Nova artista na Bergamin & Gomide

12/mai

 

 

A Bergamin & Gomide, Jardins, São Paulo, SP, tem o prazer de anunciar a representação da artista Maria Lira Marques e sua primeira exposição individual na galeria, no segundo semestre de 2021. Maria Lira faz parte de uma longa e profícua linhagem de artistas no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, entre os quais se incluem Isabel Mendes da Cunha, Noemisa Batista dos Santos e Ulisses Pereira Chaves. Assim como muitos desses ceramistas, ela se iniciou nas artes visuais trabalhando com o artesanato utilitário pelo qual a região é conhecida. Porém, como não se considerava hábil para a olaria tradicional, passou a desenvolver experimentalmente criações próprias, buscando nas raízes da cultura popular a inspiração para suas obras. Nos anos 1970, Maria Lira começou a expor seu trabalho autoral em cerâmica, como bustos, presépios e as máscaras antropomórficas evocativas da sua herança africana e indígena.

Maria Lira traça a genealogia de sua vocação artística a partir da influência de sua mãe, que trabalhava como lavadeira e exercia em paralelo seus dons manuais com a cerâmica. Paralelamente à cerâmica, Maria Lira desenvolveu uma pesquisa musicológica a partir da forte tradição oral de sua região. Desde os anos 1990, ela vem se dedicando ao corpo de obra pelo qual se tornou mais conhecida, Bichos do Sertão, pinturas de animais imaginários que compõem um vasto bestiário que se caracteriza pela integração de sua linguagem gráfica com a paisagem sertaneja. Essas obras são desenhadas com uma mistura de barro e cola sobre papel ou seixos rolados, usando paleta cromática terrosa e texturas orgânicas, resultando em superfícies pictóricas de forte impacto visual.

Além de ser uma artista com mais de quarenta anos de carreira, Maria Lira é também uma pesquisadora, ativista e divulgadora da cultura popular, sobretudo das raízes indígenas e negras, que, como ela aponta, normalmente são invisibilizadas e negligenciadas pela sociedade. “O negro como o índio são as pessoas mais massacradas pela sociedade”, disse a artista em uma entrevista de 1983. “Não que a opressão esteja somente nessas minorias, pois que está geral, mas a gente vê muito bem e sente na pele que o negro, às vezes, não é aceito pela sociedade; o índio você vê que também está muito explorado (…). E [esta] é a minha cultura.”

Em 2010, ela participou da fundação do Museu de Araçuaí, em parceria com frei Xico, o frade holandês Francisco Van der Poel, com quem mantém interlocução há cinco décadas. O museu foi criado com o objetivo de abrigar um acervo de objetos e documentos que registram a religiosidade, os usos e costumes e os ofícios que constituem a história de Araçuaí, um dos principais polos de cultura popular do país.

Maria Lira fez sua primeira exposição em 1975 no Sesc-Pompeia, em São Paulo, e já expôs em diversas instituições no Brasil e internacionais, em países como Bélgica, Holanda, Dinamarca, França e Estados Unidos. Sua obra foi estudada pela pesquisadora Lélia Coelho Frota, uma das principais autoridades em arte popular brasileira, e em 2007 sua trajetória foi homenageada em uma peça com seu nome dirigida por João das Neves.

É, portanto, com muita alegria que a Bergamin & Gomide passa a representar, em parceria com a mineira AM Galeria, essa grande artista, ampliando o reconhecimento merecido de sua obra. Sua exposição individual, prevista para o segundo semestre deste ano no novo espaço expositivo, a casa projetada por Flávio de Carvalho, será acompanhada por um ensaio inédito do crítico e curador Rodrigo Moura, curador chefe do El Museo del Barrio, em Nova York.

 

Tudo o que você me der é seu: prosas de mulheres na arte popular

13/jan

 

Arte popular

A exposição “Tudo o que você me der é seu: prosas de mulheres na arte popular” encontra-se em exibição até 30 de janeiro na Central Galeria, Vila Buarque, São Paulo, SP. É arte de raiz popular de alta qualidade vista através dos trabalhos das artesãs Nilda Neves, Lira Marques, Rosana Pereira e Efigênia Rolim, “quatro artistas com produções permeadas por símbolos de identidade, consistência e particularidades”. Texto do curador Renan Quevedo

 

Tudo o que você me der é seu: prosas de mulheres na arte popular Antes de tudo que vem a seguir, houve silêncio.

 

É louvável notar que, nos últimos anos, as instituições de arte tenham revisto seus históricos e esforços a respeito da diversidade em seus acervos. A fim de reconhecer locais de fala e trazer novas vozes argumentos para uma discussão mais democrática e pagar a vergonhosa dívida secular com grupos invisibilizados, projetam exposições em que o norte é o equilíbrio. A mostra Tudo o que você me der é seu – prosas de mulheres na arte popular é uma delas; traz as obras de quatro mulheres de diferentes origens, gerações e repertórios.

 

 

Faço minhas as palavras de Paulo Rezutti: “Não! As mulheres não precisam de mais um homem para falar por elas. A mulher brasileira tem voz própria há anos”.  Aqui, oferecemos o espaço para essas artistas cujas obras falam por si mesmas. Com o Novos Para Nós, me proponho a contar as histórias que presencio e escuto sobre a obra e a vida, que nunca se desassociam, dos artistas populares (utilizarei este termo, embora com ressalvas). Ainda que 77% dos artesãos brasileiros sejam mulheres, a agenda artística e cultural se mantém distante dessa realidade. É um apagamento? Na exposição, buscamos contextualizar as histórias vividas, inventadas e testemunhadas por Nilda Neves, Lira Marques, Rosana Pereira e Efigênia Rolim, quatro artistas com produções permeadas por símbolos de identidade, consistência e particularidades.

