CCBB de Brasília exibe mais de 40 artistas.

12/mai

A partir dos anos 1930, mais precisamente após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), países econômica e socialmente vulneráveis passaram a ser denominados “subdesenvolvidos”. No Brasil, artistas reagiram ao conceito, comentando, posicionando-se e até combatendo o termo. Parte do que eles produziram nessa época está presente na mostra Arte Subdesenvolvida, que tem curadoria de Moacir dos Anjos e da Tuîa Arte Produção. A mostra fica em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil Brasília (CCBB Brasília) de 20 de maio a 03 de agosto.

O conceito de subdesenvolvimento foi corrente por cinco décadas até ser substituído por outras expressões, dentre elas, países emergentes ou em desenvolvimento. “Por isso o recorte da exposição é de 1930 ao início dos anos 1980, quando houve a transição de nomenclatura, no debate público sobre o tema, como se fosse algo natural passar do estado do subdesenvolvimento para a condição de desenvolvido”, reflete o curador Moacir dos Anjos. “Em algum momento, perdeu-se a consciência de que ainda vivemos numa condição subdesenvolvida”, complementa. A mostra, com patrocínio do Banco do Brasil e BB Asset, por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura, apresenta pinturas, livros, discos, esculturas, cartazes de cinema e teatro, áudios, vídeos, além de um enorme conjunto de documentos. São peças de coleções particulares, dentre elas, dois trabalhos de Candido Portinari e duas obras de Anna Maria Maiolino. Há também obras de Paulo Bruscky e Daniel Santiago cedidas pelo Museu de Arte do Rio – MAR.

Na mostra “Arte Subdesenvolvida”, o público pode ver peças de grande importância para a cultura nacional. Duas obras de Candido Portinari, Enterro (1940) e Menina Ajoelhada (1945), fazem parte do acervo da exposição. Muitas pinturas do artista figuram o desespero, a morte ou a fuga de um território marcado pela falta de quase tudo. Outra obra que também se destaca na mostra é Monumento à Fome, produzida pela vencedora da Bienal de Veneza, a ítalo-brasileira Anna Maria Maiolino. Ela é composta por dois sacos cheios com arroz e feijão, alimentos típicos de qualquer região do Brasil, envoltos por um laço preto. Esse laço é símbolo do luto, como aponta a artista. O público também terá acesso a uma série de fotografias da artista intitulada Aos Poucos.

Outro ponto alto da mostra é a obra Sonhos de Refrigerador – Aleluia Século 2000, de Randolpho Lamonier. “A materialização dos sonhos tem diversas formas de representação, que inclui um grande volume de obras têxteis, desenhos e anotações feitos pelas próprias pessoas entrevistadas, objetos da cultura vernacular e elementos que remetem à linguagem publicitária”, ressalta o artista. “Entre os elementos que compõem a obra, posso listar, além dos têxteis, neons de LED, letreiros digitais, infláveis, banners e faixas manuscritas, até conteúdos sonoros com relatos detalhados de alguns sonhos”, completa Lamonier. Assim como em São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Janeiro, lúdica e viva, a instalação multimídia realizará um inventário de sonhos de consumo, que inclui desde áudios e manuscritos das próprias pessoas entrevistadas a objetos e peças têxteis. A instalação ocupa o Pavilhão de Vidro do CCBB Brasília e, como explica o curador Moacir dos Anjos,”faz uma reflexão, a partir de hoje, sobre questões colocadas pelos artistas de outras décadas”.

Ao todo, mais de 40 artistas e outras personalidades brasileiras terão obras expostas na mostra, entre eles: Abdias Nascimento, Abelardo da Hora, Anna Bella Geiger, Anna Maria Maiolino, Artur Barrio, Candido Portinari, Carlos Lyra, Carlos Vergara, Carolina Maria de Jesus, Cildo Meireles, Daniel Santiago, Dyonélio Machado, Eduardo Coutinho, Ferreira Gullar, Graciliano Ramos, Henfil, João Cabral de Melo Neto, Jorge Amado, José Corbiniano Lins, Josué de Castro, Letícia Parente, Lula Cardoso Ayres, Lygia Clark, Paulo Bruscky, Rachel de Queiroz, Rachel Trindade, Solano Trindade, Regina Vater, Rogério Duarte, Rubens Gerchman, Unhandeijara Lisboa, Wellington Virgolino e Wilton Souza.

A imensa energia plástica de Jorge Guinle.

25/mar

Durante sua estadia em Nova York, entre 1985 e 1986, Jorge Guinle produziu 14 pinturas de grande formato, e boa parte delas nunca foi exibida. A Simões de Assis São Paulo, SP, reúne a partir de 27 de março e exibe até 10 de maio, pela primeira vez em “Infinito”, 10 desses trabalhos antes desconhecidos, lançando novas perspectivas sobre a trajetória de Jorge Guinle. O conjunto revela um momento de inflexão em sua poética, quando abstrações de forte natureza gestual se projetam nas telas de maneira vibrante, ao lado de trabalhos mais marcados por amplos campos de cor. Jorge Guinle definia suas obras como representação de uma “iconografia abstrata”, na qual a história da arte é mais um universo visual a ser explorado em seus valores e oposições.

“A emoção que sinto quando a tela está pronta é muito forte. É uma emoção incrível e que nunca confessei. Uma emoção total, de harmonia com o mundo, de felicidade. Uma emoção fortíssima de volta ao passado e a todas as memórias passadas. Uma sensação de comicidade das coisas da vida como num momento Zen, onde você vê todo o absurdo mas o acha engraçado. Uma segurança total perante o mundo, uma felicidade, uma calma, uma sensação de paz. Quando levo uma tela de um lugar para outro, seguro-a com especial carinho, sentindo sua rugosidade, seu chassis. Em vez de fazer uma meditação eu pinto. É assim que encontro o meu sartório: a total paz com relação ao mundo onde os contrários se unem.” – Jorge Guinle.

