Signos na Paisagem no CCBB Rio

08/mar

Última sede da itinerância da mostra BIENALSUR 2023 no Brasil evidencia os olhares de artistas de diferentes origens sobre o impacto que as ações humanas vêm promovendo no planeta. Um dos exemplos notáveis da exposição é o vídeo da argentina Gabriela Golder, gravado no Cerro Mariposa (Valparaíso, Chile), que mostra a devastação provocada por um incêndio de enormes proporções, em 2015!

Signos na Paisagem reúne obras de Rochelle Costi e Dias & Riedweg (BRA); Gabriela Golder e Matilde Marín (ARG); Stephanie Pommeret (FRA); Alejandra González Soca (URY); Gabriela Bettini (ESP); Sara Abdu, Zhara Al Ghamdi e Hatem Al Ahmad (SAU). Os trabalhos problematizam a experiência de vida contemporânea e têm como chave, em sua maioria, a questão do meio ambiente. A mostra faz parte da 4ª edição da BIENALSUR, o evento cultural mais extenso do mundo – 18.730 km de arte contemporânea, em 28 países e mais de 70 cidades nos cinco continentes chega ao Centro Cultural Banco do Brasil Rio de Janeiro permanecendo em cartaz até 15 de maio.

“Uma das premissas do trabalho da BIENALSUR é explorar o panorama artístico internacional por meio de uma convocatória livre e horizontal que realizamos para cada edição. A partir deste chamado, surgem os temas principais sobre os quais trabalhamos, bem como um conjunto de projetos de artistas de diferentes contextos culturais, que são selecionados para serem incluídos nas diversas exposições e intervenções realizadas simultaneamente em cada edição do evento”, explica Diana Wechsler, Diretora Artística da BIENALSUR.

Do último chamado aberto surgiu o tema dominante que orienta a seleção de artistas nesta exposição. A experiência vital contemporânea é problematizada em todas as obras; em algumas delas, a questão ambiental é fundamental. “De diferentes maneiras, nosso olhar sobre o ambiente natural – antes identificado entre as disciplinas artísticas convencionais simplesmente como paisagem – é urgente e exige atenção. Há séculos sabemos que as sociedades humanas vêm modificando a natureza por meio da extração de recursos, o que gera um grande impacto no planeta”, diz a curadora.

A exposição

A observação do entorno próximo durante o período de isolamento social entre 2020 e 2021 devido à Pandemia foi o ponto de partida para as observações de Rochelle Costi (BRA), o que a levou a desenvolver sua série Casa & Jardim;. As fotos registraram insetos encontrados na área externa de sua casa/ateliê (localizada a 4 km do centro da cidade de São Paulo). O trabalho não foi apenas uma observação, mas também uma provocação, pois incorporou na paisagem do jardim doméstico placas de plástico em relevo, criando uma topografia na tentativa de imitar a natureza, ao mesmo tempo atraindo e causando estranheza nos insetos, alterando seus comportamentos habituais. A série exibe o contraponto do que a comunidade global estava passando naquela época, quando as rotinas e paisagens cotidianas estavam sendo alteradas e a sensação de estranhamento dominava a sociedade. Este foi o último trabalho da artista, falecida em novembro de 2022.

Em uma linha de reflexão semelhante, o trabalho de Dias & Riedweg (BRA), a série Silêncio, composta por 16 fotografias digitais, observa as marcas no ambiente urbano e adota um tratamento formal dessas fotografias que remove o volume e a cor, deixando apenas as linhas, aproximando-se da imagem de uma gravura em metal. Esta estratégia escolhida para desafiar o olhar é um convite para descobrir, através de pequenos detalhes, a anomalia, o estranho, o que se torna alheio a uma narrativa visual convencional. Por meio destas imagens tiradas em 2020, eles destacam a questão do risco latente e o aviso de que algo se perdeu.

A abordagem de Gabriela Golder (ARG) em “Tierra Quemada” também evidencia momentos de marcas e perdas. O vídeo (2015), gravado no Cerro Mariposa (Valparaíso-Chile), observa a área devastada pelo incêndio: casas e fauna queimadas por um fogo que, segundo depoimento de um morador, “era tão alto como se o mundo estivesse prestes a acabar. A terra queimou”. A convivência entre as intervenções humanas e a natureza expõe suas tensões, e a sensação de saturação, de “fim do mundo”, emerge.

De uma perspectiva diferente, Matilde Marín (ARG) aborda sua série “Temas sobre a Paisagem”, fotografias que, em seu formato extremamente panorâmico, captam a sensação de infinidade experimentada nesses espaços, criando faixas de atmosferas inesgotáveis, linhas e fugas de luz que se tornam imagens cativantes de um momento efêmero que resgata o conceito de beleza na paisagem e seus limites. O ponto de vista escolhido pela artista é ao mesmo tempo sua marca registrada e a marca de sua presença latente.

Já Gabriela Bettini (ESP) traz para a mostra Paisagens Brasileiras-Pernambuco/Maranhão, realizadas a partir das obras de Frans Post – pintor barroco holandês que trabalhou as paisagens do Brasil levando-as para a Europa. A artista é conhecida por suas pinturas hiper-reais que se aproximam da estética da fotografia de arquivo. A memória pictórica de Bettini, rica em referências visuais, resulta em obras que não apenas remetem para a questão colonial, mas também para as disputas identitárias que ocorreram e ocorrem nestes espaços lidos a priori como “paradisíacos”.

Hatem Al Ahmad (SAU), por sua vez, resgata em sua vídeo-performance “To Speak in Synergy”, junto aos membros da comunidade de Abha (SAU), uma técnica de cuidado antiga que tende a fornecer certos elementos às árvores em seus processos vitais, ao mesmo tempo em que contribui para sua proteção contra mudanças de temperatura ou, por exemplo, alguns insetos. Através da ação dos corpos na paisagem, ele expõe práticas e conhecimentos tradicionais atualizando-os. Hatem afirma: “O sentido prolongado da temporalidade da performance oferece um reconhecimento das histórias e dos corpos que moldaram e habitaram o passado, bem como da racionalidade de nossos futuros”.

A questão das relações com recursos do passado, o tempo e a forma como ele nos interpela aparece reinterpretada como um cenário fictício na obra de Zara Al Ghamdi (SAU) “Echo of the past”, uma instalação com seiscentas peças de blocos de areia e argila fabricados que busca expressar, através do resgate de técnicas antigas de construção, as formas pelas quais o tempo afeta a existência. As rachaduras visíveis nessa orografia imaginária estariam revelando o colapso dos arquétipos tradicionais ou, pelo menos, tensionando as tradições ancestrais vernáculas com um presente que as altera.

