Geração 80 em Curitiba

18/jun

Entra em exibição na Simões de Assis Galeria de Arte, Curitiba, PR, a exposição “Geração 80: Ousadia & Afirmação”, com curadoria de Marcus Lontra. Artistas de uma geração cuja marca foi a busca da associação do pensar com o fazer serão apresentados na mostra, que traz obras de Barrão, Beatriz Milhazes, Cristina Canale, Daniel Senise, Delson Uchôa, Gonçalo Ivo, Jorge Guinle, Leda Catunda, Leonilson e Luiz Zerbini.

 

 

Em julho de 1984 e 123 artistas de várias partes do país se reuniriam num grande site-specific no prédio do Parque Lage, no Rio de Janeiro. A abertura da exposição foi uma festa que reuniu toda uma geração crescida à sombra de 20 anos de ditadura militar. Na mostra, diversas propostas reunidas pela jovem curadoria de Marcus Lontra, Paulo Roberto Leal e Sandra Mager tendo, como um de seus nortes, a importância da imagem. Intitulada “Como Vai Você, Geração 80?”, a mostra completou 30 anos em 2014 e é, a partir do dia 18 de junho, revisitada por meio de seus principais nomes. Em vez de trazer trabalhos da época da exposição histórica desses artistas, Lontra empreende uma visita à produção mais recente desses que são nomes integrantes da história da arte brasileira. “A mostra reúne obras de décadas variadas e funciona como um caleidoscópio: imagens que se sobrepõem, se movimentam e se alternam na construção de um conjunto íntegro e orgulhoso”, diz o curador.

 

 

 

Geração 80: ousadia & afirmação

“A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte”

“Comida” – Titãs, hit dos anos 80

 

 

Há pouco mais de trinta anos, cento e vinte e três jovens artistas se reuniram na Escola de Artes Visuais do Parque Lage no Rio de Janeiro, na emblemática data de 14 de julho, para invadir e ampliar as fronteiras da arte brasileira, na hoje célebre mostra “Como vai você geração 80?”. Eram outros os tempos, repletos de otimismo, e a juventude de então estava certa da necessidade premente de sair às ruas, de ocupar as avenidas e os becos da cidade comemorando a democracia que renascia no Brasil depois de um longo período de trevas. Assim éramos todos, jovens românticos e corajosos, querendo falar de afeto e liberdade, dispostos a construir um novo país e a alimentar uma produção artística que refletisse a pluralidade cultural e étnica do país.

 

 

O Brasil – e em especial o Rio de Janeiro – vivia um momento de ebulição política e cultural. Brizola e Darcy construíam CIEPs, concretizando sonhos de Anísio Teixeira e Paulo Freire. A piscina do parque Lage era a metáfora perfeita para o banho de criatividade que ocupava o casarão de Gabriela Bezanzoni e seus jardins. A curadoria (Paulo Roberto Leal, Sandra Mager e eu) era também jovem e não buscava excessos teóricos que acabam por transformar os artistas em meros ilustradores das geniais teses acadêmicas do teórico de plantão. No texto explicativo da mostra os critérios eram assim explicados: “… durante todo o processo de realização, nós, os curadores, jamais tentamos impor caminhos, forçar a existência de movimentos, de grupos, enfim, comportamentos superados nos quais somente alguns poucos `espertos` se beneficiam. A nós interessa menos o que eles fazem, e mais a liberdade desse fazer. Esse foi o princípio que norteou as nossas funções na coordenadoria da mostra.”

 

 

A total liberdade que permitiu aos artistas a escolha dos lugares onde expor e a correta função da curadoria, colaboraram para o estrondoso sucesso do evento. Em meio a tantos nomes surgiam obras e carreiras que hoje se afirmam na história recente da produção artística do Brasil. A mostra definiu a vocação plural e madura da arte brasileira; permitiu o aparecimento de uma crítica mais comprometida com a inserção da arte no panorama cultural brasileiro, oxigenou o mercado e reavaliou aspectos institucionais. Em sua essência democrática, a geração 80 foi, é e sempre será uma voz a serviço da diversidade. “Gostem ou não, queiram ou não, está tudo aí, todas as cores, todas as formas, quadrados, transparências, matéria, massa pintada, massa humana, suor, aviãozinho, geração serrote, radicais e liberais, transvanguarda, punks e panquecas, pós-modernos e pré-modernos, neo-expressionistas e neocaretas, velhos conhecidos, tímidos, agressivos, apaixonados, despreparados e ejaculadores precoces. Todos, enfim, iguais a qualquer um de vocês. Talvez um pouco mais alegres e corajosos, um pouco mais… Afinal, trata-se de uma nova geração, novas cabeças.”

 

 

Hoje, já na segunda década de um novo milênio, é gratificante constatar que a ousadia desses sempre jovens artistas está presente no cenário da arte contemporânea. Alguns com carreiras internacionais estabelecidas, outros com a certeza de que o tempo caminha ao seu lado, eterno cúmplice da qualidade das obras realmente significativas. A mostra aqui apresentada reafirma a importância de uma história já vivida e de um futuro no qual a liberdade caminhará de mãos dadas com a maturidade e o amplo domínio de seus meios expressivos. Reunir no mesmo espaço físico esse grupo de amigos, permite a curadoria – e ao público principalmente – o reencontro com obras que fazem parte do nosso saber e do nosso sentir. A mostra reúne obras de décadas variadas e funciona como um caleidoscópio: imagens que se sobrepõem, se movimentam e se alternam na construção de um conjunto íntegro e orgulhoso de uma geração que acredita no que faz e que ajuda a compor, cotidianamente, o retrato de sua época, de seu país, de nossos sentimentos e de nossas idéias.