Jorge Guinle: o vaivém da pintura

Jorge Guinle Filho viabilizou sua efetiva inscrição no nosso tecido cultural nos anos oitenta. Foi um artista além do seu tempo. Seu percurso artístico de maior representatividade ganhou estatura e maior solidez entre 1980 e 1987, um curto período devido ao seu precoce falecimento aos quarenta anos de idade, mas de grande intensidade e uma produção acelerada pelo seu ímpeto contemporâneo. O artista nasceu e faleceu em Nova York, morou muitos anos no exterior, mas o Rio de Janeiro foi a cidade que escolheu para viver e produzir toda a sua obra. Conhecia os impasses da arte e acompanhava os movimentos que surgiam em Paris, Nova York, no Brasil e no mundo, mas estava em busca de seu próprio direcionamento. A sua trajetória é uma tradução de uma vontade da pintura, do fazer descompromissado, do gosto pelo improviso e pelo livre fluir da pintura, tão presente em suas obras. Segundo sua afirmativa, “chegar a uma harmonia através dos paradoxos, é o que me anima”. Foi um artista essencial para a representação pictórica brasileira. O exercício da pintura pavimentou grande parte do seu território cotidiano e sua caligrafia visual do mundo. Exercia uma fidelidade absoluta à pintura, utilizando inclusive os métodos tradicionais do fazer artístico por excelência, como a tinta à óleo sobre tela ou suporte neutro do papel. Fez parte de uma geração que buscava a revitalização e a persistência da pintura, apesar da predominância da arte conceitual, da pop art e do minimalismo. Sua produção dos anos oitenta permanece ainda hoje como a principal referência para o circuito de arte como uma significativa presença estética. Soube particularizar, em seu trabalho, a ebulição de estilos cultos, ou seja, dos movimentos artísticos modernos e contemporâneos que tornaram a História presente. No seu entender, “para voltar à pintura, é necessário fazer a pintura dar voltas”. A obra de Jorge Guinle traz a característica de um pluralismo na sua linguagem pictórica. Apresenta as diferenciadas vertentes das tendências predominantes na arte que ele denominava como “os deuses modernos, os artistas formam o seu back ground artístico afetivo”, que impregnavam a lógica e a dinâmica da sua produção artística. Sem ter um programa estético determinado, mas afirmando que “no caso da pintura, o olhar humano tem que deslizar pela tela inteira sem ficar preso a esse ou aquele detalhe. Sou uma pessoa que sofreu a carga de toda a tradição moderna, inclusive do movimento Fauve”. Onde situar os trabalhos de Jorge Guinle? Suas obras são inseparáveis de toda a história da arte, tornando cada vez mais problemáticas as relações entre as diferentes vertentes da arte. Como se fosse uma pintura-ação, o artista rompia a distinção entre arte e vida. Suas telas arrastam consigo as suas sucessivas formas de atividades, os fragmentos de suas vivências.  Inicialmente as suas obras tinham referências figurativas, mas nos anos oitenta transitam entre o figurativismo e o abstracionismo. Sua produção artística passa a adquirir outras linhagens históricas que velozmente se entrelaçam, como o expressionismo alemão, italiano e a pintura americana. Cria sobreposições através do desdobramento da complexa dinâmica do seu processo de trabalho, onde não parece ter hierarquias ou pausas, mas mantém um fluxo frenético, um sem fim indeterminado. São poucos e raros os espaços vazios. A questão das cores habita intensamente o seu universo de conhecimento. A pintura era um território preciso, composto de um repertório complexo e referenciado no tecido histórico da arte. No final de 1986, contraiu pneumonia e recebeu resultados inconclusivos após teste de HIV. Aconselhado pelos médicos a repetir os exames mais detalhados nos Estados Unidos, em abril de 1987, embarcou para Nova York e iniciou o tratamento contra Aids. No dia 9 de maio foi internado no Memorial Hospital e faleceu no dia 18 de maio de 1987. As suas últimas obras foram exibidas na Grande Galeria do Centro Cultural Candido Mendes na Praça XV, em dezembro de 1987. Também em maio de 1988, na Galeria de Arte São Paulo e, em julho de 1989, na Galeria Anna Maria Niemeyer, o artista foi homenageado com a apresentação de suas prováveis últimas telas pintadas antes de partir para Nova York, onde veio a falecer.  Essa série final de seus trabalhos foi intitulada L’Heure Bleue / A Hora Azul fazendo referência ao perfume em voga nos anos trinta. Nessas telas, o processo pictórico parece se tornar mais rarefeito, relutando em aparecer, pelo uso excessivo de diluentes na parte dos pigmentos. Os campos visuais se compunham mais serenos e mais suaves. O artista Fabio Miguez comentou a respeito dessas obras: “Talvez as mais belas, onde o esvaziamento da pintura, de certa forma, coincide com o esvaziamento da vida”. Jorge Guinle foi um singular interlocutor das novas gerações e das precedentes, marcando a história da arte brasileira. Atuava em um território amplo, heterogêneo. Convivia com novos repertórios, outras possibilidades. Passou o tempo todo indagando sobre os dilemas da pintura que era um elemento constante, um objeto de desejo, manteve a consciência da natureza expansiva de sua produção artística, que realizou com meios diferenciados e atingiu uma extraordinária amplitude. Produziu uma pintura que lhe é própria e inevitável, com uma linguagem fluida, uma gama de cores que flutuam no espaço e produzem efeitos visuais de uma plasticidade inesperada. Suas pinceladas aleatórias ou intencionais, refletem um sistema pictórico que conduz a um complexo repertório da historiografia da arte. No período do inverno novaiorquino, em 1985-1986, decidiu passar uma temporada com a mãe, quando realizou 14 telas de grandes dimensões no Kaufman’s Studio, no Queens, pois estava preparando uma exposição que nunca foi realizada. A primeira visão pública desse conjunto extraordinário de oito telas inéditas recém descobertas pela galeria Simões de Assis nos Estados Unidos, fazem parte das obras finais do artista e ancoram novos ângulos de reflexão sobre seu legado, seus desdobramentos, continuidades ou rupturas. Essas obras estavam sem bússola, jamais tinham sido encontradas. Eu estive pessoalmente no estúdio de Nova York à procura delas e não encontrei nenhum rastro. A Simões de Assis foi a responsável por trazer à luz essas surpreendentes telas, mas sua relação com a obra de Jorge Guinle vem de longa data, desde sua inauguração em 3 de julho de 1984, em Curitiba, onde o artista esteve presente e apresentou duas pinturas intituladas O Minotauro e Interior Atávico, acompanhado de um texto crítico de Ronaldo Brito. A mostra inaugural foi uma coletiva transgeracional da qual participaram os artistas Alfredo Volpi, Tomie Ohtake, Arcangelo Ianelli, Ivald Granato, Hércules Barsotti, Rubens Gerchman, entre outros. O fazer pictórico é uma tarefa infinita. Incessante, interminável, mas parecem realizadas para as sensações do presente. Suas cifras secretas estão presentes nas complexas interrogações no sistema plástico, evidenciam outros territórios e descortinam novas reflexões nas férteis vertentes da arte. Pintar implica localizar, no âmbito da produção pictórica, questões produtivas capazes de revelar um pensamento sobre a própria pintura. A cor para Jorge Guinle tinha um lugar polissêmico, uma linguagem com aparente arbitrariedade, usada com intensidade e liberdade incomparáveis, como se fosse uma tinta fresca. Essas pinturas irradiam a sua contínua e intensa vontade de pintar. Comprovam o vaivém do exercício da pintura, com as massas de óleo e um repertório cromático dissonante, que nos contamina pela sua densidade corpórea, seus elementos pulsantes que instauram uma visão de mundo.  Mantém a sua identidade e distendem a sua permanente indagação sobre a pintura, que realizou com meios diferenciados para obter uma massa avassaladora, como um processo e um fim inevitável. As cores saturadas, descontínuas, vertiginosas, aliadas a uma pulsação visual intensa, ao nervosismo de seus gestos, são as marcas de sua linguagem. Um turbilhão de cores, tintas escorridas e pinceladas vigorosas, vibrantes para todos os lados. As telas exalam uma inteligência pictórica e uma erudição visual que propagam a sua imensa energia plástica. Apesar de serem datadas em 1986, parecem viver no momento presente, mantendo intacto o seu frescor. Suas obras emanam algo duradouro, suscitam uma conversa infinita conosco.

Vanda Klabin

Um olhar afetivo para a arte brasileira.

10/dez

A Galeria FLEXA, Leblon, Rio de Janeiro, RJ, recebe a exposição “Um olhar afetivo para a arte brasileira: Luiz Buarque de Hollanda”, com curadoria de Felipe Scovino e expografia de Daniela Thomas. A exposição examina a figura de Luiz Buarque de Hollanda (1939-1999), advogado e colecionador que criou, com o sócio Paulo Bittencourt (1944-1996), a Galeria Luiz Buarque de Hollanda & Paulo Bittencourt, cuja atuação se deu entre 1973 e 1978, no Rio de Janeiro.  Em exibição até 15 de março de 2025.