Em uma dimensão diferente, a instalação “Moebius” de Alejandra González Soca (URY) tem como objetivo “Cultivar o vazio”. Segundo ela, “convivem dois tempos de um mesmo rosto para gerar uma matriz de eventos onde a germinação e a ação performática modificam constantemente a peça e, portanto, as possíveis relações com ela”.  “Moebius, continua a artista, “aspira a criar um espaço quase ritual que questiona a ideia de um sujeito autoconsciente e seguro de si mesmo, a partir de uma vulnerabilidade assumida e oferecida. Um evento cíclico e efêmero, onde o que acontece de alguma forma evidencia a mínima distância entre os processos de construção e destruição”. A obra da artista se modifica ao longo da exposição.

“Unir a ecologia, a conservação da natureza e a arte permite um diálogo de ideias que vai além das culturas. É necessário aproximar esses mundos e, assim, abrir o campo de possibilidades para ativar um novo imaginário de colaboração”, é o que afirma a artista Stéphanie Pommeret (FRA), que desenvolve em sua série de fotografias “Tous Migrants”, uma síntese poética possível na qual explora as maneiras como nos relacionamos como migrantes com nosso ambiente. Este projeto realizado na reserva natural da baía de Saint-Brieuc a levou a uma longa observação que resultou na operação de apropriação das fotografias naturalistas de Alain Ponsero, combinadas com suas próprias imagens, servindo para reivindicar “a hospitalidade como o único ambiente que favorece o futuro de nossa espécie”. Descobrir o mundo do outro, conhecer seus conhecimentos, sentir sua sensibilidade desencadeia um novo olhar sobre seu horizonte.

Sara Abdu (SAU) “Anatomy Of Remembrance” oferece um conjunto de paisagens imaginárias que procedem do seu interesse em explorar as qualidades indiciais de sentidos distintos da visão. Com base nas memórias olfativas, ela resgata sua imediatez para evocar uma imagem mental do passado e suas emoções, resultando em cartografias psicogeográficas suspensas com as quais Abdu explora o lugar ou loci da memória dentro de nós e cria um ambiente particular ao enfrentar essas topografias do passado.

No dia 20 de março, dia da abertura da exposição, entre as 17h e as 18h, haverá uma visita guiada com a diretora artística da BIENALSUR, Diana Wechsler, e os artistas Maurício Dias e Walter Riedweg (Dias & Riedweg), Matilde Marín e Alejandra González Soca. Os visitantes que estiverem nas galerias poderão participar livremente, sem necessidade de emissão de ingresso específico.

BIENALSUR

Uma ampla proposta de arte, cultura e pensamento contemporâneo que rompe com a ideia de geografia estabelecida, ao criar uma grande rede de unidades autônomas em torno do evento, que tem o quilômetro zero no Museu da Imigração, Buenos Aires, e se estende a mais de 18 mil km, até Tóquio, Japão, na Universidade Nacional de Belas Artes e Música. Criada pela Universidade Nacional de Tres de Febrero (UNTREF), na capital argentina, nasceu com o propósito de buscar outras dinâmicas para a arte e para a cultura, fazendo chamadas abertas a curadores e artistas de todo o mundo, sem temas pré-determinados.

“A BIENALSUR prova que a arte é a melhor ferramenta para superar as fronteiras políticas e identitárias que colocam em tensão as relações internacionais”, comenta Aníbal Jozami, sociólogo que idealizou a BIENALSUR junto com a historiadora e curadora Diana Wechsler. Ambos são acadêmicos – respectivamente Reitor Emérito e Vice-Reitora da Universidad Nacional de Tres de Febrero, universidade pública da Argentina. A primeira edição do evento foi realizada em 2017, com a participação de mais de 400 artistas em pelo menos 80 espaços, em 34 cidades de 16 países. Em 2019 o mapa foi ampliado para 112 áreas em 47 cidades de 21 países; em 2021, apesar da Pandemia, aconteceu em 120 locais, em 48 cidades de 24 países da América, da Ásia e da Europa.  Mais de 1.800 artistas de todo o mundo participaram das três primeiras edições do evento.

As constelações celestinas

06/mar

 

As fotografias de Wagner Celestino estão em cartaz no SESC 14 Bis, Bela Vista, São Paulo, SP, até 07 de abril. Wagner Celestino, fotógrafo negro e artista periférico nascido em 1952 na zona Leste paulistana. Seus registros revelam trabalhadores, artistas e ritos culturais e religiosos que enaltecem a beleza e a memória da população afrodescendente. São registros em preto e branco de alto contraste, com abordagem entre o projeto artístico e o documentário histórico.

 

Sobre o artista:

Veterano fotógrafo que se notabilizou pela qualidade de suas reportagens fotográficas que, desde 1977, enfocam com rara sensibilidade a cena cultural afro-brasileira, Wagner Celestino possui formação não-formal em fotografia que obteve em oficinas de fotografia do Museu Lasar Segall. Sua obra transita entre o projeto artístico e documentário histórico investigativo. O fotógrafo atua na prospecção de imagens que revelam os fazeres do povo proletário e periférico em sua grandeza e humanidade em abordagem de notável acuidade psicológica e sociológica. Retratou nomes da música brasileira e, dentre eles, integrantes da Velha Guarda do Vai-Vai. Também é responsável pela série fotográfica “Cortiços”, de 1988. Nesta exposição individual, são acrescentadas a este acervo novas fotos, de moradores do bairro do Bixiga e da Velha Guarda do Vai-Vai

 

As constelações são áreas específicas do céu compostas por agrupamentos de estrelas aparentemente ligadas por linhas imaginárias. Assim, elas podem assumir a função de referência enquanto dispositivo de localização e instrumento de orientação. É dessa forma que o trabalho do fotógrafo Wagner Celestino direciona nossa caminhada, na soma dos fragmentos da realidade, para apresentar um olhar sobre o universo afropaulista. Wagner Celestino tem, em mais de quarenta anos de trajetória, a experiência que explica a intimidade entre ele e aquilo que ele fotografa, sejam paisagens, festas profanas ou religiosas, ou personagens que posam para suas lentes. Trabalhando sempre em preto e branco e preferencialmente sob luz natural, os retratos evidenciam o profundo respeito dedicado àqueles que nos precederam, bem como à esperança de um futuro luminoso, sem deixar de lado as lutas enfrentadas ao longo do caminho. Como afirma Claudinei Roberto da Silva, curador da mostra, “Celestino se ocupa daqueles e daquelas cuja história, a memória e os afetos, são, frequentemente, preteridos nas narrativas da história da arte que se quer hegemônica”. Pesquisador da cultura popular nas suas matrizes sagradas e profanas, Celestino, cuja arte pode traduzir notas de melancolia, carrega interesse pela complexidade dos sujeitos em seus contextos, onde memórias e afetos são riquezas inestimáveis.

“Em celebração ao início das atividades do Sesc 14 Bis, a exposição Wagner Celestino recorre a uma obra que, ao se voltar a personagens, melodias, cadências e enredos vinculados à negritude, permite o vislumbre da dignidade particular ao cruzamento de olhares, entre fotógrafos e pessoas retratadas, que perfaz a carreira do artista”, comentou Danilo Santos de Miranda, diretor regional do Sesc São Paulo.

