Lucio Salvatore no MAM/Rio

30/nov

O Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, com apoio do Istituto Italiano de Cultura, inaugura no próximo dia 9 de dezembro a exposição “Metaelementi”, que reúne trabalhos emblemáticos e inéditos do artista Lucio Salvatore, como instalações, vídeos, fotografias e pinturas, produzidas entre 2004 até os dias de hoje. Com curadoria de Fernando Cocchiarale e Fernanda Lopes, “Metaelementi” (metaelementos, em português) apresenta obras “ontológicas, que partem dos elementos da natureza – identificados pelos filósofos pré-socráticos como princípios do universo – para transcendê-los a partir de contextos socioeconômicos e políticos, sempre centrais nas obras do artista”,palavras do curador. “A poética de Salvatore explora o ‘humanismo’ dos elementos dentro das dinâmicas da produção industrial, tecnológica, da disputa de poder e da própria arte”, explica Fernando Cocchiarale.

 

“A visão curatorial oferece uma oportunidade única de leitura transversal de trabalhos inéditos de Lucio Salvatore, juntando obras do começo de sua pesquisa artística – como as da série “Combustioni”, que usa o fogo – a trabalhos recentes, como a obra “É Pão É Pedra” (2017), que traz seu título inscrito repetidamente sobre uma fôrma de pão recheado de pedras, unindo o visível e o invisível, colocados em referências circulares”, afirma o curador.

 

Incêndios criminosos que devastaram em 2004 o sul da Itália, na região onde o artista tem seu ateliê, foram assunto de vários trabalhos de Lucio Salvatore. O vídeo “The Road Ahead”, de quatro minutos, traz registros desses incêndios. “Essas imagens são representativas das paisagens de todo o sul do mundo que continuam nas mesmas condições de territórios de exploração, e contrastam com a imagem positivista do livro escrito por Bill Gates em 1995, que dá o título à obra, e que propõe uma visão otimista da estrada construída pelas empresas de tecnologia”, diz Cocchiarale.

 

A inédita “Apagões – Amnésias” consiste em dois conjuntos de oito fotografias com tamanho de 31cm x 41cm cada, com intervenções de tinta a óleo, pintura usada pelo artista como anulação, negação da imagem e da matéria. Sobre fotografias dos incêndios de 2004, Salvatore apagou com tinta as imagens das chamas. Desta maneira, buscou “anular simbolicamente os efeitos devastadores de atos criminosos, causados por ‘amnésias’, por ignorância, cuja cura pode ser inspirada pela arte”, explica. “Diante do recorrente fenômeno dos incêndios ficamos impotentes, assustados, aterrorizados e ao mesmo tempo fascinados, atraídos, como se o instinto de morte se reencontrasse na visão da destruição que é também transformação”, observa o artista.

 

 

Rituais de fogo

 

“Combustioni” Top of Form é uma das primeiras séries de trabalhos do artista relacionados aos processos de transformação dos elementos. Depois dos vídeos e fotografias que registraram incêndios que devastaram o sul da Itália no verão de 2004, Salvatore começou a experimentar o fogo em seu estúdio, ao ar livre. Usado por Salvatore como agente de transformação no trabalho artístico, o fogo foi produzido para queimar os elementos fundamentais da pintura tradicional, como tábuas, pincéis, e especialmente a pintura, em forma de pigmentos, que foi retratada pelo artista durante o processo de combustão. Esses rituais da queima de matéria pictórica e orgânica, todos criados entre 2004 e 2007 na Itália, resultaram em vários trabalhos, como “Sem Título”, uma impressão sobre tela de 2m x 4m. O momento da criação, a origem das coisas, é o que fascinou o artista. “Esta série contém toda a força material e movimento do Início”. O processo foi registrado no vídeo “Sem Título”. Lucio Salvatore cita o filósofo Heráclito (535 a.C. – 475 a.C.): “Este cosmos não foi criado por nenhum dos deuses ou dos homens, mas sempre foi, é e será um fogo eternamente vivo”.

 

Em “Post-Ar”, Salvatore deslocou ar de Florença para o Rio de Janeiro através do correio internacional. O artista explica que pretendeu “separar o elemento inseparável, identificando o elemento elusivo, embalando o elemento livre e que por essência não conhece fronteiras”. Dessa maneira, inscreveu este elemento “no sistema burocrático surreal da sociedade global contemporânea”.

 

“Quadrado Preto” integra uma série de obras desenvolvidas dentro de pedreiras, em uma combinação de processos que envolvem performance, escultura e pintura. O artista pintou um quadrado preto na parede de uma pedreira, e depois escavou esta parede com uma lagarta mecânica, própria para mineração, reduzindo-a a centenas de fragmentos de rocha com as marcas pretas da pintura. Depois, Salvatore costurou esses fragmentos na tela demarcada previamente com acrílico preto com a forma da parede antes de ser escavada. “A tensão ontológica (parte da metafísica que trata da natureza, realidade e existência dos seres) entre unidade e multiplicidade se manifesta em relíquias fragmentadas do quadrado preto que ainda carregam sua essência unitária, assim como a multiplicidade fragmentária das identidades contemporâneas são costuradas formando a ideia de indivíduo. O quadrado preto é reduzido a mil peças pela máquina, mas continua existindo nos fragmentos que mantêm sua ideia viva”, destaca Salvatore

 

O vídeo “O Fim do Quadrado Preto” traz todo o processo da obra “Quadrado Preto”. O vídeo “Ilhado” registra a ação de lagartas mecânicas “criam um fosso entorno de si mesmas que delimita um território circular que as isola e, impedindo a saída, as aprisiona”, diz o artista. “Se o ser humano não nasce sozinho em um lugar separado dos outros, parece que o seu destino seja o de trabalhar duramente para que este isolamento aconteça. O progresso tecnológico idealizado a partir da época moderna, da revolução industrial e agora da informática, parece proporcionar, ao mesmo tempo que melhorias na qualidade de vida material e da produtividade do ser humano, um aumento da alienação e do isolamento do indivíduo”. Usando terra, farinha e cinzas embutidas em intestino animal na obra “Dal Monacato”, Lucio Salvatore faz uma alusão aos elementos fundamentais do sistema econômico de Monacato, aldeia rural na região italiana do Lácio, praticamente inalterado desde a idade média, e que floresce apesar do processo de “tecnoglobalização dominante”.

 

“Controvalori” é um desdobramento da série de trabalhos realizados por Salvatore sobre o valor da arte, apresentados na exposição “Arte Capital”, realizada em 2016, no Centro Cultural Correios do Rio de Janeiro. Salvatore trabalhou sobre lâminas de ouro usadas como reservas de valor certificadas pelas autoridades, cobrindo suas superfícies e o seu brilho com óleo. Anulando o característico brilho símbolo de riqueza e poder com aplicações monocromáticas minimalistas, Salvatore usou a arte para negar a aparência e ao mesmo tempo criar um lugar onde o olho pudesse encontrar “novas possibilidades metafísicas de contemplação”, conta o artista. Respiro é uma obra sonora que consiste na gravação do som de uma sessão de meditação do artista realizada com máscara de gás.