Sobre Luiz Buarque de Hollanda

Ao longo de mais de tres décadas, Luiz Buarque de Hollanda foi um dos nomes centrais do colecionismo no Brasil, além de pioneiro na colaboração com projetos de artistas que se tornariam seminais para a história da arte brasileira. Entre eles, destacam-se nomes como Carlos Vergara, Carlos Zilio, Cildo Meireles, Debret, Glauco Rodrigues, Iberê Camargo, Iole de Freitas, J. Carlos, Mira Schendel, Rubens Gerchman, Sergio Camargo, Thereza Simões e Waltercio Caldas. A programação reunia diferentes gerações, fazendo coabitar em seu espaço vanguarda e tradição.

Reunindo cerca de 150 obras de artistas presentes na coleção e nas exposições promovidas, a mostra se divide em 4 núcleos de interesse do colecionador-galerista. São eles: Paisagem: do encantamento à hostilidade, Aproximações improváveis: o retrato entre o social e o libidinoso, Corpo partido e Linguagens construtivas e desdobramentos disruptivos. De acordo com Felipe Scovino, “a presente exposição investe, tanto curatorial quanto expograficamente, em como Luiz adquiria, organizava e mostrava a sua coleção. Ele se cercava daquilo que lhe dava prazer e conscientemente construía um modo muito singular de olhar para a arte brasileira. A galeria da qual foi sócio nos anos 1970 foi inovadora ao responder pela interdisciplinaridade de gerações, mas, acima de tudo, na constituição de um ambiente acolhedor e próximo aos artistas. Sua imagem e memória estão ligadas ao campo do afeto e da inteligência.”.

A amizade de Luiz Buarque de Holanda com os artistas e sua paixão pela arte podem ser exemplificadas na generosidade em produzir edição de obras especiais, como um livro de Mira Schendel – que hoje integra a coleção do MoMA em Nova York – e o disco Sal sem carne, de Cildo Meireles, ambos nos anos 1970. Luiz teve participação direta na edição dos exemplares do Livro-obra de Lygia Clark, em 1984, e na pesquisa, junto com Noêmia Buarque de Hollanda, para exposição e catálogo da retrospectiva da mesma artista, que começou em 1997 na Fundación Tàpies (Barcelona) e circulou por 5 países. A exposição na Flexa conta ainda com farta documentação: impressos, cartazes, convites, críticas e notícias sobre as exposições. O material nos recorda como a galeria foi um local de convívio e reflexão, que reuniu artistas, colaboradores e público interessado em debater o cenário das artes.

A diretora de cinema e teatro Daniela Thomas, que assina a expografia da mostra, escreve: “O espaço que antes me pareceu imenso, da galeria de três andares, revelou-se exíguo quando me deparei pela primeira vez com a lista de obras da coleção de Luiz Buarque, selecionada por Felipe Scovino.  Logo me dei conta, por outro lado, que esta é a questão central para o colecionador: nunca há espaço suficiente para expor os itens da sua coleção, e mesmo assim ele tenta, quando decide que tudo é superfície: as paredes da escada que leva aos andares superiores da sua casa, por exemplo. Do chão ao teto, tudo está sempre em jogo”.

Celebrando quatro décadas

08/jul

A galeria Simões de Assis completou 40 anos! Uma história iniciada em Curitiba, em 03 de julho de 1984, por Waldir Simões de Assis Filho. Desde a sua abertura, artistas como Volpi, Tomie Ohtake, Barsotti, Ianelli, Juarez Machado, Rubens Gerchman, Manabu Mabe, Jorge Guinle, Cícero Dias, entre outros, estiveram presentes em mostras na galeria.

Ao longo dos anos o time de artistas foi expandindo com importantes nomes como: Abraham Palatnik, Antônio Dias, Gonçalo Ivo, Ascânio MMM, José Bechara, Elizabeth Jobim, Angelo Venosa entre outros.

A Simões de Assis dirige o seu olhar para a arte moderna e contemporânea, especialmente, para a produção latino-americana, trazendo expoentes da arte cinética e concreta internacional como Cruz-Diez, Sotto e Antonio Asis.

A Simões de Assis, administrada pelas duas gerações da família desde 2011, propõe uma revisão constante da produção artística do passado a partir de reflexões da arte contemporânea, e promove o diálogo transgeracional entre os artistas.

A galeria se especializou na preservação e difusão do espólio de importantes artistas como Carmelo Arden Quin, Cícero Dias, Emanoel Araujo, Ione Saldanha, Miguel Bakun e Niobe Xandó, contando com a parceria de famílias e fundações responsáveis.

Alquimia Abstrata no Centro Cultural Correios

03/mai

Imagens emergem da alquimia das cores, do contraste entre claro e escuro que serve de base para pinceladas e espatuladas através dos movimentos síncronos e assíncronos na superfície da tela. Assim a curadora e artista Renata Costa define os trabalhos de Andréa Noronha, Cosme Martins, Deborah Netto e Miguel Nader que se juntam a ela expondo na coletiva “Alquimia Abstrata”, inaugurada no dia 1º de maio, no Centro Cultural Correios RJ, no Centro. A mostra reúne, até meados de junho, 25 obras que expressam o processo produtivo e criativo de cada um dos artistas, conectando-se através do tempo pela gestualidade e formando superfícies pictóricas cheias e vazias, resultando em uma mistura de pigmentos que formam cores e tons. Na abertura houve um show com o artista Duda Anízio. A mostra estará em cartaz até 15 de Junho.

O conjunto expositivo ressalta as diversas possibilidades de expressar a arte através da (re) utilização de materiais: Cosme Martins, por exemplo, parte do aproveitamento de tecidos e papelões que seriam descartados. Já Deborah Netto emprega a técnica de encáustica, enquanto Miguel Nader aposta em misturas fluidas e geométricas. André Noronha e Renata Costa exploram os efeitos de luz e formas.

“A magia alquímica do processo criativo de cada um desses artistas, leva o interlocutor a uma viagem pela sua imaginação fluida e pessoal. A imensidão de possibilidades estimula novas formas de registrar o seu imaginário, apresentando volumes que saltam ao olhar do espectador”, diz Renata Costa, curadora e artista.

Sobre os artistas

Andréa Noronha

A trajetória da artista visual Andréa Noronha, nascida em Belém (PA) é delineada por sua participação na cena artística da região norte do país, bem como no cenário nacional e internacional. Recentemente a artista tem se dedicado a pesquisas de novas técnicas com tintas e texturas diversificadas no seu próprio ateliê. Seu enfoque contemporâneo a trouxe do figurativo para o abstrato, estilo que a deixa mais livre para utilizar a fluidez de cores vibrantes e dourados solares em suas obras.

Cosme Martins

Cosme Martins, artista visual autodidata, nasceu na cidade de São Bento (MA). Na década de 1980, mudou-se para o Rio de Janeiro com o objetivo de expandir o reconhecimento do seu trabalho artístico, obtendo orientação de grandes nomes da pintura como Rubens Gerchman, Luiz Aquila, Aluísio Carvão, Kate Van Scherpenberg e José Maria Dias da Cruz, dentre outros. A evolução do artista o levou a obter prêmios e participações em salões importantes, como MNBA-RJ e MAM-SP. Na fase atual observa-se a presença de texturas, e reaproveitamento de materiais que seriam descartados como restos de tecidos e papelão. A variedade de cores presentes em sua obra é movida pela sensibilidade do artista que diz não conseguir chegar a um limite até que sua agonia seja substituída pela sensação de prazer ao terminar suas telas.