 

George Love além do tempo

28/fev

O Museu de Arte Moderna de São Paulo (sala Milú Villela), Parque Ibirapuera (Av. Pedro Álvares Cabral, s/nº – Portões 1 e 3, apresenta de 02 de março a 12 de maio a exposição “George Love: além do tempo”. George Love nasceu em Charlotte, Carolina do Norte, Estados Unidos da América, 1937 e faleceu no Brasil em 1995.

A palavra do curador

No despertar da cultura fotográfica brasileira na segunda metade do século XX, um nome figura entre as maiores referências: George Love. Artista carismático, ele sempre foi cercado por uma aura de mistério, que beirava a lenda, de tão conhecido quanto enigmático que era, pelo tanto que ele foi exposto e como ficou escondido. Atuando em uma era de efervescência intelectual, de questionamento comportamental e de transição de costumes, George exibia um intenso brilho em suas realizações, na interação profissional e no convívio particular. A luz que trazia ao ambiente extravasava paredes e repercutia na atmosfera e nas pessoas, que vislumbravam as infinitas possibilidades de um marcante meio de expressão. Suas ações no meio cultural, editorial e corporativo expandiam os horizontes da fotografia, abrindo caminhos adiante do seu tempo. Conscientemente ou não, gerações de fotógrafos brasileiros seguem sua inspiração e seu modelo, que se realça entre as raízes de nossa contemporaneidade. Chamá-lo de gênio também não é hipérbole. George Leary Love nasceu em 24 de maio de 1937, em Charlotte, Carolina do Norte, Estados Unidos. Negro, filho único em uma família simples e culta, concluiu seus primeiros estudos superiores antes dos 20 anos. Adotou a câmera fotográfica também cedo, vislumbrando a possibilidade profissional no segmento de fotografia de viagem, representado por arquivos de imagens, um mercado importante na época, com o qual se manteria ligado por toda sua vida profissional. Fixando-se em Nova York para mais estudos, logo passou a se dedicar à fotografia como criação autoral, tendo suas primeiras mostras em galerias de Manhattan, dando cursos e palestras. Assim, foi aceito como um dos mais jovens participantes da Association of Heliographers, um grupo restrito de expoentes da fotografia americana que promovia a arte, propunha sua expansão e inovava no uso de impressões coloridas no meio expositivo. George Love se identificava com a proposta, de forma que o ideário dessa associação é chave importante para compreender a obra que desenvolveu por toda a sua vida. Em pouco tempo, o jovem fotógrafo se tornou vice-presidente e coordenador da galeria da associação. Foram dois anos intensos, entre 1963 e o fim de 1965, até o encerramento da entidade, por carência de recursos. A perspectiva de um novo rumo lhe foi oferecida por uma rara heliógrafa estrangeira, que o estimulou a se aventurar pelo continente sul-americano. Em janeiro de 1966, George juntava-se a Claudia Andujar em Belém para uma inusitada expedição no interior da Amazônia, verdadeira epopeia até a terra dos Xicrin. Voltaram para Belém, subiram pelo rio até Iquitos, depois Lima e Bolívia, e entraram de volta no Brasil pelo famoso “trem da morte”. Fixaram-se em São Paulo, no apartamento da Avenida Paulista, casaram-se…e, então, o resto é história.

Zé De Boni – curador

Visualidade afro-brasileira de Luiz Moreira

26/fev

A exposição “A luz da beleza”, de Luiz Moreira, com curadoria de Marcus de Lontra Costa, experiente curador e crítico de arte, que já esteve à frente do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e da Escola de Artes Visuais do Parque Lage, estará em cartaz até 07 de abril, na Biblioteca Mário de Andrade, São Paulo, SP. A mostra reúne 31 imagens em grande formato, vídeos da série visual do artista “Ayê e Orum” e “Oxum às margens do Rio da Barra”, além de adornos e objetos em colaboração com os artistas Diego Silf, Felipe Maltone e Victor Hugo Mattos. Em 2022, o projeto “A Luz da Beleza” passou pela Casa França-Brasil, no Rio de Janeiro, atingindo recorde de público na instituição. Agora, na icônica biblioteca da capital paulista, a mostra traz imagens inéditas e uma nova expografia.

A palavra do curador

Nos tempos atuais, quando vemos parte significativa da população brasileira ocupando os espaços de ação que sempre lhe foram negados, jovens pretos ainda são assassinados e episódios de racismo se repetem. Existe, assim, um clamor por igualdade e inclusão, também presente no campo da afirmação estética, na valorização do universo da visualidade afro-brasileira…os trabalhos de Luiz Moreira se apropriam da extrema riqueza visual e dos ritos religiosos vindos da África, dando-lhes um sentido transformador, em diálogo com técnicas e materiais tecnológicos contemporâneos. É o “afrofuturismo” vindo à tona em cores chamativas e cheias de contrastes. As imagens vibram diante do nosso olhar e as personagens fotografadas caminham entre nós como num desfile de carnaval, combinando sedução e encantamento.

Sobre o artista

Dividindo-se entre Miami e o centro de São Paulo, Luiz Moreira nasceu na periferia da capital, no Jardim Ângela, onde morou até os 18 anos. Sua relação com a imagem é inspirada em sua própria experiência como morador de um bairro periférico. Começou a fotografar em projetos acadêmicos no curso de comunicação social e então passou a se dedicar à fotografia de rua em São Paulo e Nova York, explorando o cotidiano desses grandes centros. O trabalho estético e documental do fotógrafo combina uma afinidade com a cultura contemporânea com um interesse pelas perspectivas diaspóricas e o culto às orixalidades das religiões de matriz africana. Suas séries documentais como “Porta do Mar” e “Santo Negro” apareceram em importantes festivais e feiras nacionais e internacionais, como a Art Basel (edição de 2019, em Miami), o Festival AfroPunk (as edições que aconteceram em Johanesburgo, Atlanta e Salvador) e o Troy House Art Foundation London, em 2023.

Duas vezes Carlos Vergara

20/fev

Ministério da Cultura, Governo do Estado do Rio Grande do Sul, Secretaria de Estado da Cultura, Museu de Arte do Rio Grande do Sul e Fundação Iberê Camargo, Porto Alegre, RS, apresentam a exposição “Carlos Vergara – Poética da exuberância”.

A parceria entre o MARGS e a Fundação Iberê Camargo, que se dá por ocasião dos 70 anos do Museu, consiste em um modelo de colaboração até então inédito entre as instituições, resultando em um projeto de formato inovador. A exposição foi pensada como uma ampla e histórica individual sobre a produção e a trajetória de Carlos Vergara (Santa Maria/RS, 1941), porém dividida em 2 partes apresentadas simultaneamente, uma na Fundação Iberê Camargo e outra no Museu. Para a sua organização, foi convidado o curador Luiz Camillo Osorio, que há muito acompanha a produção do artista, que é um dos principais nomes da arte contemporânea brasileira.