 

 

Obras interativas 

 

A exposição terá obras interativas, como “Escreva Algo!”, em que o público é convidado a escrever um pensamento sobre uma tira de papel que é enrolada e colocada na obra de arte, que se transforma na memória temporal do pensamento comunitário. Da série “Escreva Algo!”, será apresentada também uma versão em que o visitante poderá escrever frases ou desenhos com caneta indelével preta sobre um quadrado de madeira pintado também de preto, de modo a que a escrita não seja decifrável. “Autoesquemas” propõe que o público crie uma composição geométrica feita de quadrados de papel a serem colados dentro de uma grelha desenhada pelo artista, em uma tipologia de autorretrato neoconcreto.

 

 

Sobre o artista

 

Lucio Salvatore nasceu em 3 de maio de 1975, em Cassino, Itália, e vive e trabalha na cidade italiana de Sant’Elia Fiumerapido e no Rio de Janeiro. Artista conceitual, multidisciplinar, trabalha com fotografia, texto, pintura, escultura, performance e apropriação de processos. Suas obras lidam com os jogos de significados nas obras de arte, metáforas da vida, desde a sua criação e relacionamento com o público até a posse de colecionadores e instituições. Depois de se formar em economia na Universidade Bocconi de Milão, Salvatore estudou filosofia na Università Statale, na mesma cidade. Estudou fotografia em Nova York, para onde viajou seguidamente entre 1998 e 2010. Depois de visitar em 1999 a Escola de Artes Visuais do Parque Lage, no Rio de Janeiro, Salvatore ficou ali suas raízes e passou a estudar na instituição. Salvatore tem participado de exposições em três continentes, em particular nas cidades de Roma (Palazzo Pamphilj, Galleria Cortona e Galleria Portinari, 2017), Nova York (Grant Gallery, 2007 e 2009), Berlim (Potsdamer Platz, 2007), Milão (Superstudio, 2008), São Paulo (Museu Brasileiro de Escultura – MuBE, 2011) e Rio de Janeiro (Centro Cultural Correios, 2010, 2014, 2015, 2017), onde seus trabalhos foram vistos por mais de 70 mil pessoas.

 

 

De 09 de dezembro a 25 de fevereiro de 2018.

Diálogos na Carpintaria 

29/nov

Dando continuidade ao programa experimental da Carpintaria, espaço da Fortes D’Aloia & Gabriel, Jardim Botânico, Rio de Janeiro, RJ, a exposição “Opening Night” propõe um diálogo entre três artistas de diferentes gerações cujas práticas orbitam majoritariamente em torno da escultura. A norte-americana Lynda Benglis, a brasileira Erika Verzutti e o inglês Jesse Wine apresentam, em conjunto, quinze obras de suas produções recentes. A “noite de abertura” sugerida no título refere-se livremente ao filme homônimo do diretor norte-americano John Cassavetes de 1977, lançado no Brasil como “Noite de Estreia”. Na trama, uma atriz de meia-idade – vivida por Gena Rowlands – enfrenta uma crise de identidade enquanto ensaia sua nova peça de teatro. A exposição alude ao palco em que se desenrola a história ao apresentar uma única base para dispor todo o conjunto de trabalhos do trio. A plataforma transforma as esculturas em veículos análogos aos atores, ao mesmo em que borra o gap geográfico e geracional dos três artistas para sublinhar suas afinidades. Relacionando-se entre si, os trabalhos de Lynda, Erika e Jesse transmutam-se em poderosas alegorias da condição da escultura na contemporaneidade – munidas, nesta reflexão, de artifícios como a ironia, o experimentalismo na manipulação dos materiais e um vasto léxico de referências, diretas e indiretas, à história da arte.

 

Veterana do trio, a produção de Lynda Benglis, está profundamente enraizada na história da arte norte-americana. Seus trabalhos começam a ganhar notoriedade no fim da década de 60, quando sua obra surge como uma resposta à predominância masculina na prática da fusão entre pintura e escultura, oriunda de movimentos como o Minimalismo e o Process art. Marcadas por uma forte fisicalidade, as esculturas da série “Elephant Necklace” criam relações dinâmicas entre massa e superfície, onde a matéria maleável se torna rígida e vice-versa, em um processo de congelamento do gesto. Também integram a exposição duas obras com bronze e pedra da década de 90, “Man/Landscape” e “Landscape II.”

 

Na produção da paulistana Erika Verzutti o gesto também ocupa uma posição elementar. O seu fazer escultórico revela-se na investigação da natureza de objetos mundanos, dentre frutas, vegetais e materiais próprios da prática artística. Repleto de humor, seu exercício de livre associação dá origem a trabalhos que distanciam-se de uma identificação imediata, frequentemente evocando narrativas pessoais e relacionadas à história da arte. “Mulher Fruta”, por exemplo, alude à idealização do corpo em uma escultura de papier machê e isopor, ao passo que “Dieta ” retrata, em bronze, uma curiosa torre com ovos e bananas.

 

A ênfase no material manifesta-se também na obra de Jesse Wine. O jovem artista elege a cerâmica como material predominante e através de técnicas tradicionais desafia noções de composição, forma e narrativa. Trabalhos como “Modern Emotion” e “So Human” , ambos de 2017, fazem alusão crítica à representação do corpo na escultura moderna, enquanto “Santa Fe” e outros da mesma série trazem arranjos que flertam com a paisagem.

 

 

De 28 de novembro a 27 de janeiro de 2018.

Raro Percurso – 52 anos da Galeria de Arte Ipanema

24/nov

A Galeria de Arte Ipanema, Rio de Janeiro, RJ, abre no próximo dia 28 de novembro, às 19h, a exposição “Raro Percurso – 52 anos da Galeria de Arte Ipanema”, marcando a inauguração de sua nova sede em prédio com projeto arquitetônico de Miguel Pinto Guimarães. Dirigida por Luiz Sève e sua filha Luciana Sève, a Galeria de Arte Ipanema passará a ocupar o andar térreo e metade do primeiro andar da construção com quatro andares e dois subsolos, que abriga ainda três unidades destinadas a escritórios empresariais. Ao longo do período de exposição será lançado o livro “Raro Percurso – 52 anos da Galeria de Arte Ipanema”, pela Barléu, com texto do crítico Paulo Sergio Duarte, capa dura, formato de 21cm x 25cm, e 100 páginas. “Espero que um jovem que começa sua coleção, um jovem artista ou, mesmo, crítico possam ter uma ideia, embora tênue, do contexto em que nasce a Galeria de Arte Ipanema”, escreve Paulo Sergio Duarte. Para ele, o percurso de Luiz de Paula Sève no mercado de arte e de sua galeria é “coisa raríssima, para não dizer única no Brasil”.