Deborah Netto

Deborah Netto é artista visual nascida no Rio de Janeiro, bacharel em Pintura pela EBA- UFRJ. O trabalho da artista passou por diversas fases até chegar na pintura com encáustica, técnica que apesar de pouco difundida, é uma das mais remotas do mundo, mesclando diversos materiais e suportes. Em várias de suas obras, é possível observar linhas de arabescos que surgem das manchas de cores, padrões  florais e abstratos, cuja interpretação varia de acordo com o observador. O foco inicial é claro em ritmos abstratos da cor que remete a uma natureza interior, dialogando com o imaginário do observador.

Miguel Nader

Miguel Nader nasceu em São Paulo, formou-se em Odontologia no Rio de Janeiro. Em 1998, começou a frequentar o Atelier-escola na Urca e posteriormente, a EAV do Parque Lage, onde estudou Pintura e História da Arte. Em 2022, passou a se dedicar exclusivamente à arte, sendo movido a criar suas composições abstratas inicialmente inspiradas em fotos de paisagens cósmicas, tendo foco na existência de “fluxos”, que se mesclam entre si, gerando imagens interligadas fluídas, coloridas e de contornos orgânicos. Observa-se em sua produção atual, três tipos de abstrações, realizadas alternadamente, composições abstratas fluídas, as mistas ou puramente geométricas onde as formas orgânicas estão ausentes.

Renata Costa

Renata Costa é curadora, artista visual e arquiteta, nascida no Rio de Janeiro. Na FAU-UFRJ, estudou História da Arte e da Arquitetura. A artista adotou o abstracionismo e as técnicas acrílica/óleo como forma de externar sua criatividade. Sua poética baseia-se na liberdade de pensamento, contrastando cores fortes, texturas e espatuladas que representam elementos espaciais, da natureza e formas orgânicas e imperfeitas. Participou de diversas exposições coletivas no Brasil e no exterior, tendo em 2023 realizado sua primeira exposição individual. Recebeu reconhecimento por Mérito Artístico na Luxembourg Art Prize e realizou curadoria e produção de exposições individuais e coletivas  no CCC-RJ e recentemente no Espaço Alienista.

Um certo espírito POP

27/mar

 

A Fundação Vera Chaves Barcellos destaca caracteristicas da Pop Art em nova exposição intitulada “Sem Metáfora”, mostra coletiva na Sala dos Pomares, em Viamão, RS, na mesma ocasião, haverá o lançamento do material educativo e do catálogo da mostra, que ficará  em cartaz até o dia 10 de agosto.

Essa mostra coletiva destaca produções com caracteristicas da Pop Art, englobando cerca de 70 obras de 42 artistas nacionais e internacionais. A seleção abrange diversas linguagens, como videoarte, fotografia, colagem, assemblage, serigrafia, pintura, desenho, escultura, objeto, gravura, livro de artista, instalação e arte postal, entre outras.

Romanita Disconzi (1940) será homenageada na mostra com um dos espaços do mezanino da sala, por ser uma artista essencialmente pop na concepção de suas obras como pinturas, gravuras, desenhos e objetos.

Nas palavras de Vera Chaves Barcellos (1938), organizadora da exposição: “Partindo da ideia de “um certo espírito pop”, Sem Metáfora evoluiu para a escolha de uma série de obras que são uma derivação das diversas caracteristicas do movimento da Pop Art em seu momento primeiro. Esta, que a nosso ver marca em grande número a produção das gerações futuras de artistas, tem como uma das principais caracteristicas a ausência de metáfora, utilizando-se de uma representação direta do mundo concreto do tempo em que se vive. Os inúmeros e variados aspectos abordados pelos artistas desta mostra se caracterizam por uma forma de linguagem denotativa, pela predominância da objetividade e, consequentemente, de imediata apreensão por parte do espectador.”.

Além das obras do Acervo Artístico da Fundação Vera Chaves Barcellos, Sem Metáfora conta com obras de coleções particulares do Instituto Dalacorte, Renato Rosa e Romanita Disconzi.

Para facilitar o deslocamento até a Sala dos Pomares (Rodovia Tapir Rocha, 8480 – parada 54, em Viamão), serão oferecidos dois horários de transporte gratuito de ida e volta (POA – Viamão – POA), por ocasião da abertura, no dia 13 de abril, com saída ás 10h30 e ás 14h, em frente ao Theatro São Pedro, na Praça da Matriz, no Centro Histórico de Porto Alegre, mediante inscrição prévia (formulário disponível no site fvcb.com.br)

 

Artistas participantes

 

Ana Miguel, Anna Bella Geiger, Antonio Caro, Artur Lescher, Avatar Moraes, Carlos Asp, Carlos Pasquetti, Carmen Calvo, Cinthia Marcelle, Claudio Goulart, Denis Masi, E. F. Higgins III, Edgardo Vigo, Flavio Pons, Guglielmo Achille Cavellini, Hans-Peter Feldmann, Helena d’Ávila, Henrique Fuhro, Hudinilson Jr., Jesus Escobar, Joan Rabascall, Judith Lauand, Mara Alvares, Magliani, Mário Röhnelt, Mary Dritschel, Milton Kurtz, Neide S, Nelson Wilbert, Patricio Farias, Pedro Geraldo Escosteguy, Richard John, Rogério Nazari, Romanita Disconzi, Rubens Gerchman, Sandro Ka, Telmo Lanes, Téti Waldraff, Tony Camargo, Vera Chaves Barcellos, Victor Grippo, Wlademir Dias-Pino.

Duas vezes Carlos Vergara

20/fev

Ministério da Cultura, Governo do Estado do Rio Grande do Sul, Secretaria de Estado da Cultura, Museu de Arte do Rio Grande do Sul e Fundação Iberê Camargo, Porto Alegre, RS, apresentam a exposição “Carlos Vergara – Poética da exuberância”.

A parceria entre o MARGS e a Fundação Iberê Camargo, que se dá por ocasião dos 70 anos do Museu, consiste em um modelo de colaboração até então inédito entre as instituições, resultando em um projeto de formato inovador. A exposição foi pensada como uma ampla e histórica individual sobre a produção e a trajetória de Carlos Vergara (Santa Maria/RS, 1941), porém dividida em 2 partes apresentadas simultaneamente, uma na Fundação Iberê Camargo e outra no Museu. Para a sua organização, foi convidado o curador Luiz Camillo Osorio, que há muito acompanha a produção do artista, que é um dos principais nomes da arte contemporânea brasileira.

A inauguração será no dia 24 de fevereiro, em eventos gratuitos e abertos ao público nas duas instituições, com encontro e visitas guiadas pelo artista e pelo curador: primeiramente no MARGS, às 11h; e depois na Fundação Iberê Camargo, a partir das 14h, seguida por uma conversa no auditório, às 16h. “Carlos Vergara – Poética da exuberância” traz um panorama retrospectivo da carreira do artista, reunindo mais de 90 obras pertencentes a coleções do Rio de Janeiro e de Porto Alegre. Na Fundação Iberê Camargo, a seleção apresentada no segundo andar enfatiza a produção em desenho e pintura, destacando obras desde a década de 1960, algumas delas expostas pela primeira vez, como as realizadas quando Carlos Vergara era assistente de Iberê Camargo no Rio de Janeiro. Já no MARGS, a mostra ocupa duas salas do segundo andar, destacando os processos experimentais desenvolvidos pelo artista envolvendo monotipia e pintura, com a reunião de trabalhos em grande formato que integram as séries “São Miguel” e “Boca de forno”.