A inauguração será no dia 24 de fevereiro, em eventos gratuitos e abertos ao público nas duas instituições, com encontro e visitas guiadas pelo artista e pelo curador: primeiramente no MARGS, às 11h; e depois na Fundação Iberê Camargo, a partir das 14h, seguida por uma conversa no auditório, às 16h. “Carlos Vergara – Poética da exuberância” traz um panorama retrospectivo da carreira do artista, reunindo mais de 90 obras pertencentes a coleções do Rio de Janeiro e de Porto Alegre. Na Fundação Iberê Camargo, a seleção apresentada no segundo andar enfatiza a produção em desenho e pintura, destacando obras desde a década de 1960, algumas delas expostas pela primeira vez, como as realizadas quando Carlos Vergara era assistente de Iberê Camargo no Rio de Janeiro. Já no MARGS, a mostra ocupa duas salas do segundo andar, destacando os processos experimentais desenvolvidos pelo artista envolvendo monotipia e pintura, com a reunião de trabalhos em grande formato que integram as séries “São Miguel” e “Boca de forno”.

O projeto realizado em parceria entre o Museu e a Fundação Iberê Camargo reforça ainda vínculos. A parte da exposição de Carlos Vergara no MARGS tem lugar em duas galerias, não por acaso uma que leva o nome de Iberê Camargo, de quem foi aluno e assistente. Vinculações também se dão com relação à história das exposições do Museu. Em 2009, Carlos Vergara apresentou a mostra “Sagrado coração, Missão de São Miguel”, que até aqui figurava como sua primeira e única individual no MARGS. Na ocasião, exibiu a produção que realizou em viagem às ruínas da redução de São Miguel das Missões, em seu interesse artístico por investigar a experiência jesuítica no Rio Grande do Sul. Agora, “Carlos Vergara – Poética da exuberância” conta no MARGS com um segmento dedicado a obras desse projeto. Por todos esses sentidos, a exposição integra no Museu o programa expositivo “História do MARGS como História das Exposições”, que trabalha a memória da instituição abordando a história do museu, as obras e constituição do acervo e a trajetória e produção de artistas que nele expuseram, a partir de projetos curatoriais que revisitam, resgatam e reexaminam episódios, eventos e exposições emblemáticas do passado do MARGS, de modo a compreender sua inserção e recepção públicas. A exposição permanecerá em exibição até 05 de maio. “Carlos Vergara – Poética da exuberância” é apresentada como parte da ampla programação comemorativa iniciada em 2023, alusiva ao aniversário de 70 anos do MARGS, a ser celebrado em 27 de julho.

A palavra do curador 

Estas duas exposições de Carlos Vergara em Porto Alegre, na Fundação Iberê e no MARGS, são uma verdadeira ocupação Vergara na cidade. Além de gaúcho, ele foi assistente de Iberê, em meados dos anos 1960. Esse período foi uma escola sem igual, em que rigor poético e liberdade criativa eram transmitidos em ato. Nestes 60 anos de produção, sua poética deslocou-se incansavelmente entre linguagens, suportes e atmosferas poéticas. As duas salas aqui do MARGS concentram-se na figura do artista viajante, iniciada nos anos 1980, e na produção realizada nas Missões Jesuítas de São Miguel, na fronteira Sul do Brasil. As monotipias que começam neste período, feitas nos fornos, nos chãos e nas paredes, na natureza e na arquitetura, impregnadas de tempo e de vida, estruturam-se posteriormente no ateliê. Depois de deslocadas do contexto da impressão, via impregnação, são retrabalhadas com cor ou simplesmente com uma fixação mais rigorosa com resina. Só a partir deste complemento realizado no ateliê as obras ganham corpo e densidade. Olhar retrospectivamente para o que aconteceu nas Missões requer cuidado justamente por conta da impossível imparcialidade no tratamento do assunto. No século XVII, as diferenças culturais eram tratadas de forma opressiva e violenta. O outro inexistia no imaginário ocidental. Como poderia a arte revelar um acontecimento singular, um momento em que culturas e formas de vida entraram em uma deriva desorientadora? Como partir deste resíduo fixado nas ruínas de um mundo perdido e trazê-lo para o presente, desarmando a desconfiança diante daquilo que não sabemos exatamente o que foi? É essa experiência do sem nome, do que não sabemos como classificar, como identificar, que parece se entranhar em alguns dos lenços e dos registros pictóricos de São Miguel. A fragilidade dos lenços, sua transparência, a reminiscência dos sudários, tudo isso é memória de gestos que sobrevivem no tempo. Repetição e mistério restituem no agora o que, de outra forma, ficaria para sempre vedado no que já foi, no outrora. Ao longo de 60 anos de trajetória, Vergara transformou continuamente sua linguagem e procedimentos criativos – desenho, gravura, fotografia, pintura, monotipias, audiovisual, instalação -, tomando caminhos inesperados, assumindo riscos e recusando todo tipo de acomodação. A cada deslocamento, a obra se renova. É raro vermos um artista tão ávido pela aventura poética e pelo encantamento visual.

Luiz Camillo Osorio, curador convidado

Sobre o artista

Carlos Vergara nasceu em Santa Maria (RS), em 1941. Filho de reverendo anglicano, aos 2 anos de idade acompanhou a mudança da família para São Paulo. Desde 1954, vive e trabalha no Rio de Janeiro. Iniciou sua trajetória nos anos 1960, no Rio, tendo sido aluno e assistente de Iberê Camargo. Depois de um período explorando o viés expressionista em desenho e pintura, absorveu elementos gráficos e da cultura de massa, integrando, ao lado de nomes como Antonio Dias, Rubens Gerchman e Roberto Magalhães, a chamada Nova Objetividade, uma manifestação politizada da pop art no Brasil no contexto em que a resistência à Ditadura civil-militar era incorporada ao trabalho de jovens artistas. Nos anos 1960, participa de salões e importantes exposições e eventos de vanguarda, como “Opinião 65” e “Nova objetividade brasileira” (1967) no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, além de “Bandeiras na praça” (1968) e Salão da Bússola (1969). Essas mostras se tornaram marcos da história da arte brasileira ao evidenciar a postura crítica dos novos artistas diante da realidade social e política da época. Nos anos 1970, passou a explorar a fotografia e o filme, com destaque para os trabalhos que realizou documentando festejos populares como o Carnaval. Em 1975, integrou o conselho editorial da revista Malasartes, importante publicação organizada por artistas e críticos de arte, com o intuito de criar debates e reflexões sobre o meio de arte no Brasil. Em 1977, participou da fundação da Associação Brasileira de Artistas Plásticos Profissionais, chegando a ser presidente da entidade, criada para reivindicar a participação dos artistas nos debates e decisões das políticas culturais nas artes visuais. Na década seguinte, retomou a pintura, pesquisando técnicas e processos experimentais e inovadores. Nos anos 1990, prosseguiu nessa orientação, aprofundando o uso de elementos da natureza e minérios como pigmentos. Também começou a fazer viagens para realizar seus trabalhos. Desde então, a pintura e a monotipia têm sido o cerne de um percurso de experimentação. Novas técnicas, materiais e pensamentos resultam em obras contemporâneas, caracterizadas pela inovação e pela expansão do campo da pintura. Em 2009, apresentou no MARGS a mostra “Sagrado coração, Missão de São Miguel”. Em 2011, apresentou o “Projeto Liberdade”, impactante trabalho sobre a implosão do Complexo Penitenciário Frei Caneca, no Rio. Fez pinturas e filmes, além de uma instalação em que usou as portas das celas do presídio. Ao longo de mais de 200 exposições, já participou da Bienal de São Paulo (1963, 1967, 1985, 1989 e 2010), Bienal de Veneza (1980) e Bienal do Mercosul (1997 e 2011), entre outras. Em 2015, apresentou “Sudários”, no Instituto Ling, que até aqui figurava como sua mais recente individual em Porto Alegre.

