Floresta negra na Paulo Darzé

13/jan

A Paulo Darzé Galeria, Rua Chrysippo de Aguiar 8, Corredor da Vitória, Salvador, Bahia, abre sua programação 2020, no dia 30 de janeiro, das 19 às 22 horas, com a exposição do artista baiano Anderson Santos, tendo por título “Floresta negra”, com curadoria do professor Danillo Barata, permanecendo em temporada até o dia 19 de fevereiro.

 

Texto do curador

 

A singularidade dessa mostra está estruturada em um processo sensível de como as técnicas de pintura tradicional são renovadas no encontro com as novas mídias. Os aspectos conceituais abordados remetem à instauração de uma problemática cada vez mais constante na contemporaneidade que diz respeito ao fluxo de imagens, sua fruição e a cultura remix. É, segundo o filósofo Philippe Dubois, na incrustação – textura vazada e na espessura da imagem – que, de certa maneira, os espaços de produção da imagem são reorientados.

 

Anderson Santos se irmana a uma nova tendência de autores que ao utilizar o digital como dissolução da imagem tem como imperativo conhecê-la para finalmente desintegrá-la. Essa transição poética da pintura a óleo para o digital não passa por um aperfeiçoamento, mas sim por uma licença que permite ao artista se reautorizar como pintor, pois isola a pintura para desfigurá-la, sem hierarquia ou convenção de gosto. Desse modo, compreende uma visão mais polissêmica do que entendemos como pintura contemporânea. Cria ao modo do que preconiza Gilles Deleuze em “A lógica da sensação”, para tratar das obras de Francis Bacon, uma fuga em direção a uma forma pura, por abstração; ou em direção a um puro figural, por extração ou isolamento, obtido numa equação de tentativa e erro, própria do fazer artístico.

 

“Floresta Negra” é um divisor de águas na poética de Anderson. Nela, ele amadurece, se encontra com sua família e seus filhos nos contos e fábulas dos irmãos Grimm, envolto na dualidade, no obscuro e o sombrio. Se no passado sua pintura tentava neutralizar a narração e a figuração, nesse momento as micronarrativas invadem o seu cotidiano traçando novas visões de futuro ou de afro futurismo.

 

A exposição pelo artista

 

Tenho dois filhos, um de um ano e outro de quatro, quase cinco anos. Quando do preparo para esta exposição e tendo o costume de contar histórias para eles dormirem, um dia me dei conta que quase todas as histórias infantis se passam em florestas, selvas, ou lugares com uma densa vegetação. Comecei então a relacionar esta descoberta, do protagonismo da floresta como lugar onde surgem as histórias, com o momento de agora, dessa era antropocênica que vivemos e do obscurantismo político mundial, e em particular, com o cenário local.

 

Quando voltei da Itália no início de 2019, encontrei Salvador em luto, parecia pra mim que uma noite negra tinha encoberto a cidade, os amigos ansiosos, com muito medo do que estava por vir, e, para culminar, no fim de abril perdi minha irmã. Como sou um otimista e tenho dois filhos pra brincar, descobri com eles que de dentro do escuro podem surgir monstros, lobos ferozes, mas também tapetes mágicos, cavalos alados e outras histórias. E que é por isso que a floresta é negra, não ousamos conhecê-la de verdade e nem podemos, porque ela é território da nossa imaginação…

 

E se hoje muitos ouvidos se voltam para as vozes que vem de dentro do escuro das florestas do mundo, tentando criar novos tipos de relação com os saberes dos povos que de alguma maneira ao longo dos séculos cultivaram um modo de viver diverso do modelo em que vivemos, é porque parece que o modelo vigente está afundando, como a cidade de Veneza.

 

Muitos acreditam que a cura para todo o mal dessa era, milagrosamente surgirá de dentro do escuro da floresta, ou dos laboratórios do vale do Silício, o grande problema que se apresenta é que “não tem pra trás”. Nós não existiremos para toda a eternidade, mas o planeta continuará sem nós, apesar do nosso rastro. Se não dá pra voltar e consertar o que fizemos, o que nos resta é imaginar Wakandas dentro do escuro da floresta, lá onde o Google Earth não alcança, e onde utopicamente as novas tecnologias e os saberes tradicionais se encontram e produzem maravilhas.

 

Esta exposição integra meu mestrado na Escola de Belas Artes da UFBa, e trata do encontro da pintura a óleo com o digital. Entendo que o uso por pintores de tablets e smartphones para a prática da pintura digital está transformando a maneira como a pintura de cavalete é pensada e realizada. O meu objetivo com essa exposição é criar um espaço de encontro onde a pintura, a realidade aumentada e o vídeo convivam sem atritos, nem choques. E que pessoas de todas as idades se divirtam olhando através dos seus smartphones as coisas estranhas que encontrei na floresta que imagino. Para isso construí junto com a startup Ripensarte, um aplicativo para que as pessoas possam acessar ao conteúdo em realidade aumentada contido em várias imagens ao longo da mostra. O app se chama Eosliber e já está disponível gratuitamente para quem quiser baixar nas lojas IOS e Android, mas a experiência de visualização só se dará, estando diante das obras que serão expostas.

 

Sobre o artista

 

Anderson Santos nasceu em Salvador, Bahia, 1973, É pintor, trabalhando principalmente com o óleo sobre tela, cartão, madeira, e desenhista, utilizando o grafite ou o carvão sobre papel, e destes dois caminhos desenvolvendo pintura e desenho digital no iPad, adaptando a técnica tradicional para esta nova realidade digital, com isto realizando experimentos em vídeo, cartazes e storyboards para cinema. Graduado em Artes Plásticas pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), expôs nas principais capitais brasileiras. Participou na Itália da Expoarte em Milão, em ocasião da Expo 2015 e da Esposizione Triennale delle Arti Visive em Roma. Possui obras em coleções particulares e fundações no Brasil, na Europa e nos Estados Unidos. Entre suas atuações se destaca a de professor, ministrando oficinas de pintura digital com tablet é voltada àqueles que desejam aprender a desenhar e pintar com os novos aplicativos que simulam a pintura tradicional para IPad e tabletes, com foco no aplicativo artrage disponível para os sistemas operacionais iOS e Android. Anderson foi um dos membros do coletivo internacional responsável pela publicação da revista online Boardilla, na qual se ocupava da editoração gráfica e curadoria, além de produzir e dirigir artisticamente as exposições de artes visuais da revista. Atualmente é Diretor Artístico de Ripensarte e um dos responsáveis pela publicação da revista online Magazzino. Divide seu atelier entre Salvador e Milão.