O projeto realizado em parceria entre o Museu e a Fundação Iberê Camargo reforça ainda vínculos. A parte da exposição de Carlos Vergara no MARGS tem lugar em duas galerias, não por acaso uma que leva o nome de Iberê Camargo, de quem foi aluno e assistente. Vinculações também se dão com relação à história das exposições do Museu. Em 2009, Carlos Vergara apresentou a mostra “Sagrado coração, Missão de São Miguel”, que até aqui figurava como sua primeira e única individual no MARGS. Na ocasião, exibiu a produção que realizou em viagem às ruínas da redução de São Miguel das Missões, em seu interesse artístico por investigar a experiência jesuítica no Rio Grande do Sul. Agora, “Carlos Vergara – Poética da exuberância” conta no MARGS com um segmento dedicado a obras desse projeto. Por todos esses sentidos, a exposição integra no Museu o programa expositivo “História do MARGS como História das Exposições”, que trabalha a memória da instituição abordando a história do museu, as obras e constituição do acervo e a trajetória e produção de artistas que nele expuseram, a partir de projetos curatoriais que revisitam, resgatam e reexaminam episódios, eventos e exposições emblemáticas do passado do MARGS, de modo a compreender sua inserção e recepção públicas. A exposição permanecerá em exibição até 05 de maio. “Carlos Vergara – Poética da exuberância” é apresentada como parte da ampla programação comemorativa iniciada em 2023, alusiva ao aniversário de 70 anos do MARGS, a ser celebrado em 27 de julho.

A palavra do curador 

Estas duas exposições de Carlos Vergara em Porto Alegre, na Fundação Iberê e no MARGS, são uma verdadeira ocupação Vergara na cidade. Além de gaúcho, ele foi assistente de Iberê, em meados dos anos 1960. Esse período foi uma escola sem igual, em que rigor poético e liberdade criativa eram transmitidos em ato. Nestes 60 anos de produção, sua poética deslocou-se incansavelmente entre linguagens, suportes e atmosferas poéticas. As duas salas aqui do MARGS concentram-se na figura do artista viajante, iniciada nos anos 1980, e na produção realizada nas Missões Jesuítas de São Miguel, na fronteira Sul do Brasil. As monotipias que começam neste período, feitas nos fornos, nos chãos e nas paredes, na natureza e na arquitetura, impregnadas de tempo e de vida, estruturam-se posteriormente no ateliê. Depois de deslocadas do contexto da impressão, via impregnação, são retrabalhadas com cor ou simplesmente com uma fixação mais rigorosa com resina. Só a partir deste complemento realizado no ateliê as obras ganham corpo e densidade. Olhar retrospectivamente para o que aconteceu nas Missões requer cuidado justamente por conta da impossível imparcialidade no tratamento do assunto. No século XVII, as diferenças culturais eram tratadas de forma opressiva e violenta. O outro inexistia no imaginário ocidental. Como poderia a arte revelar um acontecimento singular, um momento em que culturas e formas de vida entraram em uma deriva desorientadora? Como partir deste resíduo fixado nas ruínas de um mundo perdido e trazê-lo para o presente, desarmando a desconfiança diante daquilo que não sabemos exatamente o que foi? É essa experiência do sem nome, do que não sabemos como classificar, como identificar, que parece se entranhar em alguns dos lenços e dos registros pictóricos de São Miguel. A fragilidade dos lenços, sua transparência, a reminiscência dos sudários, tudo isso é memória de gestos que sobrevivem no tempo. Repetição e mistério restituem no agora o que, de outra forma, ficaria para sempre vedado no que já foi, no outrora. Ao longo de 60 anos de trajetória, Vergara transformou continuamente sua linguagem e procedimentos criativos – desenho, gravura, fotografia, pintura, monotipias, audiovisual, instalação -, tomando caminhos inesperados, assumindo riscos e recusando todo tipo de acomodação. A cada deslocamento, a obra se renova. É raro vermos um artista tão ávido pela aventura poética e pelo encantamento visual.

Luiz Camillo Osorio, curador convidado

Sobre o artista

Carlos Vergara nasceu em Santa Maria (RS), em 1941. Filho de reverendo anglicano, aos 2 anos de idade acompanhou a mudança da família para São Paulo. Desde 1954, vive e trabalha no Rio de Janeiro. Iniciou sua trajetória nos anos 1960, no Rio, tendo sido aluno e assistente de Iberê Camargo. Depois de um período explorando o viés expressionista em desenho e pintura, absorveu elementos gráficos e da cultura de massa, integrando, ao lado de nomes como Antonio Dias, Rubens Gerchman e Roberto Magalhães, a chamada Nova Objetividade, uma manifestação politizada da pop art no Brasil no contexto em que a resistência à Ditadura civil-militar era incorporada ao trabalho de jovens artistas. Nos anos 1960, participa de salões e importantes exposições e eventos de vanguarda, como “Opinião 65″ e “Nova objetividade brasileira” (1967) no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, além de “Bandeiras na praça” (1968) e Salão da Bússola (1969). Essas mostras se tornaram marcos da história da arte brasileira ao evidenciar a postura crítica dos novos artistas diante da realidade social e política da época. Nos anos 1970, passou a explorar a fotografia e o filme, com destaque para os trabalhos que realizou documentando festejos populares como o Carnaval. Em 1975, integrou o conselho editorial da revista Malasartes, importante publicação organizada por artistas e críticos de arte, com o intuito de criar debates e reflexões sobre o meio de arte no Brasil. Em 1977, participou da fundação da Associação Brasileira de Artistas Plásticos Profissionais, chegando a ser presidente da entidade, criada para reivindicar a participação dos artistas nos debates e decisões das políticas culturais nas artes visuais. Na década seguinte, retomou a pintura, pesquisando técnicas e processos experimentais e inovadores. Nos anos 1990, prosseguiu nessa orientação, aprofundando o uso de elementos da natureza e minérios como pigmentos. Também começou a fazer viagens para realizar seus trabalhos. Desde então, a pintura e a monotipia têm sido o cerne de um percurso de experimentação. Novas técnicas, materiais e pensamentos resultam em obras contemporâneas, caracterizadas pela inovação e pela expansão do campo da pintura. Em 2009, apresentou no MARGS a mostra “Sagrado coração, Missão de São Miguel”. Em 2011, apresentou o “Projeto Liberdade”, impactante trabalho sobre a implosão do Complexo Penitenciário Frei Caneca, no Rio. Fez pinturas e filmes, além de uma instalação em que usou as portas das celas do presídio. Ao longo de mais de 200 exposições, já participou da Bienal de São Paulo (1963, 1967, 1985, 1989 e 2010), Bienal de Veneza (1980) e Bienal do Mercosul (1997 e 2011), entre outras. Em 2015, apresentou “Sudários”, no Instituto Ling, que até aqui figurava como sua mais recente individual em Porto Alegre.