Fazendo uso de barro, papel, plástico, tinta, tecido e metal, entre tantos outros materiais, as quatro artistas tecem narrativas. De acordo com Walter Benjamin (1892-1940), a prática da arte de narrar está ligada às mais antigas formas de trabalho manual. Ao passo que os homens saíam para caçar, as mulheres ficavam responsáveis pela produção de cestaria, bordado, tapeçaria e trançado, além da propagação para as próximas gerações, trocando experiências.

 

Nilda Neves (1961) é natural do sertão de Botuporã (BA). Bisneta de tupis-guaranis, estudou contabilidade e foi professora de matemática e comerciante, entre outras profissões. Em São Paulo, virou dona de bar. Os calotes a forçaram a ser manicure, o que só fazia a clientela gritar de dor. Nilda conta, gargalhando, que foi colocada para cortar cabelo – “e eu nunca tinha cortado nem cabelo de rato” . Como pagamento de uma dívida, ganhou três DVDs: dois não funcionaram e o terceiro mostrava um religioso lendo um livro. A situação, que a deixou revoltada, também trouxe ideias: “Vou escrever o meu livro”. Uma sequência de páginas com histórias, crônicas e pensamentos sobre a vida tomou forma. Com a falta de dinheiro, Nilda se viu forçada a fazer o desenho para a capa. As pessoas gostaram do que viram dentro e fora do livro e a incentivaram no novo ramo.

 

Nilda, então, começou a pintar telas com temáticas referentes à vida no sertão, retratando tempos e costumes: cangaceiros, retirantes, atividades manuais, animais, paisagens, comidas, profissões, vínculos afetivos, conflitos e folclore. Lançou mão de pinceladas arrastadas e secas, que preenchem a tela e dão origem a texturas e padrões. O bom humor, uma das características mais marcantes no trabalho de Nilda, divide espaço com lamentos, introspecções, solitudes e vazios. “Me chamavam de artista plástica, mas eu dizia que não era porque achava que esse termo era pra quem fazia arte com plástico”, conta rindo. “O que as pessoas acham feio, eu acho bem bonito.”  

Lira Marques (1945), nascida em Araçuaí (Vale do Jequitinhonha, MG), tem um diálogo com a natureza em diversas formas. Sabe e entende que veio da terra e que para ela voltará. Sua mãe fazia bonecas de pano e presépios de barro para presentear os vizinhos, e assim foi despertada a curiosidade de Lira: ainda criança, começou a fazer pequenas esculturas com cera de abelha, posteriormente se dedicando à cerâmica. Os desenhos em papel e pedra – que hoje são seu carro-chefe – só surgiram em 1994, após fortes dores nos braços. Hoje, Lira coleciona diferentes tons de pigmentos minerais que encontra pela região e aplica em seu trabalho, além de investigar e acumular um conhecimento inesgotável sobre a cultura popular, o comportamento, a música, os habitantes e sobretudo a vida dos que lá persistem.

 

 

A série aqui exposta foi batizada por Lira de “Meus bichos do sertão”. São representações feitas em barro com traços da economia e da estética rupestres: figuras bípedes e quadrúpedes que se assemelham a aves, répteis e anfíbios e, frequentemente, são híbridos entre real e imaginário. Os animais são definidos por seus bicos, penas, chifres e rabos; ora sozinhos, ora acompanhados por seus ovos, índices da flora e minerais. Em determinados momentos, Lira agrupa elementos em formas ovaladas que sugerem exposição em pedras e pastos, reclusão em cavernas e buracos; ou, ainda, os escava como uma arqueóloga da própria vida e história. A aridez estética é marcada pelo relevo da matéria-prima e reforçada pelos ângulos agudos das extremidades dos bichos. Podem ser “mansos, mas também ariscos” – está pronta para soltá-los em troca de proteção e adiamento dos apocalipses.

 

 

Também do Vale do Jequitinhonha, Rosana Pereira (1988) nasceu em Caraí (MG) com uma bolinha de barro nas mãos. Filha, neta, bisneta, tataraneta de ceramistas – e aqui nos perdemos na incerteza de sua árvore genealógica, mas seguros da atividade quase tricentenária na região – desde pequena foi iniciada na modelagem do barro. A produção de Rosana é diretamente ligada à produção de seu avô, Ulisses Pereira Chaves (1922-2006), celebrado como um dos maiores escultores brasileiros por Burle Marx e Lélia Coelho Frota.

 

 

Influenciada esteticamente por Ulisses, Rosana adquire temática própria e flexiona a rigidez das figuras do avô com movimentos e interações entre os corpos. De poucas palavras e grande timidez, encontrou na escultura a melhor forma para se comunicar. Suas obras mostram figuras antropozoomórficas, com corpos humanos e rostos de animais. A figura feminina, em sua grande maioria, traja um vestido de noiva, e, a masculina, terno completo para o casamento. Subvertendo a rígida tradição local, há uma inesperada relação entre os personagens: os femininos têm o poder e o controle da cena. São eles quem rastejam, caem, fraquejam, obedecem, são carregados e fragilizados. Rosana, a mais jovem presente na exposição, resume a série com: “Faço isso porque a mulher também é importante”, levantando uma bandeira não de superioridade, mas de igualdade entre os gêneros. 