 

 

O Grupo de Bagé na Fundação Iberê Camargo

28/nov

Ocupando dois andares da Fundação Iberê Camargo, Porto Alegre, RS, estarão na mostra “Os 4 – Grupo de Bagé”, desde 30 de novembro até 01 de março de 2010, cerca de 180 trabalhos oriundos de 24 instituições e acervos particulares. Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoli (Porto Alegre), Pinacoteca Aldo Locatelli da Prefeitura de Porto Alegre, Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, Pinacoteca do Estado de São Paulo, Museu da Gravura Brasileira/FAT/Urcamp (Bagé) e Instituto Carlos Scliar (Cabo Frio, RJ) são algumas das instituições a emprestarem obras; além de peças do espólio de Danúbio Gonçalves, Glênio Bianchetti e Glauco Rodrigues, emprestadas por suas famílias. Esta é a constituição da grande mostra retrospectiva, feita a partir de uma ampla pesquisa de documentação, reportagens de jornais e cartas que, tanto o grande público, quanto os entusiastas e conhecedores do Grupo serão agraciados com uma nova e generosa visão sobre o tema.

 

A palavra da curadoria

 

Uma espontânea, mas bem executada mistura de temas universais e modernos, elaborados a partir da experiência e da representação de aspectos regionais, é o que caracteriza e une o trabalho dos quatro artistas, que, mais por sua proximidade e camaradagem, do que propriamente por um desejo de formar um movimento com uniformidade estética, ficou conhecido como Grupo de Bagé. Um grupo de pessoas muito talentosas que o acaso uniu, criou um trabalho tão sólido que a passagem do tempo apenas renova seu interesse.

 

Na Bagé da metade da década de 1940, longe do agito dos principais centros urbanos, os jovens amigos Glauco Rodrigues e Glênio Bianchetti descobriram uma atividade diferente para passar o tempo nas férias de verão. Começaram ali seus exercícios de pintura e desenho e, a partir de 1948, junto com o já iniciado nas artes Danúbio Gonçalves, e outros curiosos, como Clóvis Chagas, Deny Bonorino e Julio Meirelles, passaram a aprofundar seus interesses nas técnicas e teorias clássicas. Na cidade, ainda morava Pedro Wayne, escritor politicamente engajado, que desde os anos 1930 produzia romances, poemas, peças de teatro e folhetins em formato moderno. Wayne se correspondia com Erico Verissimo e Jorge Amado, além de ter relações com o pintor moderno José Moraes e, por conta disso, tornou-se o mentor intelectual daqueles tão interessados meninos. O círculo se fechou com a chegada de Carlos Scliar, que voltava de sua estada na Europa e participação na II Guerra Mundial, com uma recheada bagagem intelectual e contatos de artistas atuantes no conturbado cenário mundial.

 

O mais importante e profícuo contato de Scliar foi com Leopoldo Mendez, do Taller de Grafica Popular (TGP) do México, cujo trabalho influenciou o grupo de Bagé, especialmente na divulgação de causas políticas a favor da paz, da liberdade, dos direitos dos trabalhadores e da justa distribuição das riquezas. As técnicas de gravura, que facilitam a reprodução em grande escala, possibilitaram que as obras chegassem ao público de maneiras distintas, seja na forma de ilustração de artigos na revista Horizonte, ou em materiais publicitários e panfletos do Partido Comunista. Por outro lado, a produção do grupo complementava a obra de Wayne, ilustrando as descrições das condições miseráveis nas quais viviam – e as humilhações a que eram submetidos os trabalhadores da região, nas estâncias, charqueadas e nas minas de carvão. A junção desses dois aspectos fez com que o trabalho do Grupo delineasse características estéticas e temáticas próprias bastante particulares, que impedem ainda hoje sua classificação dentro de categorias como o Realismo Socialista, por exemplo.

 

Na década de 1950, foram criados o Clube de Gravura de Porto Alegre (1950) e o Clube de Gravura de Bagé (1951), os quais mais tarde se uniram e criaram um importante e independente sistema de divulgação dos artistas regionais, tomado como modelo até a atualidade. A participação nos clubes foi essencial para a consolidação da carreira dos quatro artistas, criando oportunidades que acabaram por separá-los. No ano de 1956, com o encerramento das atividades dos clubes, cada um seguiu uma trajetória distinta, porém, sempre carregaram características de seus anos de formação, na produção de material gráfico e ilustrações para a Revista Senhor (no caso de Carlos Scliar e Glauco Rodrigues), e na constante volta aos temas regionais, em sua maior parte com um viés de crítica social. Em 1976, os quatro artistas voltaram a produzir juntos em Bagé, em um encontro que resultou na criação do Museu da Gravura Brasileira e em obras que retomaram a temática regional, porém refletindo as mudanças e diferentes caminhos que cada um deles traçara após a separação.

 

Contar essa história é o objetivo principal da exposição Os quatro; mas com uma nova e ampliada abordagem. Novas leituras e percepções acerca do trabalho do Grupo, frutos de estudos e documentários realizados por diversos pesquisadores em nosso Estado, estarão refletidos no cenário da exposição. Não apenas trabalhos de Scliar, Danúbio, Glauco e Glênio estarão expostos, mas nomes como Lila Ripoll, Pedro Wayne e Clovis Assumpção aparecerão para contar mais sobre a trajetória e influências desses artistas de Bagé. Nas paredes da FIC, não haverá apenas gravuras, mas quadros, aquarelas e capas de revistas, que mostrarão a versatilidade e rica produção dos quatro artistas.