Sobre o curador

Luiz Camillo Osorio nasceu em 1963 no Rio de Janeiro.  Realizou Pós-doutorado na Universidade de Lisboa e Universidade Católica do Porto, 2023. Doutor em Filosofia, PUC-Rio, 1998. Trabalha na área de Estética e Filosofia da Arte. Principais focos de interesse na pesquisa: As articulações entre arte, estética e política; Autonomia e engajamento; Teorias do gênio, desinteresse e sublime; Curadoria, crítica e história da arte; As relações entre arte, museu e mercado. Paralelamente à pesquisa acadêmica atua como crítico e curador. É curador do Instituto PIPA desde 2016. Foi curador do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro entre 2009 e 2015 e curador do Pavilhão brasileiro na Bienal de Veneza de 2015. Fez várias curadorias independentes em instituições brasileiras e internacionais. Assinou coluna de crítica de arte nos Jornais O Globo (1998/2000 e 2003/2006) e Jornal do Brasil (2001) e da revista espanhola EXIT Express (2006/2007). Membro do grupo de Pesquisa cadastrado no CNPQ – Arte, Autonomia e Política – junto com os professores Pedro Duarte (Filosofia PUC-Rio) e Sergio Martins (História PUC-Rio).

Exposição Rubens Gerchman

19/jan

A Galeria Evandro Carneiro Arte, Shopping Gávea Trade Center, Rio de Janeiro, RJ, apresenta de 18 de janeiro até 08 de fevereiro, a Exposição Rubens Gerchman. Serão expostas 30 obras do artista, com destaque para as telas Splendor Solis (1971), Nova Geografia (1973) e Ônibus (1962).

Sobre o artista:

“Prefiro sempre dizer que o que faço – minha obra – é meu depoimento diário. Autobiográfico. Costumo dizer que não invento nada. As coisas aí estão. Apenas, é preciso ver, saber ver. Sou constantemente envolvido pelos acontecimentos.” – Rubens Gerchman, 1967, apud. GERCHMAN, Clara (org.), 2013, p. 23.

Rubens Gerchman (1942 – 2008) nasceu no Rio de Janeiro, filho de imigrantes judeus da Ucrânia (URSS à época). Sempre desenhou, desde a tenra infância, até em sala de aula, conforme lembra o seu amigo de escola Armando Freitas Filho  – apud. GERCHMAN, Clara (org.), 2013. Seus pais estimularam seu talento e ainda garoto, ele estudou desenho no Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro. Depois cursou a Escola de Belas Artes, onde já se destacava em exposições coletivas da casa. Daí em diante, nunca parou de criar, em 50 anos de trajetória artística e com toda a pluralidade de sua obra.

Um artista notável que já foi pensado e descrito pelos mais importantes críticos, tais como Mario Pedrosa, Frederico Morais, Wilson Coutinho, Ronaldo Brito e Paulo Sergio Duarte. Ademais, Gerchman tem a sua obra e a sua memória devidamente catalogadas pelo Instituto que leva o seu nome e é cuidadosamente dirigido pela filha Clara, que além de organizar todo o acervo, reconhecidamente dissemina a cultura pujante que envolve o artista pelo website e em publicações institucionais bem produzidas, como o livro Rubens Gerchman: o Rei do Mau Gosto (2013).

Difícil posição esta de tentar escrever sobre esse personagem carioca tão genial, frente ao cabedal de reflexões já existentes. Sugestionada pelo próprio Gerchman, na epígrafe desse texto, pensei em me ater aos fatos, mas a sua trajetória profissional é tão extensa que este folder seria todo tomado pela cronologia das inúmeras exposições que ele realizou, desde a primeira, na Galeria Vila Rica, em 1964, até muito tempo depois de seu precoce falecimento. O Instituto, os colecionadores e o mercado de arte continuam se encarregando de fazer a sua arte aparecer, girar e se mostrar como merece. Coube-me, portanto, a tarefa historiadora de ressaltar aqui algumas memórias, a fim de tentar acrescentar alguma novidade à história desse artista.

Atendo-me à cronologia, primeiramente destaco a exposição do artista na Galeria Relevo, em 1965, não por ter sido mais importante que outras, embora a Relevo tenha sido um marco no mercado de arte. Mas porque eu tinha na cabeça um simpático depoimento de Matias Marcier, coletado por mim há poucos meses, sobre quando ele trabalhava nesse lugar de memória, ainda muito jovem, e organizou a mostra do Rubens Gerchman, numa ocasião em que o Jean Boghici estava em Paris.

“Eu fiz a exposição do Gerchman porque o meu irmão (Carlos André) – que era diagramador da Manchete e também trabalhou como jornalista 13 anos no O Globo – foi colega do Gerchman na Manchete e me pediu “olha, Matias, tem um amigo meu, muito meu amigo, que trabalha lá, e queria fazer uma exposição aí na Relevo”. Eu falei para ele trazer os desenhos para eu ver. O Gerchman chegou com os desenhos, eu gostei muito, e falei com o Jean (Boghici). O Jean falou “não vou me meter nisso, vou viajar, você quer fazer, você faz”. E foi feito. Foi a primeira exposição… porque ele tinha feito uma antes, numa galeria que era um antiquário, da irmã de um  crítico de arte que havia naquela época chamado Harry Laus. Mas na Relevo, o cara expôs e saiu em tudo quanto é jornal, porque a Relevo era uma coisa, entendeu? Então, para fazer a apresentação do Gerchman, eu fui pedir ao Mário Pedrosa que não fazia mais apresentações, mas fez essa porque gostava de mim. Escreveu a apresentação do Gerchman, que é linda! O original ficou comigo. Um dia a empregada foi dar uma limpeza no meu quarto, jogou fora junto com um monte de outras coisas. Mas, existe, no catálogo da Relevo, está lá.” (Matias Marcier, entrevista oral em 5/10/23).

No livro Gerchman (Salamandra, 1989), lemos à p. 36 o artista lembrando o fato: “Devo minha exposição individual a Matias Marcier, que levou a minha pasta para Jean Boghici e depois para Mário Pedrosa. Mário foi até a minha casa, ficou encantado com as obras e escreveu um texto”. Seguindo essa trajetória da memória que resolvemos investigar, uma novidade é chamar a atenção para uma mostra realizada em dezembro de 1975, organizada por Evandro Carneiro na Bolsa de Arte. Gráfica era o título da exposição que reunia obras gráficas de todas as fases do artista até aquele ano.

“Nessa época eu alternava, na Bolsa de Arte, leilões e exposições. Fiz inúmeras exposições e o Gerchman era de uma fertilidade enorme, ele estava produzindo gravuras em São Paulo e também ia começar a fazer coisas com a Lithos aqui no Rio – que eram os grandes impressores da época, o Otávio Pereira em São Paulo e a Lithos aqui no Rio -, então eu propus fazermos essa exposição da obra gráfica dele. E ficou muito bonita, a loja era muito grande, ficou repleta de gravuras. Nesse tempo eu não fazia catálogo e fizemos um poster que dobrava, dobrava, dobrava até virar um folder. Era um folder que se abria em poster e atrás tinha um texto da exposição, mas infelizmente eu não guardei o original e não sei se lá na Bolsa os materiais foram conservados. Mas foi uma magnífica exposição porque a obra gráfica do Rubens é riquíssima!” (Evandro Carneiro, entrevista oral em 15/12/23). Garimpamos no Acervo Digital de O Globo a matéria que nos relembra toda essa história. Repassamos o documento para o Instituto Rubens Gerchman guardar e incluir na cronologia profissional do artista. As memórias vão sempre conformando a história que cresce, infinitamente. Para o artista, o evento teve a importância de democratizar suas obras e se fazer conhecer mais: “Gráfica é uma oportunidade de mostrar o conjunto da minha obra, abrangendo um grande período E tenho o maior carinho por todos os trabalhos que estão lá. A validade de todas as gravuras continua, embora algumas já estejam distantes de mim no tempo. (…) Eu sempre me interessei por gráfica. Meu pai trabalhava nisso e, quando eu entrei para a Escola de Belas Artes, foi apenas por causa do Goeldi. Então eu comprei uma prensa de 800 quilos numa gráfica que estava fechando. (…) e além de eu curtir gráfica, há também o fato de que ela torna a obra mais acessível. É bem mais democrática.” (Rubens Gerchman, 1975, matéria em O Globo de 10/12/1975, p. 33).

