Temas cotidianos de Wilma Ramos

20/mai

 

 

Jacques Ardies exibe em sua galeria, Vila Mariana, São Paulo, SP, e assina a curadoria de uma exposição em tributo a uma artista parceira de muitos anos: “Homenagem a Wilma Ramos”. Composta por 24 telas em acrílico pintadas pela artista no período entre 1981 e 2005, serve como homenagem e agradecimento à lealdade e presença da artista junto a trajetória da galeria desde os seus primórdios em 1979 (Galeria Cravo e Canela). Conhecida e reconhecida como artista naïf, Wilma Ramos criou obras de colorido intenso e figuras com detalhamento minucioso. Mesmo sendo inserida na classificação de uma arte onde a espontaneidade, a criatividade autêntica, o fazer artístico sem escola nem orientação, a artista possui características baseadas na simplificação dos elementos, valorizando a representação de temas cotidianos e manifestações culturais de um povo.

 

 

As obras de Wilma Ramos possuem especificidades, de um colorido vibrante; ela pintava, principalmente com a tinta acrílica, que tem uma luminosidade maior que a tinta óleo; contornava seus personagens, que no geral tinham um aspecto muito comum, parecendo ser da mesma família. Os temas dos oxuns, pescadores trabalhando, feiras livres, colheitas de laranja e cana de açúcar, festas populares – como a do bumba meu boi, os bonecos gigantes, a malhação de Judas, as procissões religiosas e a festa do Divino Espírito Santo, os retratos de imagens sacras, como a incrível Nossa Senhora do Arco-Íris e de São Francisco dormindo na mata brasileira, rodeado de animais e de índios – estão entre os temas preferidos da artista. Foi com a obra “As Baianas” que Wilma Ramos conquistou reconhecimento e sucesso no mundo da Arte Naïf. Elas são únicas, com saia geométrica estampada, que lembra os panos de chita, muito comum na arte popular. Na parte superior, usam uma blusa branca de mangas curtas enfeitadas por colares de contas coloridas e levam na cabeça um pano branco amarrado, típico. O rico universo dos orixás e oxuns tiveram espaço garantido na obra da artista. Nas palavras da artista, em declaração dada em 2007, “Quase tudo que pinto ligo a fauna e a flora. Sou defensora da natureza. Essa é uma forma de dar um alô sobre a necessidade de preservar o meio ambiente.” Não necessariamente o artista naif está isolado dos acontecimentos de sua época e momento cultural. Já em São Paulo, para onde se transfere na década de 1970, através de uma amiga artista, Wilma Ramos tem acesso e contato com artistas do movimento modernista como Di Cavalcanti e Tarsila do Amaral, além de outros grandes expoentes culturais como Manabu Mabe, Takeschi Susuki, Takaoca Fukushima, Alzira Pecarari e Flávio de Carvalho. A arte ingênua de Wilma Ramos se mantém intacta mas, o contato com outras vertentes criativas possibilita influências e opções antes indisponíveis ao pequeno universo pessoal da artista. O curador explica e justifica, com maestria, a mostra: “Wilma Ramos se dedicou a pintura bem cedo, em 1968. Encontrou sua linguagem e manteve-se fiel ao seu estilo particular de se expressar. Rostos redondos, olhos puxados, os seus personagens são inconfundíveis e, na maioria das vezes, parecem formar um grupo de pessoas entrosadas e de boa convivência e isto é totalmente coerente com o seu próprio jeito carismático de se relacionar. Wilma era meiga, doce e sensível. Interessou-se pelos rituais afro-brasileiros do candomblé e pelas festas folclóricas, tão populares Brasil afora e, mais intensamente, na Bahia. Gostava também de interpretar cenas campestres com cores harmoniosas e bem orquestradas que demonstrava seu inabalável otimismo em relação ao dia de amanhã. Após uma estada de 4 anos na Espanha, em 1979, Wilma juntou-se a turma dos artistas que iam apoiar a nova Galeria Cravo e Canela, no Alto da Boa Vista. A partir desse momento passou a aceitar todos os convites para participar de exposições. Recebemos um apoio irrestrito da artista Wilma Ramos e hoje, 43 anos depois, montamos esta exposição para expressar e demonstrar nosso agradecimento”.

 

 

Sobre a galeria

 

 

A Galeria Jacques Ardies, localizada na Vila Mariana, ocupa uma casa antiga completamente restaurada. A galeria, que iniciou suas atividades em agosto de 1979 (Galeria Cravo e Canela), tem por vocação a divulgação e a promoção da arte naïf brasileira. Ao longo de 42 anos, muitas exposições foram realizadas: 120 mostras individuais e mais de 200 coletivas, no seu próprio espaço e também em museus como o MAC de Campinas (SP), MAM de Goiânia (GO), Espace Art 4 de Paris (FRA), Espaço Cultural de FMI em Washington D.C. (USA), Musée International de Arte Naïf Anatole Jakovski em Nice (FRA), Memorial da America Latina em São Paulo (SP), para citar apenas alguns e também em galerias de arte como a Galeria Jacqueline Bricard, em Lourmarin (França), a Galeria Pro Arte Kasper, em Morges (Suíça) e a Gina Gallery em Tel-Aviv (Israel). Em 1998, Jacques Ardies lançou o livro Arte Naïf no Brasil com a colaboração do crítico Geraldo Edson de Andrade e em 2003, publicou o livro sobre a vida e obra do artista pernambucano Ivonaldo, com texto do professor e crítico de arte Jorge Anthonio e Silva. Em 2010, lançou o segundo livro sobre a “Arte Naïf no Brasil” com texto da sua autoria e comentários de 4 amigos também apaixonados por esta arte. Quatro anos depois, em 2014, foi editado este mesmo livro numa versão em francês. A galeria expõe permanentemente quadros e esculturas de 80 artistas selecionados e considerados como representativos do movimento da arte naïf brasileira.

 

 

De 24 de maio a 18 de junho.

 

 

Ozi, 35 anos de Street Art

17/ago

 

 

 

Artista pioneiro do graffiti, Ozi expõe obras que remontam a história da Street Art no Brasil. O Ministério do Turismo, Secretaria Especial da Cultura, Governo do Estado de São Paulo, Prefeitura de São Paulo e Museu da Cidade de São Paulo, por meio da Secretaria de Cultura e Economia Criativa, apresentam “Ozi Stencil – 35 anos de Street Art”, sob a curadoria de Marco Antonio Teobaldo. Com mais de 100 trabalhos nos mais variados suportes – tapumes, telas, madeiras, metais, objetos de uso doméstico, latas de spray e outros itens – utilizados por Ozi em sua trajetória de décadas – pinturas, esculturas, readymades – a mostra preenche todos os espaços do casarão da Chácara Lane, à Rua da Consolação, 1024.

 

 

“A ocupação de cada andar do museu terá uma obra em grande formato, com o propósito de trazer o mesmo impacto que os trabalhos do artista causam nas ruas da cidade”, diz o curador.