 

Com atividades ininterruptas, a Galeria de Arte Ipanema volta assim ao seu tradicional endereço no número 27 da Aníbal de Mendonça, onde se instalou em 1972, e mostra nesta exposição inaugural de seu novo espaço sua íntima relação com a história da arte, e a força de seu acervo. Serão exibidas cerca de 60 obras de mais de 50 artistas de várias gerações e diferentes pesquisas, expoentes da Arte Contemporânea e do Modernismo, entre eles grandes mestres da Arte Cinética, do Concretismo e do Neoconcretismo. Junto a pesos-pesados da arte, a exposição também reunirá pinturas de artistas mais jovens, como a norte-americana Sarah Morris, conhecida por suas pinturas geométricas de cores vibrantes, inspiradas principalmente na arquitetura das grandes metrópoles – e os paulistanos Henrique Oliveira e Mariana Palma.

 

Em uma verdadeira festa para o olhar, a exposição se inicia com seis pinturas cinéticas da série “Physichromie” de Cruz-Diez – artista representado pela galeria -, que oferecem três diferentes conjuntos de cores de acordo com a posição do espectador: de frente, caminhando da esquerda para a direita, ou no sentido contrário. Esses trabalhos se juntam a outros grandes nomes da arte cinética, como um óleo sobre tela da década de 1970 e um móbile dos anos 1960 de Julio Le Parc; uma versão em formato de 55 cm da espetacular “Sphère Lutétia” , uma das três obras de Jesús Soto na mostra; uma pintura de mais de 1,60m da série “W” de Abraham Palatnik , entre trabalhos de outros cinéticos, como o relevo de quase três metros de largura de Luis Tomasello.

 

 

Construtivismo e Neoconcretismo

 

De Sérgio Camargo estarão três significativos relevos em madeira pintada, e um deles, “Relief 13-83”, participou da Bienal de Veneza em 1966, onde o artista tinha uma sala especial com 22 obras. De Waltercio Caldas, integrará a mostra a escultura “Fuga”, esmalte sobre aço inox e lã. Um núcleo da exposição é composto por uma gravura de Richard Serra, pela obra “Maquete para interior”, de Lygia Clark, uma escultura em aço pintado de Franz Weissmann, uma escultura e uma pintura de Amilcar de Castro, duas pinturas de Aluísio Carvão e dois trabalhos de Ivan Serpa. A “Pintura nº 355”, do argentino Juan Melé , também integrará a mostra.

 

 

Mais pinturas – Abstracionismo, Expressionismo, Nova Figuração

 

Quatro pinturas de Alfredo Volpi – uma dos anos 1960 e três da década seguinte – também estarão na exposição, bem como conjuntos das famosas séries “Ripa” e “Bambu”, dos anos 1970, de Ione Saldanha, em têmpera sobre madeira. “52 anos – Um raro percurso” mostrará óleos sobre tela dos anos 1960 e 1950 de Tomie Ohtake e Manabu Mabe, dois artistas que participaram da exposição inaugural da Galeria Ipanema, em 1965. Arcangelo Ianelli, Abelardo Zaluar e Paulo Pasta também terão obras na mostra. A exposição apresentará pinturas de Iberê Camargo, Milton Dacosta, Maria Leontina, Jorge Guinle e Beatriz Milhazes. Raymundo Colares, artista que fez sua primeira individual na Galeria de Arte Ipanema, estará representado pela pintura “Midnaite Rambler”, em tinta automotiva sobre madeira. Wesley Duke Lee terá na exposição três pinturas em nanquim, guache e xerox sobre papel: “Nike descansa ”, “O Alce (Sapato com fita amarrando), e “Os mascarados”. “Tô Fora SP”, de Rubens Gerchmann, e duas pinturas de Wanda Pimentel, das décadas de 1970 e 90, se somam a quatro obras de Paulo Roberto Leal, artista que também teve sua primeira individual realizada pela Galeria Ipanema. Outros grandes nomes da arte contemporânea que integrarão a mostra são Frans Krajcberg, Cildo Meireles, Nelson Félix, Antonio Manuel e Vik Muniz.

 

 

Modernismo

 

Luiz Sève teve um contato privilegiado com grandes artistas, entre eles sem dúvida está Di Cavalcanti, de quem serão exibidas três óleos sobre tela. Outros grandes nomes do modernismo que estarão na exposição são Portinari, com a pintura “Favela”, Djanira, com “Sala de Leitura”, e Pancetti , com “Farol de Itapoan”.

 

 

Breve história de um raro percurso

 

A história da Galeria Ipanema se mistura à da arte moderna e sua passagem para a arte contemporânea, e seu precioso acervo é fruto de seu conhecimento privilegiado de grandes nomes que marcaram sua trajetória. Fundada por Luiz Sève, a mais longeva galeria brasileira iniciou sua bem-sucedida trajetória em novembro de 1965, em um espaço do Hotel Copacabana Palace, com a exposição de Tomie Ohtake e Manabu Mabe, entre outros. Até chegar à casa da Rua Aníbal de Mendonça, em Ipanema, em 1972, passou por outros endereços, como o Hotel Leme Palace e a Rua Farme de Amoedo.

 

 

Presença em São Paulo

 

De 1967 a 2002, Frederico Sève – irmão de Luiz – foi sócio da Galeria Ipanema, onde idealizou e dirigiu de 1972 a 1989 uma expansão em São Paulo, inicialmente na Rua Oscar Freire, em uma casa construída e especialmente projetada pelo arquiteto Ruy Ohtake. A Galeria Ipanema foi uma das precursoras a dar visibilidade ao modernismo, e representou, entre outros, com uma estreita relação, os artistas Volpi e Di Cavalcanti , realizando as primeiras exposições de Paulo Roberto Leal e Raymundo Colares. Nascido em uma família amante da arte, Luiz Sève aos 24 anos, cursando o último ano de engenharia na PUC, decidiu em 1965 se associar à tia Maria Luiza (Marilu) de Paula Ribeiro na criação de uma galeria de arte. Na família amante de arte, outro tio, o pneumologista Aloysio de Paula, médico de Pancetti, havia sido diretor do MAM. Luiz Sève destaca que é na galeria que encontra sua “fonte de prazer”. Uma característica de sua atuação no espaço de arte é “jamais ter discriminado ou julgado qualquer pessoa pela aparência”. “Há o componente sorte também”, ele ressalta, dizendo que já teve acesso a obras preciosas por puro acaso. A Galeria Ipanema mantém em sua clientela colecionadores no Brasil e no exterior, e já atendeu, entre muitas outras, personalidades como o mecenas da arte David Rockefeller, Robert McNamara – Secretário de Defesa do Governo Kennedy -, e o escritor Gabriel Garcia Marquez.

 

 

Até 23 de dezembro.

Charles Watson, curso no MAM-SP

16/nov

Pesquisas das últimas décadas tem modificado expressivamente o que entendemos como criatividade e inovação, e sugerem que talento (a habilidade inata para uma atividade), se é que existe, não é um fator significante na construção de uma vida de contribuições criativas. Ao contrário do que o senso comum afirma, criatividade não é uma qualidade livre e autônoma, pois não pode ser dissociada do investimento vertical em uma atividade ou linguagem específica. Pessoas são potencialmente criativas, mas para desenvolverem conhecimento tácito são necessários fatores como uma relação passional com o assunto, intensa curiosidade, persistência e a coragem necessária para identificar e enfrentar as dificuldades que sempre vão surgir ao longo de um processo. No mundo real, não é a inspiração que produz o trabalho, é o trabalho o que produz inspiração. Ter uma ideia na cabeça não é o suficiente, é preciso concretizá-la: “Poesia não é feita de ideias, é feita de palavras”, diz Mallarmé a Degas.