Sobre o curador

Luiz Camillo Osorio nasceu em 1963 no Rio de Janeiro.  Realizou Pós-doutorado na Universidade de Lisboa e Universidade Católica do Porto, 2023. Doutor em Filosofia, PUC-Rio, 1998. Trabalha na área de Estética e Filosofia da Arte. Principais focos de interesse na pesquisa: As articulações entre arte, estética e política; Autonomia e engajamento; Teorias do gênio, desinteresse e sublime; Curadoria, crítica e história da arte; As relações entre arte, museu e mercado. Paralelamente à pesquisa acadêmica atua como crítico e curador. É curador do Instituto PIPA desde 2016. Foi curador do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro entre 2009 e 2015 e curador do Pavilhão brasileiro na Bienal de Veneza de 2015. Fez várias curadorias independentes em instituições brasileiras e internacionais. Assinou coluna de crítica de arte nos Jornais O Globo (1998/2000 e 2003/2006) e Jornal do Brasil (2001) e da revista espanhola EXIT Express (2006/2007). Membro do grupo de Pesquisa cadastrado no CNPQ – Arte, Autonomia e Política – junto com os professores Pedro Duarte (Filosofia PUC-Rio) e Sergio Martins (História PUC-Rio).

Arquitetura italiana no Rio

19/fev

Um novo polo cultural é inaugurado na celebração dos “150 Anos da Imigração Italiana no Brasil”. O Consulado Geral da Itália no Rio de Janeiro, o Instituto Italiano de Cultura do Rio e o IED (Instituto Europeu de Design) se reuniram em prol da criação do “Polo Cultural ItalianoRio – arte, design e inovação”, que abrirá para o público no dia 22 de fevereiro, na semana em que é comemorado o Dia Nacional do Imigrante Italiano no Brasil. Inteiramente revitalizado, o novo polo cultural funcionará como uma vitrine, reverberando o diálogo entre Itália e Brasil em várias instâncias. Situado no prédio da Casa d’Italia, no coração do Centro do Rio (próximo à Cinelândia e ao aeroporto Santos Dumont), o espaço com lounge e mezanino totaliza quase 500m² e foi projetado para abrigar exposições de arte, moda e design, além de eventos de gastronomia, tecnologia e inovação. Serão oferecidos também cursos, seminários, ciclos de palestras e demais programações. Com a proposta de reforçar e estabelecer laços culturais e científicos, estão previstas parcerias com a colaboração de outras instituições.

Abrindo a agenda anual de exposições temporárias, a mostra “1874-2024: 150 anos de amizade e conexão entre Itália e Brasil, juntos rumo ao futuro” apresentará um painel de 42 m², grafitado pelo artista Bruno Big, retratando a chegada dos imigrantes e o relevante desempenho deles no cultivo do café, além de vídeos e paneis temáticos sobre sua influência na formação sócio cultural da sociedade carioca e brasileira. No mezanino, será inaugurada “Dell’Architettura – presença italiana na paisagem carioca”, com cerca de 40 imagens de mestres da arquitetura, captadas por Aristides Corrêa Dutra. Haverá, ainda, a exposição do novo logotipo oficial do 150º Aniversário da Imigração Italiana no Brasil, selecionado através de um concurso entre os alunos das escolas italianas no Brasil, lançado pela Embaixada da Itália em Brasília. A iniciativa foi divulgada nas Escolas italianas paritárias no Brasil e foi selecionado como vencedor o projeto de Joshua Azze Distel, de 17 anos, aluno do 4º ano do Liceu Científico da “Fondazione Torino”. O logotipo representa um navio, o meio de transporte utilizado por milhões de imigrantes que, com coragem e espírito de aventura, lançavam-se em longas travessias oceânicas em direção ao “novo mundo”, em busca de melhores condições de vida. Num jogo de encaixes formados por linhas minimalistas, o número “150” é inserido no desenho do navio: o “zero” representa, ao mesmo tempo, o número e um semicírculo, como um horizonte, um céu comum, composto pelas cores das bandeiras dos dois países, simboliza a ligação histórica e cultural entre eles.

Sobre a exposição “Dell’Architettura – presença italiana na paisagem carioca’

Ricardo Buffa, Luigi Fossati, Raffaele Rebecchi, Antonio Virzi, Mario Vodret e Antonio Jannuzzi estão entre os grandes nomes da arquitetura italiana que deixaram seu legado na cidade do Rio de Janeiro e que integram “Dell’Architettura – presença italiana na paisagem carioca”. Registros de joias arquitetônicas de diferentes épocas, feitos em preto e branco pelo fotógrafo, professor e artista visual Aristides Corrêa Dutra, foram selecionados para esta exposição, que é realizada pelo Instituto Italiano de Cultura do Rio e poderá ser visitada até 26 de abril.  Aristides também assina a curadoria e os textos das fotografias, destacando-se entre elas: o Edifício Lage (1924-1925), na Glória; o Edifício Seabra (1931), na Praia do Flamengo; o Edifício Unidos (1937), no Centro; o Hospital Nossa Senhora das Dores (1910-1914), em Cascadura; a Igreja Matriz de São Geraldo (1931), em Olaria; a Torre da Antiga Sé (1905-1913), no Centro; a Vila Maurina (1915), em Botafogo; a casa Villino Silveira (1915), na Glória.

Sobre o artista

Aristides Corrêa Dutra é fotógrafo, artista visual, mestre em Comunicação pela ECO\UFRJ e professor da Universidade Veiga de Almeida. Como fotógrafo e observador da arquitetura, realizou, ao longo de 2016, as mostras “Conversação”, no Parque das Ruínas, “Da misericórdia à justiça”, no Museu da Justiça do Estado do Rio de Janeiro, e “Logos”, na Biblioteca de Manguinhos.