 

 

A parceria de doze anos entre artista e curador torna possível apresentar um importante recorte de inventário de parte valiosa da história da Street Art brasileira, com documentos, registros fotográficos, documentários, estudos e obras de Ozi, que datam desde a década de 1980 até o período atual, com trabalhos mais recentes e inéditos.

 

 

“Esta exposição proporciona uma viagem nas mais de três décadas de trabalho do artista, na qual é possível perceber as variadas formas de aplicação do estêncil, sem deixar de se conectar diretamente com a sua atuação nas ruas”, explica Teobaldo.

 

 

Além desses trabalhos, com “Alices”, “Shirleys” e “Monalisas”, será exibido um conjunto de matrizes de estêncil dos itens mais emblemáticos da carreira do artista, criados entre 1984 e 2015. Estarão expostas matrizes originais dos trabalhos da série “Museu de Rua”, com referências a artistas como Anita Malfatti, Van Gogh, Di Cavalcanti, Roy Lichtenstein e Picasso. A biografia do artista é apresentada em dois vídeos que reúnem depoimentos do artista e de parceiros de trabalho. Do acervo de documentação pessoal, são exibidas imagens históricas dos primeiros grupos de grafiteiros e suas intervenções em São Paulo.

 

 

A Street Art no Brasil surgiu em meados dos anos de 1970, em São Paulo, durante o período da ditadura militar, com Alex Vallauri, que reuniu outros artistas como Carlos Matuck, Waldemar Zaidler e Hudinilson Jr., e posteriormente John Howard, Júlio Barreto, Ozi, Maurício Villaça e o Coletivo Tupy não Dá. Esse grupo trouxe a arte para as ruas e escreveram parte importante da história da cena urbana brasileira, dentre eles Ozi.

 

 

 “Inserido naquela atmosfera libertária e precursora, Ozi viu a oportunidade de criar livremente, lançando mão de recursos da sua formação publicitária para produzir um repertório fascinante, privilegiando a cultura Pop que desde então, não tem aliviado ninguém em suas críticas inteligentes e repletas de bom humor”, explica o curador.

 

 

Em 1984, Mauricio Villaça abriu as portas de sua casa, transformando-a na galeria Art Brut, que se constituiu em um espaço da cena underground da época e acolheu artistas visuais e performáticos, poetas e toda sorte de visitantes atraídos por aquela nova forma de pensamento artístico. Foi a partir do encontro destes artistas, que se iniciou uma série de intervenções e ações públicas na capital paulistana, que fariam história na constituição do graffiti brasileiro.

 

 

“Com essa mostra, será possível passar um olhar tanto na produção de estúdio, como em minha atuação pelos quatro cantos da cidade, como artista de arte urbana” define Ozi.

 

 

Sobre o artista

 

 

 Ozi, Ozéas Duarte nasceu em 1958, São Paulo, SP. Paulistano, faz parte da primeira geração do graffiti brasileiro, quando na década de 1980 iniciou suas primeiras intervenções urbanas, junto com Alex Vallauri e Maurício Villaça. Desde então, vem desenvolvendo sua pesquisa sobre a técnica de estêncil, criando suas obras a partir de uma estética Pop. Durante sua trajetória profissional, participou de diversas exposições coletivas e individuais no Brasil e exterior. Seus trabalhos figuram em publicações nacionais e estrangeiras. O artista nunca parou de estudar e hoje é pós-graduado em História da Arte pela FAAP. A ligação de Ozi com Vallauri se transformou recentemente em uma homenagem, com o projeto MAR – Museu de Arte de Rua, da Secretaria Municipal de Cultura, com a pintura de mais de 30 metros de altura em uma empena de um prédio, na altura da Praça Princesa Isabel, com um dos personagens mais icônicos de Alex Vallauri, a “Rainha do Frango Assado”.

 

 

Sobre o curador

 

 

Marco Antonio Teobaldo nasceu em 1958, Curitiba, PR. Jornalista, curador e pesquisador. Mestre em Curadoria e Novas Tecnologias pela Universidad Ramón Llull, de Barcelona, Espanha. Desde 2007, vem trabalhando como pesquisador e curador de Artes Visuais, com especial atenção à Street Art. Junto com o artista visual Eduardo Denne, idealizou o Parede – Festival Internacional de Pôster Arte, em 2008 e 2010, no Rio de Janeiro, que reuniu em sua última edição 175 artistas de diferentes partes do mundo. Atualmente, Marco Antonio Teobaldo dirige a Galeria Pretos Novos de Arte Contemporânea (Região Portuária do Rio de Janeiro), situada em um dos mais importantes sítios arqueológicos da Rota dos Escravos (Unesco), onde realiza propostas curatoriais com artistas brasileiros, reunindo mídias tradicionais (pintura, desenho e escultura), fotografia, novas tecnologias (vídeo, arte sonora e arte digital), arte urbana e performance. É também curador residente do Museu Memorial Iyá Davina, na Baixada Fluminense, com exposição permanente sobre a história e memória do candomblé no Rio de Janeiro, por meio de uma rara coleção de objetos sagrados e documentos que datam desde o final do Século XIX, até a década de 1980.

 

 

O MCSP/Chácara Lane

 

 

O Museu da Cidade de São Paulo é um complexo cultural museológico, composto por uma rede de treze edificações históricas, construídas entre os séculos XII e XX, distribuídas nas várias regiões do território. Propõe por meio de seus acervos e exposições, se consolidar como um espaço de reflexão que tem como objeto permanente de estudo a cidade de São Paulo, no qual o indivíduo possa conhecer sobre a diversidade e especificidade da maior cidade do hemisfério sul.  A Chácara Lane é uma das edificações históricas e é remanescente de uma antiga chácara paulistana construída no final do século XIX e uma importante referência histórica para a memória dos assentamentos urbanos na cidade. Naquele final de século os moradores mais abastados possuíam, além da sua moradia no núcleo urbano central, chácaras localizadas em áreas próximas do centro da cidade ou nos seus arrabaldes para o lazer familiar. Desde 2012, abriga o programa curatorial Gabinete do Desenho, que busca apresentar o esboço como raciocínio criativo.

 

 

Produção Executiva: NU Projetos de Arte – Nathalia Ungarelli

Coordenação de produção: Heloisa Leite

Governo Federal, Prefeitura de São Paulo, Secretaria Municipal de Cultura – ProAC Expresso/Lei Aldir Blanc

 

 

De 21 de Agosto até 19 de Setembro.