 

 

Metodogia

 

Investigando fatores culturais, históricos, psicológicos e neurocientíficos, os encontros mostram como novas tecnologias de pesquisa nestas áreas estão esclarecendo os mecanismos envolvidos em processos de inovação e pensamento criativo. Amplamente ilustrado com textos, imagens e entrevistas, o workshop traça a relação entre altos níveis de motivação e desempenho criativo otimizado. O “MasterClass Sol na Barriga” consiste em 5 palestras escolhidas a partir de um repertório de 14 temas disponíveis neste módulo – esta escolha será efetuada de acordo com as particularidades da composição do grupo.

 

 

Temas

  1. Criatividade Definição: convergent / divergent, tolerância a ambiguidade, sim e não
  2. Criatividade e Limites: o campo semântico / necessidade da restrição no sistema
  3. O Mentor: Os Ombros de Gigantes
  4. Paixão, Motivação Intrínseca: O Sol na Barriga
  5. Talento/Trabalho Intenso
  6. A Regra de 10: 10anos / 10.000 horas
  7. Um Leão Por Dia: Prática Deliberada
  8. Processo Puro: O melhor lugar no mundo / Síndrome do segundo produto
  9. Curiosidade: Mistério e Espanto
  10. Persistência: Penso, logo desisto
  11. A Plateia: Um mal necessário?
  12. Abdicação do “Eu”: Flow
  13. A Crack In Everything: a engenharia do erro / risco, erro, medo de errar
  14. Dinheiro, Sucesso, Ética Criativa: Sucesso como fracasso

 

 

Dia 24 de novembro das 19h às 22h30 / Dias 25 e 26 de novembro das 14h às 18h

Carga horária: 12 horas divididas em 3 dias intensos

Público: publicitários, designers, artistas, estudantes, professores e demais interessados no processo criativo.

Investimento: 5 parcelas de R$ 130,00.

 

 

Sobre Charles Watson

 

Charles Watson é educador e palestrante, especializado no Processo Criativo / Problem Solving e Desempenho Otimizado. Formado em Arte e Literatura pela Bath Academy / Bath University na Inglaterra, leciona na Escola de Artes Visuais do Parque Lage desde 1982. Suas numerosas conversas e entrevistas filmadas com criadores dentro e fora do Brasil deram início a uma extensa pesquisa sobre o processo criativo que hoje abrange várias disciplinas – ciência, negócios, literatura, música, filosofia e arte – focando nas similaridades encontradas na formulação de conceitos inovadores. Realiza palestras em empresas desde a década de 80, quando foi convidado a expor suas ideias para empresas como Coca-Cola, Shell, Deloitte Touche Tohmatsu e Arthur Andersen entre outras. Além dessas atividades acadêmicas e educacionais, Charles é um entusiasmado construtor de veleiros. A abrangência de suas experiências tem resultado em palestras únicas, provocativas e às vezes desconcertantes, abordando temas aparentemente tão distintos quanto sistemas complexos, física, música, arte contemporânea e esportes radicais, sempre com uma pitada de humor britânico.

 

Informação e inscrição cursos@mam.org.br ou 5085-1314 / Sócios do MAM têm 20% de desconto.

BIENALSUR chega ao Rio

13/nov

A Fundação Getulio Vargas, Botafogo, Rio de Janeiro, RJ, está na BIENALSUR – Bienal Internacional de Arte Contemporáneo de América del Sur. A iniciativa conecta 32 cidades de 16 países do mundo, reunindo mais de 250 artistas e curadores dos cinco continentes com a ideia de gerar uma rede global de colaboração associativa institucional para eliminar distâncias e fronteiras e reivindicar a singularidade dentro da diversidade.

 

A partir de 14 de novembro, a exposição “Natatório de Dipierro” é abrigada pelas formas projetadas por Oscar Niemeyer na Esplanada do Centro Cultural FGV. A construção, impregnada pela tradição da abstração modernista, é formada por peças que se envolvem em diálogos fortuitos com o espaço que as contém.

 

Entre o funcional e o inútil. Entre arte e ornamento. Entre abstração e arquitetura. Assim pode ser definido o trabalho da artista Marcolina Dipierro. O “Natatório de Dipierro” é uma série de quatro instalações ou situações que remetem a um complexo aquático que inclui trampolim, área de descanso, raias e vestiário.

 

“Trata-se de um tributo irreverente, fresco e sincero ao grande arquiteto Oscar Niemeyer e, fundamentalmente, às aspirações utópicas de uma arte total que integra, sem distinção ou hierarquia, arte, design, arquitetura e urbanismo”, destaca a artista argentina.

 

Com um modelo completamente inédito, a BIENALSUR busca acompanhar o pulsar das demandas da atualidade a partir da participação de artistas, curadores, colecionadores, críticos, jornalistas e o público geral. Com eventos multidisciplinares que acontecem em várias cidades da América do Sul, a BIENALSUR permite que entidades e empresas parceiras cumpram a meta de promover a responsabilidade social por meio da arte e da cultura.

 

Organizada pela Universidad Nacional de Tres de Febrero (UNTREF), desde o final de 2015, a BIENALSUR conta com o reitor Aníbal Jozami como Diretor Geral e Diana Wechsler como Diretora Artístico-acadêmica. É uma bienal de arte que, pela primeira vez na história das bienais, coloca vários artistas e cidades do mundo em relação de igualdade. Multidisciplinar, destaca-se ainda pelo o ineditismo de contar com diversos países promotores de uma mesma iniciativa e pelo protagonismo das instituições universitárias: 20 universidades de todo o mundo participam do projeto. Mais de 95% das obras que fazem parte da Bienal foram escolhidas através de duas seleções internacionais abertas, que receberam mais de 2.500 propostas de 78 países.

 

No Brasil, o Memorial da América Latina, na capital paulista, é um dos ícones da BIENALSUR, além do Museu de Arte Contemporânea de Sorocaba (SP), Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, Universidade Federal de Santa Maria (RS), Central do Brasil e Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro. Nas sedes nacionais poderão ser apreciados trabalhos de artistas de Madagascar, Argentina, Espanha e França. Em paralelo, a arte de brasileiros como Eduardo Srur, Regina Silveira, Shirley Paes Leme, Ivan Grilo, Vik Muniz, José Bechara, Cildo Meireles, Hélio Oiticica e Anna Bella Geiger, entre outros, irá compor esse intercâmbio cultural, com mostras na Argentina e no Peru.

 

A abertura da exposição será dia 14 de novembro, às 17h. A intervenção artística fica aberta à visitação do público até o dia 15 de dezembro na Esplanada do Centro Cultural FGV, no Rio de Janeiro, Praia de Botafogo, 186- Botafogo.