A Amazônia vista por Hiromi Nagakura

O Centro Cultural Banco do Brasil Rio de Janeiro inaugura a exposição “Hiromi Nagakura até a Amazônia com Ailton Krenak”, mostra idealizada pelo Instituto Tomie Ohtake, de São Paulo que permanecerá em cartaz até 27 de maio. Com curadoria de Ailton Krenak e curadoria adjunta de Angela Pappiani, Eliza Otsuka e Priscyla Gomes, a exposição apresenta 160 fotografias inéditas no Brasil do premiado fotógrafo japonês Hiromi Nagakura, realizadas em viagens com Krenak, principalmente pelo território amazônico, entre 1993 e 1998. A mostra, com entrada gratuita, chega ao CCBB RJ ampliada, com uma nova seleção de imagens, além de objetos dos povos visitados, que não estiveram presentes na edição paulistana da exposição.

Além disso, lideranças indígenas de diversas etnias participarão de conversas realizadas em torno da exposição, junto com o fotógrafo e o curador.  No dia da abertura da exposição, às 17h, haverá a roda de conversa “Hiromi Nagakura e Ailton Krenak encontram os povos da floresta”, com a presença da dupla e também das lideranças indígenas Moisés Pyianko Ashaninka e Leopardo Huni Kuin, com a participação de Marize Guarani, presidente da Associação Indígena Aldeia Maracanã. No dia 29 de fevereiro, também às 17h, haverá mais uma roda de conversa, “Hiromi Nagakura e Ailton Krenak encontram os povos do cerrado”, com Krenak, Nagakura e as lideranças indígenas Marineuza Pryj Krikati, Maria Salete Krikati e Caimi Waiassé Xavante, com a participação de Carlos Tukano, presidente do Conselho Estadual de Direitos Indígenas do Rio de Janeiro. No dia 01 de março, às 17h, Ailton Krenak e as cinco lideranças indígenas da Amazônia convidadas farão palestra no CCBB RJ.

“Nagakura-san é um samurai. Sua espada é uma câmera que ele maneja com a segurança de quem já passou por campos de refugiados e esteve no centro das praças de guerra, por lugares como África do Sul, Palestina, El Salvador e Afeganistão. Depois desse mergulho no inferno global, quando sentiu de perto a loucura dos seres humanos, o samurai da câmera descobriu a floresta amazônica e seus povos nativos”, escreveu Ailton Krenak, curador da mostra, no texto que acompanha a exposição.

Viagens ao longo de cinco anos

As viagens de Nagakura e Krenak abarcaram quase cinco anos, de 1993 a 1998, dezenas de horas, sempre na companhia da produtora e intérprete Eliza Otsuka. A exposição, acompanhada dos encontros, é o resultado de uma “união de esforços para fazer uma celebração em torno dessa amizade alimentada pelo sonho e beleza da obra do fotógrafo Hiromi Nagakura”, diz Ailton Krenak.

Segundo Krenak, a mostra traz algumas das belas imagens das viagens às aldeias e comunidades na Amazônia brasileira. “Momentos de intimidade e contentamento entre “amigos para sempre” inspiraram esta mostra fotográfica mediada por encontros com algumas das pessoas queridas que nos receberam em suas cozinhas e canoas, suas praias de rios e nas aldeias: Ashaninka, Xavante, Krikati, Gavião, Yawanawá, Huni Kuin e comunidades ribeirinhas no Rio Juruá e região do lavrado em Roraima”, destaca o curador. As viagens alcançaram os estados do Acre, Roraima, Mato Grosso, Maranhão, São Paulo e Amazonas. A aproximação entre Krenak e Nagakura começou numa conversa, sentados em esteiras, na sede da Aliança dos Povos da Floresta, no bairro do Butantã, em São Paulo, onde se conheceram, quando Eliza Otsuka apresentou o plano de viagens de Nagakura. “Ela (Eliza) resumiu com estas palavras o conceito todo do projeto para alguns anos dali para frente: ele vai ser a sua sombra por onde você for, quando estiver dormindo e quando estiver acordado”, recorda-se Krenak. Esta história toda está reunida em um dos livros escrito em nihongo, publicado pela editora Tokuma (Tóquio, 1998), intitulado “Assim como os rios, assim como os pássaros: uma viagem com o filósofo da floresta, Ailton Krenak”, assumido por Krenak como a sua biografia feita por Hiromi Nagakura.

Sobre o artista

Hiromi Nagakura nasceu em 1952 na cidade de Kushiro, ao norte da ilha de Hokkaido, no Japão. Desde criança, amou gente e a natureza, interessado em pessoas e culturas de outros lugares do mundo. Sentia-se atraído pelo novo, pelo desconhecido. Viajou para destinos diversos, visitou as ilhas do Pacífico Sul, entrou em contato com povos nômades do Afeganistão. Foi então que sentiu a necessidade de documentar seus encontros e começou a praticar e se aperfeiçoar nas técnicas da fotografia. Para ele, desde o início, a fotografia sempre foi um instrumento para se relacionar com o mundo e a diversidade de culturas, paisagens e pensamentos. Formou-se em direito, mas seguiu a carreira de fotógrafo. Trabalhou na agência noticiosa Jiji Press porque admirava os fotógrafos reconhecidos por seus trabalhos de cobertura de guerras. Em 1979, com 27 anos, Nagakura decidiu tornar-se fotojornalista independente, caminho que acabou levando-o a conhecer a África do Sul, Zimbábue, União Soviética, Afeganistão, Turquia, Líbano, El Salvador, Bolívia, Peru, Brasil, Indonésia, México, Groenlândia e vários outros países, em todos os continentes. Realizou centenas de viagens e exposições, publicou dezenas de livros, foi personagem de inúmeros documentários, escreveu reportagens, ministrou oficinas e palestras, recebeu prêmios.