 

Marcus de Lontra Costa – Maio de 2015

 

 

 

Até 01 de agosto.

Zerbini no Galpão Fortes Vilaça

27/fev

Luiz Zerbini retorna a São Paulo para apresentar “Natureza Espiritual da Realidade”,  exposição individual no Galpão Fortes Vilaça, Barra Funda, São Paulo, SP. Através de uma grande instalação e de oito pinturas de grande e médio formato, o artista explora justaposições entre figuração e geometria, natureza e arquitetura. Essas temáticas, frequentes em sua trajetória, são apresentadas com uma complexidade inédita.

 
Em sua pintura, Zerbini parte de imagens fotográficas e as sobrepõe a outros elementos abstratos em uma complexa trama onde figura e fundo se confundem. O modo não-hierárquico como esses elementos são arranjados segue uma lógica interna do processo, em que uma imagem pede por outra sucessivamente, até que a composição se complete. Em Ilha da Maré, essa trama inclui um palco precário com uma galinha, caixas de som, siris, ladrilhos e, finalmente, o mar − ou sua visão particular da água do mar, que permeia ainda outros trabalhos da exposição. Buraco retrata uma caixa com padrões geométricos distintos que é encoberta pela maré. Uma Onda de aspecto ameaçador invade a  maior pintura da exposição, recortada por distúrbios que imprimem ainda mais velocidade à imagem. Em Cachoeira, faixas de cor cruzam a tela e são interrompidas por fragmentos de galhos e pedras, mesclando figuração e geometria de maneira ainda mais complexa.

 
Os trabalhos geométricos da mostra também estão associados à figuração. Algumas obras partem de uma imagem e se tornam totalmente abstratas; outras ganham referências a lugares e objetos em seus títulos. Efeitos óticos norteiam essas pinturas, assim como as experimentações com cor. Em Serra do Luar, uma grade prateada de losangos é sobreposta a outra de quadrados, com intrincado esquema de cores e degradês. Em Ultramarine, um azul denso e opaco  contrasta com as faixas de cores metálicas luminosas em primeiro plano. Os pequenos quadrados coloridos de Chuvisco, por sua vez, confundem o foco da visão e provocam a sensação de miopia.

 
Natureza Espiritual da Realidade − trabalho que dá nome a exposição − é uma instalação composta por dez mesas de madeira, configuradas como vitrines museológicas. O trabalho ganhou sua primeira forma em 2012 quando Zerbini o incluiu na mostra Amor no MAM Rio e, em 2014, recebeu nova composição em Pinturas na Casa Daros, também no Rio de Janeiro. A cada exposição a ordenação das mesas e de seus elementos é alterada, dando ao trabalho um dinamismo constante. Divididas em quadrados, as mesas incluem objetos curiosos recolhidos pelo artista, achados a esmo em viagens ou colecionados por razões pessoais. Conchas, pedras, tijolos, ladrilhos, troncos, plantas, redes de pesca e até mesmo uma nota de dez reais se organizam ora como naturezas mortas, ora como composições abstratas. O tampo de vidro também recebe interferências do artista com grafismos e gelatina colorida, causando alterações na incidência de cor e luz sobre os elementos.

 
Ao estabelecer um diálogo direto com as obras na parede, a instalação pode ser lida como a organização sistemática das referências presentes nas pinturas − um inventário do universo particular do artista. No entanto, é possível também fazer o raciocínio inverso e entendê-la como uma tradução tridimensional do processo pictórico de Zerbini − em especial o modo como organiza elementos tão díspares através de cor e geometria. Natureza Espiritual da Realidade é, portanto, ponto de partida da sua pesquisa, mas ao mesmo tempo o campo de atração de todo o seu trabalho, para o qual todas as coisas parecem convergir.

 

 
Sobre o artista

 
Luiz Zerbini nasceu em 1959, em São Paulo, mas vive e trabalha no Rio de Janeiro desde 1982. Sua obra foi tema de grandes exposições individuais nos últimos anos, entre as quais: Pinturas, Casa Daros (Rio de Janeiro, 2014); amor lugar comum, Inhotim (Brumadinho, 2013); Amor, MAM (Rio de Janeiro, 2012). Sua obra está presente em diversas coleções públicas, entre as quais: Inhotim Centro de Arte Contemporânea (Brumadinho); Instituto Itaú Cultural (São Paulo); Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro; e Museu de Arte Moderna de São Paulo. Paralelamente, Zerbini ainda integra desde 1995 o coletivo Chelpa Ferro, com Barrão e Sérgio Mekler, que explora as relações entre as artes visuais e a música.

 

 

De 28 de fevereiro até 28 de março.

