas em um conjunto, podem ser lidas também como uma partitura.”, analisa o curador.

 

 

 

Sobre o artista

 

Nascido no dia 15 de agosto de 1958, na cidade do Rio de Janeiro, Gonçalo Ivo é filho do poeta Lêdo Ivo e da professora Maria Leda Sarmento de Medeiros Ivo. Levado por seus pais desde a infância, visitou, com assiduidade, os ateliers dos artistas Abelardo Zaluar, Augusto Rodrigues, Emeric Marcier e Iberê Camargo. Estudou pintura no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro – MAM/RJ, em 1975, sob a orientação de Aluísio Carvão (1920 – 2001) e Sérgio Campos Melo. Arquiteto, formado pela Universidade Federal Fluminense – UFF, exerce atividades como professor do Departamento de Atividades Educativas do MAM/RJ, entre 1984 e 1986, e como professor visitante da Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro – EBA/ UFRJ, em 1986. Trabalha também como ilustrador e programador visual para as editoras Global, Record e Pine Press. No decorrer de sua carreira, vem realizando diversas exposições individuais e coletivas no Brasil e no exterior. A partir do ano 2000 radicou-se em Paris, cidade que escolheu para se estabelecer com a família e montar atelier. Em 2013, instalou seu segundo atelier na Europa, situado em Madri, alternando períodos de trabalho entre França, Espanha e Brasil. Vários livros foram publicados enfocando sua obra, com textos de críticos brasileiros e internacionais. Gonçalo Ivo é representado em Curitiba, PR, pela Simões de Assis Galeria de Arte.

 

 

Sobre o curador

 

Felipe Scovino é crítico de arte e professor da Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Possui pós-doutorado em Artes Visuais e História e Crítica de Arte pela UFRJ, onde é professor no Programa de Pós- Graduação em Artes Visuais. Seu foco de trabalho é a arte contemporânea e a produção artística brasileira das décadas de 1960 e 1970. Recentemente realizou a curadoria das exposições “Abraham Palatnik – A Reinvenção da Pintura”, apresentadas no CCBB de Brasília, Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba, Museu de Arte Moderna de São Paulo e na Fundação Iberê Camargo, Porto Alegre, RS.

 

 

 

De 27 de outubro a 26 de fevereiro.

Estela Sokol – Naturezas Mortas

21/jul

Uma grande instalação na Anita Schwartz Galeria, além de objetos, esculturas e pinturas, trabalhos inéditos que será exibido em todo o espaço expositivo do prédio da Gávea, Rio de Janeiro, RJ. Trata-se da exposição “Estela Sokol- Naturezas Mortas”, com obras produzidas este ano. Em sua terceira individual na Anita Schwartz Galeria, a artista aprofunda sua pesquisa sobre as possibilidades do uso da cor na atualidade. Acompanha a exposição texto de Felipe Scovino.

 

Sobre o chão do grande salão térreo da galeria, estará a instalação“White Heat” (título que faz menção ao álbum “White Light/White Heat”, da banda Velvet Underground), composta por cerca de 600 peças em forma de sarrafo, de diversos materiais brancos, como espuma, parafina, feltro, mármore e gesso, e com dimensões que variam em comprimento, largura e altura, esta com no máximo 12 centímetros. As peças ocuparão uma área de 45 metros quadrados na área central do piso, de modo a que o visitante possa circular em torno. Estela Sokol destaca que “a ideia é partir da justaposição das peças para ressaltar as diferentes tonalidades de branco dos materiais”. “O trabalho propõediálogo com a tradição pictórica, e o legado de artistas como Agnes Martin”, explica. O pé direito de sete metros e as paredes vazias, fazem com que a obra, de acordo com a artista, possa “tirar proveito do silêncio da sala”.

 

Nesta instalação, a artista utiliza, pela primeira vez, feltro, gesso e espuma. A obra terá diversas nuances de branco, devido à natureza dos materiais, e ganhará novas tonalidades ao longo da exposição, pois a artista conta com a ação da luz sobre a espuma, que amarelará com o passar dos dias. “Com a forma de um ladrilho em tom de alabastro, o trabalho também reflete sobre o tempo e seus pressupostos, já que algumas seções mudarão de cor durante a exposição”. Estela Sokol ressalta que a busca por mudanças de tonalidade são recorrentes em sua pesquisa. “Nas pinturas realizadas com lâminas de PVC, e outros materiais sintéticos por exemplo, as cores e tons se dão a partir da sobreposição das diversas camadas de plástico”, diz.Estela Sokol compreende o trabalho quase como uma pintura no espaço tridimensional. Para ela, “a ideia é articular os diferentes tons, texturas e densidades dos materiais”. Assim como em outros trabalhos expostos no terceiro andar, a artista transforma o uso dos materiais para aproximar o raciocínio pictórico de esculturas e objetos.