 

Livro: Art Déco no Brasil – Coleção Fulvia e Adolpho Leirner

26/jul

 

 

Ana Paula Cavalcanti Simioni e Luciano Migliaccio

 

 

Desde a primeira aquisição no início dos anos 1970, a coleção de art déco brasileiro de Fulvia e Adolpho Leirner foi pensada para ambientar sua própria residência, como contraparte da outra coleção do casal, de arte construtiva. Quase 50 anos depois, tornou-se um dos principais registros do período em que germinou o modernismo brasileiro. Já dominante no velho mundo, a estética art déco aportou por aqui na bagagem de artistas imigrantes – Gregori Warchavchik, Lasar Segall, Antelo Del Debbio, John Graz, entre outros – e de nomes nacionais que visitavam o velho continente, como Tarsila do Amaral, Vicente do Rego Monteiro, Di Cavalcanti, Anita Malfatti, Ismael Nery, Antonio Gomide, Regina Gomide Graz e Flávio de Carvalho, todos presentes no acervo dos Leirner. Com autoria de Ana Paula Simioni (IEB-USP) e Luciano Migliaccio (FAU-USP), o livro analisa obra a obra da coleção, repassando, a partir do que sobressai em cada item, os diversos aspectos artísticos do período. Cada obra vem acompanhada também de seu percurso em exposições e publicações. Além de ser um documento sem precedentes sobre o período, o livro demonstra a relevância da atuação do casal como colecionadores e rememora a formação do mercado de artes no Brasil.

 

 

“A Coleção Fulvia e Adolpho Leirner não apenas possui e conserva obras de valor histórico, mas ela própria é parte constitutiva da história da arte moderna no Brasil, tendo contribuído com exposições que suscitaram debates e reavaliações sobre esse momento da arte brasileira. Para compreender isso é preciso recuar um pouco no tempo. A década de 1970 assinalou uma importante etapa na maturidade do campo artístico no Brasil, em especial em São Paulo, por meio da consolidação de um mercado de arte. Multiplicaram-se os leilões comerciais e galerias, bem como despontaram alguns marchands. Num claro sinal de que a arte se tornava uma mercadoria valiosa, os bancos abriram linhas de crédito especiais para sua aquisição. A euforia do mercado artístico era contemporânea ao milagre econômico.” (…) “Compreender a lógica que perpassa a coleção, o princípio norteador de cada aquisição, de cada obra em particular, requer debruçar-se sobre as disputas em torno da definição de arte moderna, das quais os colecionadores participam com uma posição consciente e bastante original para o meio local.”

 

Di Cavalcanti, Muralista

04/jun

 

 

Esta exposição inédita organizada pelo Instituto Tomie Ohtake, São Paulo, SP, com curadoria de Ivo Mesquita, busca enfatizar a produção de murais e painéis de Di Cavalcanti (1897, RJ – 1976, RJ), dedicada à gente brasileira, como toda a sua obra. A brasilidade moderna de Di Cavalcanti está impressa nos 23 trabalhos dispostos em ordem cronológica “de 1925 a 1950” e “de 1950 a 1976”, nos quais pode-se perceber como vai sendo construída a sua figuração, as estratégias no implante das composições, as elaborações formais da sua plástica para essa arte.

 

 

A mostra, patrocinada pelo Bradesco, traz os painéis “Trabalhadores” (óleo sobre tela, 1955) e “Brasil em 4 fases” (óleo sobre tela, 1965) e mais 19 pinturas (óleo sobre tela) em grandes dimensões que aludem à mesma técnica e temas utilizados pelo artista para a composição de murais e painéis. Entre as pinturas exibidas estão “Serenata” e “Devaneio”, ambas de 1927, que preconizaram o primeiro mural modernista brasileiro, criado por Di em 1929 para o Teatro João Caetano, o díptico “Samba e Carnaval”, representado na mostra por duas reproduções em vinil na mesma escala. Para que o público possa identificar essa produção, quase impossível de ser transportada, a exposição conta com uma linha do tempo que recupera datas e locais em que as peças foram instaladas.

 

 

Conforme a pesquisa de Mesquita, após os murais para o Teatro João Caetano – que ainda permanecem lá -, Di Cavalcanti realiza mais três outros na década de 1930: no Cassino do Quartel do Derby, no Recife, na Escola Chile, no Rio de Janeiro, ambos em 1934 e pintados diretamente na parede, e o painel para o Pavilhão da Cia. Franco-Brasileira de Cafés na Exposição Internacional de Artes e Técnicas na Vida Moderna, em Paris. Este último parece estar desaparecido, mas ganhou medalha de ouro no evento enquanto o do Cassino do Derby foi destruído pelos militares em 1937, período em que o artista depois de preso, exilou-se na França (1936 e 1940). A grande produção dessa arte por Di Cavalcanti se desenvolve no início da década de 1950, após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), com a rápida industrialização do país e a construção de um Brasil moderno e democrático.

 

 

Como aponta o curador, Di Cavalcanti no lugar da retórica dramática de outros muralistas seus contemporâneos, privilegiou narrativas líricas e sensuais, em formas e cores exuberantes. “Sejam esses murais paisagens com mulheres, pescadores, operários, malandros ou candangos, em situação de festa ou trabalho, transmitem sempre certa leveza em levar a vida, a despeito da realidade social que evocam. É o artista inserido no coletivo, reconhecendo-se como parte dele. Di Cavalcanti foi um grande vocal da gente das ruas, dos mercadores e trabalhadores urbanos – incluindo as prostitutas –, de suas famílias, pequenas alegrias, afetos, tragédias e desejos”.

 

 

Debruçado sobre a obra de Di Cavalcanti, Mesquita em seu ensaio para a exposição reflete, entre vários aspectos, sobre a relação do artista com os muralistas mexicanos, Diego Rivera, Orosco e Siqueiros, iniciada em 1922 no Rio Janeiro, um ano antes de sua primeira viagem à Paris, assim como com seu contemporâneo Portinari. “Portinari configura o pintor heroico, solitário, militante, comprometido com a gente humilde e despossuída, narrador eloquente da injustiça e da desigualdade, que morre envenenado pelo chumbo de suas tintas. Di Cavalcanti, por sua vez, foi um artista boêmio, o pintor das mulatas, do samba, do carnaval e das festas populares, num mundo de formas sensuais, perverso, que, a seu modo, provocava o maniqueísmo moralista das normas e regras sociais. Dono de uma alma brejeira, hedonista, é o trovador da mestiçagem, o pintor que dá visibilidade à vida dos invisíveis, à força de trabalho suburbana na base da sempre desigual sociedade brasileira.”

 

 

Segundo o crítico ainda, o caráter figurativo da produção de Di Cavalcanti destinada aos edifícios e espaços públicos, com base no programa do Muralismo histórico, representava um esforço contrário aos programas da arquitetura moderna, racional e funcionalista, que se desenvolveu no Brasil sobretudo a partir da Segunda Guerra Mundial, e que se associava a uma arte abstrata, autônoma, sem narrativas, que se integrasse à lógica da forma e do espaço. “Daí que, talvez por conta disso, entre o final dos anos 1940 e a década de 1960, seus painéis e murais tenham sido mais encomendados para projetos em edifícios particulares do que da administração pública”, completa.