A Coleção Joaquim Paiva no MAM

08/out

O Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, Petrobras, Bradesco Seguros, Light e Organização Techint apresentam, a exposição “Limiares – A Coleção Joaquim Paiva no MAM”,  40 fotografias do acervo pertencente ao diplomata nascido em 1946, em Vitória, que reuniu uma das mais importantes coleções do país em fotografia brasileira e estrangeira. Fotógrafo desde 1970, Joaquim Paiva começou a colecionar em 1978, quando adquiriu trabalhos da fotógrafa americana Diane Arbus, 1923-1971. Depois de se formar em Direito, ingressou na carreira diplomática em 1969, e desde então serviu em vários países, como Canadá, Venezuela, Peru, Argentina, Portugal, Espanha e Estados Unidos.

 

Completam a exposição 19 obras das coleções do MAM e Gilberto Chateaubriand, também em comodato com o Museu.  A ideia de se fazer uma mostra em que as fotografias da coleção dialogassem com obras do acervo do Museu e da coleção de Gilberto Chateaubriand, partiu do próprio Joaquim Paiva e foi prontamente aceita pela curadoria do Museu. “Mostra-se aqui uma parte da coleção de Joaquim Paiva, que não esgota nem esgotará as suas múltiplas leituras. A esse recorte confrontam-se outros trabalhos das coleções do MAM, não necessariamente fotografias, procurando contaminar aquilo que, por motivos de taxonomia, ainda permanece separado: o vídeo com a pintura, o precário com o que foi feito para durar, o documento com a arte”, explicam os curadores do MAM.

 

Em 2005, o MAM passou a abrigar a Coleção Joaquim Paiva sob o regime de comodato, e atualmente estão no Museu 1.963 trabalhos de fotógrafos brasileiros e estrangeiros, adquiridos a partir do início dos anos 1980.

“Embora tenha sido iniciada como uma coleção privada, o gesto do colecionador é invariavelmente público e coloca ao escrutínio coletivo o que foi acervo privado ou criação individual. É sobre diferentes representações do público e do privado no mundo da arte que fala “Limiares – a Coleção Joaquim Paiva no MAM”, propondo ser um recorte sobre as naturezas dos espaços representados na materialidade da imagem, em especial a imagem fotográfica”, afirmam os curadores.

 

Dois trabalhos abrem a exposição: uma série de José Diniz, na qual o aparece o próprio Joaquim Paiva e uma instalação de sacolas de instituições museológicas internacionais, de Jac Leirner, “que iguala, com humor e argúcia, o mundo da arte ao mundo dos negócios, centrando a sua atenção sobre aspectos formais”.

 

A mostra terá, ainda, a fotografia “Gol”, do importante fotógrafo Thomas Farkas, Budapeste, Hungria, 1924 – São Paulo SP, Brasil, 2011, da década de 1940; “Índio Yanomami”, de 1991, da fotógrafa Claudia Andujar, Neuchâtel, Suíça/Brasil, 1931; “Sem título”, de Alberto Ferreira Lima; fotos da série “Natureza Moderna”, de Bill Jorden, entre outras.

 

Dialogando com as fotografias da coleção Joaquim Paiva, haverá obras do acervo do MAM e da Coleção Gilberto Chateaubriand, como a escultura “Mapa Mudo”, de Ivens Machado, de 1979; “Duas casas”, de Nuno Ramos, de 1996; a pintura “A Ilha”, de Luiz Zerbini, de 1995; “Sem título”, de 1979/1988, de Miguel Rio Branco, entre outras.

 

 

Sobre a Coleção Joaquim Paiva

 

Desde 2005, o MAM Rio possui, em regime comodato, grande parte da coleção do diplomata Joaquim Paiva. A coleção teve início em 1981 quando o diplomata começou a adquirir sistematicamente fotografias brasileiras contemporâneas. No museu estão depositadas 1963 obras que registram o que há de mais representativo na fotografia brasileira de nosso tempo. Desde retratos e paisagens à experimentos fotográficos dos anos 1990. Entre os nomes mais representativos da coleção estão: Pierre Verger com a sua preciosa documentação sobre a cultura afro-brasileira; Geraldo de Barros e seus experimentalismos técnicos; Miguel Rio Branco que busca a intensidade das cores no universo mais dura da realidade brasileira, o fotojornalismo ligado à temática social e bem brasileira de Walter Firmo, a atitude questionadora sobre o ato de fotografar da artista Rosângela Rennó entre outros. Nesse sentido a Coleção Joaquim Paiva representa no MAM toda a qualidade e a pluralidade de trabalhos e tendências que a fotografia contemporânea brasileira pode oferecer.

 

 

Texto da Curadoria

 

Em 2005, sob a forma de comodato, o MAM passou a abrigar a Coleção Joaquim Paiva que conta atualmente com 1.963 trabalhos de fotógrafos brasileiros e estrangeiros, adquiridos a partir do início dos anos 80.

 

Embora tenha sido iniciada como uma coleção privada, o gesto do colecionador é invariavelmente público e coloca ao escrutínio coletivo o que foi acervo privado ou criação individual. É sobre diferentes representações do público e do privado no mundo da arte que fala “Limiares – a Coleção Joaquim Paiva no MAM”, propondo ser um recorte sobre as naturezas dos espaços representados na materialidade da imagem, em especial a imagem fotográfica.