 

Carolina Grippa e Caroline Hädrich

 

Curadoras

 

Imagem: da esquerda para a direita Glênio Bianchetti, Glauco Rodrigues, Carlos Scliar e Danúbio Gonçalves.

 

 

Nove artistas em Niterói

22/nov

No mês em que o palácio dos Correios completa 105 anos e o Espaço Cultural Correios Niterói, RJ, comemora cinco anos de funcionamento, nove artistas mulheres vão ocupar os espaços comuns do local com a exposição “Nas águas que se escondem”, que será inaugurada no dia 30 de novembro.

 

“Queremos brindar o público com esta grande exposição de arte contemporânea para que as pessoas percebam a importância do palácio como espaço para a arte, afirma Denise Anne, diretora dos Correios Niterói.
Carolina Kaastrup, Edna Kauss, Fátima Pedro, Ivani Pedrosa, Myriam Glatt, Roberta Paiva, Talita Tunala, Vanessa Rocha e Yoko Nishio irão apresentar obras in situ, instalações, objetos, postais e vídeos que dialogam com a arquitetura eclética do palácio dos Correios, com sua função originária (como a troca de cartas e postais), com a localização e a paisagem que envolve o edifício e a história de Niterói, única cidade fundada por índios. “Água que se esconde”, que inspira e dá título à exposição, é uma das possíveis traduções do nome tupi da cidade de ‘Niterói (outrora “Nictheroy” ou “Nitheroy”).

 

Segundo a curadora, Marisa Flórido, “a exposição, ‘Nas águas que se escondem’, revolve, como fazem as ondas e as marés, as camadas de memórias esquecidas, de histórias submersas, de trocas perdidas e atualizadas, de paisagens desveladas.

 

“O carteiro é o ponto de partida da coletiva, retratado na obra “s/ título”, composta por diversas camisetas produzidas pela artista Carolina Kaastrup, que trazem as formas geométricas e as cores do uniforme, dispostas na fachada do palácio. Entre o corpo do prédio e o do público, flâmulas flutuam ao vento, em fragilidades e persistências.
No centro das escadas, do 2º andar ao térreo, vindo na claraboia, Edna Kauss instala “Tempestas”, obra nas cores azul, amarelo e verde, composta por tubos de poliuretano e cabos de luminosidade contínua. Tempestas do latim, de onde vem a palavra “tempestade”, significa “tempo entre dois momentos”, como um raio que divide o céu, como um signo de advertência.

 

Em uma mesa fica a obra “Voa depressa”, da artista Fátima Pedro. Em alusão às cápsulas colocadas nos pés dos pombos-correio, a obra é composta por desenhos sobre papel, em forma de cilindro, com imagens de fragmentos do corpo de um pombo.

 

Já Ivani Pedrosa ocupa as balaustradas internas do varandão localizado no primeiro andar, com a obra “Ao Léu IV”, uma instalação composta por letras cortadas em PVC com as cores da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos e as palavras “SIM” (amarelo) e “NÃO” (azul), além de bolas de isopor com tamanhos variados. A intenção da artista é subverter a telegrafia ao convidar o público para escrever sua palavra de ordem nas bolas de isopor, bem como resgatar o objetivo dos Correios: a escrita à mão de mensagens e missivas.

 

Myriam Glatt apresenta placas de papelões pintados em cores tonais e em dimensões variáveis, ao redor dos seis conjuntos de colunas do pavimento térreo. A obra “Imoscapos” intervém na arquitetura do palácio de 1914, no encontro de um material efêmero como o papelão e as colunas centenárias. “O real e o imaginário se unem nesse abraço, dando ao espectador que transita a experiência do convívio direto com a obra e o convidando a circular ao seu redor”, explica a artista.

 

“Abape ende?”, em tupi antigo, significa “Quem és tu?”. Título da instalação de Roberta Paiva, composta por três puçás (rede em cone para pesca), contendo espelhos de bolsa com a pergunta “Abape ende?”, que poderão ser retirados e levados pelo público. Roberta pretende devolver espelhos – objetos que eram dados aos índios pelos portugueses em troca de madeira – ao visitante não como um souvenir, mas como uma reflexão e uma interrogação a ser respondida: ‘Afinal, quem és tu? O que trazes dos povos que aqui habitaram?’

 

Em alusão à “Revolta das Barcas”, ocorrida em 1959 na estação das barcas e que levou ao protesto da população contra um serviço alternativo e ineficiente, Talita Tunala traz “Opus magnum”, instalação composta por um barco desgastado de fibra de vidro de 1,35m x 3m, que a artista recupera para uso, e no qual ela intervém com desenhos, acompanhado de uma narrativa fabular que mistura história, ação e ficção. A obra se apresenta como um instante suspenso de uma ação que só será concluída posteriormente, após o encerramento da exposição, com o retorno do barco ao mar.

No térreo, no hall entre a escada e o elevador, a artista Vanessa Rocha apresenta “S/ título”, um conjunto de aquarelas, no formato de postais (10cm x 15cm) dispostos em um display, que remetem a um tempo suspenso e abordam a precariedade da memória, da comunicação e das relações.

 

Com “Mirantes”, a artista Yoko Nishio reenquadra os dispositivos de segurança do edifício por meio duas estratégias: duas pequenas pinturas de câmeras de vigilância localizadas próximas às câmeras reais; e a colocação no piso do hall da entrada de quatro pequenos tablados circulares. Posicionados sob a mira das câmeras de segurança presentes no local, esses tablados convidam o espectador a pisar na sua superfície e a devolver a mirada, criando um jogo imaginário com os enquadramentos produzidos por tais dispositivos de vigilância.

 

De 30 de novembro até 18 de janeiro de 2020.