 

 

 

Uma trajetória

18/nov

 

Fundada em São Paulo, em 2006, a Galeria Kogan Amaro possui atualmente duas unidades. A matriz ocupa um espaço de 230 metros quadrados e pé direito duplo no coração do bairro dos Jardins, em São Paulo, SP. Em maio de 2019, a galeria abriu sua filial em Zurique, em um espaço de 350 metros quadrados inaugurado com uma exposição de Nuno Ramos. A Kogan Amaro/Zurich situa-se no Löwenbräu Cultural Center, um complexo de museus e galerias na maior e mais dinâmica cidade da Suíça.

A vibrante programação contemporânea da galeria conta com o trabalho de artistas emergentes e em ascensão como Samuel de Saboia, Élle de Bernardini, Mirela Cabral, Bruno Miguel, Daniel Mullen, Mundano, Patricia Carparelli e Tangerina Bruno, e também de artistas brasileiras consolidadas como Nazareth Pacheco e Marcia Pastore, entre outros.

 

A Kogan Amaro organiza eventos duplos com um mesmo conceito, como a exposição da artista contemporânea Fernanda Figueiredo “A visita de Max Bill”, que aconteceu na galeria de Zurique simultaneamente à exposição histórica “Arte concreta dos anos 1950”. Esta mostra coletiva exibiu obras dos fundadores do movimento concretista no Brasil que haviam sido inspirados pela visita de Bill à primeira edição da Bienal de São Paulo, em 1951, como os finados artistas Willys de Castro, Lothar Charoux, Hércules Barsotti, Luiz Sacilotto e Judith Lauand. A filial suíça também organizou exposições individuais históricas com as obras de Frans Krajcberg, Servulo Esmeraldo e Flávio de Carvalho.

 

O portfólio da Kogan Amaro, de artistas consagrados com sólidas carreiras institucionais e de artistas contemporâneos emergentes, reflete o espírito ousado dos jovens sócios que a comandam, o casal Ksenia Kogan Amaro e Marcos Amaro, ambos de 35 anos de idade, que mesmo antes da galeria sempre estiveram envolvidos com as artes. A sócia-diretora e co-fundadora da galeria, Ksenia Kogan Amaro, nascida em Moscou, é também uma aclamada pianista clássica, colecionadora e artista performática. Ksenia concebeu um projeto de performance que apresentou ao redor do mundo junto com o ator John Malkovich, colaborou com Plácido Domingo, criou projetos para a UNESCO, e tocou em concertos para chefes de estado e para as famílias reais da Espanha e da Bélgica. O fundador da galeria, Marcos Amaro, é também artista plástico, colecionador, formado em Filosofia e Finanças, empreendedor e patrono das artes, assim como presidente do Museu FAMA e FAMA Campo.

 

A Galeria Kogan Amaro também atua como representante da Fábrica de Arte Marcos Amaro. A instituição promove arte-educação gratuita para a comunidade local, incluindo escolas públicas e privadas; realiza seminários; organiza exposições; concede bolsas e residências para artistas; confere um prêmio anual a artistas escolhidos por um júri de críticos de arte e especialistas; assim como patrocina intercâmbios com instituições culturais brasileiras e estrangeiras, visando a preservação, promoção e exposição da arte brasileira e internacional. O Museu FAMA foi criado em 2012 em uma propriedade de 25.000 metros quadrados que originalmente abrigava uma antiga fábrica têxtil do início do século XX, na cidade de Itu, região com uma população de 2 milhões de pessoas, a 50 minutos da capital do estado de São Paulo. Constituída desde 2008 com foco na arte brasileira, sua coleção permanente excede 2000 obras, desde as do século XVIII (Aleijadinho), passando pelo Modernismo brasileiro do século XX (Tarsila do Amaral, Pancetti, Di Cavalcanti, Portinari, Flávio de Carvalho, Brecheret, Lasar Segall, Antonio Gomide, Anita Malfatti, Maria Martins, etc.) ao FAMA Campo, dedicado exclusivamente à land art. A potência da coleção permanente está contida em seus trabalhos conceituais e contemporâneos criados por artistas icônicos como Tunga, Leda Catunda, Jac Leirner, Adriana Varejão, Cildo Meireles, Maria Nepomuceno, Carmela Gross, Laura Lima e Nelson Leirner, muitos dos quais foram exibidos em edições passadas da Bienal de São Paulo, da Bienal de Veneza e da Documenta de Kassel. A coleção consiste principalmente em obras tridimensionais em grandes formatos, mas há também um grande número de pinturas, gravuras, desenhos, fotos, instalações, etc. Desde junho de 2018, a enorme área externa da FAMA foi remodelada em um jardim de esculturas com obras em grandes formatos de artistas renomados, como Nuno Ramos, Caciporé Torres, Emanoel Araújo, Gilberto Salvador, Frans Krajcberg, José Resende, José Spaniol, Marcos Amaro, Mario Cravo, Mestre Didi, Sergio Romagnolo e Henrique Oliveira. O Museu FAMA é o maior patrimônio privado de arte do estado de São Paulo, e um dos museus mais inovadores do Brasil, visando promover e disseminar o rico e diverso legado artístico do país.

 

 

Trajetória da Galeria Kogan Amaro

 

Quando adquiri a marca Emmathomas em 2017, não tinha nenhuma experiência como galerista, e nenhum faturamento. Após três anos de muita dedicação, construímos uma equipe sólida e consistente, representamos um elenco de artistas altamente qualificados e jovens promissores, participamos das principais feiras internacionais do mundo da arte, entre elas ArtBasel Miami e SP-Arte, e em 2020 aderimos fortemente às plataformas online e viewing rooms.

 

Neste meio tempo, mudamos a marca para Kogan Amaro – transmitindo mais confiança para nossos stakeholders -, consolidamos nosso espaço em São Paulo, e abrimos uma unidade num dos principais endereços de Zurich – onde levamos o que há de melhor na Arte brasileira.

 

Sabemos que ainda há muito pela frente. Queremos internacionalizar ainda mais a galeria, prosseguir buscando novos talentos, consagrar artistas vivos, e consolidar definitivamente nosso espaço na Suíça.

 

Agradeço à todos que nos ajudaram até aqui. Seguimos à luta!

 

Arte e som nas coleções MAM Rio

13/dez

O Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, Parque do Flamengo, Rio de Janeiro, RJ, apresenta de 1º de dezembro de 2019 a 1º de março de 2020 a exposição “Canção Enigmática: relações entre arte e som nas coleções MAM Rio”. Com curadoria de Chico Dub, a exposição se insere no programa Curador Convidado, criado em 2018 pelo Museu, e se relaciona com a 9ª edição do Festival Novas Frequências.

 

A exposição reúne obras de Hélio Oiticica, Carlos Vergara, Waltercio Caldas, Daniela Dalcorso, Claudio Tozzi, Carlos Scliar, José Damasceno, Chelpa Ferro, Cildo Meireles, Cinthia Marcelle, Manata Laudares, MarciusGalan, Paulo Nenflidio, Paulo Vivacqua, entre outros. São pinturas, fotografias, desenhos, vídeo, objetos sonoros, instrumentos musicais, partituras gráficas, esculturas, instalações e discos de artista presentes na coleção do Museu. Estão programadas ações performáticas para janeiro de 2020.