 

Mostra-se aqui uma parte da coleção que não esgota nem esgotará as suas múltiplas leituras. A esse recorte confrontaram-se outros trabalhos das coleções do MAM, não necessariamente fotografias, procurando contaminar aquilo que, por motivos de taxonomia, ainda permanece separado: o vídeo com a pintura, o precário com o que foi feito para durar, o documento com a arte.

 

Dois trabalhos abrem a exposição: uma série de José Diniz, na qual o próprio Joaquim Paiva aparece mostrando as diane arbus e os geraldo de barros de sua coleção, e uma instalação de sacolas de instituições museológicas internacionais, Names (Museums), de Jac Leirner, que iguala, com humor e argúcia, o mundo da arte ao mundo dos negócios, centrando a sua atenção sobre aspectos formais.

 

Uma vez definidos os pontos de partida da exposição – o colecionador e o museu –, o percurso se torna aberto e não linear ao redor das ideias de espaço físico e mental. Os espaços da casa, da rua, da praia ou do abrigo coexistem com os lugares de passagem, a informalidade do espaço público e o enfrentamento social.

 

O espaço do íntimo e as novas relações objeto-sujeito fotografados caracterizam boa parte da produção fotográfica contemporânea. Existem vestígios de subjetividade na materialidade da fotografia que se torna campo de partilha de angústias, fraturas pessoais e afirmação do eu, com particular relevância para o diário e as narrativas/ficções pessoais.

 

Na videoinstalação Os Raimundos, os Severinos e os Franciscos, de Maurício Dias & Walter Reidweg, porteiros nordestinos na cidade de São Paulo simulam um regresso à casa depois de um dia de trabalho, entrando um a um, e agindo como se não estivessem vendo um ao outro, e quando todos estão instalados, olham diretamente para a câmera, deixando evidente a cumplicidade deles com o ato de filmar.

 

A transitoriedade do lugar de quem vê e de quem é visto é patente no “distanciamento” das imagens de Bill Jorden e Anderson Wrangle, na “narrativa em abismo” de Javier Silva Mainel ou nos sujeitos que se tornam objetos de perseguição, em Regina de Paula.

 

Finalmente, a cauda do tatu desaparecendo por baixo de uma mesa (Miguel Rio Branco). Intrigante fotografia. Intrigante animal que se transforma em bola quando ameaçado pelo perigo. Metáfora para pensar as imagens hoje numa dupla condição: a sua abertura às mais imprevistas relações e, no sentido inverso, o fato de os signos terem se tornado tão densos a ponto de formar uma casca dura, através dos quais já não se vê nada.

 

 

Até 18 de janeiro de 2015.

Histórias Mestiças

15/ago

“Histórias Mestiças”, cartaz do Instituto Tomie Ohtake, Pinheiros, São Paulo, SP, é resultado de mais de dois anos de pesquisa dos curadores Adriano Pedrosa e Lilia Schwarcz que contou com o entusiasmo do diretor do Instituto, Ricardo Ohtake, interessado em realizar uma exposição paralela à 31ª Bienal de São Paulo com profunda e renovada investigação sobre as matrizes formadoras do povo brasileiro: a questão da mestiçagem e seu rebatimento na produção artística.

 

Segundo os curadores, o objetivo dessa exposição é provocar e trazer à tona um tema que, de alguma maneira, tem existência ainda discreta entre nós brasileiros. Quem mestiçou quem? Como se mistura inclusão com exclusão social? Como se combinam prazer e dominação? Quais são as diferentes histórias escondidas nesses processos de mestiçagem? Essas são perguntas que, segundo eles, ainda, nem sempre recebem ou alcançam respostas.

 

A mostra, dividida em seis núcleos – Mapas e Trilhas; Máscaras e Retratos; Emblemas Nacionais e Cosmologias; Ritos e Religiões; Trabalho; Tramas e Grafismos – fricciona telas, esculturas, instalações, mapas, artefatos indígenas e africanos, fotos, documentos, textos, vídeos e histórias. A curadoria propõe reunir e resignificar linguagens sem hierarquizar culturas, mestiçando ainda gerações de artistas e autores com cruzamentos temáticos e conceituais, sem preocupação cronológica. “O nosso intuito foi convidar artistas nacionais, africanos e ameríndios para ‘conversar’ nessa exposição, de maneira a priorizar um aporte mais amplo e que rompa com as margens precisas e expressas pelos nossos cânones Ocidentais”, afirmam os curadores.

 

As cerca de 400 obras reunidas – originais em todos os suportes e parte das quais nunca exibidas –, são provenientes de 60 importantes acervos nacionais e internacionais, entre os quais Musée Quai Branly, National Museum of Denmark, Instituto de Estudos Brasileiros – IEB/USP, Museu de Arqueologia e Etnologia – MAE/USP, Museu Nacional de Belas Artes, coleções Mario de Andrade, Masp, Biblioteca Nacional, Museu Joaquim Nabuco.