 

 

Nova série de pinturas

 

Uma nova série destas pinturas também poderá ser vista no terceiro andar da galeria. Serão 13 telas produzidas sem a utilização de tinta, em um processo que a artista vem desenvolvendo desde 2010. “Estico e sobreponho lâminas de PVC coloridas e translúcidas, entre outros materiais sintéticos, sobre chassis de madeira, criando diversos matizes que mudam conforme a incidência da luz e deslocamento do espectador”, ressalta. Ela acrescenta que “as pinturas de PVC sobre chassi propõem um diálogo entre a paleta industrial e a tradição pictórica”.Junto com essas pinturas estarão dez esculturas em pequeno formato, feitas em materiais como encáustica, mármore, parafina, tecido, espuma e madeira, que apresentam a ideia pitoresca das naturezas mortas no espaço tridimensional.

 

 

Sobre a artista

 

Estela Sokol nasceu em 1979, em São Paulo, cidade onde vive e trabalha. Realizou diversas exposições individuais, como “Gelatina”, na Anita Schwartz Galeria, em 2014; “Se o deserto fosse laranja a coisa seria cor de rosa”, no Museu da Taipa, em Macau, na China, 2012; “Secret Forest”, na Gallery 32, em Londres, Inglaterra, em 2011; “LichtKonkret”, na GalerieWuensch, em Linz, na Áustria, em 2011; “A morte das Ofélias”, na Anita SchwartzGaleria, no Rio de Janeiro, em 2011; “Dawn for Interiours”, na Bisagra Arte Contemporáneo, em Buenos Aires, Argentina, em 2010. “Clarabóia”, no Paço das Artes, em São Paulo, em 2010; “Sol de Inverno”, no Palácio das Artes, Fundação Clóvis Salgado, em Belo Horizonte, em 2008; “Meio dia e meia”, no Centro Universitário Maria Antonia, em São Paulo, em 2006, entre outras.Também participou de diversas mostras coletivas no Brasil e no exterior das quais destacam-se: “Intervenções Urbanas Bradesco ArtRio”, no Museu da República e “Bienal Tridimensional Internacional”, no Museu Histórico Nacional, ambas no Rio de Janeiro, em 2015; “PrometheusFecit”, no Museu Nacional Soares dos Reis, em Porto, Portugal, em 2014; “Whatcanweexpectfrom color?”, na BYCR Gallery, em Milão, na Itália, em 2013; “Norman Dilworth, AlistairMcclymontand Estela Sokol”, na StrandGallery, emVeneza, na Itália; “Arte Contemporânea no Universo Bordallo”, na Fundação CalousteGulbenkian, em Lisboa, Portugal; “Considerações sobre o plano”, no Museu de Arte Contemporânea, em São Paulo, ambas em 2013; “III Bienal delFindel Mundo”, em Ushuaia, na Patagônia, Argentina, em 2011; “16º Bienal de Cerveira”, em Cerveira, Portugal, em 2011; “Mapas Invisíveis”, na Caixa Cultural São Paulo, em 2011; “Light ArtBienalle”, em Linz, na Áustria, em 2010; “Graphias”, no Memorial da América Latina, em São Paulo, em 2009; “Nova Arte Nova”, no Centro Cultural Banco do Brasil, em São Paulo, em 2009, e Rio de Janeiro, em 2008, entre outras.Ganhou prêmios como “Mostras de artistas no exterior”, dentro do “Programa Brasil Arte Contemporânea”, da Fundação Bienal de São Paulo, em 2010; “Temporada de projetos Paço das Artes, em São Paulo, em 2009; “Edital Revelação MACC”, em São Paulo, em 2004; “Projéteis FUNARTE de ArteContemporânea”, no Rio de Janeiro, em 2005; e “34°Salão de Arte Contemporânea LuizSacilotto”, em São Paulo, em 2006.

 

 

Sobre o silêncio das coisas

por Felipe Scovino

 