 

 

Efigênia Rolim (1931), natural de Abre Campo (MG), iniciou sua produção artística em Curitiba (PR). Conhecida como “Rainha do Papel de Bala” há mais de 30 anos, um fato mudou toda a sua história: andava pela rua quando viu um objeto brilhante no chão. Surpresa, se abaixou para pegá-lo; era “apenas” um papel de bala. Pensou nas relações que estabelecemos com pessoas e concluiu que, enquanto o papel tivesse uma função embrulhando o doce, despertaria interesse por parte de alguém. Chamou-o, então, de “mísero caído”. Começou a recolher todos os que via pela frente, pensando: “Se conseguir um por dia, no final do ano tenho 365” – enquanto as pessoas só a chamavam de louca. “Ninguém achou que eu fosse vingar.” 

 

 

Os papéis invadiram suas vestimentas e, juntamente com outros materiais considerados “lixo”, são matérias-primas das esculturas, compondo também apresentações e poemas. “As pessoas ficam impressionadas com o trabalho que tenho para fazer minhas peças, mas não há nada que eu goste mais do que isso. É preciso de imaginação e querer fazer.” Marcados pelo processo de acúmulo, destruição, construção, ressignificação e bricolagem, seus trabalhos apresentam narrativas oniscientes inspiradas em contos de fada. Seus personagens e histórias transitam entre o real e o extraordinário, frequentemente manipulados com o recurso pedagógico da repetição. Apresentamos a inédita série “Natureza racional”, justificada pela artista com: “Cansei de falar com os homens, agora vou falar com os animais”. Autointitulada Guardiã do Mundo, com a voz no presente e seu eco no futuro, Efigênia nos provoca a respeito da sustentabilidade e das próximas etapas da humanidade ao interferir no tamanho real dos homens e bichos, propondo novas dimensões e relações entre eles. 

 

 

Nilda e Lira se voltam para o meio de criação rural como base para a formação de seus discursos, enquanto Rosana e Efigênia projetam narrativas com preocupações a princípio urbanas, embora certamente de interesses universais. O equilíbrio também ocorre por meio das intersecções, similaridades e dissonâncias de suas falas: feminino, cotidiano, deslocamento, força, tempo, igualdade, resiliência, ancestralidade e consciência ambiental, entre tantos outros temas. A distância acadêmica revela uma crescente pesquisa de matérias e experimentações técnicas em busca de um apuro narrativo e estético.

 

 

As histórias contadas através dos trabalhos presentes na mostra foram construídas com base na observação do cotidiano vivido ou percebido, dos costumes e da sensibilidade. São narrativas que moram nas quatro artistas e as mantêm vivas. Já os objetos perdem o valor contemplativo e podem assumir caráter de devoção, evocando suas crenças, sonhos, pensamentos e questionamentos. Recusando serem caladas, as ideias que propagam se baseiam na perpetuação, preservação e libertação de suas raízes, do cotidiano e do futuro que agoniza e sufoca.

 

 

Se “por muito tempo na história, ‘anônimo’ era uma mulher”, como escancara Virginia Woolf (1882-1941), queremos que as prosas das mulheres sejam notadas, que suas vozes sejam ouvidas e que possamos nos inspirar com suas histórias. É preciso visitá-las e revisitá-las para que grupos periféricos ganhem um novo e merecido espaço na noção de arte brasileira, em nossas agendas e em nossa sociedade, abandonando as margens. “Tudo o que você me der é seu” é uma generosa troca, e somos nós que ficamos com o presente.

Mulheres: Argentina & Brasil

11/jan

 

Cerca de 80 obras de 15 artistas mulheres da Argentina e do Brasil, reunidas pela curadora Maria Arlete Mendes Gonçalves, ocuparão todo o prédio do Centro Cultural Oi Futuro no Flamengo, Rio de Janeiro, RJ, na exposição Una(S)+, de 13 de janeiro a 28 de março. A mostra ocupará do térreo à cobertura, passando pelas galerias, escadas, elevador e pátio externo, e inaugura a programação do Oi Futuro em 2021, seguindo todos os protocolos de segurança sanitária. Produzidas em dois momentos – antes e durante a pandemia – as obras afirmam a potência feminina na arte.

Prevista inicialmente para maio de 2020, e adiada duas vezes por conta do coronavírus, a exposição “ganhou um caráter mais amplo, ao incorporar o estado quarentena da arte”. A curadora decidiu incorporar à mostra também as obras criadas pelas artistas durante o confinamento em suas casas, já que elas produziram continuadamente, mesmo sem a estrutura de seus ateliês. “Elas ampliaram seus campos de trabalho e ousaram lançar mão de novas linguagens, materiais, tecnologias e redes para romper o isolamento e avançar por territórios tão pessoais quanto universais: a casa, o corpo e o profundo feminino”, explica Maria Arlete Gonçalves. “São obras de artistas de gerações distintas e diferentes vozes, a romperem as fronteiras geográficas, físicas, temporais e afetivas para somar potências em uma grande e inédita ocupação feminina latino-americana”, assinala a curadora.