 

Siron em Salvador na Paulo Darzé Galeria

08/nov

“Trabalho resultante de uma interpretação e análise peculiar, que sempre aponta para várias direções sem perder a estabilidade, busca constantemente o novo sem se olvidar de sua obra pregressa. Não tem receio em se arriscar, se expor e de não se fazer compreendido, pois tudo não passa de uma questão de tempo. Jamais se acomodou às fórmulas aclamadas, embora as revisite, como se vê a presente exposição, “Miragens”. Continua com vigor que contagia uma arte que surpreende sempre, e isso após meio século de pintura. Na mostra atual, o artista se utiliza do conceito da ilusão sedutora, do engano, do sonho e da quimera para abordar, de forma lúdica, mas marcante, o que se passa no mundo”.

 

 

Estas são palavras de Charles Cosac na apresentação da exposição “Miragens”, de Siron Franco, com abertura no dia 12 de novembro, das 19 às 22 horas, na Paulo Darzé Galeria, Salvador, Bahia, e temporada até 13 de dezembro.

 

 

Seguindo na sua apresentação afirma: “As repetidas figuras humanas são simples imagens, massas ou volumes de cores que podem deixar a interpretação clássica para ser apenas resultado do índice de refração. Quem sabe aspirando virem a se tornar uma verdade? Imagens superpostas, duplicadas, diferentes camadas de zonas pictóricas atravessadas evocam o conceito de miragem, confundindo quem as observa, como em um trompe-l’oeil.  A utilização da técnica que poderíamos mesmo chamar de pontilhismo, aqui sob nova e criativa interpretação, deixando que suas formas e cores sejam o tema e buscando ocultar o que seria o alvo a ser decantado. O colorido marcante e as diferentes texturas reforçam o conceito de trompe-l’oeil, buscando talvez esconder e, ao mesmo tempo, revelar as visões. Sem sabermos como realmente interpretá-las, algumas imagens nos levam a conceitos religiosos, outras à supostas questões do homem, da natureza e do meio-ambiente. Siron surpreende a cada nova mostra. Na última, realizada em 2018, “Em nome de Deus”, as obras também suscitavam dúvidas quanto ao “sacro” conceito do que estava sendo retratado. Agora, nos entrega e nos envolve em ilusões, exigindo e aguçando a nossa capacidade de interpretação. São obras que exigem observação demorada e repetida, sem garantia de que venhamos saber o que realmente se passa sob nossos olhos. São belas representações do ilusório, do diáfano, a miragem se faz”.

 

 

Ainda no catálogo, em outro texto-apresentação, Claudius Portugal diz: “Esta é uma arte relacionada diretamente a um compromisso de mundo, o mundo em que vive, sendo realizada na sua temática de coisas vistas, vividas, inventadas, e uma construção que privilegia não apenas o olhar, mas o viver a vida, no sentido amplo de homem e de cidadão, seus sonhos e seus pesadelos. Mas como qualquer artista, a biografia está na poesia, na trajetória desta sua arte, que tem na cor, ou na luz, uma gerando a outra como vida, a revelação da busca através das variantes de um figurativismo, hoje menos identificáveis à primeira vista, mas seja como for, uma obra que nasce da realidade para criar uma nova realidade, esta agora chamada arte, nos seus temas de natureza, bichos e homens, vigorosas na capacidade inventiva de continuar a produzir imagens enquanto pintura. Obra instigante, criativa, em primeiro lugar como pintura, mas abarcando também o desenho, a ilustração, as instalações, os monumentos em locais públicos, o que o torna com esta diversidade de atuação e de atitudes, um dos artistas brasileiros vivos mais conhecidos do grande público”.

 

 

Sobre o artista

 

 

Siron Franco nasceu em 25 de julho de 1947, na cidade de Goiás Velho, antiga capital do estado de Goiás. Em 1950 mudou-se para Goiânia, indo residir numa zona de classe média baixa, o Bairro Popular. Foi exatamente nessa localidade onde se deu o desastre com o Césio-137, em 1987. Em 1959 tem-se a primeira obra conhecida de Siron. Aos doze anos passa a frequentar a Universidade Católica de Goiás num curso livre, saindo aos dezessete, após ter mandado alguns desenhos para avaliação, sem revelar a idade. Em 1960 manteve os primeiros contatos com a atividade artística de forma sistemática e passa a frequentar o Estúdio ao Ar Livre, supervisionado por dois pintores locais, D.J. Oliveira e Cleber Gouvêa. Esteve aí apenas como um observador por lhe faltar tempo e dinheiro para as aulas. Mas foi neste espaço que encontrou, além da grande ajuda dos pintores citados, o pintor Confaloni, fundador da primeira Escola de Belas-Artes de Goiânia e seu primeiro mentor. Em 1961 começa a trabalhar numa editora, emprego que lhe permite conseguir uma coisa cara para ele: o papel. A partir de 1962, enquanto desenvolvia de maneira autodidata e através da observação e da experimentação passou a dominar as técnicas do desenho e da pintura, e começou a desempenhar a atividade de retratista. Além disso, executava trabalhos de desenho gráfico.

 

 

Datam de 1967 em Goiânia/GO suas primeiras mostras individuais. De lá para cá tem participado de exposições individuais e coletivas em importantes galerias, museus nacionais e internacionais como MASP, MAM-RJ, MAM-SP, Pinacoteca do Estado de São Paulo, The Bronx Museum of the Arts nos Estados Unidos e Nagoya City Art Museum no Japão. Participou da 2ª Bienal de Havana em 1986, de diversas edições do Panorama da Arte Brasileira do MAM-SP. Seus trabalhos resultam de uma relação intensa com a matéria, facilmente observável nas generosas camadas de tinta a óleo que utiliza em suas pinturas, ou na diversidade de materiais brutos que escolhe para compor suas esculturas ou instalações, tal qual o concreto, aço, chumbo, mármore e resina. Essa intensidade ganha ares dramáticos nos corpos ou fragmentos de corpos que retrata com frequência, sejam corpos de bichos, de gente, de santos, mortos ou vivos. O ar soturno do universo que criou ao longo de seus mais de cinquenta anos de atividade incorpora a sátira e o absurdo para abordar questões políticas e sociais, como a relação violenta e desequilibrada que o homem possui com a natureza e com a sua própria humanidade.