 

 

 

Paula Rego em filme

08/nov

Aconteceu dia 07 de novembro a projeção de filme: “Paula Rego, histórias e segredos”, na Carpintaria, Rua Jardim Botânico 971, Jardim Botânico, Rio de Janeiro. Vale a pena o registro do evento.

 

 

Sobre o filme

 

Conhecida por ser muito privada, Paula Rego revela-se pela primeira vez neste filme, surpreendendo o seu filho, o cineasta Nick Willing, com histórias e segredos da sua vida excepcional, uma vida de luta contra o fascismo, um mundo da arte misógino e a depressão.

 

Nascida em Portugal, um país sobre o qual o pai lhe disse que não era bom para as mulheres, Rego usou as suas imagens poderosas como uma arma contra a ditadura antes de se estabelecer em Londres, onde continuou a abordar questões sobre a situação da mulher como o direito ao aborto. Mas, acima de tudo, as suas pinturas são um vislumbre crítico sobre um mundo íntimo de tragédia pessoal, fantasias perversas e verdades constrangedoras.

 

Nick Willing combina um grande arquivo de filmes caseiros e fotografias de família com entrevistas que percorrem 60 anos de vida e imagens de Rego trabalhando no seu estúdio. E o resultado é um poderoso retrato pessoal da vida e obra de uma artista cujo legado vai sobreviver ao tempo, ilustrado visualmente em pastel, carvão e tinta a óleo.

 

“Paula Rego, histórias e segredos”, um filme de Nick Willing, Documentário, 93 min, Reino Unido, 2017.

 

Exposição relacionada: Paula Rego e Adriana Varejão/Até 11 de novembro.

Jazz de Matisse no Rio

31/out

Em cartaz na Caixa Cultural Rio, Centro, Rio de Janeiro, RJ, a exposição “Jazz” reúne 20 pranchas do pintor, desenhista e escultor francês Henri Matisse feitas especialmente para o álbum publicado em 1947. Impressas com a técnica au pochoir, as imagens variam da abstração a figuras de grande vivacidade, mescladas a um texto manuscrito impresso em fac-símile no qual Matisse (1869-1954) tece observações sobre assuntos diversos. O próprio autor esclarece que a composição aborda assuntos ligados ao circo, contos populares e viagens, com ritmo identificável aos sons de uma orquestra de jazz.

 

A técnica usada foi desenvolvida por Matisse no início da década de 1940, quando, obrigado a passar longos períodos na cama e na cadeira de rodas em recuperação de uma delicada cirurgia, o artista combinou desenho e pintura em colagens feitas com papeis recortados e coloridos com guache.

 

A mostra chegou ao Rio após temporadas de sucesso em Salvador, Brasília, Recife e Fortaleza. A curadoria é de Ana Paola Baptista.

 

 

Até 22 de dezembro.

Arte Cinética em Curitiba

25/out

A Simões de Assis Galeria de Arte, Curitiba, Paraná, promove até o dia 16 de dezembro a exposição coletiva “Arte Cinética Latino-Americana”.

 

Panorama sobre a arte cinética na América Latina

Felipe Scovino

 

O recorte para essa exposição possui mais uma particularidade além de estarem sendo apresentadas obras de arte cinéticas produzidas por artistas latino-americanos. Outro ponto de inflexão é o fato que o início da produção de arte cinética nas Américas coincide com o processo de modernização de grande parte desse continente. A mostra reúne a produção de três países (Argentina, Brasil e Venezuela) que entre os anos 1950 e 1970 passaram por profundos processos de industrialização, alargamento de políticas de importação, reformas amplas de infraestrutura em seus núcleos urbanos, diferentes práticas de uma arquitetura moderna e um desenvolvimento nunca antes visto na América Latina. Essa política de aporte financeiro e prosperidade – que pode ser exemplificada na construção de Brasília e no Plano de Metas (“50 anos em 5”) de Juscelino Kubitschek, ou na indústria petrolífera venezuelana ou ainda na rica vida cultural de Buenos Aires – possibilita um campo frutífero para as artes. Entre o fim dos anos 40 e o início dos anos 50 no Brasil assistimos a um amplo processo de institucionalização das artes com a fundação dos primeiros museus de arte moderna no Rio de Janeiro e em São Paulo (1948), além do MASP (1947) e da I Bienal de São Paulo (1951). Esta rede institucional permitiu a realização de importantes mostras de artistas internacionais no país, desde Calder a Picasso, passando pela importante mostra Pop na Bienal de 67, assim como possibilitou a emergência de uma nova geração de artistas brasileiros. E é aqui que se encontram os cinéticos. Desde 1950, Palatnik desenvolvia os seus Aparelhos cinecromáticos. O fascínio pelo movimento do jogo de luzes e o aspecto lúdico que o Cinecromático possui não podem mascarar uma importância que é singular nessa obra: não apenas marca o pioneirismo da arte cinética no mundo, mas essa invenção dialoga intensamente com a produção cinética na Europa e na América do Sul, particularmente na Argentina e na Venezuela, assim como amplia o conceito de pintura.

 

Em 1948, Mary Vieira realiza seus Polivolumes, torres vazadas, feitas em alumínio anodizado, formadas por semicírculos móveis em que o espectador, agora transformado em participante, escolhe a posição destes. Essas estruturas são móveis apenas no sentido horizontal. Se nos Aparelhos cinecromáticos e nos Objetos Cinéticos de Palatnik, o movimento e a participação se dão de forma autônoma em relação ao espectador – o que não acontecerá nas suas pinturas de matriz construtiva, a série W apresentada nessa mostra, já que a mobilidade do espectador frente a elas causa uma nova proposta para a ideia de movimento, dinâmica, e confronta a suposta rigidez que uma pintura teria -, os Polivolumes anteciparam de certa forma questões encontradas nos Bichos (1959-1964) de Lygia Clark. Nesses dois últimos exemplos, a obra é o molde para a nossa vontade.

 

O que temos nessa mostra, referindo ao campo de produção da arte brasileira, é a reunião de 4 artistas que tiveram participação fundamental no processo de pensar a simbologia do moderno. Abraham Palatnik, Antonio Maluf, Sérvulo Esmeraldo e Ubi Bava, cada um a seu modo, constituíram uma aproximação entre arte e ciência e pavimentaram a arte cinética no país.

 

No caso Relevo progressivo (série realizada a partir dos anos 1960) de Palatnik, o sequenciamento dos cortes na superfície do material – cartão – cria camadas ou ondas que variam dependendo da profundidade e localização do corte. O uso do papel-cartão leva à execução de ritmos e sinuosidades de grande impacto visual. Relevos também se desmembrou a partir dos anos 1990 na série W. Saiu o cartão ou o metal e entrou a tinta acrílica. O artista pinta telas abstratas que servem como ‘base’ para as futuras pinturas cinéticas. Num segundo estágio, o corte a laser fatia a pintura em réguas finíssimas. Depois, movimentando as varetas do ‘quadro fatiado’ no sentido vertical, ‘desenhando’ o futuro trabalho, o artista constrói um ritmo progressivo da forma, conjugando expansão e dinâmica visual. É importante destacar que o caráter cinético dessas obras se dá pela forma em como o espectador se coloca defronte a obra, isto é, a cada mudança de perspectiva dele, a pintura cria novas percepções e imagens.