Sobre o curador

Ailton Alves Lacerda Krenak nasceu em 1953 no Vale do Rio Doce, em Minas Gerais, quando o povo Krenak vivia no exílio, expulso de seu território tradicional por invasores que ocuparam e depredaram as matas densas às margens do Watu, como o povo originário chama seu avô-rio. Depois, nos anos de ditadura, a antiga aldeia Krenak foi transformada em prisão indígena, testemunha da violência contra os povos que insistiam em desafiar a ordem imposta vivendo de um modo diferente. Ailton viveu parte de sua vida em São Paulo, onde estudou e começou sua militância no movimento que começava a surgir no final dos anos 1970, reunindo indígenas de muitas etnias em torno de uma luta comum por direitos. Sua imagem pintando o rosto de preto no Congresso Nacional tornou-se símbolo da resistência indígena na Constituinte. Coordenou a União das Nações Indígenas, o Núcleo de Cultura Indígena, o Centro de Pesquisa Indígena, a Embaixada dos Povos da Floresta e a Aliança dos Povos da Floresta ao lado de seringueiros, extrativistas e ribeirinhos pela vida da (e com a) Floresta. Regressou nos anos 2000 a seu território, que ajudara a consolidar em 1999. Hoje vive às margens do Watu, ferido pela lama do rompimento da barragem de dejetos da Samarco em 2015. Ali o povo se fortalece, rememora a língua e os ritos, restabelece a vida. Nos últimos anos, Ailton Krenak tem se dedicado à manifestação do pensamento através do som e do poder sagrado das palavras, refletindo sobre temas que afetam a todas e todos nós, seres vivos de todas as humanidades, companheiros da mesma canoa Terra que navega no firmamento. Suas palavras estão registradas em livros que nos aproximam da cosmologia dos povos originários e confrontam nossa vida cotidiana. Autor de Ideias para adiar o fim do mundo (2019), A vida não é útil (2020) e Futuro ancestral (2022). É comendador da Ordem de Mérito Cultural da Presidência da República e doutor honoris causa pela Universidade de Brasília (UNB) e pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Em 2023, foi eleito como membro da Academia Brasileira de Letras e Academia Mineira de Letras.

Um quilombo cultural urbano

06/fev

Os artistas Dora Smék, Lourival Cuquinha e Ros4 Luz participam da grande coletival ReFundação, em exibição até 07 de abril na Galeria Reocupa da Ocupação 9 de Julho. A mostra reune cerca de 130 trabalhos, entre pinturas, esculturas, intervenções, instalações, vídeos e objetos de mais de 100 artistas de todo o território nacional.

Provocando a reflexão sobre outros mundos possíveis, em vias de existir ou a serem refundados, o grupo à frente da exposição propõe novas perspectivas de relações, em uma revisão dos laços sociais e políticos que sustentam nossa cultura, por meio de um coletivo de curadoria que reúne representantes de diversos setores da cultura e da arte. Este novo projeto da Reocupa, cuja abordagem interdisciplinar reflete a necessidade de criar outras formas de pensar, relacionar-se e praticar arte no mundo, tem como objetivo afirmar a Ocupação 9 de Julho como um pólo cultural aberto e permeável, que envolve espaços de circulação, inseridos em uma lógica de Parque, com ações culturais e urbanísticas integradas.

A exposição, realizada em diversos espaços da Ocupação 9 de Julho – antigo prédio do INSS, que ficou abandonado por três décadas, até ser ocupada pelo MSTC (Movimento Sem Teto do Centro) em diferentes ocasiões a partir dos anos 1990. Além da Galeria Reocupa, situada no 1º andar do prédio, as obras estarão em espaços de circulação, em diálogo com moradores do edifício e com a dinâmica que tornou a Ocupação 9 de Julho um lugar aberto à sociedade. Para o MSTC, a exposição contribui para a consolidação de um projeto modelo, que ambiciona seu reconhecimento, em caráter inédito, como um Quilombo Cultural Urbano. A maioria das obras estarão à venda, com o propósito de reunir fundos para operações da exposição e da Galeria, para a manutenção do prédio e dos projetos do MSTC e para o auxílio de todos os artistas participantes da exposição.

O Brasil na Bienal de Veneza

31/jan

Pássaros que andam: participação brasileira destaca a produção e a resistência dos povos originários na 60ª Exposição Internacional de Arte – La Biennale di Venezia.

O Pavilhão Hãhãwpuá – como é referido o Pavilhão do Brasil nesta edição da Biennale – marca sua presença na 60ª Bienal de Veneza com a exposição intitulada Ka’a Pûera: nós somos pássaros que andam, com curadoria de Arissana Pataxó, Denilson Baniwa e Gustavo Caboco Wapichana. O título Ka’a Pûera faz alusão a duas interpretações interligadas. Em primeiro lugar, ele se refere a espaços de roça que, após a colheita, ficam adormecidos, surgindo um lugar com vegetação baixa, revelando potencial de ressurgimento. Além disso, a capoeira é também conhecida pelos Tupinambá como uma pequena ave que vive em florestas densas, camuflando-se no ambiente.

Nesta edição da Bienal italiana dirigida pela primeira vez por um sul-americano, o brasileiro Adriano Pedrosa, o Pavilhão Hãhãwpuá destaca-se ao apresentar os povos originários e sua produção artística, em especial a resistência dos saberes e práticas dos habitantes do litoral. A exposição aborda questões de marginalização, desterritorialização e violação de direitos, convidando à reflexão sobre resistência e a essência compartilhada da humanidade, pássaros, memória e natureza. Glicéria Tupinambá, artista já anunciada, trabalha com a Comunidade Tupinambá da Serra do Padeiro e Olivença, na Bahia, para a realização de suas obras. Compõem também o Pavilhão obras dos artistas Olinda Tupinambá e Ziel Karapotó.

“A mostra reúne a Comunidade Tupinambá e artistas pertencentes a povos do litoral – os primeiros a serem transformados em estrangeiros no seu próprio Hãhãw (território ancestral) – a fim de expressar uma outra perspectiva sobre o amplo território onde vivem mais de trezentos povos indígenas (Hãhãwpuá). O Pavilhão Hãhãwpuá narra uma história da resistência indígena no Brasil, a força do corpo presente nas retomadas de território e as adaptações frente às urgências climáticas”, afirmam os curadores. Os Tupinambás eram considerados extintos até o ano de 2001, quando finalmente o Estado Brasileiro reconheceu que esse povo não só nunca havia sido exterminado, como está ativo na luta para reaver seu território e parte de sua cultura que fora retirada pela colonização.

“A exposição é realizada no ano em que um dos mantos tupinambá retorna ao Brasil depois de um longo período no exílio europeu, onde estava desde 1699 como um preso político. A vestimenta atravessa tempos e atualiza as problemáticas da colonização, enquanto os Tupinambá e outros povos continuam suas lutas anticoloniais em seus territórios – como Ka’a Pûera, pássaros que andam sobre florestas que ressurgem”, complementam os curadores. Andrea Pinheiro, presidente da Fundação Bienal de São Paulo, ressalta que “vivemos um momento de convergência entre o passado, o presente e o futuro para encontrarmos um caminho para modos de vida sustentáveis e a repactuação das relações humanas. As questões levantadas pelo trabalho dos curadores e artistas apontam para caminhos relevantes para o árduo processo que temos pela frente”.