 

 

Sua primeira aparição nacional foi na II Bienal da Bahia, 1968, mostra fechada pelo regime militar na noite de abertura, quando duas de suas obras foram destruídas, sobrevivendo apenas o “Cavalo de Troia”, que recebeu o Prêmio de Aquisição. Em 1973 recebe o prêmio Viagem do I Salão Global da Primavera/Rede Globo de Televisão, o que lhe permite uma permanência de seis meses no México. Em 1974, na XII Bienal Nacional de São Paulo, recebe prêmio em dinheiro e é eleito o melhor pintor do ano e único representante brasileiro na próxima Bienal Internacional e no XIII Salão Nacional de Arte Moderna, do Rio de Janeiro, o prêmio Isenção do Júri. Em 1975, na XIII Bienal Internacional de São Paulo recebe o prêmio Internacional de Pintura, e o Prêmio Viagem ao Exterior no XXIV Salão Nacional de Arte Moderna/ Rio de Janeiro, o que lhe possibilitou permanecer na Europa durante dois anos. Em 1980 o Prêmio Críticos de Arte de São Paulo, “A Melhor Exposição do Ano”, e o Prêmio Dez Artistas da Década Hilton. São Paulo. Participa da IV Bienal Internacional de Medellín, Colômbia, 1981. Ganha em 1982 o Prêmio Mário Pedrosa “A Melhor Exposição do Ano”. Rio de Janeiro. Em 1984 participa da IV Bienal Ibero-americana de Arte, México, onde recebe o prêmio Menção Honorífica. Em 1987 recebe no Rio Grande do Sul o Prêmio Lei Sarney. Em 2002 o Prêmio Mário Pedrosa Artista Contemporâneo do ano 2000. ABCA/ Brasil. Suas obras integram coleções de museus nacionais e internacionais, como Metropolitan Museum of Art, Nova York/Estados Unidos; University of Essex Collection of Art from Latin America, Colchester/Grã Bretanha; Museu Salvador Allende, Santiago do Chile/Chile; Monterey Museum of Contemporary Art – MARCO, Monterrey/México; Museu Nacional de Belas Artes – MNBA, Rio de Janeiro/Brasil; Museu de Arte de São Paulo – MASP, São Paulo/Brasil; Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro – MAM/RJ, Rio de Janeiro/Brasil; Museu de Arte Moderna de São Paulo – MAM/SP, São Paulo/Brasil; Museu de Arte de Belo Horizonte, Belo Horizonte/Brasil; Museu de Arte Moderna da Bahia – MAM/BA, Salvador/Bahia; Museu de Arte Moderna de Brasília, Brasília/Brasil. Sua relação com a Bahia, aonde veio a ter posteriormente atelier, começa 1968 na II Bienal Nacional da Bahia, quando ganha o prêmio Aquisição. Em seguida realiza individual, 1980, no MAM/BA. Em 1985 faz sua primeira exposição, “Pinturas Recentes”, na Paulo Darzé Galeria, ainda com o nome Escritório de Arte da Bahia. Novamente expõe na mesma galeria em 1991 e 1996. Em 2001 traz a mostra “Casulos” para o MAM/BA. Em 2002, uma nova mostra no Paulo Darzé Galeria de Arte, “Siron Franco: desenhos”. E, agora, 2019, na Paulo Darzé Galeria, a mostra “Vestígio”. Siron Franco vive e trabalha em Goiânia, Goiás.

 

 

Fundação Iberê Camargo na Feira do Livro

04/nov

Pela primeira vez, a Fundação Iberê Camargo vai integrar a programação da 65ª Feira do Livro de Porto Alegre, RS, apresentando atividades que marcam um novo reposicionamento do centro cultural e possibilita um encontro entre as mais diversas linguagens. As atividades gratuitas ocorrem nos dias 16, na Fundação, e 17, na Praça da Alfândega. Destaque para a contação de história e oficina de gravura com o artista Xadalu.

 

“Nesta parceria com a Feira do Livro, queremos ampliar nossa atuação e fomentar a cultura por meio da inserção de todas as linguagens artísticas, partindo das artes visuais, passando pelas artes cênicas, pela música até a literatura”, explica Robson Outeiro, superintendente executivo da Fundação Iberê Camargo.

 

Programação

 

Cantos e Acalantos | Contação de História Teatral
Contador: José Mauro Brant (RJ)

 
Quando: 16 de novembro | Sábado | 17h
Local: Fundação Iberê Camargo

 

Entrada franca

 

Em “Cantos e Acalantos”, José Mauro Brant cria uma apresentação inspirada nas primeiras histórias ouvidas na infância e nos acalantos cantados pelas famílias para embalar seus filhos. As músicas folclóricas são mescladas a histórias, como o Negrinho do Pastoreio, João Jil e Surrão Mágico. A ideia do espetáculo é recuperar cantigas, contos tradicionais brasileiros e difundir o livro e a leitura.

 

Brant é ator, cantor, autor e diretor de mais de 80 óperas e espetáculos musicais. Em 1996 estreou “Contos, Cantos e Acalantos”, que deu origem a um CD homônimo, e se apresenta em teatros, escolas e hospitais no Brasil e exterior.

 

Contos indígenas e oficina de gravura em isopor
Artista: Xadalu

 
Quando: 17 de novembro | Domingo | 10h
Local: Praça de Autógrafos – Ciclo Arte na Praça
Classificação etária: 6 a 12 anos

 

Entrada franca

 

 

Os contos, lendas e histórias indígenas estão muito mais presentes em nossas vidas do que imaginamos. Eles trazem valores, como o reconhecimento da sabedoria dos mais velhos e o respeito à natureza. Para aproximar as crianças da cultura indígena, Xadalu apresenta contos e histórias, brinquedos, animais e suas obras.