A exposição nasceu da instalação “Fiz das Tripas, Corazón”, da artista portenha/carioca Ileana Hochmann, que ao expor em Buenos Aires em 2019 convidou artistas da Argentina e do Brasil, com a ajuda de Maria Arlete Gonçalves, para dialogarem com seu trabalho. Agora, esta exposição chega ao Rio de Janeiro ampliada, com mais artistas e desdobrada com trabalhos surgidos na pandemia.

As artistas que integram a exposição são, da Argentina: Fabiana Larrea (Puerto Tirol, Chaco), Ileana Hochmann (Buenos Aires), Marisol San Jorge (Córdoba), Milagro Torreblanca (Santiago do Chile, radicada em Buenos Aires), Patricia Ackerman (Buenos Aires), Silvia Hilário (Buenos Aires); do Brasil: Ana Carolina Albernaz (Rio de Janeiro), Bete Bullara (São Paulo, radicada no Rio), Bia Junqueira (Rio de Janeiro), Carmen Luz (Rio de Janeiro), Denise Cathilina (Rio de Janeiro), Evany Cardoso (vive no Rio de Janeiro), Nina Alexandrisky (Rio de Janeiro), Regina de Paula (Curitiba; radicada no Rio de Janeiro) e Tina Velho (Rio de Janeiro).

Turbulências Cerâmicas 

14/set

A Galeria Simões de Assis, Jardins, São Paulo, SP, apresenta entre os dias 19 de setembro e 31 de outubro, a exposição “Turbulências Cerâmicas” individual de Juan Parada na qual explora uma via escultural inteiramente diferente. Seus relevos, nascem da alquimia da cerâmica e de seu lento processo – orquestrado pela mão e pelo calor do fogo – que leva do “húmus” da terra ao “lápis-lazúli” da pedra. No entanto, diferentemente da cerâmica milenar, essa transmutação não para na queima, mas se estende pelo aspecto versátil das obras e pelas suas muitas ressonâncias com a vida.
As turbulências cerâmicas de Juan Parada
Na era atual das impressoras 3D que expelem vagarosamente um fio de plástico derretido para materializar uma sequência digital de abscissas e ordenadas, Juan Parada (nascido em Curitiba, em 1979, atualmente vivendo e trabalhando em São Paulo) explora uma via escultural inteiramente diferente. Seus relevos, dos quais trataremos aqui, nascem da alquimia da cerâmica e de seu lento processo – orquestrado pela mão e pelo calor do fogo – que leva do “húmus” da terra ao “lápis-lazúli” da pedra. No entanto, diferentemente da cerâmica milenar, essa transmutação não para na queima, mas se estende pelo aspecto versátil das obras e pelas suas muitas ressonâncias com a vida.
Com efeito, o processo de realização dessas pinturas em relevo mostra-se livre de nostalgia do artesanal, na qual Last tweaks Os diversos micro-padrões e modulações luminosos revelam-se apenas ao observador atento, como em Estratificação Geométrica (2019), na qual a forma facetada de cada módulo produz um jogo de luz e sombra, dando a impressão de cores e tons instáveis. A cerâmica é considerada por Parada um “meio elástico”, de “natureza mais subversiva”, ao contrário das limitações impostas pelo seu uso tradicional. Assim moldada e harmonizada na sua composição, cada obra surge como um labirinto dotado de mil entradas e saídas, através do qual o olhar – canalizado, pois submetido a esta condução hipnótica – retorna constantemente em seu caminho. As correntes e ondas petrificadas, como que interrompidas em seu movimento, tal qual fragmentos congelados de um continuum, retêm o olhar –  tem-se aqui em mente The Great Wave off the Coast of Kanagawa, a famosa gravura de Hokusai (1830).
A complexa geometria ondulatória que norteia principalmente os patterns óticos de Estranhos Atratores I e II é herdada de artistas do neoconcretismo. Podemos citar, por exemplo, Lygia Clark. Seu primeiro Bicho, em 1960, já aliava o rigor geométrico à variabilidade dos seres vivos, e foi dado a Sérgio Camargo, cujos relevos monocromáticos, povoados por pequenos cilindros cortados, eram igualmente ambíguos. Além dessa referência óbvia, Parada também toma emprestado o movimento característico de seus patterns da arte cinética dos anos 1960 e 1970, como de Bridget Riley, Enrico Castellani e Abraham Palatnik. No entanto, seus relevos, como Linhas de Força (2016), remetem a elementos biológicos – como teias de aranha e a carapaça ou pele de certos répteis – pois Juan Parada apresenta acima de tudo uma estética naturalista, orgânica (mesmo visceral). Pequenas ondas de areia criadas pelas correntes marítimas lhe servirão, por exemplo, de ponto de partida para os relevos da série Elogio à Água (2018), cujos moldes foram confeccionados diretamente nas praias de Superagui (especialmente preservadas da presença humana).
Uma história naturalista, até mesmo ecológica, se revela igualmente nas primeiras esculturas de vidro transparente em forma de colmeia e com conteúdos vegetais diversos (Série Invólucros, 2013-15), destinadas a serem inseridas nos relevos arquitetônicos. Já os Volumes Simbióticos (2011-12) evocam as formas básicas da Minimal Art – como os L-Beams (1965) de Robert Morris –, mas com uma das superfícies, externa ou interna,  dotada de abundante vegetação. Essas formas por vezes chegam a envolver o observador – à maneira de Anish Kapoor –, mas em uma matriz muito densa, constituída de plantas e flores (Memória da Matéria, Museu da Gravura, Curitiba, 2012). Aliás, somente em 2018 esse tipo de ambiente foi mineralizado, com a obra Glaciares, que incorpora uma superfície all-over em cerâmica monocromática. Trata-se de um quadro panorâmico de imersão, evocando a curva panorâmica das Nymphéas, de Claude Monet, no Museu Orangerie em Paris (1915-26).
Mesmo que a forma em tondo (circular) de certos relevos ecoe a história da shaped canvas, Parada direciona o espectador ao interior do padrão visual, em vez de lhe oferecer um objeto de estudo a ser observado à distância, friamente (temos aqui em mente Mark Rothko ou Barnett Newman, que preconizavam uma distância reduzida entre suas obras e os espectadores, no intuito de aumentar a sensação de imersão). Esse tropismo de absorção – tanto do olhar como do corpo – é essencial nas pinturas em relevo. Tal prática é, aliás, um paradoxo em Parada: faz coexistir, e isso não é simples, o caráter ondulatório e fenomênico da vida com a invariável dureza do “lápis-lazúli”, o rigor geométrico do pattern e a materialidade curvilínea dos relevos, cujas saliências e reentrâncias evocam as do corpo humano. Um relevo recente, Cascata Invertida (2020), apresenta claramente um motivo de onda, é verdade, porém voltada para cima, invertendo o sentido da gravidade. Várias excrescências, ora orgânicas, remetendo a vísceras, ora geológicas,  evocando rochas, emergem dessas ondas verticais. A sua estranheza, podendo despertar certa aversão, refuta o registo ornamental ao qual se poderia erroneamente associar o artista. Essa prática, que se desenvolve há cerca de dez anos, por mais singular e promissora que seja, insere-se em uma perspectiva histórica mais ampla.
O fazer artístico de Parada tem suas raízes nos anos do pós-guerra, quando se misturam arte abstrata e psicologia da percepção, régua óptica e traço manual, cinetismo e neoconcretismo, geometria e psicodelia. Entre os atores de vanguarda, o alemão Heinz Mack, – fundador do grupo ZERO, em 1957, com as obras intituladas Metallreliefs ou Lichtreliefs – estabelece um diálogo constante, importante para Juan Parada, entre ordem e caos,  matéria e luz. Embora abstratas, suas duas obras evocam a ação de elementos naturais – luz do sol, vento e chuva em superfícies aquáticas ou desérticas –, cuja aparência não deve nada ao acaso, mas surge da ação de forças fluidas sobre um material maleável – sem  desconsiderar, ao mesmo tempo, a rigorosa economia de meios visuais de Lee Ufan (dando simples toques de tinta em relevo em telas imaculadas). O resultado geral desse processo evoca, naturalmente, os tecidos plissados e recobertos com caulim branco de Piero Manzoni, para sua série de “Achromes”. Porém, enquanto o trabalho do italiano lembra as dobras das esculturas da Antiguidade, as obras de Mack e de Parada distinguem-se por seu eco natural e sua dinâmica perceptiva.
Heinz Mack expressou do seguinte modo esse desejo de separar a parte fenomênica e perceptiva da obra de seu suporte estritamente material: “Eu não enxergava mais um relevo de metal, mas uma estrutura vibrante e pulsante, feita de luz. Minha impressão era de que a estrutura pairava sobre o relevo de metal, dele se separando, como o reflexo da luz no mar que começa a vibrar sob o sol intenso, assumindo a aparência de um tapete de luz feito de reflexos de uma luz dançante”[1]. Com outros termos estéticos e materiais, Juan Parada pretende, através de uma matriz material e tangível, tornar-nos conscientes da natureza ondulatória, rítmica e corporificada da vida, como resistência última ao devir digital do mundo.
Prof. Dr. Matthieu Poirier