As obras

Glicéria Tupinambá convoca os mantos de seu povo para formar a instalação Okará Assojaba. Okará é uma assembleia da sociedade Tupinambá cujo objetivo é criar um conselho de escuta onde se reúnem os líderes que são portadores dos mantos tupinambá: as mulheres, os pajés e os caciques. A instalação Okará Assojaba faz referência a essa assembleia ao trazer um manto tupinambá produzido por Glicéria de modo coletivo com sua família e a Comunidade Tupinambá da Serra do Padeiro, acompanhado por mantos/tarrafas (redes de pesca). A instalação ainda é composta por onze cartas escritas por Glicéria, assinadas em conjunto com a Associação dos Índios Tupinambá da Serra do Padeiro e enviadas aos museus que possuem mantos tupinambá e outras partes de sua cultura em seus acervos.

Em Dobra do tempo infinito, uma videoinstalação com sementes, terra, redes de arrasto e jererés, Glicéria Tupinambá cria conexões entre as tramas das redes de pesca e a dos trajes tradicionais. Segundo o pensamento desse povo, os cruzamentos dos pontos das redes de pesca e das vestes também conectam os tempos: aquele que é tradicional e o presente. Na obra, a artista nos convida a conhecer os mestres da sua comunidade e a dialogar com os jovens, somando mais pontos nessa dobra temporal.

Com a videoinstalação Equilíbrio, Olinda Tupinambá, por sua vez, amplia a voz de Kaapora – entidade espiritual vigilante da nossa relação com o planeta e que também dá nome ao projeto de ativismo ambiental conduzido por ela na Terra Indígena Caramuru. A obra apresenta um retrato da condição humana na Terra e uma discussão crítica da relação destrutiva da civilização com o planeta do qual depende. Cuidar desse planeta, interagindo de forma respeitosa com os outros seres vivos, é a única forma de nos tornarmos realmente civilizados.

Ziel Karapotó, por fim, confronta processos coloniais em Cardume, uma instalação que une, com uma rede de tarrafa, maracás de cabaça e réplicas de projéteis balísticos, envolvidos por uma paisagem sonora com sons de rios e torés (cantos tradicionais do povo Karapotó) que se misturam a sons de disparos de armas de fogo. Cardume evoca a luta pelos territórios frente aos processos de genocídio que se atualizam nos últimos 523 anos, mas sobretudo reforça a resistência indígena por meio da vida: os torés afirmam a espiritualidade; a rede de pesca representa as correntezas dos rios, mares e a fartura de peixes; e, finalmente, o maracá conecta os povos indígenas à terra onde vivem.

O termo Hãhãwpuá

Nesta edição, o Pavilhão do Brasil é referido pelos curadores como Pavilhão Hãhãwpuá, simbolizando o Brasil como território indígena, com “Hãhãw” significando “terra” na língua patxohã. O nome “Hãhãwpuá” é usado pelos Pataxós para se referirem ao território que, depois da colonização, ficou conhecido como Brasil, mas que já teve, e tem, muitos outros nomes.

Sobre a Fundação Bienal de São Paulo

Fundada em 1962, a Fundação Bienal de São Paulo é uma instituição privada sem fins lucrativos e vinculações político-partidárias ou religiosas, cujas ações têm como objetivo democratizar o acesso à cultura e estimular o interesse pela criação artística. A Fundação realiza a cada dois anos a Bienal de São Paulo, a maior exposição do hemisfério Sul, e suas mostras itinerantes por diversas cidades do Brasil e do exterior. A instituição é também guardiã de dois patrimônios artísticos e culturais da América Latina: um arquivo histórico de arte moderna e contemporânea que é referência (Arquivo Histórico Wanda Svevo), e o Pavilhão Ciccillo Matarazzo, sede da Fundação, projetado por Oscar Niemeyer e tombado pelo Patrimônio Histórico. Também é responsabilidade da Fundação Bienal de São Paulo a tarefa de idealizar e produzir as representações brasileiras nas Bienais de Veneza de arte e arquitetura, prerrogativa que lhe foi conferida há décadas pelo Governo Federal em reconhecimento à excelência de suas contribuições à cultura do Brasil. Pavilhão do Brasil na 60. Exposição Internacional de Arte – La Biennale di Venezia. Comissária: Andrea Pinheiro, presidente da Fundação Bienal de São Paulo. Curadoria: Arissana Pataxó, Denilson Baniwa e Gustavo Caboco Wapichana. Participantes: Glicéria Tupinambá com a Comunidade Tupinambá da Serra do Padeiro e Olivença, na Bahia, Olinda Tupinambá e Ziel Karapotó. Pavilhão do Brasil (Pavilhão Hãhãwpuá), Giardini Napoleonici di Castello, Padiglione Brasile, 30122, Veneza, Itália

De 20 de abril a 24 de novembro.

Novos artistas selecionados

A Anita Schwartz Galeria de Arte, Gávea, Rio de Janeiro, RJ, convida para a abertura, em 02 de fevereiro, às 19h, da exposição “Alvorada”, com 51 trabalhos de 32 artistas selecionados pela chamada pública Projeto GAS – Chamada Aberta de Verão, lançada em agosto do ano passado, e que recebeu 770 inscrições de artistas brasileiros e estrangeiros. Na noite de abertura, às 20h, a artista Carolina Kasting fará a performance “Corpo-Memória”, com a criação de duas pinturas que serão integradas à exposição. “Alvorada” ficará em cartaz até o dia 09 de março.

Cenas do cotidiano; a cultura popular brasileira; a história da arte revista sob a ótica de questões atuais; reflexões do campo político, a natureza e os impactos das ações humanas; gênero e sexualidade são alguns dos assuntos tratados nas obras da exposição. Os trabalhos reunidos em “Alvorada” são resultados de interesses, realidades e práticas distintas entre si. Há artistas que moram no exterior (Gustavo Riego e Graziela Guardino) vivendo em diferentes culturas, enquanto outros convivem com o dia a dia de zonas centrais e periféricas de cidades brasileiras.

Os 32 artistas, que ocuparão todo o espaço expositivo da galeria Anita Schwartz Galeria de Arte são: Ana Raylander (SP), Badu (PB/GO), Bruna Snaiderman (RJ), Bruno Lyfe (RJ), Caetano Costa (PE), Caio Borges (SP), Carolina Kasting (SC/RJ), Cela Luz (RJ), Clarice Rosadas (RJ), Desirée Jaromicz Feldmann (DF), Diego Castro (SP), Flávia Metzler (RJ), Fogo (RJ), Graziela Guardino (SP/Sydney), Guilherme Kid (RJ), Gustavo Riego (Bruxelas/Assunção), Janaína Vieira (SE/SP), Jorge Cupim (RJ), Julia Ciampi e Tiago Lima (MG), Luiz Eduardo Rayol (RJ), Malvo (RJ), Maria Victoria Santos (MG/RJ), Maryam Souza (BA/SP), Michele Martines (RS), Myriam Glatt (RJ), Nita Monteiro (RJ/SP), Rafael Amorim (RJ), Tetê Lian (MG/SP), Thales Pomb (DF/SP), Thix (RS/RJ), Vera Schueler (RJ) e Vinicius Carvas (RJ).