 

Durante o encontro, os participantes farão uma introdução à técnica da gravura a partir da experimentação, criando suas próprias obras inspiradas nas ilustrações e objetos apresentados, investigando as diferentes possibilidades de representação de imagens.

 

Xadalu é artista visual urbano com uma obra que transita entre intervenções nas ruas e exposições em museus, galerias e centros culturais. Sua produção diversificada mescla as colagens da sticker art a técnicas e linguagens como a serigrafia, a pintura, a fotografia e o objeto.

 

 

Na Roberto Alban Galeria

24/out

Mostra reúne obras do Geraldo, Fabiana e Lenora de Barros, nomes de destaque na arte contemporânea brasileira. Artista múltiplo por excelência, respeitado no Brasil e no exterior por seus trabalhos em fotografia, design, pintura, gravura e desenho industrial, entre outras linguagens, o paulista Geraldo de Barros compôs com suas duas filhas, Lenora e Fabiana, uma família de destaque nacional no âmbito das artes contemporâneas.

 

É essa família que a partir do dia 31 de outubro ocupará a Roberto Alban Galeria, Rua Senta Púa, 53, em Ondina, Salvador, Bahia, apresentando, pela primeira vez em um mesmo espaço, um conjunto representativo de suas principais obras. A mostra, denominada Em Forma de Família, encerra com relevância a programação deste ano da galeria.

 

Pioneiro mundialmente reconhecido da fotografia abstrata, fundador do movimento da arte concreta e designer de grande relevância, Geraldo de Barros (1923-1998) transpôs os limites do país e da própria arte produzida no Brasil por sua irreverência conceitual e domínio linguístico em diferentes campos artísticos, notadamente vanguardistas e experimentais. Presentes na exposição em Salvador, suas famosas Fotoformas, fotografias realizadas entre 1946 e 1951, revolucionaram a fotografia brasileira ao apresentar imagens que tanto podiam ser vinculadas ao Construtivismo como ao Cubismo, bem como a poéticas ligadas ao Expressionismo. A partir da reordenação de elementos, o artista criou uma nova composição em que estão sempre presentes as questões sociais e urbanas, além da inquietude diante da relação entre a arte e a sociedade.

 

Os seus últimos trabalhos, vinculados à série Sobras, com várias fotos inéditas que serão apresentadas na mostra em colaboração com o Instituto Moreira Salles (RJ), revelam um artista que sempre desafiou os limites entre o público e o privado. Isto é atestado no mobiliário UNILABOR, com o seu design apurado e modular, produzido de acordo com princípios coletivistas revolucionários. Vale lembrar que alguns trabalhos de Geraldo Barros integram o acervo de diversos museus do mundo, a exemplo do MoMA, de Nova Iorque (EUA).

 

Interação familiar

 

A naturalidade com que as obras da exposição Em Forma de Família interagem entre si é um testemunho do poder dos laços familiares e da força da arte como um legado a ser transmitido de geração para geração. A própria Lenora de Barros admite que herdou do pai o seu lado mais performático, que é um traço marcante em sua obra. ”Ele se autofotografava com chapéus, roupas diferentes, era um apaixonado pelo cinema noir”, observa Lenora, artista visual e poeta reconhecida internacionalmente, que constrói uma obra marcada pelo uso de diversas linguagens: vídeo, performance, fotografia, instalação sonora e construção de objetos. No seu trabalho, a artista desenvolve esse lado performático nas chamadas fotos-performance, algumas construídas como sequências fotográficas em que representa diferentes personagens.

 

As primeiras obras criadas por Lenora podem ser colocadas no campo da “poesia visual” a partir do movimento da poesia concreta da década de 1950. Palavras e imagens foram os seus primeiros materiais. Um de seus trabalhos mais significativos, produzido em 1979 com registro fotográfico da irmã, Fabiana de Barros, é Poema, que estará presente na mostra Em Forma de Família. Nesse trabalho, a artista aparece tocando as teclas de uma máquina de escrever com a própria língua, um tema que reaparecerá em obras como Língua Vertebral (1998) e Linguagem (2008).

 

Já Fabiana de Barros, que vive em Genebra (Suiça), também identifica em seu trabalho artístico um ponto coincidente com a visão que Geraldo tinha da questão social: “Assim como ele, que sonhava com um mundo igualitário, produzindo uma arte para todos, tenho uma preocupação em estabelecer uma relação direta com o público, privilegiando o contato humano e o contexto social”, justifica, observando que uma de suas obras mais famosas, o Fiteiro Cultural – um quiosque de madeira que se abre nos quatro lados e funciona como um centro cultural itinerante – nasceu para atender às necessidades e desejos da comunidade, tendo sido instalado em diversas cidades do mundo.

 

Assim como sua irmã Lenora, Fabiana de Barros enveredou pelos caminhos da arte contemporânea, utilizando variados recursos multimídias – fotografias, vídeo, colagem, internet. A interação com o outro coloca-se como um eixo primordial em seu trabalho, que se traduz em instalações, intervenções, arte pública e virtual, web art. No ciberespaço, Fabiana encontrou as melhores condições para aproximar-se do seu público, através de sites de visitas e espaços para manifestações dos visitantes, propondo viagens a outras culturas. No Brasil, obteve seu maior reconhecimento ao participar da 25ª Bienal de São Paulo, em 2002.

 

Até 11 de janeiro de 2020.

 

Siron nas Telas

Com direção e roteiro de André Guerreiro Lopes e Rodrigo Campos, o artista visual Siron Franco é o mote de “Siron Tempos Sobre Tela”. Como bem atesta sua trajetória nacional e internacional, Siron Franco tem imagem pública fixada e é nome consagrado na arte contemporânea brasileira. O filme estreou na programação da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em São Paulo, SP. A produção é da Pacto Filmes e na equipe os nomes de Danilo do Valle na montagem; Pablo Nóbrega na direção de fotografia; trilha sonora de Gregory Slivar e desenho de som de Rosana Stefanoni. Estão programadas mais duas projeções: às 15:50h do dia 28 de outubro no Espaço Itaú de Cinema Augusta e às 14:00h do dia 29 de outubro no Cine SESC.