 

O título da exposição é retirado do nome da obra de José Damasceno (Rio de Janeiro, 1968), feita em 1997. Ao lado de cada obra haverá um QR Code, que permitirá ao público acessar pelo seu celular mais informações sobre o artista no site do MAM Rio.

 

“Canção Enigmática” irá ocupar dois espaços no terceiro andar do Museu, destinado a mostras do acervo, e tem uma complementação com mais duas obras no Foyer dos artistas suíços Martina Lussie e Luigi Archetti, pertencentes aos próprios artistas.

 

A exposição procura inserir o MAM Rio na chamada “virada sônica”(“sonicturn”), termo cunhado para designar a mudança gradual de foco do visual para o auditivo, que vem ocorrendo nas práticas artísticas e nos estudos acadêmicos nos últimos anos, graças a implementos tecnológicos. “E também pela busca em estabelecer novos parâmetros artísticos, o som passou a ser reconhecido e exibido como uma forma de arte em si mesmo”, explica o curador Chico Dub. “Ainda que não seja uma mostra exclusiva de arte sonora – prática surgida na obscura zona entre música composta, instalação, performance e arte conceitual, e que tem o áudio como componente principal ou que silenciosamente reflete sobre o som -, abraça todo o acervo dessa disciplina artística no museu, reunindo trabalhos de Chelpa Ferro, Cildo Meireles, Cinthia Marcelle, Manata Laudares, Marcius Galan, Paulo Nenflidio, Paulo Vivacqua e Siri”.

 

Chico Dub diz que “as obras reunidas mostram basicamente cenas musicais tiradas do cotidiano, como nas pinturas modernistas de Di Cavalcanti e Djanira, manifestações folclóricas nas quais a música possui caráter essencial, como nas fotografias de Bárbara Wagner inspiradas no maracatu, rituais religiosos afro-brasileiros tal qual em Pierre Verger e no candomblé, e associações diretas com gêneros musicais, como nos retratos de Daniela Dacorso em bailes funk, na influência do samba nos “Parangolés” de Hélio Oiticica e nas fotografias de Carlos Vergara no desfile do Cacique de Ramos, ou em ícones do porte de Tom Jobim (Cabelo e Márcia X) e Beethoven (Waltercio Caldas). Trabalhos realizados durante a ditadura militar no Brasil, como os de Cláudio Tozzi e Waltercio Caldas, gritam contra a situação opressiva que se instalava naquele momento no país e, infelizmente, soam mais atuais do que nunca”. Ele complementa dizendo que “há ainda um destaque especial para as chamadas partituras gráficas, trabalhos com origem no contexto da música e apreciados por artistas visuais em função de sua característica libertária que vai além da notação musical convencional. Paulo Garcez, Carlos Scliar, Chiara Banfi e, de certa forma, José Damasceno possuem trabalhos nesse contexto”.

 

Está programado para os domingos de janeiro de 2020 uma série de ações performáticas que buscam se relacionar com procedimentos da música experimental, da arte sonora e de outras linguagens, como as artes visuais, a dança e performance. Essa programação complementar reafirma a ideia da ocupação do espaço público como ato estético e político, questão presente nos encontros realizados por Frederico Morais no início dos anos 1970, quando a área externa do MAM e o Aterro do Flamengo foram incorporados como extensão natural do Museu.

 

“É notório pensar hoje em dia que 4’33” não é simplesmente uma ‘peça silenciosa’, mas, sim, uma obra cujo objetivo é a escuta do mundo. Em outras palavras, o trabalho mais famoso de John Cage, ao emoldurar sons ambientes e não intencionais, nos revela através de uma escuta profunda que a música está em todos os lugares; que todos os sons são música”, observa Chico Dub.

 

“Partindo de Cage, os sons que ecoam pelo MAM são música. Uma canção enigmática formada por todos os sons ao redor combinados, dentre outros, com batidas do coração, berimbaus high tech, gadgets eletrônicos, sons artificiais, bandas fora de ritmo, orquestras tocando músicas diferentes ao mesmo tempo, o som da chuva e uma ordem em italiano para se fazer um café”.

 

Até 1º de março de 2020.

 

Stockinger 100 anos 

05/ago

O Museu de Arte do Rio Grande do Sul, MARGS, Porto Alegre, RS, inaugura uma ampla e extensa exposição em homenagem ao centenário de nascimento de Francisco Stockinger (1919-2009). Ocupando as três galerias das Pinacotecas, o espaço mais nobre do museu, “Stockinger 100 anos” reúne mais de 100 obras, procedentes do acervo do MARGS e de coleções públicas e privadas.

 

A exposição percorre as diferentes fases do artista que, com seus “Guerreiros”, “Gabirus”, esculturas em pedra e figuras femininas, é reconhecido como um dos mais importantes representantes da escultura no Brasil, também aclamado ainda em vida como um dos mais consolidados referenciais da arte produzida no Rio Grande do Sul. A abertura da exposição se dá exatamente no dia de nascimento de Stockinger. Além do centenário de nascimento, o ano de 2019 também registra uma década de sua despedida. A curadoria de “Stockinger 100 anos” é de Francisco Dalcol, diretor-curador do MARGS, e Fernanda Medeiros, curadora-assistente.

 

 

STOCKINGER 100 ANOS

 

Sobre o artista

 

Nascido em Traun, na Áustria, em 1919, Francisco Alexandre Stockinger criou-se em São Paulo e iniciou-se na escultura no Rio de Janeiro, com Bruno Giorgi. Conviveu com personagens fundamentais na fixação da arte moderna no Brasil: além de Bruno Giorgi, Di Cavalcanti, Milton Dacosta, Maria Leontina, Marcelo Grassmann e Iberê Camargo. Transferiu-se para Porto Alegre nos anos 1950, onde seria um dos fundadores do Atelier Livre da Prefeitura Municipal de Porto Alegre e, por duas vezes, diretor do MARGS. Depois de ter construído obra importante em xilogravura, ganhou projeção nacional com seus guerreiros em ferro e madeira, que costumam ser associados com a resistência à ditadura militar. Xico foi antes aviador, meteorologista e diagramador. Também coleciona cactos (é responsável pela identificação de pelo menos duas novas espécies). Nas palavras do diretor-curador do MARGS, Francisco Dalcol, a exposição em homenagem a Stockinger é como que um dever do MARGS: “Por ser Stockinger um dos mais consolidados referenciais da arte produzida no Rio Grande do Sul, e também porque sua arte extrapolou as fronteiras. Além disso, teve um papel institucional decisivo no sistema da arte no Estado, o que faz dele um personagem fundamental na nossa cultura”. No texto curatorial da exposição, o diretor-curador escreve que, com esta exposição o MARGS afirma o compromisso com a nossa história artística: “E em seu dever de prestar esta importante homenagem, cuja solenidade se torna necessária para que a relevância de um grande artista seja recolocada e não se apague da memória coletiva. Ao assinalar e afirmar a importância de Stockinger, o esforço é tomar o seu centenário de nascimento, e os 10 anos de sua despedida, como um momento oportuno para se difundir o seu legado. O intento é proporcionar um reencontro e um renovado interesse com uma produção tão conhecida e aclamada, mas sobretudo oferecer uma experiência intensa e enriquecedora para um público mais amplo e não totalmente familiarizado com a importância de sua obra e vida, notadamente as novas gerações”.