[1] Heinz Mack, citado por Yvonne Schwarzer [tradução nossa], Das Paradies auf Erden schon zu Lebzeiten betreten. Ein Gespräch mit dem Maler und Bildhauer Heinz Mack, Witten, ars momentum Kunstverlag GmbH, 2005, p. 15.

 

not cancelled / Gabriela Machado – Galeria Marcelo Guanieri

09/jun

not cancelled (Gabriela Machado)

 

A Galeria Marcelo Guarnieri, São Paulo, SP, anuncia participação no “not cancelled Brazil”, evento de arte online com duração de 4 semanas que reunirá 57 galerias brasileiras de 9 diferentes cidades. Será apresentada uma seleção de pequenas pinturas e esculturas da artista brasileira Gabriela Machado.

 

O acesso so evento será de 10 de junho a 8 de julho de 2020. A galeria apresentará os trabalhos na terceira semana do evento em www.notcancelled.art/brazil

 

Iniciada na década de 90, a produção de Gabriela Machado ficou marcada pelas pinturas de grande escala em cores vibrantes, interessadas por elementos da paisagem que abarcavam desde florestas, praias e morros, a detalhes de um ramo de flores pousado na mesa de seu ateliê. A partir de 2013, Gabriela passou a concentrar-se na pintura de pequenas dimensões, rebaixando os tons de sua paleta de cores e compondo imagens menos festivas e mais silenciosas. Trabalhar em telas menores estimulava uma prática que ia além do espaço do ateliê: a mobilidade do material permitia à artista produzir em diferentes contextos, contaminando-se por eles. Foi o que aconteceu nos cinco anos seguintes, quando desenvolveu novas séries enquanto viajava para países como Portugal, Estados Unidos e regiões como a Patagônia, o sul de Minas Gerais e o litoral da Bahia.