 

Fez parte do trabalho da curadoria investigar autores, artistas, suportes e perspectivas pouco conhecidos, ou sob ângulos inusitados, e colocá-los em debate. Além dos trabalhos já existentes,  também foram encomendados a artistas obras que serão especialmente realizadas para essa mostra. Adriana Varejão, Beatriz Milhazes, Luiz Zerbini, Thiago Martins de Melo, Dalton Paulo, Sidney Amaral são alguns dos nomes que aceitaram o desafio de produzir trabalhos em diálogo com a temática da exposição. Na ocasião da mostra, uma antologia de textos estará à disposição, contando com documentos que partem do século XVI – como a análise de viajantes como Jean De Lery, e de filósofos como Montaigne –, passam por ensaios de naturalistas do XVIII, introduzem o olhar de teóricos do determinismo racial do XIX, ensaios mais culturalistas dos anos 1930, teses engajadas dos movimentos sociais até chegar em capítulos mais recentes de autores como Manuela Carneiro da Cunha e Eduardo Viveiros de Castro.

 

Também foi especialmente confeccionado um novo mapa que traça a rota dos escravos do interior da África para o Brasil, tendo como base um estudo inédito de nosso maior africanista, Alberto Costa e Silva, e produção cartográfica de Pedro Guidara Jr.

 

Dentre as peças africanas destacam-se máscaras provenientes do museu Quai Brainly, e peças da famosa coleção de Mariano Carneiro da Cunha, hoje depositadas no Mae. Desse continente virão também máscaras, objetos de uso ritual e de trabalho e até mesmo uma pequena procissão feita em metal. Por outro lado, tangas, máscaras de arte plumária, urnas marajoaras, estatuetas tapajônicas, cestas, pás de beiju,  representarão, entre outros objetos, a riqueza da arte ameríndia e indígena de nosso país. Tudo em diálogo, em um debate ao mesmo tempo afinado e tenso.

 

 

Sobre os curadores

 

Adriano Pedrosa

 

Curador, ensaísta e editor. Foi co-curador da 27ª Bienal de São Paulo e curador responsável do Museu de Arte da Pampulha. Entre seus projetos curatoriais, estão ”F(r)icciones” (Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofia, 2000-2001, com Ivo Mesquita) e “Farsites: Urban Crisis and Domestic Symptoms in Recent Contemporary Art” (InSite-05, San Diego Museum of Art, Centro Cultural Tijuana, 2005), curador da 12ª edição da Bienal de Istambul, 2011.

 

 

Lilia Moritz Schwarcz

 

Historiadora, antropóloga, escritora e curadora. É professora titular da Universidade de São Paulo e editora da Companhia das Letras. Foi professora visitante e pesquisadora nas universidades de Leiden, Oxford, Brown, Columbia, é hoje Global Scholar pela Universidade de Princeton. Entre seus projetos curatoriais, estão “A longa viagem da biblioteca dos reis” (Biblioteca Nacional, 2003-2004), “Nicolas Antoine Taunay no Brasil – uma leitura dos trópicos” (Museu de Belas Artes do Rio de Janeiro, Pinacoteca, 2008), “Um olhar sobre o Brasil. A fotografia na construção da imagem da nação” (Instituto Tomie Ohtake, 2012), entre outros.

 

Dia 16 de agosto, às 18h30:  Coro da OSESP Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo
Conduzido pela regente Naomi Munakata haverá um concerto com peças de Pe. José Maurício, Villa-Lobos, entre outros.

 

 

De 15 de agosto a 05 de outubro.

Barrão na Fortes Vilaça

30/jun

A Galeria Fortes Vilaça, Pinheiros, São Paulo, SP, apresenta “Lugar nenhum”, a nova exposição individual do artista carioca Barrão. As cinco esculturas e a série de aquarelas que compõem a mostra revelam uma nova linha de pesquisa na prática do artista, onde os volumes são menos caóticos, mais sintéticos e geometrizados, ao passo que o figurativismo aparece de maneira mais sutil.

 

A produção escultórica de Barrão é dedicada à criação de assemblages com peças de cerâmica. Seu método começa na acumulação e na ordenação de variados objetos decorativos e utilitários, que são cuidadosamente seccionados pelo artista. Em seguida, são remendados com resina epóxi em composições que frequentemente tangenciam o kitsch e o surrealismo.

 

Em “Fogueira Geo”, múltiplas canecas são coladas para formar dez colunas que, montadas no chão, remetem à armação de uma fogueira. O fogo que poderia emanar daí não é outro senão o conjunto das diferentes histórias de cada caneca, que trazem estampadas em si variados motivos comemorativos, promocionais ou festivos. Ao mesmo tempo, a associação entre essas colunas com a linearidade orgânica de troncos e galhos – assim como em “Tora” (50 anos / Festa Alemã) e outros trabalhos desta mostra – revela a preocupação do artista para que a geometrização da forma seja tão mimética quanto os objetos que o inspira.

 

Os trabalhos “Morretão de 15″, “Morretão de 12″ e “Vara Pau”, também formados por colunas, têm como estrutura modular bases cilíndricas de pias de banheiro. Esse inusitado material permite ao artista trabalhar em escala diferente da que está habituado – aqui as obras ganham um aspecto mais monumental –, ao mesmo tempo que sua superfície lisa chama a atenção para a qualidade pictórica da composição, variando entre tons pastéis. As aquarelas que completam a exposição, por sua vez, apresentam mesma lógica cromática e traduzem em veladuras a sobreposição de volumes praticada na escultura.