 

Antonio Maluf foi o autor do cartaz da I Bienal de São Paulo. Artigo raríssimo em exposições, esse cartaz é um dos marcos do design brasileiro e das experimentações artísticas daquele momento. Os elementos estruturais do desenho, feito em três versões, reiteram e enfatizam o formato retangular do suporte. À medida que são reduzidos, os retângulos se adensam em direção ao centro do papel, projetando uma perspectiva tanto espacial quanto temporal. Todo esse conjunto de elementos é integrado ao formato do cartaz e o movimento das linhas paralelas, em duas cores, resultantes do seu perímetro, permite uma vibrante miragem óptica. Figura e fundo não conseguem diferenciar-se, são alternâncias constantes.

 

Maluf ainda dará início, na década de 1950, à produção das séries Progressões crescentes e decrescentes e Equação dos desenvolvimentos em progressões crescentes e decrescentes, realizadas em guache sobre papel, num primeiro momento, e depois com tinta acrílica sobre madeira. Nesse conjunto percebemos que a linha é transformada, por ilusão óptica, em vibração, o material em energia. Quando o espectador se movimenta diante destas obras, o fundo fragmenta a linha de cores, de modo que ele se apresenta como uma série de pequenos pontos flutuando no espaço. Eis a matemática se metamorfoseando em estruturas vibratórias a serviço de uma nova experiência de mundo para o sujeito. Em Equação dos desenvolvimentos (década de 1980), o artista elimina a dimensão física do quadro, privilegiando as construções gráficas. O exercício cinético, provocado pela repetição em série de estruturas monocromáticas, explora processos perceptivos de criação e recriação da forma (tem-se a sensação de multiplicação de quadrados num regime de tempo e espaço interminável).

 

Na série Homenagem ao espectador, realizada ao longo dos anos 1970, Ubi Bava adotou uma forma de experimentação utilizando superfícies construídas com espelhos ou unidades visuais modulares que captam o ambiente e a imagem do espectador. Os limites do círculo e a sua capacidade de reflexão são as unidades motoras do artista. Ademais, não há a preocupação apenas, como se isso fosse pouco, em experimentar novas capacidades cinéticas e propor a participação do espectador como um sujeito ativo e constituinte da obra, mas também a percepção em construir e organizar um estado pictórico. Esta analogia se faz presente na escolha e na ordem com que compõe os espelhos multicoloridos sobre o acrílico. Há o pensamento de um pintor articulando formas e cores naquela superfície.

 

E737, de Sérvulo Esmeraldo, é um exemplar dos mais importantes da sua icônica série Excitáveis. Produzida a partir de 1964, essa série é formada por caixas-objeto, feitas em acrílico, com elementos movimentados por eletricidade estática gerada pelo espectador quando a superfície da obra é tocada. Esmeraldo resolvia simultaneamente os desafios de fazer uma arte de participação do espectador e de estabelecer uma linguagem cinética sensível. Excitáveis retorna à problemática do acaso: a repetição exata de movimento, por mais complexa que seja, torna-se monótona na ideia do artista. Deve ser exercido algum controle. Isso é geralmente obtido pela descoberta de alguma relação entre os elementos nas caixas que se mantêm constantes no decurso de toda e qualquer variação de movimento. Excitável, aqui, diz respeito à ação de colocar em movimento. Como afirma Matthieu Poirier, “cabe ao espectador a função de carregar negativamente a obra, esfregando vigorosamente a mão na superfície da caixa, fazendo que a tal superfície atraia e tire da inércia as diversas linhas cuja carga é positiva.”[1] Essa ação do espectador desorganiza a ordem pré-estabelecida; o que era razão transforma-se em caos. De forma efêmera, criando um tempo próprio de nova aparição e organização para a obra, o gesto do espectador articula uma poderosa ligação entre arte e ciência, e ainda entre o que existe e não necessariamente é visto a olho nu, como novamente afirma Poirier: “Disfarçada pela impressão unicamente telecinética de produzir o deslocamento de objetos a distância, a obra nos torna conscientes da capacidade motriz das forças elétricas invisíveis que nos circundam e nos constituem” [2].

 

As vanguardas geométricas se estabelecem na Venezuela e na Argentina, respectivamente, com as operações de Alejandro Otero, Carlos Cruz-Diez, Gego e Jesús Rafael Soto e do Grupo Madí. Como afirma o manifesto do grupo argentino feito em 1946:

 

Madí confirma o desejo do homem de inventar objetos ao lado da humanidade lutando por uma sociedade sem classes que libera a energia e domina o espaço e o tempo em todos os sentidos, e a matéria em suas últimas consequências.[3]

 

O terreno para a abstração, particularmente o cinetismo, na Venezuela se deu no começo dos anos 1960. Cruz-Diez segue caminhos que poderíamos chamar de “um espaço extra-pictórico”, muito próximos aos de Soto. Suas obras iniciais lançam a cor ao espaço por meio da luz reflexiva: o fundo da pintura se transformava numa espécie de tela branca, destinada a receber os reflexos de luz. De certa forma, se apoia nessa presença corpórea da obra (e aqui as estruturas vibratórias de Soto entram na discussão) para aprisionar a luz projetada em direção ao espaço, assim como, mais tarde, utilizará meios transparentes para alcançar o maior grau possível de imaterialidade, como são os casos das duas obras apresentadas na mostra. Em Color Aditivo Panam 7 (2010) e Physichromie Panam 226 (2015) observamos que as figuras construídas sobre o plano promovem um contínuo jogo de alternância entre figura e fundo de modo a confundir as suas respectivas fronteiras. Sem dúvida, esse conjunto de retângulos almeja conquistar o espaço. Notem, portanto, as relações frutíferas entre essa qualidade de arte cinética e as práticas de uma arquitetura moderna na América Latina. Vejam os casos do arquiteto venezuelano Carlos Raúl Villanueva, muito próximo a Soto e Cruz-Diez, e também Niemeyer. Ambos tornaram curvas as retas, possibilitando uma outra linguagem e visualidade para o elemento concreto. Sobre a obra de Soto aqui apresentada, é importante dizer que além de colocar em suspenso a tradicional oposição entre figura e fundo, em que não se sabe qual é qual, resultando em uma disposição não mais hierarquizada, o encontro das linhas que atravessam essa obra desperta a geometria lírica desse artista. Eis o fenômeno da vibração – mais que ótica – que este cruzamento provoca. É uma tensão por estarem tais linhas no mesmo plano indicando um “nó espacial, que mesmo Mondrian deixa em suspenso ao eliminá-las em sua última fase” [4]. Há algo de musical, mágico e lúdico nessa obra. O plano se torna ativo ou é constantemente reativo pelo espectador. Daí artistas como Soto e Palatnik se declararem como pintores, apesar da pintura de ambos lidar com elementos tridimensionais. As hastes de Soto alteram discretamente a estabilidade do horizonte, e a escultura com motor de Kosice caminha pelo mesmo interesse. É a própria obra posta em questão, ameaçando os seus limites, experimentando as suas várias possibilidades, de forma intensa. Estava em questão o envolvimento total do espectador e a potencialização de toda a sensorialidade. A repetição e a progressão, causadas pelo acionamento do motor, estão entre os modos possíveis de suscitar uma ultrapassagem em direção ao ilimitado. O mundo é movimento, ou melhor, cinético, estando muito além do estritamente visual. E a obra quer acompanhar este modo de ser e se converte em obra-motor, obra-movimento. Ela entra em dissolução, se refaz no contato com o espectador, diminuindo sua distância com ele e exigindo sua participação. Eis a sua riqueza e contribuição: a obra é o espaço sensorial, ativo e mobilizador da vontade e da consciência do sujeito.