 

Nas pinturas mais recentes, produzidas a partir de 2017, surgem os amarelos e verde-neons mergulhados em azuis escuros, vermelho-carmim misturados ao preto e ao laranja. Ainda se tratando da paisagem, das flores, dos bichos, do mar e da floresta, agora há uma especial fascinação pelas visões noturnas, pela lua e pelos efeitos da luz.

 

As esculturas da série “Vibrato” foram produzidas entre Portugal (em residência na fábrica de cerâmica São Bernardo) e Rio de Janeiro (apresentadas em 2016 no MAM-RJ), entre 2013 e 2015, período em que experimentou traduzir alguns procedimentos de suas pinturas para a escultura. As peças se configuram em materiais diversos tais quais porcelana, madeira, bronze, gesso, argila e pedras. Oscilam não só a partir dos materiais, mas também a partir dos formatos, das alturas que alcançam e das cores que incorporam, compondo, juntas, uma espécie de sinfonia.

 

A palavra de Ronaldo Brito

 

“Daí o modo coerente como se apresentam em exposição – dispostas meio aleatoriamente sobre uma mesa comprida, em bases provisórias, que pertencem e não pertencem às esculturas. Ora falam, conversam à vontade entre si, ora se distanciam, isoladas em sua unidade formal particular.”

 

Sobre a artista

 

Gabriela Machado (1960 – Santa Catarina, Brasil – Vive e trabalha no Rio de Janeiro, Brasil). Buscando nas formas da natureza e nos arranjos dos objetos que a rodeiam um ponto de partida para suas pinturas, desenhos e esculturas, Gabriela Machado escolhe a cor como porta-voz de seus trabalhos. Por vezes em telas de grandes dimensões que exigem do corpo o movimento de projetar-se numa espécie de vôo cego, ou até mesmo em telas pequeninas que nos remontam à relação intimista que possuímos com nossos cacarecos. O trabalho de Machado nos aproxima, por meio de pinceladas intensas e cores vivas, da experiência estética dos elementos de seu cotidiano; sejam eles as grandiosas montanhas do Rio de Janeiro ou os singelos cachos de bananas pendurados nas barracas da feira. A tinta, matéria de seus trabalhos bidimensionais, surge, em sua grande maioria, diluída em água ou entre as distintas cores que escolhe, nunca perdendo, no entanto, a capacidade de vibrar. O caráter gestual de sua pintura migra para os trabalhos tridimensionais que ganham corpos de porcelana, gesso ou bronze e que parecem alçar a condição de objetos-vivos quando elevados em altíssimos pedestais ou quando assumem grandes volumes desengonçados. Assim como suas pinturas, desenhos e como a própria natureza, esses objetos nos apontam para a beleza da matéria não-domesticada. Participou de inúmeras exposições individuais e coletivas, destacando-se: MAM – Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, Brasil; Centro Cultural Banco do Brasil, São Paulo, Brasil; Carpe Diem – Arte e Pesquisa, Palácio das Artes, Lisboa, Portugal; Paço Imperial, Rio de Janeiro, Brasil; Museu do Açude, Rio de Janeiro, Brasil; Museu Nacional de Soares dos Reis, Porto, Portugal; Casa de La Parra, Santiago de Compostela, Espanha; Instituto Figueiredo Ferraz, Ribeirão Preto, Brasil; MUBE – Museu Brasileiro de Escultura, São Paulo, Brasil; Centro Cultural São Paulo, São Paulo, Brasil; Museu de Arte da Pampulha, Belo Horizonte, Brasil; Centro de Arte Hélio Oiticica, Rio de Janeiro, Brasil; Sacred Heart University, Fairfield, Califórnia, EUA; Oi Futuro Flamengo, Rio de Janeiro, Brasil; MAM-Museu de Arte Moderna da Bahia, Salvador, Brasil, entre outros.

 

Cerâmicas de Kimi Nii

23/out

A Galeria Kogan Amaro, Jardim Paulista, São Paulo, SP, apresenta esculturas inéditas de Kimi Nii. A artista nipo-brasileira exibe criações inspiradas em elementos da natureza e revela sua concepção minimalista de paisagem

 

Luz e elementos da natureza despertam encantamento da artista nipo-brasileira Kimi Nii. Ela encontrou no Brasil uma rica variedade de tons, espécies e cenários naturais que inspiram suas criações, esculturas minimalistas, nas quais convida o espectador a construir paisagens mentais. Essa é a proposta da exposição “Montanha das nuvens brancas”, individual que Kimi Nii estreia em 26 de outubro, com curadoria de Ricardo Resende.

 

A intimidade com a cerâmica proporciona à artista a habilidade de fundir elementos da cultura japonesa, guardados em sua memória e bagagem, com referências brasileiras, captadas a partir de sua vivência no País. Autora de uma pesquisa centralizada nas formas e luzes da natureza, as obras de Kimi Nii se assemelham a paisagens e aludem sobre dois lados do mundo.

 

Nascida em Hiroshima, dois anos após a explosão da bomba atômica, a artista mudou-se aos nove anos de idade para São Paulo, e seu fascínio pela luz e a natureza brasileira a fizeram ficar.

 

Em “Montanhas das nuvens brancas”, Kimi Nii apresenta formas cilíndricas que se repetem, mas sem nunca se igualarem, e mimetizam a forma das nuvens brancas sobre a ação do vento. “As nuvens são mágicas para mim e, nessa exposição, quero trazer os extremos opostos: a terra e o céu”, explica a artista.