 

A escolha de Barrão por criar com objetos prontos, geralmente associados ao cotidiano e à cultura doméstica, permite que sua obra seja lida como uma colagem com fragmentos de pequenas memórias. Ao mesmo tempo,  é curioso notar como a intervenção do artista sobre esses objetos os modifica também em sua natureza – canecas que não podem mais conter bebidas ou suportes de pia que não sustentam pia alguma. Esvaziados de função, mas carregados de histórias cotidianas, os trabalhos de Barrão são como totens de coisas banais que, por não apontarem a lugar nenhum, apontam também para todos os lugares.

 

 

Sobre o artista

 

Barrão nasceu em 1959 no Rio de Janeiro onde vive e trabalha. Dentre suas exposições individuais, destacam-se: Mashups, The Aldrich Contemporary Art Museum, Ridgefield, USA, 2012; e Natureza Morta, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, Portugal, 2010. Em mostras coletivas, o artista também já participou, entre outras, do Panorama de Arte Brasileira em 2007 e de exposições no MAC, São Paulo; Paço Imperial, Rio de Janeiro; Pinacoteca do Estado de São Paulo; além da antológica mostra Como Vai Você, Geração 80? no Parque Lage, Rio de Janeiro, 1984. Paralelamente, Barrão ainda integra desde 1995 o coletivo “Chelpa Ferro”, com Luiz Zerbini e Sérgio Mekler.

 

 

Até 16 de agosto.

Uma curadoria de Luisa Duarte

13/jun

A inauguração da exposição “Matriz e Desconstrução”, na Anita Schwartz Galeria de Arte, Gávea, Rio de Janeiro, RJ, conta com a curadoria da crítica de arte Luisa Duarte. A mostra ocupará todo o espaço expositivo da galeria, com trabalhos dos artistas Adriano Costa, Ana Holck, Angelo Venosa, Carla Guagliardi, Daisy Xavier, Érika Verzutti, Gustavo Speridião, Iran do Espírito Santo, José Bento, Luiz Zerbini, Matheus Rocha Pitta, Nuno Ramos, Wagner Morales e Waltercio Caldas.

 

A curadoria da mostra tece diálogos entre obras cuja matriz construtiva é nítida, ou seja, trabalhos cuja visualidade é seca e depurada, de natureza geométrica, e outros nos quais uma narrativa vem à tona, sinalizando uma conversa entre pólos que não são opostos, mas diversos e que fazem parte de uma mesma história da arte brasileira dos últimos cinqüenta anos. Com artistas de diferentes gerações e  obras que variam desde uma de Waltercio Caldas de 1967, espécie de desenho escultórico na parede que já sinaliza procedimentos fundamentais que virão reger o processo dos artistas, até outras datadas de 2013 e 2014. Sem ter como ponto de partida um conceito completamente fechado, a curadora foi alinhavando a ideia da mostra a partir de visitas aos ateliês dos artistas, no contato com os trabalhos e nos diálogos que manteve com os mesmos.

 

 

De 16 de maio a 05 de julho.

Prêmio Marcantônio Vilaça

 

Edição especial do “Prêmio CNI SESI SENAI Marcantonio Vilaça para as Artes Plásticas” celebra os dez anos do projeto com a inauguração de duas mostras comemorativas no dia 29 de maio no Museu Histórico Nacional, no Rio de Janeiro. Na noite de abertura das exposições, “Inventário da paixão e Cor, luz e movimento”, também será dada a largada da 5ª edição do prêmio com a divulgação do novo regulamento para os próximos anos.

 

Entre as inovações que serão apresentadas pelo atual curador e coordenador geral, Marcus de Lontra Costa, está o aumento do valor da bolsa de pesquisa conferida a cada um dos cinco artistas vencedores, que passa de R$ 30 mil para R$ 40 mil; e a ampliação do sistema de premiação, se torna mais plural com a inclusão de curadorias regionais no júri de seleção e uma exposição com trabalhos com os 30 artistas pré-selecionados.

 

Além dessas novidades, uma inédita premiação para curadores emergentes passa a integrar o Prêmio CNI SESI SENAI Marcantonio Vilaça, que se constitui uma das maiores ações de apoio do setor privado à arte brasileira. O novo formato propõe ainda ênfase especial aos processos pedagógicos que possibilitem a qualificação de trabalhadores, professores e estudantes por meio de ações que unam criatividade artística e pesquisa tecnológica.

 

O diretor de Operações do Serviço Social da Indústria (SESI), Marcos Tadeu de Siqueira, destacou a importância do Prêmio. “O investimento em artes contribui para uma interação entre as atividades culturais e o desenvolvimento econômico. Nenhum país pode se considerar desenvolvido, se não tiver um olhar para questões que envolvam cultura, educação e qualidade de vida do trabalhador”, disse.

 

 

Inventário da Paixão

 

As duas mostras comemorativas dessa edição especial reavivam as intenções que motivaram a Confederação Nacional da Indústria (CNI), o SESI e o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), a criarem o prêmio, em 2004. A panorâmica Inventário da paixão é uma homenagem ao galerista Marcantonio Vilaça, patrono do prêmio, que reúne 66 obras de 36 artistas surgidos a partir dos anos 80 e que tiveram mais projeção em suas trajetórias profissionais depois do trabalho em parceria com Marcantonio. Beatriz Milhazes, Adriana Varejão, Angelo Venosa, Luiz Zerbini e Cildo Meireles são alguns desses expoentes aliados a um expressivo núcleo de artistas internacionais, cujos trabalhos passaram a ser mais conhecidos no Brasil devido à ação de intercâmbio artístico realizada pelo galerista (veja lista completa abaixo). “A impactante presença dessas obras juntas em um mesmo espaço físico, com sua variedade de linguagens e propostas estéticas constitui um vibrante painel da arte no Brasil e no mundo e refletem a personalidade exuberante e inquieta daquele que empresta o seu nome à nossa iniciativa”, comenta Lontra.