 

Sobre a exposição

 

“Stockinger 100 anos” reúne mais de 100 obras, entre esculturas, gravuras, documentos e outros itens. Na concepção curatorial, optou-se por uma exposição que não segue uma ordem cronológica estrita, preferindo estabelecer aproximações e possíveis relações entre diferentes fases e vertentes da extensa obra de Stockinger, produzida ao longo de seis décadas. Dessa estratégia de organização, resulta uma mostra estruturada em torno de núcleos temáticos, formais e conceituais. No texto curatorial, Francisco Dalcol escreve: “Reconhecendo se tratar de um artista já legitimado e amplamente abordado, a exposição se assume mais panorâmica do que retrospectiva, tendo sido organizada segundo estratégias que procuram oferecer compreensão e legibilidade frente a uma produção tão extensa quanto diversa em suas etapas. Reforçam a opção por esse viés os diversos textos de mediação apresentados no espaço expositivo, com os quais se procura situar e contextualizar a obra e a trajetória do artista”.

Na galeria central das Pinacotecas, estará reunido um grande conjunto da estirpe dos “Guerreiros”, na qual se incluem figuras como profetas, sentinelas, touros, cavalos e personagens femininas. O diretor-curador escreve: “No começo dos anos 1960, depois de um período dedicado às artes gráficas (desenho de imprensa e gravura), Stockinger retomou a prática e pesquisa em escultura. Começou a fundir em bronze no quintal da casa, de modo caseiro e mesmo rudimentar. Nesse processo artesanal e experimental, desenvolveu formas e texturas que o levariam a elaborar a estirpe em torno da figura mítica do guerreiro. Seguindo em suas experimentações, passou a trabalhar os “Guerreiros” com troncos de árvore e peças metálicas soldadas, desenvolvendo aí um inventivo processo construtivo – colagem e sobreposição, e não mais modelagem ou entalhe -, que configura a sua mais particular e notável contribuição para o campo da escultura”.

 

Já nas duas galerias laterais, estão contempladas as demais vertentes de sua produção. Em uma delas, estão reunidas dezenas de gravuras realizadas entre os anos 1950 e 1960, juntamente a uma seleção de itens que destaca a sua atuação na imprensa, em especial a gaúcha, onde trabalhou com diagramação, ilustração, caricatura e charge. Sobre a produção em gravura, Francisco Dalcol descreve: “Ainda no final da década de 1950, Stockinger passou a praticar gravura. Dessa experiência, ficou notabilizado por uma importante produção em xilo (gravura impressa a partir de matriz de madeira), manifestando já aí forte pendor tanto à consciência social como às vertentes expressionistas. Contudo, a produção em gravura de Stockinger não se valeu das intensidades da expressão para uma dramatização documental da vida. Por outra via, abordou o drama social coletivo pela chave do conflito existencial, a partir de personagens excluídos e marginalizados da sociedade, tanto urbana como rural, a exemplo de pobres, boêmios, prostitutas e abigeatários”.

 

Nesta mesma galeria, outra seção destaca o seu trabalho de escultura em pedra, sobretudo o mármore. Segundo Dalcol: “São esculturas serenas e silenciosas, que enfatizam o apelo à contemplação. Convidam ao deleite da beleza lírica e poética, mobilizando uma sensibilidade própria à forma e à matéria, e também ao que pode haver de prazer e sensual no resgate desses sentidos. Esculpindo em pedra, Stockinger não mais acrescenta nem molda, apenas subtrai o excesso. Há volume e cor, mas também ausência. A narrativa e o comentário da realidade social dão lugar à opção pelo silêncio, da arte como objeto em si. Aqui, o artista deixou-se guiar pela operação de reconhecer na forma bruta da matéria a sua vocação, encontrando assim a via de uma abstração informal”.

 

Por fim, na terceira galeria, estão reunidas peças diversas, como os seus conhecidos “Gabirus”, que retratam a miséria do povo do nordeste, e também sua “Magrinhas”, figuras femininas que se destacam pelo aspecto longilíneo. O diretor-curador comenta: “Nos anos 1990, Stockinger recobrou as cargas de um comentário social mais explícito em sua produção artística. Sensibilizado pelas notícias da fome e miséria que teimavam a chegar do nordeste brasileiro, concebeu as figuras dos “Gabirus”, os seus seres nanicos, expressivos do drama humano que persiste a recair sobre as populações menos favorecidas. Como modo de denúncia, Stockinger procurava intencionalmente chocar com suas impactantes peças fundidas em bronze, que também já apontavam, uma vez mais, para a aproximação com algo do grotesco presente em sua produção”.

 

Nesta última sala, também estão reunidas diversas esculturas que explicitam o aspecto ancestral e primitivo da produção de Stockinger, a exemplo de grandes mestres da arte moderna. O diretor-curador salienta: “Nessas esculturas, evidencia-se que a produção de Stockinger sempre apontou para o lastro da tradição artística ocidental. Mais precisamente, para a revalorização da escultura primitiva sugerida por grandes mestres europeus, filtrada por um viés humanista e por uma figuração livre. Entre essas referências figuram como incontornáveis escultores a exemplo de Alberto Giacometti, Aristide Maillol, Auguste Rodin, Constantin Brancusi, Henry Moore, Jean Arp e Marino Marini. Ao se valer a seu modo desse aspecto primitivo, arcaico e ancestral encontrado nos artistas modernos, tornado emblema de sua fidelidade e coerência artísticas, Stockinger alcançou uma obra que continua a significar por sua dimensão tão humanista quanto universal”.

 

 

Texto curatorial

 

Aclamado como um dos mais consolidados referenciais da arte do Rio Grande do Sul, Francisco Stockinger (1919-2009) é também reconhecido como um dos mais importantes representantes da escultura no Brasil. Hábil desenhista e artesão, esculpiu em gesso, madeira, metal e pedra, trabalhando também com desenvoltura em gravura, desenho, ilustração, charge e caricatura.

 

Nos anos 1950, trilhando o caminho inverso ao tradicional – do centro para a província -, mudou-se do Rio de Janeiro para Porto Alegre, cidade onde passaria a vida, tornando-se uma personalidade fundamental do cenário cultural com sua forte e atuante presença. Além de artista, teve um papel decisivo como agente do sistema da arte no Estado, participando de sua constituição ao se engajar em causas coletivas à frente de instituições culturais como o MARGS, o Atelier Livre e a Associação Chico Lisboa.