Ao tomar contato com o trabalho de Estela Sokol o que mais me salta aos olhos é a sua capacidade de reter uma potência expressiva de suavidade, delicadeza e silêncio. Transitando pelo universo de Agnes Martin, Morandi, Robert Ryman, Rothko, Volpi, dentre tantos outros artistas e poéticas que criam um universo expansivo de ideias e sentimentos anti-espetaculares a partir de uma economia de gestos, a obra de Estela revela uma transparência do corpo aparentemente sólido da pintura e da escultura. Suas pinturinhas – que carinhosamente ela as nomeia assim, no diminutivo, porém aumentando para mim essa característica da delicadeza – revelam um caráter artesanal na sua manufatura. Sendo ora envelopadas por lâminas de PVC e/ou PV, e em outros momentos tendo esses mesmos materiais recortados e seus feixes distribuídos – colocados de forma justaposta ou sobrepostos – pelo chassi, as pinturas revelam duas circunstâncias importantes e que se confundem em certa medida: a primeira é uma instância do que poderíamos chamar de superfície vibrátil ou em expansão, isto é, a partir da escolha do material e da disposição geométrica realizada, a cor tende a impulsionar o plano em direção ao espaço. Numa ilusão óptica, vários planos são construídos de forma a colocar as nossas certezas sobre o que está diante de nós em dúvida. A translucidez é que condiciona esse aspecto. A pintura ganha uma dimensão infinita, deslocando-se constantemente em direção ao espaço. O segundo ponto é a forma como opera as diferentes tonalidades de uma mesma cor. Seus monocromos se diferem daquilo que acostumamos a defini-los, porque eles não prezam pela unicidade da cor mas justamente pelo caráter de gerar uma quantidade considerável de diferenças cromáticas. A sutileza dessas diferenças; a cor em constante mutação; o instante em que a cor, através da operação meticulosa de escolha e dispersão das lâminas de PVC sobre o chassi, se propaga em luz ganhando uma dimensão corpórea; a escolha do material que permite perceber que a pintura explora características íntimas da escultura como densidade, volume e verticalidade (vide certos objetos ou linhas contidos nas pinturas que indicam essa imagem) além de texturas;e, o caráter poroso dessas formas compõem uma rede repleta de símbolos e afetos para as pinturas de Estela.

 

Como escrevi, a sua pintura se faz valer de atributos escultóricos, mas essa regra também se faz na outra direção. Suas esculturas tornam aparentes uma geometria torta que tende à falência. Elas são desorganizadas, inseguras, estão prestes a tombar, mas, e justamente por isso, são humanas. Essas qualidades estão em todos os artistas citados no início do texto, mas também em Torres-Garcia, nas organizações iniciais e ligeiramente construtivas de Iberê Camargo – que deixo claro nunca se filiou a essa tendência – e em muitos outros pintores que colocaram a geometria como uma instância do sensível ligada à imagem de perda ou desestabilidade. O tamanho, na maioria das vezes, diminuto desses trabalhos não só revela a delicadeza mas o compromisso de intimidade entre obra e espectador. Confundem-se com os objetos do cotidiano, sem perder a aura de obra de arte, porque também são coisas do mundo: podem ser facilmente deslocadas, colocadas na palma da mão. São esculturas que nos avisam sobre as dualidades do mundo sem que avancemos para o confronto, como geralmente o mundo lida ao reconhecer o outro como diferente. Afirmo isso a respeito do trabalho de Estela porque invariavelmente a escolha dos materiais reflete esse caráter antagônico entre eles. Temos um material leve convivendo com um pesado, um opaco com um translúcido, um flexível com um rígido, um mole com um que dificilmente exerce uma flexibilidade. Esse exercício de reconhecimento e convívio em suas esculturas não é pouca coisa e cria um diálogo frutífero e condensado sobre uma utopia ou desejo de mundo.

 

Em White Heat, temos a pintura que finalmente tomba e adere ao mundo ou a escultura que desaba sobre o chão e passa a ser horizontalizada. Mudamos, enquanto espectador, a nossa perspectiva. Passamos a olhar para baixo, vislumbrar e identificar os pormenores ou detalhes que habitam o espaço embaixo do nosso pescoço. Ocupando grande parte do térreo da galeria, a instalação também é uma metáfora sobre o tempo. Como assinala a artista, à medida que a exposição avança, alguns dos materiais – especialmente a espuma – estarão expostos à luz e mudarão de cor. O amarelecimento do material provocará um novo e intermitente desenho no espaço. Essa instância fenomenológica de percebermos a obra como corpo motivada não por aspectos morfológicos mas filosóficos já possui uma certa tradição na arte brasileira (faço lembrar um exemplo icônico que são as esculturas de Amilcar de Castro e as marcas de tempo que se tornam presentes via a oxidação de suas peças e que fazem parte do seu campo conceitual de trabalho), e Estela inteligentemente a resgata e a requalifica. Trazendo características da pintura e da escultura, embaralhando-as e, para além dissoparecer apenas uma proposta ligada aos cânones da modernidade, ela avança e propõe a obra como um corpo, vivo, orgânico e dinâmico. A obra é dessacralizada, torna-se mundana e, traz, assim como as esculturas em formato menor, o convívio com o antagonismo, a diferença. Estão lá, lado a lado, a espuma mole e o mármore, a parafina e o tecido. O silêncio que paira sobre a sala nos possibilita identificar, compreender e estabelecer o convívio harmônico que é celebrado entre estas supostas diferenças e a passagem do tempo como o índice de corpo e diálogo, metafórico, claro, com a vida.

 

 

 

De 27 de julho a 27 de agosto.