 

“É proposto pela artista o silêncio entre as nuvens que estão espalhadas pelas alturas da sala expositiva e as formas cônicas alinhadas no chão, organizadas em uma linha reta que desenha em perspectiva para quem adentra a sala”, explica o curador.

 

Em contraposição, formas cônicas são alinhadas de modo a remeter às formas montanhosas. Em meio a essas duas estruturas, estão peças que apontam para plantas da família dos Hibiscos, chamadas de fauna pela artista, concebidas a partir de sua investigação sobre as formas dessas espécies e sua dinâmica na natureza.

 

O minimalismo é um dos traços fundamentais da poética de Nii, que conserva em suas cerâmicas a essência da matéria, da forma e da cor do barro, despindo-as de elementos supérfluos e fazendo delas formas exuberantes. A produção da artista é pautada na organicidade e apenas naquilo que lhe parece fundamental. “A obra de Kimi Nii é sobre a vida transformada em objetos belos e harmoniosamente organizada com a matéria da argila”, sintetiza

 

Ricardo Resende

Até 23 de novembro.

 

 

Exposição de Rosana Paulino

12/abr

O Museu de Arte do Rio – MAR, Centro, Rio de Janeiro, RJ, inaugura no dia 13 de abril a exposição “Rosana Paulino: a costura da memória”. Após temporada de sucesso na Pinacoteca, em São Paulo, a maior individual da artista já realizada no Brasil chega à cidade com 140 obras produzidas ao longo dos seus 25 anos de carreira. Assinada por Valéria Piccoli e Pedro Nery, curadores do museu paulistano, a mostra reúne esculturas, instalações, gravuras, desenhos e outros suportes, que evidenciam a busca da artista no enfrentamento com questões sociais, destacando o lugar da mulher negra na sociedade brasileira.

 

Rosana Paulino surge no cenário artístico nos anos 1990 e se distingue, desde o início de sua prática, como voz única de sua própria geração. Os trabalhos selecionados, realizados entre 1993 e 2018, mostram que sua produção tem abordado situações decorrentes do racismo e dos estigmas deixados pela escravidão que circundam a condição da mulher negra na sociedade brasileira, bem como os diversos tipos de violência sofridos por esta população.

 

Um dos destaques da mostra é a “Parede da Memória”. Realizada quando a artista ainda era estudante, a instalação é composta por 11 fotografias da família Paulino que se repetem ao longo do painel, formando um conjunto de 1.500 peças. As fotos são distribuídas em formatos de “patuás” – pequenas peças usadas como amuletos de proteção por religiões de matriz africana. O mural se transforma em uma denúncia poética sobre a invisibilidade dos negros e negras que não são percebidos como indivíduos. Quando os 1.500 pares de olhos são postos na parede, “encarando” as pessoas, eles deixam de ser ignorados.

 

A exposição também conta com uma série lúdica de desenhos feitos por Rosana Paulino, na qual a artista revela sua fascinação pela ciência e, em especial, pela ideia da vida em eterna transformação. Os ciclos da vida de um inseto são feitos e comparados com as mutações no corpo feminino, por exemplo. A instalação “Tecelãs”, de 2003, composta de cerca de 100 peças em faiança, terracota, algodão e linha, leva para o espaço tridimensional o tema da transformação da vida explorado nos desenhos. Em alguns de seus trabalhos a relação de ciência e arte é destacada, como em “Assentamento, de 2013. A série retrata gravuras em tamanho real de uma escrava feitas por Ausgust Sthal para a expedição Thayer, comandada pelo cientista Louis Agassiz, que tinha como objetivo mostrar a superioridade da raça branca às demais. Para Paulino, “a figura que deveria ser uma representação da degeneração racial a que o país estava submetido, segundo as teorias racistas da época, passa a ser a figura de fundação de um país, da cultura brasileira. Essa inversão me interessa”, finaliza a artista.

 

 

Sobre a artista

 

Doutora em Artes Visuais pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo – ECA/USP, especialista em gravura pelo London Print Studio, de Londres e bacharel em gravura pela ECA/USP. Foi bolsista do programa bolsa da Fundação Ford nos anos de 2006 a 2008 e CAPES de 2008 a 2011. Em 2014 foi agraciada com a bolsa para residência no Bellagio Center, da Fundação Rockefeller, em Bellagio, Itália. Como artista vem se destacando por sua produção ligada a questões sociais, étnicas e de gênero. Seus trabalhos têm como foco principal a posição da mulher negra na sociedade brasileira e os diversos tipos de violência sofridos por esta população decorrente do racismo e das marcas deixadas pela escravidão. Possui obras em importantes museus tais como MAM – Museu de Arte Moderna de São Paulo; UNM – University of New Mexico Art Museum e Museu Afro-Brasil – Pão Paulo.

 

Macaparana, formas e suportes

25/mar

A exposição “formas / suportes”, individual de Macaparana é o cartaz da Dan Galeria, Jardim América, São Paulo, SP, até o dia 30 de abril.