Nessa linha minêmica, atrevo-me a compartilhar uma lembrança pessoal. O famoso quadro O Rei do Mau Gosto, capa do livro do Instituto, por longos anos esteve agraciando as paredes da sala de estar da casa dos meus pais. Dizia o artista sobre essa obra: “A ideia é um pouco de provocação, mexer com uma certa arrogância da burguesia, incomodar mesmo. Eu fiz Caixa e Cultura – o Rei do Mau Gosto. É a primeira vez que aparecem asas de borboleta e as bananeiras com dois papagaios. Acho que todo esse clima, quando Hélio cunha o termo tropicália tem a ver com aquelas bananeiras que ele botou depois na entrada.” Rubens Gerchman, 1967, apud. GERCHMAN, Clara (org.), 2013, p. 86.

Mas foi outra obra sua que me impactou na infância, naquele mesmo apartamento: Os desaparecidos. Eu morria de medo daquela pintura porque os olhos dos retratados me acompanhavam aonde quer que eu andasse pela sala. Aquilo me assombrava! Hoje, pelos estudos que realizei sobre o artista, percebo que deve ter sido intenção do Gerchman imprimir aqueles olhares fantasmagóricos à obra, afinal disso se tratava: a denúncia contra os desaparecimentos políticos, pintada em série durante o período da ditadura militar. Uma fantasmagoria, conforme Walter Benjamin.

Frederico Morais destaca que: “(…) a importância de sua obra vai além do campo estético. Esse rio transbordante de imagens que é a sua obra tem implicações sociológicas e políticas, da mesma maneira como falam de nosso imaginário e do inconsciente brasileiro. O que pode mais desejar um artista?” – Frederico Morais, 1986, apud. GERCHMAN, Clara (org.), 2013, p. 39.

Nesse sentido, importa notar algo grandioso que Gerchman também realizou: transformou o Instituto de Belas Artes na vanguardista Escola de Artes Visuais. E fez dali um espaço de criação transdisciplinar entre as mais diversas expressões artísticas, movimentando a cena cultural da cidade nos anos de chumbo. Criou um espaço de liberdade, resistência e encontro no Rio de Janeiro nos anos 1975-1979.   

A mostra que ora apresentamos, organizada por Evandro Carneiro em sua galeria, traz uma diversidade do universo desse artista brasileiro que produzia obras tão importantes quanto plurais, tanto esteticamente quanto sociologicamente. Assim, o acervo aqui reunido tenta dar conta dessa pluralidade temática e temporal: da questão indígena, recorrente nos anos 1970 quando ele lia e relia o Brasil pela ótica do admirado antropólogo Levi Strauss, aos calorosos beijos e bancos de trás de fortuitos carros de passeio. Das malas e outros objetos a serem completados pelo espectador às multidões urbanas e ciclistas. Dos desaparecidos políticos às enormes palavras construídas em trocadilhos, brincadeiras semânticas na criação do espaço formal. Do futebol às violências cotidianas de crimes e destruição ecológica. Estão na mostra o Splendor Solis, reproduzido no catálogo de sua mostra do MAM-RJ, o primeiro Beijo escultórico que foi de seu amigo Gilles Jacquard e algumas outras preciosidades de cada década de sua trajetória.

“O que eu acho do Gerchman? Acho um artista magnífico! Sempre tivemos amizade, sempre tive obras dele. O simples fato de eu fazer uma exposição póstuma na minha galeria diz tudo: tenho o maior respeito e a maior admiração por ele”. (Evandro Carneiro, entrevista oral em 15/12/23).

Laura Olivieri Carneiro

Janeiro 2024

Um Diálogo Artístico Inovador

08/dez

 

 A NONADA ZN, encerrando sua agenda expositiva de 2023, exibe duas mostras distintas que convergem em um espaço de exploração artística único. A exposição coletiva “Caos Primordial”, sob curadoria de Carolina Carreteiro, e a individual “Nada mais disse”, de Raphael Medeiros, estarão em exibição nas três salas expositivas e no Galpão, respectivamente, no térreo da fábrica da Penha, Rio de Janeiro.

“Caos Primordial” é uma exposição coletiva que reúne mais de 40 artistas notáveis, cada um contribuindo para uma narrativa coletiva que se desdobra sob o novo paradigma estético apresentado por Félix Guattari em “Caosmose”. As cerca de 80 obras, entre pintura, escultura, instalação, fotografia e vídeo arte, são assinadas por nomes como Alexandre Canônico, Allan Pinheiro, Amorí, Ana Matheus Abbade, André Barion, Andy Villela, Anna Bella Geiger, Bruno Alves, Bruno Novelli, Camila Lacerda, Chacha Barja, Cipriano, Daniel Mello, David Zink Yi, Ernesto Neto, Fabíola Trinca, Iah Bahia, Lucas Almeida, Luisa Brandelli, Mariano Barone, Marta Supernova, Melissa de Oliveira, Miguel Afa, Nati Canto, Olav Alexander, R. Trompaz, Rafael D’Aló, Rafael Plaisant, Raphael Medeiros, Rena Machado, Richard Serra, Rubens Gerchman, Samara Paiva, Siwaju, Tatiana Dalla Bona, Thiago Rocha Pitta, Tiago Carneiro da Cunha, Túlio Costa,Tunga, Varone e Zé Bezerra que participam deste diálogo artístico sob uma curadoria perspicaz. A abstração radical emerge como uma ruptura profunda com as tradicionais concepções de arte e pensamento, baseadas no paradigma da separação. Esta mesma abstração convida-nos a explorar as dobras entre o caos e a ordem, transformando a estética em um terreno de experimentação que desafia categorias pré-estabelecidas. A curadora Carolina Carreteiro destaca que, “…sob essa perspectiva, a estética se torna uma ferramenta para experimentação e pesquisa, transcendendo os limites da compreensão convencional e criando a partir do próprio caos criativo. “Caos Primordial” é um evento multifacetado, representando uma abordagem diversificada e inovadora no cenário artístico contemporâneo”.

 

“Nada mais disse” de Raphael Medeiros

No Galpão da NONADA ZN, em exibição “Nada mais disse”, a primeira exposição individual de Raphael Medeiros. Este trabalho híbrido transcende as definições convencionais de um filme, apresentando uma instalação cinematográfica composta por pinturas, esculturas e um roteiro. Medeiros faz anotações sobre a linguagem do cinema para além da moldura do plano, convidando os espectadores a explorar a linguagem cinematográfica em sua totalidade. 

Obs: Para uma experiência ideal, recomenda-se visitar o Galpão ao anoitecer, quando a condição de luz oferece a atmosfera perfeita para apreciar a instalação em toda a sua profundidade.