 

 

Cerâmicas de Kimi Nii

23/out

A Galeria Kogan Amaro, Jardim Paulista, São Paulo, SP, apresenta esculturas inéditas de Kimi Nii. A artista nipo-brasileira exibe criações inspiradas em elementos da natureza e revela sua concepção minimalista de paisagem

 

Luz e elementos da natureza despertam encantamento da artista nipo-brasileira Kimi Nii. Ela encontrou no Brasil uma rica variedade de tons, espécies e cenários naturais que inspiram suas criações, esculturas minimalistas, nas quais convida o espectador a construir paisagens mentais. Essa é a proposta da exposição “Montanha das nuvens brancas”, individual que Kimi Nii estreia em 26 de outubro, com curadoria de Ricardo Resende.

 

A intimidade com a cerâmica proporciona à artista a habilidade de fundir elementos da cultura japonesa, guardados em sua memória e bagagem, com referências brasileiras, captadas a partir de sua vivência no País. Autora de uma pesquisa centralizada nas formas e luzes da natureza, as obras de Kimi Nii se assemelham a paisagens e aludem sobre dois lados do mundo.

 

Nascida em Hiroshima, dois anos após a explosão da bomba atômica, a artista mudou-se aos nove anos de idade para São Paulo, e seu fascínio pela luz e a natureza brasileira a fizeram ficar.

 

Em “Montanhas das nuvens brancas”, Kimi Nii apresenta formas cilíndricas que se repetem, mas sem nunca se igualarem, e mimetizam a forma das nuvens brancas sobre a ação do vento. “As nuvens são mágicas para mim e, nessa exposição, quero trazer os extremos opostos: a terra e o céu”, explica a artista.

 

“É proposto pela artista o silêncio entre as nuvens que estão espalhadas pelas alturas da sala expositiva e as formas cônicas alinhadas no chão, organizadas em uma linha reta que desenha em perspectiva para quem adentra a sala”, explica o curador.

 

Em contraposição, formas cônicas são alinhadas de modo a remeter às formas montanhosas. Em meio a essas duas estruturas, estão peças que apontam para plantas da família dos Hibiscos, chamadas de fauna pela artista, concebidas a partir de sua investigação sobre as formas dessas espécies e sua dinâmica na natureza.

 

O minimalismo é um dos traços fundamentais da poética de Nii, que conserva em suas cerâmicas a essência da matéria, da forma e da cor do barro, despindo-as de elementos supérfluos e fazendo delas formas exuberantes. A produção da artista é pautada na organicidade e apenas naquilo que lhe parece fundamental. “A obra de Kimi Nii é sobre a vida transformada em objetos belos e harmoniosamente organizada com a matéria da argila”, sintetiza

 

Ricardo Resende

Até 23 de novembro.

 

 

A obra de Miguel Bakun

18/out

A partir do dia 26 de outubro a obra de Miguel Bakun entrará em exibição na Simões de Assis Galeria de Arte, Jardins, São Paulo, SP, estendendo-se até 14 de dezembro. A apresentação é do crítico Ronaldo Brito.

 

Miguel Bakun

Por Osmose

Texto de Ronaldo Brito

 

Não se enganem com a escala modesta, as cores terrosas, enfim, o aspecto de casual abandono que preside sobre as telas de Miguel Bakun. Elas não respondem passivamente ao mundo. À sua maneira enviesada, avançam decididas sobre ele e o recortam à medida do Eu do artista. Quase chegamos a vê-lo se aproximar furtivamente da paisagem para abreviá-la, tomá-la para si, impregná-la com seu lirismo pungente mas nem um pouco declamado. De fato, nosso pintor parece operar por osmose. É preciso, primeiro, reduzir a cena ao alcance de seus poderes de transfiguração e encantamento, poderes limitados porque intensos demais. Para esse autodidata de província, desamparado de tradição, isso desde logo implicava a empatia com trechos esquecidos de mundo, entregues à própria sorte, inéditos porque jamais mereciam atenção pública. Este é o lar, o único lar possível, desvalido e transitório, desse livre exercício de pintura que, por vocação, procede às avessas do mundo burguês administrado.

 

Depois, é urgente estreitar o contado físico. Muito da força poética de Bakun deriva da sensação de presença corpórea – sentimos o artista em meio à natureza, quase indistinto, a acompanhar sua pulsação orgânica; e o assistimos ainda a absorver a cena, em geral concisa e transversa, até que a tela literalmente a incorpore. É um truísmo: segundo a lógica contrária do trabalho de arte, o errado costuma dar certo. No caso de Miguel Bakun, o óleo fruste, sem brilho, quem sabe veio a ser o veículo ideal a permitir a coalescência com o vegetal, a porosidade com que assimila a matéria orgânica. As extraordinárias marinhas, por sua vez, ostentam um pronunciado acento mineral. Já os céus não exalam nada de aéreo: são quase metálicos. Trata-se sempre, porém, da mesma ânsia tátil que desobedece à vontade a regra acadêmica da textura, a correta imitação visual da sensação tátil. A matéria da pintura é o espírito do pintor. A contraprova vem em seus autorretratos despojados, gênero mimético por definição. Reparem como a figura do artista é feita do mesmo estofo do interior que, ao invés de o acolher e distinguir, expõe sua precária condição existencial. Menos do que representante típico da boêmia – habitat por excelência do pintor extraviado da época – Miguel Bakun se apresenta como o homem comum, funcionário de repartição, comerciário talvez, desgastado pelo trabalho, com a fisionomia um tanto perplexa.