 

 

Arte Indústria

 

As relações entre processos de criação artística e produção industrial são acentuadas no recém criado projeto Arte Indústria que acompanhará todas as edições do prêmio.  A série se inicia com a coletiva Cor, luz e movimento em homenagem a Abraham Palatnik. A partir de trabalhos deste pioneiro da arte cinética, diversos artistas estabelecem pontos de contato com o conjunto de sua obra. A mostra apresenta uma sala especial com oito trabalhos de Palatnik e 38 obras de 14 artistas que se relacionam com sua poética. Entre eles Ana Linnemann, Eduardo Coimbra, Deneir e Emygdio de Barros. (Veja a lista completa abaixo). Para o idealizador da exposição, o projeto parte do pressuposto de que o aspecto definidor da arte do século 20 está na instigante relação entre o artista e a máquina.

 

 

Novo Regulamento

 

A partir de sua quinta edição, o “Prêmio CNI SESI SENAI Marcantonio Vilaça” renova formato e regulamento de modo a se aproximar cada vez mais da investigação artística contemporânea, compreendida como ação fundamental para o desenvolvimento do conhecimento humano e da pesquisa tecnológica.  A iniciativa do Sistema Indústria criada em 2004, ao longo desse tempo, realizou quatro edições consecutivas. Recebeu 2532 propostas e premiou 20 artistas, que atuam em diferentes pontos do país, com bolsas de trabalho e acompanhamento dos projetos por curadores designados. Ao conceber as duas mostras da edição especial, os novos curadores revigoram a proposta do “Prêmio CNI SESI SENAI Marcantonio Vilaça” no cenário artístico brasileiro e afirmam sua presença como uma referência entre as principais premiações nacionais no gênero.

 

 

Quem foi Marcantônio Vilaça

 

Marcantonio Vilaça, falecido precocemente em 2000 aos 37 anos de idade, tem sua trajetória cultural iniciada em Recife, PE. Influenciado pelos pais, conheceu a arte popular da região e fez visitas rotineiras a museus, igrejas e conventos de todo o Nordeste. Aos 15 anos, adquiriu sua primeira obra de arte, uma gravura de Samico. No início dos anos 80, Marcantônio e a irmã Taciana Cecília abriram sua primeira galeria de arte, a Pasárgada, na Praia de Boa Viagem, em Recife. Em 1991, instalou-se em São Paulo e inaugurou a Galeria Camargo Vilaça, junto com a sócia Karla Camargo. Aos 35 anos, possuía cerca de 500 obras dos mais representativos artistas contemporâneos brasileiros. Em sua trajetória como marchand, ajudou a projetar novos talentos no mercado brasileiro e internacional e doou diversas obras de sua coleção particular para diversos museus, tanto instituições nacionais quanto internacionais.

 

 

Artistas participantes da exposição:

 

Adriana Varejão | Angelo Venosa | Beatriz Milhazes | Barrão (Plano B) | Cildo Meireles | Daniel Senise | Efrain Almeida | Ernesto Neto | Francis Allys | Gilvan Samico | Helio Oiticica | Hildebrando de Castro | Iran do Espírito Santo | Jac Leirner   | José Damasceno | José Resende | Leda Catunda | José Leonilson | Lia Menna Barreto | Luiz Zerbini | Lygia Pape | Maurício Ruiz | Mauro Piva | Nuno Ramos | Rivane Neuschwander | Rosangela Rennó | Valeska Soares | Vik Muniz | Anselm Kiefer (Alemanha) | Cindy Sherman (Estados Unidos) | Guillermo Kuitca (Argentina) | Julião Sarmento (Portugal) | Mona Hatoum (Líbano) | Antonio Hernández-Diez (Venezuela) | Pedro Croft (Portugal) | Pedro Cabrita Reis (Portugal)

 

FICHA TÉCNICA:

 

Coordenação Geral: Claudia Ramalho;

Curador: Marcus de Lontra Costa;

Curadora Adjunta: Daniela Name;

Produção: Maria Clara Rodrigues – Imago Escritório De Arte;

Produção Executiva: Andreia Alves | Marcia Lontra;

Expografia: Marcio Gobbi;

Identidade Visual: New 360;

Projeto Técnico Interativo: 32bits Criações Digitais;

Iluminação: Antonio Mendel;

Projeto Educativo: Rômulo Sales Arte Educação

 

 

De 30 de maio a 13 de julho.