 

A galeria

NONADA, um neologismo que remete ao não lugar e a não existência, também abre “Grande Sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa e a união desses conceitos representa o pensamento basilar desse projeto. Como o próprio significado de NONADA diz, ela surge com o intuito de suprir lacunas momentâneas ou permanentes acerca de um novo conceito. A galeria, inclusiva e não sectária, enquanto agente promotor de encontros e descobertas com anseio pela experimentação, ilustra possibilidades de distanciar-se de rótulos enquanto amplia diálogos. “NONADA é um híbrido que pesquisa, acolhe, expõe e dialoga. Deixa de ser nada e passa a ser essência por acreditar que o mundo precisa de arte… e arte por si só já é lugar”, definem João Paulo, Ludwig, Luiz e Paulo. A NONADA mostrou-se necessária após a constatação, por seus criadores, da imensa quantidade de trabalhos de boa qualidade de artistas estranhos aos circuitos formais e que trabalham com os temas do hoje, sem receio nem temor em abordar temas políticos, identitários, de gênero ou qualquer outro assunto que esteja na agenda do dia; que seja importante no hoje. “Queremos apresentar de forma plural novos talentos, visões e força criativa”. O processo de maturação do projeto da NONADA foi orgânico e plural pois “abrangeu desde nossa experiência como também indicações de artistas, curadores, e de buscas onde fosse possível achar o que aguardava para ser descoberto”, diz Paulo Azeco. 

 

As resinas de Dudi Maia Rosa

27/set

O Instituto Ling, Três Figueiras, Porto Alegre, RS, inaugura no dia 05 de outubro a mostra individual “Desde A Tona”, de Dudi Maia Rosa, apresentando obras inéditas do artista paulistano. Sob a curadoria de João Bandeira, a exposição apresenta 23 obras datadas de 2007 a 2023, sendo a grande maioria resinas, que são superfícies cromáticas feitas em resina de poliéster e fibra de vidro – uma marca de seu trabalho, além de algumas aquarelas, trabalhos em relevo com diferentes materiais e esculturas em latão. O Instituto Ling ainda convida para a conversa de abertura, com participação de Dudi Maia Rosa e João Bandeira, curador da mostra. O bate-papo poderá ser acompanhado presencialmente, com entrada franca, no auditório do Instituto Ling. Na ocasião, será lançado o catálogo com distribuição gratuita a todos os participantes.

A mostra fica em cartaz até 29 de dezembro.

Desde A Tona  – Dudi Maia Rosa

O trabalho de Dudi Maia Rosa tem um marco, descrito em suas declarações e comentado por vários críticos, que é quase uma fábula de origem – e sabe-se que fabulação não se opõe necessariamente a verdade. O relato diz que, a certa altura, houve uma espécie de revelação, quando ele inventou um objeto artístico basicamente feito de resina de poliéster, fibra de vidro e pigmentos, que tende ao tridimensional. Porém umbilicalmente ligado à longa tradição formal e simbólica da pintura, e no qual a distinção entre imagem e suporte se dissolveu. Com o apelido de “resina”, esses trabalhos têm sido um laboratório da produção de Dudi – embora não exclusivamente -, e seu aspecto geral passou por várias gerações, muitas vezes remetendo ao “quadro”, mas de um modo todo próprio. Feito pelo artista em um molde deitado, uma das particularidades do objeto “resina” é que o que estava no fundo do molde será a superfície, quando ele estiver pronto para ser levantado na vertical e se apresentar a nós. É como se o que vemos nessas obras se originasse do movimento de fazer algo submerso vir à tona. Quase todas as “resinas” desta exposição são trabalhos recentes ou nunca mostrados, mas relacionados a uma linhagem há tempos consolidada na produção de Dudi, que soma a expansão generosa da cor ao afloramento, afetivamente irônico, de referências vindas da história da arte. Por exemplo, a pincelada, o grafismo, a listra, o jogo positivo-negativo, a iconografia simbólica (como a cobra-ourobouros), a apropriação de imagens (lá estão duas musas do cinema, Monica Vitti e Odete Lara), e até o quadro ele mesmo e sua moldura – embebida em humor, a materialidade do objeto de arte é, e não é, a própria representação. Uma certa rusticidade se destaca nessa nova safra: no aspecto fragmentário de grandes chapas de cor, na aspereza franca de algumas superfícies, ou, ainda, no desnudamento da própria substância que dá corpo a essas obras. Rusticidade e fragmento estão igualmente no corpo (e na alma contemporânea) dos pequenos trabalhos que parecem, ao mesmo tempo, atrair e gerar formas, entre materiais no limiar do reconhecimento e coisas identificáveis que surgem na sua superfície compacta. E, desse ponto de vista, são próximos também das esculturas em exposição, já que nelas podemos vislumbrar uma ou outra forma reconhecível do mundo na iminência de aparecer integralmente (uma harpa? um gradil? um ornamento arquitetônico?), ou como se recém-saída da pura matéria (um raio? uma nota musical?). Mais uma família de obras de Dudi, algumas mostradas aqui, faz pensar em fábulas e coisas que vêm à superfície: a série das Cábulas, que ele executa mesclando técnicas industriais e artesanais deslocadas do habitual. Se o que vemos aflorar nas “resinas” pode ser cogitado como um movimento no espaço, nas Cábulas ele transcorreria mais no tempo, através da memória coletiva. Isso porque suas imagens foram processadas a partir do repertório de antigos desenhos animados, guardando traços da visualidade das fábulas de cinema. Com um DNA assim, não é à toa que essas cenas e aparições de objetos isolados flutuando sobre um fundo mais ou menos homogêneo sejam um pouco como as sobras que identificamos de um sonho. O que, por sua vez, sugere analogias desses trabalhos também com as esculturas e os pequenos relevos, onde algumas coisas se deixam ver individualmente em meio ao que não está completamente revelado ou apenas desinteressado de qualquer semelhança. Em paralelo à efetiva sedução da sua materialidade, onde a luz opera de tantas maneiras, poderíamos, então, imaginar uma corrente que sobe e desce, entre o fundo e a tona de todas as obras expostas aqui. Ou, dito de outra forma: ao olhar para aquilo que nos chama com força nesses trabalhos, consideremos também o seu “calado”, aquela parte do barco que vai da ponta da quilha submersa até a linha visível da água. Levados por Dudi, neste barco estamos.

João Bandeira – curador

Sobre o artista

Dudi Maia Rosa tem uma trajetória de mais cinco décadas de trabalho artístico, documentado em publicações e textos de importantes críticos de arte, que destacam sua utilização de técnicas e materiais diferenciados. Realizou sua primeira exposição individual no MASP, em São Paulo (1978), e participou da Bienal de São Paulo (1987 e 1994), da Bienal do Mercosul (2005 e 2015) e da Bienal de Johannesburgo (1995), entre outras mostras coletivas relevantes. Possui obras em coleções dos principais museus do Brasil, além do Stedelijk Museum (Amsterdan) e da Collection Pinault (Paris). Lírica e Tudo de Novo (Galeria Millan, 2019 e 2022) estão entre as suas exposições individuais mais recentes.

Sobre o curador

João Bandeira foi coordenador de artes visuais do Centro Maria Antonia da Universidade de São Paulo (2005 a 2016) e atualmente coordena o Espaço das Artes da ECA-USP. Escreveu textos para artistas como Waltercio Caldas, Regina Silveira, Jac Leirner e David Batchelor e fez a curadoria de exposições de Evgen Bavcar (Itaú Cultural, 2003); Nuno Ramos e Cildo Meireles (Maria Antonia, 2012); Lina Bo Bardi (Sesc Pompeia, 2014); Geraldo de Barros, Rubens Gerchman e Antonio Dias (Sesc Pinheiros, 2018); Iole de Freitas (Instituto de Arte Contemporânea, 2018, e Instituto Ling, 2021); entre outros.

Esta programação é uma realização do Instituto Ling e Ministério da Cultura / Governo Federal, com patrocínio da Crown Embalagens.