 

Ao lado de Iberê Camargo e Vasco Prado, Stockinger formou o tripé de maior projeção da arte moderna gaúcha, compondo uma espécie de santíssima trindade das artes visuais do Estado. Comungavam de certa visão na abordagem artística moderna, especialmente no tratamento dado à condição humana, seja em sua dimensão social ou existencial.

 

Com séries escultóricas como a dos seus afamados “Guerreiros”, iniciada nos anos 1960, Stockinger foi figura decisiva na fixação de valores modernos na cultura artística do Rio Grande do Sul, consolidando uma vertente de matriz expressionista. Também estabeleceu um fecundo diálogo entre a tradição da arte ocidental e os temas regionais, emprestando à sua obra um sentido coletivo e ao mesmo tempo universal.

 

Com esta exposição que celebra o centenário de nascimento de Stockinger, o MARGS afirma o compromisso com a nossa história artística, em seu dever de prestar esta importante homenagem, cuja solenidade se torna necessária para que a relevância de um grande artista seja recolocada e não se apague da memória coletiva.

 

Ao apresentar a quase totalidade das obras de Stockinger pertencentes ao acervo do MARGS, onde está suficientemente bem representado, esta exposição ainda reúne um significativo número de peças de acervos públicos e coleções particulares, que gentilmente aceitaram o convite de tomar parte na comemoração, apoiando este projeto com realização própria do museu.

 

Resulta disso uma exposição ampla, que traz a público obras bastante relevantes, mas não isenta de alguma lacuna pontual. Seja como for, o conjunto aqui apresentado é altamente expressivo e representativo da produção do artista. Stockinger obteve consagração ainda em vida, tendo sido frequentemente reconhecido ao longo de sua trajetória, como atesta a extensa fortuna crítica, teórica e histórica encontrada nos inúmeros textos, catálogos, livros e exposições a ele dedicados.

 

Reconhecendo se tratar de um artista já legitimado e amplamente abordado, esta exposição se assume mais panorâmica do que retrospectiva, tendo sido organizada segundo estratégias que procuram oferecer compreensão e legibilidade frente a uma produção tão extensa quanto diversa em suas etapas. Reforçam a opção por esse viés os diversos textos de mediação apresentados no espaço expositivo, com os quais se procura situar e contextualizar a obra e a trajetória do artista.

 

Ao assinalar e afirmar a importância de Stockinger, o esforço é tomar o seu centenário de nascimento, e os 10 anos de sua despedida, como um momento oportuno para se difundir o seu legado. O intento é proporcionar um reencontro e um renovado interesse com uma produção tão conhecida e aclamada, mas sobretudo oferecer uma experiência intensa e enriquecedora para um público mais amplo e não totalmente familiarizado com a importância de sua obra e vida, notadamente as novas gerações.

 

Francisco Dalcol

Diretor-curador do MARGS/Doutor em Teoria, Crítica e História da Arte

Até 24 de novembro.

 

 

 

 

Cor e silêncio em Dacosta

01/nov

“Dacosta – A cor do silêncio”, é o título da exibição retrospectiva de pinturas de Milton Dacosta, sob curadoria de Denise Mattar, atual cartaz da Galeria Almeida e Dale, Jardim Paulista, São Paulo, SP. A exposição reúne 54 trabalhos das mais variadas fases de seu percurso, desde 1930 à década de 1980.

 

A obra de Milton Dacosta (1915 – 1988), pintor fluminense que conseguiu conciliar as tradições a um potente e fértil processo criativo. O pintor volta a ter seu trabalho celebrado por uma individual em São Paulo depois de um hiato de 12 anos.

 

Ao longo de sua trajetória, Milton Dacosta não se deixou limitar por nenhuma escola, assumindo influências diversas. “Sem dar importância a elogios ou críticas o artista sempre seguiu o caminho que lhe interessava, da figuração impressionista à metafísica, do cubismo à simetria da luz e da forma concreta à sensualidade da curva”, afirma a curadora.

 

Em vida, o artista foi aclamado pelo público e também pela crítica. Seu trabalho foi reconhecido pelos mais importantes nomes da área, de Sérgio Milliet a Mário Pedrosa, de Samson Flexor a Waldemar Cordeiro. Em 1955, o júri da IIIª Bienal Internacional de São Paulo conferiu a ele o prêmio de melhor pintor nacional.  Então com 40 anos de idade, recebia o reconhecimento máximo de seu trabalho em meio ao acirrado embate entre figuração e abstração que havia na época. Milton Dacosta era uma das raras unanimidades daquele contexto. Para Denise Mattar, a aceitação de sua obra era resultado de um percurso particular de um pintor excepcional, que sabia estabelecer diálogos com as obras de artistas que o interessavam e manter-se, ainda assim original.

 

Seguindo uma trajetória cronológica, a exposição “A cor do silêncio” tem início com os primeiros trabalhos do jovem pintor. “Paisagem Urbana”, de 1937, e a icônica “Autorretrato”, de 1938, são deste período. Com forte influência dos movimentos parisienses e do naturalismo com acentos impressionistas, as telas já enunciavam uma das principais características de sua obra: enquanto predominava o realismo expressionista de cunho nacionalista de artistas como Di Cavalcanti e Portinari, ele mantinha-se fiel às suas predileções.

 

Nos anos 1940, Milton Dacosta volta-se à pesquisa estrutural da imagem, trilhando uma fase de descobertas. Neste período, interessa-se pelas figuras longilíneas e pela metafísica de De Chirico, cuja influência é nítida em trabalhos como “Ciclistas”, de 1941, e “Carrossel”, de 1945. Ao contrário do artista italiano, entretanto, as telas do brasileiro são de clima solar, não associado a angústias, mas ao lúdico, tema constante. Após uma temporada de viagens e estudos nos Estados Unidos e na Europa, o pintor retorna ao Brasil no final dos anos 1940 e, num primeiro momento, retoma as figuras alongadas que já realizava anteriormente. Em seguida, inicia uma fase geométrica, cheia de oposições. “O claro é contraposto ao escuro, a frente é também perfil, a luz se define pela sombra. O artista distorce cabeças, decupa rostos e corpos em triângulos e círculos e, a partir deles, elabora contrastes marcados por linhas estruturais ortogonais ou curvilíneas, numa construção quase musical”.

 

Em 1952, já casado com a também pintora Maria Leontina, o artista  passa a realizar as (de)composições geométrico-figurativas. É desse período a série com a qual recebeu o prêmio na IIIª Bienal Internacional de São Paulo, em 1955. Em “Sobre a Horizontal”, obra de 1954, retrata uma natureza-morta apenas entrevista, construída com traços ortogonais, decomposta em figuras geométricas utilizando-se da têmpera, em tonalidades azuis, ocres suaves e brancos luminosos, sobre intenso fundo negro.