 

Em exibição mais de 30 trabalhos do artista pernambucano reconhecido por uma obra que une o rigor geométrico e a informalidade da abstração; um recorte de sua coleção pessoal e do acervo da galeria com trabalhos produzidos desde os anos 1970 até os dias atuais, obras realizadas em suportes variados: tela, papel, madeira, acrílico, vidro e cerâmica, entre outros. Entre os trabalhos apresentados, uma escultura em aço inoxidável, sem título, que traz duas formas ovais combinadas, materialização em três dimensões de duas telas de formato semelhante, sem título, cobertas por pigmentos e tinta acrílica.

 

De 1983, uma pintura sobre tela que parece figurar tocos de madeira sobrepostos. Dois anos depois, em 1985, Macaparana (José de Souza Oliveira Filho) criou um trabalho semelhante, desta vez fazendo uso de pedaços de madeira de tipos diversos. “Cada trabalho tem uma dinâmica própria. No meu caso, todos geralmente começam no papel, quase como um rascunho livre. Aos poucos, ele vai se materializando, ganhando corpo e pedindo suportes específicos. Tenho séries que nascem em um formato e ganham outro com o tempo. Os resultados são completamente distintos. No que diz respeito, inclusive, na relação que estabelecem com o público”, afirma o artista.

Ai Weiwei no Brasil

12/nov

Agora, as obras de Ai Weiwei – que passaram por exposições na Argentina e no Chile – encontram-se no Brasil. Com curadoria de Marcelo Dantas, “Ai Weiwei Raiz” está em exibição na Oca, Parque Ibirapuera, em São Paulo. A mostra é a primeira individual do artista no Brasil, e uma das maiores realizadas por ele, com quase 8 mil metros quadrados de extensão e cerca de setenta obras.

 

Em 2011, quando o curador Marcello Dantas teve a ideia de fazer uma grande retrospectiva do artista e ativista Ai Weiwei no Brasil, ele não imaginava que demoraria cerca de oito anos para concluir o projeto. A demora é justificada: nesse meio tempo, Weiwei, conhecido por suas críticas ao regime da China, foi preso e impossibilitado de sair de seu país de origem. Quando ele sinalizou que teria o passaporte de volta, Dantas foi à Pequim e posteriormente à Berlim – onde o artista se estabeleceu – para retomar as negociações do que seria a maior individual já realizada do artista chinês.

 

Além de trabalhos icônicos, a exposição reúne peças recentemente confeccionadas, muitas delas em ateliês brasileiros. “Nos dois casos, é importante destacarmos o processo de inoculação pelo qual essas obras passaram. Chamamos essa ideia de ‘mutuofagia’. Esse conceito, que permeia a mostra como um todo, é representativo de um intercâmbio cultural extremo pelo qual Ai Weiwei e o Brasil passaram, em que o artista incorporou-se ao país, ao mesmo tempo que o país incorporou-se ao artista e à exposição, por meio de elementos culturais e processos produtivos.

 

O artista exibe peças da obra “Sunflower Seeds” (Sementes de girassol),  uma das obras mais conhecidas, trabalho composto por milhões de sementes de girassol feitas em porcelana e pintadas à mão por artesãos chineses; “Straight” (Reto), instalação feita com 164 toneladas de vergalhões de aço recuperados dos escombros de escolas em Sichuan (China), após o forte terremoto que abalou o país em 2008; e “Forever Bicycles” (Bicicletas Forever), obra de caráter arquitetônico que utiliza bicicletas como blocos de construção. O nome da instalação é inspirado na famosa marca chinesa de bicicletas Forever, popular na infância do artista.

 

Já entre as peças produzidas no país, destaca-se “F.O.D.A”, múltiplo formado pelos moldes em porcelana de quatro elementos encontrados no Brasil: Fruta do Conde, Ostra, Dendê e Abacaxi. As peças foram todas produzidas em um galpão em São Caetano do Sul, SP, com a consultoria de designers brasileiros. A mostra apresenta ainda uma série de trabalhos feitos com centenárias raízes de pequi-vinagreiro, espécie da Mata Atlântica em risco de extinção. Esses resíduos foram descobertos no meio da floresta, selecionados e trabalhados pelo artista ao lado de carpinteiros chineses e brasileiros.

 

Engana-se quem acha que o título da exposição vem exclusivamente daí: “É um pouco mais profundo que isso. Nesta retrospectiva, tivemos o trabalho de buscar raízes culturais perdidas por Weiwei. A revolução cultural chinesa taxou de burguesa certas técnicas como a porcelana, e muitas delas foram desaprendidas. Recuperar isso está muito presente no trabalho do artista, por exemplo, em peças como “Sunflower Seeds”. Além disso, o nome tem um trocadilho com a palavra raiz, já que as vogais presentes nela são “ai”, o sobrenome de Weiwei,” revela o curador Marcelo Dantas.

 

Conhecido por tratar de importantes questões sociais e humanas, como liberdade de expressão e crise de refugiados, o artista tem um modo de produzir peculiar. O curador destaca que este esquema de pensamento é um ponto essencial para se entender a reflexão em torno da mostra. “O que está em jogo aqui é o processo mental de Weiwei. Quando ele recupera fragmentos de ferro, como na obra “Straight”, ou raízes de uma árvore para compor uma obra, vemos um jeito de trabalhar muito peculiar. O mesmo acontece com “Sunflowers Seeds” e “F.O.D.A” – nas quais o artista movimenta toda uma comunidade no processo de produção das peças. Como o tema dele é a vida, não temos como fazer uma exposição com um único mote. Por isso, demos prioridade a conectar e refletir sobre o jeito que ele pensa, sua obra enquanto método.”

 

 

Até 20 de janeiro.