 

Luis Tomasello e Julio Le Parc são dois artistas argentinos de primeira ordem mas que fazem parte da geração seguinte ao do Madí. As obras desse último se caracterizam pelo uso da luz como componente central e como ela pode gerar, conectadas a motores, formas no espaço. Entretanto, nas duas obras do artista que estão na exposição notamos a associação entre luz e cor. A série Modulation destaca o largo potencial de variações cromáticas que a pintura pode oferecer. Tratam-se de obras baseadas em elementos geométricos, que utilizam as reações fisiológicas de percepção ótica. Os movimentos do espectador modificam as imagens que a pintura pode oferecer. Ela deixa de ser algo estritamente estático para nesse campo da interação (claro, guardadas as especificidades de uma interação entre espectador e obra bidimensional) promover a multiplicação das imagens. Já Atmospheres chromoplastiques nº 446 e nº 972 e Objet Plastique nº 897, todas de Tomasello, fazem uso de estruturas em relevo onde a ocupação do espaço tridimensional é o desejo maior. O volume que é dado pelas estruturas em madeira se transforma em fluxo e logo se faz tridimensional. A projeção de sombras sobre as madeiras promove uma espécie de expansão dessas formas. É através de uma economia de elementos que o artista promove uma larga experimentação envolvendo planos ilusórios, expansão das formas no espaço e a relação intrínseca entre luz, cor e forma. Em Atmosphere chromoplastique no508, se instala o conceito da ambiguidade e da desorientação ópticas através de ritmos aleatórios e padrões geométricos. A obra associa uma severa destreza técnica, conservando o rigor construtivo, com a delicada gestualidade de traços que deixam de se articular ao perímetro do quadrado para se dirigirem ao centro do quadro e desaguarem no ilusionismo óptico.

 

Essa é uma exposição de fôlego e muito importante para que tomemos conhecimento sobre a produção cinética nesses 3 países e os laços e as diferenças que podem ser analisados quando essas obras ocupam o mesmo espaço. Assinalo que os artistas dessa mostra não foram considerados de vanguarda apenas em seus respectivos países mas no mundo. A produção cinética latino-americana é uma das mais respeitadas no âmbito crítico e institucional, afirmando a qualidade e a pertinência desses artistas.

 

[1] POIRIER, Matthieu. Os Excitables de Esmeraldo ou cinetismo em viveiro. In: AMARAL, Aracy (org). Sérvulo Esmeraldo. São Paulo: Pinacoteca do Estado, 2011, p. 119-121.

[2] Idem, p. 121.

[3] Cf. QUINN, Arden; KOSICE, Gyula. Manifesto Madí. In: AMARAL, Aracy A. (org). Projeto construtivo brasileiro na arte: 1950-1962. Rio de Janeiro: MAM; São Paulo: Pinacoteca do Estado, 1977, p. 62-64.

[4] VENANCIO FILHO, Paulo. Soto: a construção da imaterialidade. Rio de Janeiro: Centro Cultural Banco do Brasil, 2005.

Histórias da sexualidade no MASP

20/out

O sexo é parte integral de nossa vida e, sem ele, sequer existiríamos. Por isso, a sexualidade tem desde sempre ocupado lugar central no imaginário coletivo e na produção artística. A exposição Histórias da sexualidade traz um recorte abrangente e diverso dessas produções. O objetivo é estimular um debate – urgente na atualidade -, cruzando temporalidades, geografias e meios. Episódios recentes ocorridos no Brasil e no mundo trouxeram à tona questões relativas à sexualidade e aos limites entre direitos individuais e liberdade de expressão, por meio de embates públicos, protestos e violentas manifestações nas mídias sociais. O MASP, um museu diverso, inclusivo e plural, tem por missão estabelecer, de maneira crítica e criativa, diálogos entre passado e presente, culturas e territórios, a partir das artes visuais. Esse é o sentido do programa de exposições, seminários, cursos, oficinas e publicações em torno de muitas histórias — histórias da infância, da sexualidade, da loucura, das mulheres, histórias afro-atlânticas, feministas, entre tantas outras.

 

Concebida em 2015, esta exposição é fruto de longo e intenso trabalho, e foi antecedida por dois seminários internacionais realizados em setembro de 2016 e em maio de 2017. A exposição se insere em uma programação anual do MASP totalmente dedicada às histórias da sexualidade, que em 2017 inclui mostras individuais de Teresinha Soares, Wanda Pimentel, Miguel Rio Branco, Henri de Toulouse-Lautrec, Tracey Moffatt, Pedro Correia de Araújo, Guerrilla Girls e Tunga. São mais de 300 obras reunidas em nove núcleos temáticos e não cronológicos – “Corpos nus”, “Totemismos”, “Religiosidades”, “Performatividades de gênero”, “Jogos sexuais”, “Mercados sexuais”, “Linguagens” e “Voyeurismos”, na galeria do primeiro andar, e Políticas do corpo e “Ativismos”, na galeria do primeiro subsolo. A mostra inclui também a sala de vídeo no terceiro subsolo, como parte do núcleo “Voyeurismos”. Algumas obras de artistas centrais de nosso acervo – como Edgard Degas, Maria Auxiliadora da Silva, Pablo Picasso, Paul Gauguin, Suzanne Valadon e Victor Meirelles – são agora expostas em novos contextos, encontrando outras possibilidades de compreensão e leitura. Ao lado delas, uma seleção de trabalhos de diferentes formatos, períodos e territórios compõem histórias verdadeiramente múltiplas, que desafiam hierarquias e fronteiras entre tipologias e categorias de objetos da história da arte mais convencional – da arte pré-colombiana à arte moderna, da chamada arte popular à arte contemporânea, da arte sacra à arte conceitual, incluindo arte africana, asiática, europeia e das Américas, em pinturas, desenhos, esculturas, fotografias, fotocópias, vídeos, documentos, publicações, entre outros.

 

Nessas histórias, não há verdades absolutas ou definitivas. As fronteiras do que é moralmente aceitável deslocam-se de tempos em tempos. Esculturas clássicas que são ícones da história da arte não poucas vezes tiveram o sexo encoberto. Também os costumes variam entre as culturas e civilizações. Em diversas nações europeias e comunidades indígenas, é natural a nudez exposta em lugares públicos; a poligamia é aceita em alguns países islâmicos; a prostituição é prática legal em alguns estados e condenada em outros; há países onde o aborto é livre mas há outros onde é proibido. Até mesmo o conceito de criança mudou ao longo do tempo, assim como as regras de especificação etária.