 

Pouco a pouco, Dacosta abandona as alusões figurativas, alcançando um construtivismo lírico e singular, cada vez mais conciso. Trabalhos como “Em Branco”, de 1956, “Em Roxo”, de 1957, e “Em Verde”, de 1958, pertencem a este momento e mostram a precisão compositiva e o apurado cromatismo do pintor. A crítica considera essa fase como o ápice de sua carreira. O artista, entretanto, não compartilhava dessa opinião. “Ele nunca foi seduzido pelo movimento concretista e nem mesmo pelos neoconcretos, era fiel apenas a ele mesmo e à sua busca interior”, define a curadora Denise Mattar.

 

O artista toma então um caminho de regresso à figuração, processo de retomada que se estendeu pelos anos 1960. As linhas retas começam a se flexibilizar e as curvas se insinuam ao espectador, a exemplo de “Mulher com o rosto apoiado sobre a mão”, “Figuras”, da década de 1950, e do conjunto de quatro obras intituladas “Figura com Chapéu”, realizada entre os anos de1958 e 1961. No final da década de 1960, e até seus últimos anos de vida, o artista realiza as sensuais “Vênus”, sempre marcadas por linhas sinuosas, criadas pelo desenho livre e sem amarras. “Figura e Pássaro”, de 1964, “Vênus e Pássaro”, entre 1969 e 1970, “Figura”, de 1964, são exemplos dessa fase, que se tornou um sucesso no iniciante mercado de arte da época.

 

 

Até 24 de novembro.

Cícero Dias: Décadas de 1920 – 1960

20/ago

A Galeria Simões de Assis, Curitiba, Paraná, apresenta uma seleta de obras de Cícero Dias abrangendo as décadas de 1920 a 1960.

 

Cícero Dias

 

Uma Trajetória Pautada na Liberdade

 

Cícero Dias, um ícone da arte moderna brasileira, nasceu em Pernambuco em 1907 e viveu o século XX em sua plenitude. Falecido em 2003, seu corpo mortal repousa em Paris, no lendário cemitério de Montparnasse, junto às glórias da França, mas, sua obra imortal paira, eternizada, além do oceano, sobre a grandeza do Brasil.

 

Cícero Dias é protagonista de uma das mais ricas e extensas trajetórias da história da nossa arte, pontuada pelo pioneirismo e idéias vanguardistas.

 

Revelado na antológica exposição de suas aquarelas em 1928, no Rio de Janeiro, Cícero Dias foi de imediato acolhido pelos modernistas e aclamado como o novo valor da arte brasileira. Aproximou-se dos pintores Ismael Nery, Tarsila do Amaral, Lasar Segall e Di Cavalcanti, pilares da Semana de Arte Moderna de 1922, além dos poetas e escritores Graça Aranha, Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Murilo Mendes, Manuel Bandeira e Gilberto Freyre.

 

Em 1937 Cícero Dias partiu para viver em Paris incentivado por Di Cavalcanti que lá estava, deixando para trás uma legião de modernistas, mas não tardou a se envolver com a vanguarda francesa, ligando-se a expoentes da pintura e da literatura, entre eles Picasso e Paul Élouard. No pós-guerra integrado à École de Paris, ao Groupe Espace e ao elenco da recém criada Galerie Denise Renée, inscreveu-se na história da arte moderna mundial.

 

Precursor, Cícero Dias é autor dos primeiros murais de arte abstrata da América Latina, realizados no Recife em 1948. Produziu grande parte da sua obra na Europa nas seis décadas em que lá viveu, sem jamais abdicar dos valores mais profundos da nossa cultura.

 

A trajetória de Cícero Dias foi pautada na liberdade, tanto na expressão de sua arte quanto na conduta de sua vida. Alguns episódios de sua história pessoal confundem-se com acontecimentos políticos da maior relevância no século XX, como as suas relações conflituosas com a ditadura Vargas no Brasil e sua participação na resistência ao nazi-fascismo na Europa.

 

A obra de Cícero Dias, uma das mais intrigantes e inexplicáveis da arte brasileira, tem sido cada vez mais objeto de estudos em simpósios e teses em universidades brasileiras e do exterior. Tanto o período de sua fase modernista quanto o período abstrato da época de sua participação na École de Paris já foram objetos de amplos estudos acadêmicos e teóricos, que lhes rendeu incontestável reconhecimento no âmbito nacional e internacional.
Waldir Simões de Assis Filho

 

 

 

Até 29 de outubro.

Revisão de trajetória 

11/jun

Cícero Dias é o atual cartaz da Simões de Assis Galeria, rua Sarandi, 113, Jardins, São Paulo, SP. Considerado um ícone da arte moderna brasileira, nasceu em Pernambuco em 1907 e viveu a grande parte de sua vida em Paris, lá falecendo em 2003. O artista foi protagonista de uma das mais ricas e extensas trajetórias na arte nacional, pautada pelo pioneirismo e idéias vanguardistas. O artista foi revelado na antológica exposição de suas aquarelas em 1928, no Rio de Janeiro, sendo acolhido pelos modernistas. Tornou-se colega de Ismael Nery, Tarsila do Amaral, Lasar Segall e Di Cavalcanti, nomes pontuais da Semana de Arte Moderna de 1922, além dos poetas e escritores Graça Aranha, Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Murilo Mendes, Manuel Bandeira e Gilberto Freyre.

 

Em 1937, incentivado por Di Cavalcanti, partiu para viver em Paris onde passou a conviver com a vanguarda francesa, entre os quais Picasso e Paul Éluard. No pós-guerra integrado à École de Paris, ao Groupe Espace e à recém criada Galerie Denise René, passou a figurar na História da Arte Moderna internacional. Cícero Dias é autor dos primeiros murais de arte abstrata da América Latina, realizados no Recife em 1948. Produziu grande parte da sua obra na Europa nas seis décadas em que lá viveu, sem jamais abdicar dos valores mais profundos da nossa cultura.

 

A trajetória de Cícero Dias foi pautada pela liberdade, tanto na expressão de sua arte quanto na conduta de sua vida. Alguns episódios de sua história pessoal confundem-se com acontecimentos políticos da maior relevância no século XX, como as suas relações conflituosas com a ditadura Vargas no Brasil e sua participação na resistência ao nazifascismo na Europa.
A obra de Cícero Dias, uma das mais intrigantes da arte brasileira, tem sido objeto de estudos em simpósios e teses em universidades brasileiras e também no exterior. Tanto o período de sua fase modernista quanto o período abstrato da época de sua participação na École de Paris já foram objetos de amplos estudos acadêmicos e teóricos, que lhes rendeu incontestável reconhecimento no âmbito nacional e internacional.

 

Cícero Dias é homenageado nesta histórica exposição, que focaliza sua produção das décadas de 1920 a 1960, marcando a inauguração da nova sede da Simões de Assis Galeria de Arte em São Paulo.

 

 

 

Até 04 de agosto.