 

Uma vez que o quadro pós-impressionista busca a verdade em si mesmo, em sua própria personalidade, e só se autojustifica graças à coerência e potência formais, é evidente que a natureza deixa de ser Criação, a guardar um segredo que a pintura nos ajudaria a resgatar. O humilde e isolado Bakun foi entre nós um dos primeiros paisagistas para quem o contato com a natureza, o Outro do homem, se converte no modo insigne de interrogar o destino pessoal. Modo solitário, silencioso e meditativo, que a agitação e o convívio humano anônimo e conspícuo da cidade grande tornaram impraticável. De alguma maneira, por meios e modos difusos, Miguel Bakun fez-se contemporâneo de Cézanne e Van Gogh. Ele não passava os olhos sobre as reproduções de suas telas, a essa altura, já emblemáticas; à sua medida, ele as introjetava, examinava a fundo, até as últimas partículas de seu ser.

 

A cronologia termina, assim, quase irrelevante. O que importa é que essas pequenas telas introspectivas, que adquirem direito de cidadania como linguagem moderna inicial nos tardios anos 1940, continuam a seduzir e intrigar o olhar contemporâneo. Quer dizer, permanecem e, para muitos de nós, só agora aparecem como agentes do nosso acervo simbólico modernista, instintivamente envolvidas que estavam com o difícil processo de formação do sujeito estético moderno no Brasil. Junto às telas de uns poucos pares, Guignard, Pancetti e um Alfredo Volpi que ainda preparava o salto mortal em direção à plena pintura autônoma, elas nos levam a interrogar o presente de nosso passado modernista. Porque, visivelmente, o atualizam.

José Bechara – Território Oscilante

17/out

A primeira exposição do artista José Bechara em Porto Alegre, RS, reúne na Fundação Iberê Camargo, até 5de dezembro, diversos momentos de sua trajetória, desde as pinturas oxidadas, passando pelos exercícios fotográficos, pelos seus muitos pequenos desenhos de ateliê e suas potentes instalações com vidro. “Território Oscilante” vai da fotografia à instalação, apostando no transbordamento da experiência poética para fora das convenções expressivas determinadas pela história da arte. As intervenções expulsando o mobiliário de uma casa, a apropriação das mesas como superfície escultórica e a volta constante ao desenho como exercício gráfico mostram que a obra do artista está em constante interrogação.

 

José Bechara iniciou seus estudos em 1987, na Escola de Artes Visuais do Parque Lage. Quatro anos mais tarde, passou a integrar um ateliê coletivo na Lapa, centro do Rio de Janeiro, com Angelo Venosa, Luiz Pizarro, Daniel Senise e Raul Mourão. Mas foi somente em 1992 que ele começou suas experimentações com suportes e técnicas diversificadas, até hoje uma característica marcante de seus trabalhos. Outra particularidade de Bechara é a geometria. O artista foi fortemente influenciado por Kasimir Malevich (1878-1935), um dos mais importantes pioneiros da arte geométrica abstrata, tendo fundado, em 1913, o Suprematismo.

 

“Há alguns anos visitei uma retrospectiva de Malevich no The Metropolitan Museum of Art e me assustei. Vi ali um mundo pensado no começo do século passado. Foi o trabalho, a pesquisa, a investigação e a poesia dele que me moveram nessa direção, mas com um dado novo que é pensar a geometria como um indivíduo que se esforça muito para emergir. Sim, a geometria é o topo da ciência que afirma o mundo, é precisa. Mas eu gosto de pensá-la como nós somos, humanos, cheios de falhas e imperfeições. A minha geometria sustenta peças que podem desmontar, vidros que podem quebrar, objetos depositados com gravidade e podem cair. Uma geometria com drama, esforçando-se para existir”, diz o artista.

 

Bechara por Bechara

 

A arte das incertezas – Você aprende arte, mas ninguém te ensina. Pelo menos não conheço ninguém que tenha conseguido ensinar. Durante minha passagem pela Escola de Artes Visuais do Parque da Lage, Charles Watson foi minha maior referência. Ele ajudava seus alunos a problematizar o que faziam, a questionar seu trabalho. Então eu nunca trabalho com certezas. Mesmo que você dê uma pintura ou uma escultura como prontas, há sempre uma vibração de dúvidas.

 

O inesperado – Meus planos nunca dão certo, não consigo suportá-los por muito tempo. E não é que eu provoque acidentes, mas podem acontecer a qualquer momento. Alguma coisa cai, alguma coisa falta e esse tipo de problema dá fôlego, animação, para fazer o próximo trabalho. Existe uma intenção, mas ela não é precisa nem reta. Ela é atraída pelo acidente que pode ser alterada a partir de respostas obtidas a cada ação.

 

No limite – Eu não tenho essa coisa de estancar um trabalho ou de cumprir uma investigação, uma pesquisa. Eu trabalho simultaneamente com pintura e escultura, uma invade a casa da outra e elas vão se contaminando não de uma maneira intencional. Em determinadas produções, os resíduos de um pensamento escultórico estão presentes na de pintura, e vice-versa. E eu gosto disso, de trabalhar no limite entre gêneros.

 

Em busca do novo – Há quem diga que tudo existe, só não tinha visto. Eu já penso diferente, e todos os dias faço a mesma coisa: procuro coisas que não existem. Com toda a poesia, música, dança, literatura, ideias e os insistentes dramas dos indivíduos na sociedade, o homem continua selvagem. Está intrínseco na chamada natureza humana. Eu gosto de problema, porque uma equação insolúvel, e é essa procura e o fazer que me interessam.

 

A arte humanizada – Houve um momento na pré-história que o indivíduo saiu da caverna e, quando viu que o dia estava lindo propício para a caça, ele foi tomado por um susto chamado imaginação. E o pensamento começa todo aí. E eu acho que arte mantém esse susto inicial de você olhar para uma coisa e ela não ser somente o cotidiano. A arte torna o indivíduo mais generoso e o faz saltar para o conhecimento e a educação. Isso não têm limite. A arte faz com que o espírito se abra um pouco e torne-se curioso. A arte é um vetor mais assustador, mas são sustos bons.