 

O único dado absoluto, do qual não podemos abrir mão, é o respeito ao outro, à diferença e à liberdade artística. Portanto, é preciso reafirmar a necessidade e o espaço para o diálogo e que se criem condições para que todos nós – cada um com suas crenças, práticas, orientações políticas e sexualidades – possa conviver de forma harmoniosa.

 

A exposição “Histórias da sexualidade” tem curadoria de Adriano Pedrosa, diretor artístico do MASP, Lilia Schwarcz, curadora-adjunta de histórias do MASP, Pablo León de la Barra, curador-adjunto de arte latino-americana do MASP e Camila Bechelany, curadora assistente do MASP. A classificação etária de “Histórias da Sexualidade” é de 18 anos. Desta forma, de acordo com a regulamentação vigente, é restritiva para menores de idade, mesmo com autorização ou acompanhamento de responsável.

 

 

Até 14 de fevereiro de 2018.

22 anos da Ricardo Camargo

16/out

Em comemoração a seus 22 anos, a Ricardo Camargo Galeria, Jardim Paulistano, São Paulo, SP, exibe as exposições “Ismael Nery” e “Recorte Modernista”. A exposição coletiva “Recorte Modernista” apresenta ao público um recorte amplo do Modernismo Brasileiro: são 40 obras de um período que teve início com a famosa mostra de Anita Malfatti, em 1917, e que seguiu até o começo do abstracionismo com Antônio Bandeira, nos anos 1950. Di Cavalcanti, Tarsila, Portinari, Volpi, Antonio Gomide e Lasar Segall são alguns dos artistas que preenchem o espaço entre esses dois extremos que abraçam a arte moderna brasileira. Entre os destaques reunidos na Ricardo Camargo Galeria estão desenhos primorosos de Di Cavalcanti. Em “Carnaval” e “Três figuras com tambores” e “Bordel”, o artista cria um retrato amoroso, colorido e brilhante do país, distinguindo-se dos outros modernistas por seu calor e sensualidade. Clima semelhante encontra-se em “Circo”, de Cícero Dias, e em “Parque de diversões”, guache e nanquim de Djanira da Mota e Silva, de seu período em Nova York.

 

Portinari se soma ao grupo com o guache “O espantalho” tema que é retomado e atualizado pelo artista dois anos depois, em “Espantalho”, em Paris, com maior influência, inclusive, das vanguardas da época. “Celebração cubista”, de Antonio Gomide, deixa clara a formação e longa vivência européias do pintor, que conheceu Picasso e começou sob a influência do Cubismo. Entre as raridades que compõem a mostra, está “Paisagem antropofágica com bicho”, grafite sobre papel de Tarsila do Amaral. Outra exceção à regra da exposição é uma obra de Diego Rivera, seu contemporâneo mexicano, com “Camponesa”. Antônio Bandeira encerra a exposição, sendo o único representante da corrente abstrata. Entre as pinturas apresentadas, estão “Montparnasse” e “Saint-Germain”.

 

O papel como suporte ganha cada vez mais relevância nos grandes museus e nas mais importantes coleções do mundo. “Um bom papel é mais importante, vale mais a pena que uma tela mediana. Enriquece-nos, em vez de apenas enfeitar uma parede”, afirma o marchand Ricardo Camargo, que assina a curadoria. Ainda segundo o curador, museus especializados, como o Albertina, em Viena, e o próprio Museu do Vaticano, têm coleções monumentais de papéis feitos há séculos e que resistem perfeitamente ao tempo.

 

Victor Brecheret marca uma das exceções à regra das mostras com a escultura “Dama Paulista”, representação de Olívia Guedes Penteado, incentivadora e mecenas de várias personalidades modernistas e uma das organizadoras da Semana de 22. “Além de, por sua qualidade, constituir uma obra para museus, aqui ela está absolutamente oportuna e justificada”, afirma o curador.

 

 

A palavra do curador

 

O papel dos modernistas

 

Sabe-se que em épocas de crise todos procuram estabilidade e segurança. Assim acontece também no mercado de arte, quando os colecionadores se voltam para os clássicos, os valores já firmados na história. Esta é uma exposição dos clássicos do modernismo no Brasil, entendendo-se modernismo em sentido amplo. Vai de Anita Malfatti, sua protomártir em 1917, até o começo do abstracionismo, com Antônio Bandeira, nos anos 1950. Entre esses extremos, os grandes nomes como Di Cavalcanti,Tarsila, Portinari, Volpi, Gomide, Segall e – constituindo na verdade uma sala especial,uma outra exposição em separado, com outro catálogo – Ismael Nery. Há muito tempo não se reúne um conjunto tão importante e expressivo do grande Nery, com 25 obras, das quais várias participaram de Bienais e exposições em museus. Para a galeria, ao completar 22 anos, é uma honra e um prazer fazê-lo.

 

As duas exposições constam de arte sobre papel – ora desenho propriamente dito,ora pintura (porque também se pinta sobre papel). No Brasil, percebemos que em geral o papel como suporte não tem, infelizmente, o prestígio que tem em todo o primeiro mundo e mesmo nas coleções brasileiras de maior importância. As de Gilberto Chateaubriand e de Hecilda e Sérgio Fadel, as mais completas e famosas, são ricas   em papeis. Creio que há um preconceito a cercar esse tipo de produção, supondo-se – inexatamente – que o papel é mais frágil, mais perecível, mais inadequado que a tela para a longa duração. É verdade que ele exige cuidados, mas a tela também: mal  conservada, ela se deteriorará. Museus especializados, como o Albertina, em Viena, e o próprio Museu do Vaticano, têm monumentais coleções de papeis feitos há séculos que resistem perfeitamente. Por outro lado, talvez exista também a falsa noção de que esteticamente a obra sobre papel é menos nobre, menos completa que a pintura ou a escultura. Isso nem precisa ser discutido. É uma ideia superada, já que hoje todas as hierarquias foram abolidas e as novas técnicas são mais numerosas que as antigas.Com certeza absoluta, um bom papel é mais importante, vale mais a pena, que uma pintura medíocre. Enriquece-nos, em vez de apenas enfeitar uma parede.

 

Há duas exceções às regras nesta mostra. Primeiro, a inclusão de um desenho-quase pintura de um não brasileiro da mesma época do nosso modernismo: Diego Rivera, o mais ilustre muralista mexicano. É que, tendo surgido a oportunidade de mostrá-lo, a galeria não poderia deixar passá-la: é um trabalho excepcional, de grande força expressiva.  Segundo, a presença de uma escultura de Victor Brecheret. Além de, por sua qualidade, constituir uma obra para museus, aqui ela está absolutamente oportuna e justificada. Trata-se de um retrato de Dona Olívia Guedes Penteado, a grande patrona do modernismo brasileiro. Certamente a aura dessa peça e a memória benfazeja de Dona Olívia trazem bons augúrios e contribuirão para o sucesso da exposição.

Ricardo Camargo

 

 

Até 18 de novembro.