Gonçalo Ivo expõe na Laura Marsiaj

30/mai

O pintor Gonçalo Ivo  tornou-se conhecido quando de sua participação, em 1984, da grande exposição organizada por Marcus Lontra no Parque Lage, “Onde está você geração 80?”. Agora, o artista apresenta sua nova produção na Galeria Laura Marsiaj, Ipanema, Rio de Janeiro, RJ. Esta exposição revelou importantes nomes que se tornaram figuras pontuais na pintura contemporânea brasileira como Luiz Zerbini e Beatriz Milhazes, entre outros. Oriundo dessa geração, Gonçalo Ivo aprofundou e ampliou sua pesquisa no campo da pintura, interrogando continuamente a experimentação no ato de pintar em um fazer rudimentar  incrementado pela tecnologia, buscando refletir sobre as relações que abarcam imagens, suportes, técnicas, estilos, materiais, gestos, formas, cores, figuras, etc., em síntese: uma extensa gama de possibilidades.

 

Residindo em Paris há 14 anos, Gonçalo Ivo nunca deixou de expor no Brasil mesmo cumprindo uma intensa agenda internacional. O artista exibirá no espaço da galeria quatro telas de grande formato e no ANEXO, cinco aquarelas. Trabalhos inéditos com a apresentação de Raphael Fonseca e Vera Pedrosa.

 

 

Um texto por dia – Texto de Rafael Pedrosa

 

Lembro de que durante a graduação um professor disse uma frase que nunca esqueci. Após a leitura de uma entrevista dada por Arthur Danto, iniciamos um debate sobre a importância da prática da escrita no campo da história da arte. Ao final da aula, como uma espécie de resumo das discussões, esse professor virou para a turma e disse: “É essencial que todo dia se escreva um texto. Não necessariamente um texto crítico ou fruto de uma pesquisa que diga respeito à arte, mas ao menos um e-mail pessoal com mais de três linhas deve ser feito por dia”.

 

Esse elogio ao fazer permanece na minha memória e muitas vezes foi debatido junto a amigos também escritores e/ou artistas. Algumas pessoas apontam para uma interpretação de certo estímulo a um trabalho incessante, isto é, onde está o espaço para o repouso nessa concepção do mundo? Para além de meu tendencioso caráter workaholic, ao lembrar o modo como essas duas frases foram proferidas, prefiro pensa-las a partir da necessidade de se ter um compromisso com o nosso ofício; dizendo de outro modo, creio que meu professor queria nos orientar quanto à necessidade de estarmos plenos em nossos compromissos, alinhados eticamente e existencialmente ao nosso fazer. Se havíamos escolhido (de modo objetivo ou não) a formação em história da arte, nessa área deveríamos estar com o corpo imerso – daí a importância de exercitarmos sempre a matéria expressiva que tradicionalmente compunha o nosso fazer, ou seja, a escrita.

 

Trabalho com arte contemporânea de modo enfocado há cerca de quatro anos e sou, assim como muitos colegas de profissão, rotulado pelo termo “jovem crítico” e/ou “jovem curador”. Não reclamo desta carga ainda leve que carrego, mas recentemente me dói um pouco viver em uma era em que se normalizam os excessos – das imagens, das mensagens, das ideias, das oportunidades e dos portfolios. Talvez nunca antes tivéssemos tantos jovens artistas efervescentes, mas, ao mesmo tempo, uma tecnologia digital que parece iludir que ser artista é realizar imagens e divulga-las aos quatro ventos pelo Facebook.

 

Qual não foi, portanto, minha surpresa e felicidade a aceitar um novo convite e refletir um pouco sobre a produção recente e a trajetória de Gonçalo Ivo. Se fui orientado para escrever diariamente, tenho a impressão que esse artista também o foi, porém no que diz respeito à sua capacidade de ser um produtor de imagens. Sendo sua primeira participação em exposição coletiva em 1978, podemos afirmar que seu percurso institucional já abarca mais de 35 anos. De lá para cá, foram diversas as participações em exposições desse momento histórico-artístico depois chamado por “geração 80”, além de projetos individuais que circularam as principais capitais do Brasil, além de museus e instituições pela Europa.

 

Se hoje advenho de uma geração de artistas em que as ideias se proliferam muito rapidamente e muitas vezes são movidas pelas fatídicas “curtidas” das redes sociais, Gonçalo me parece exemplar no que diz respeito à sua disciplina do fazer. Sim, estamos a falar de um profissional que poderia ser chamado pelo termo “pintor” – por mais que, claro, sua produção abarque também áreas afins como a gravura, o desenho e mesmo a escultura. De todo modo, mesmo que sua carreira ande junto ao fardo de se assumir enquanto pintor, não lidamos aqui com uma pessoa que nega ou rechaça técnicas que geralmente são interpretadas de modo imediato como sinônimo de certa ideia estilística de arte contemporânea; basta, por exemplo, ler suas reflexões recentes sobre a exposição do videoartista Bill Viola, no Grand Palais, em Paris.

 

Seu compromisso quanto ao fazer está para além da pintura – tem como alvo o campo fenomenológico das artes visuais. Mais do que um aficionado pela técnica, Gonçalo é comprometido com a potência da imagem e é a partir dela que se ergue uma pesquisa formal e poética que nunca estará terminada devido ao seu interesse, justamente, pelo processo diário. Mas de quais modos isso se faz perceptível nas suas obras? Por quais perspectivas podemos abordar a sua produção?

 

Poderíamos nos referir às suas pinturas fazendo um acréscimo de uma pequena palavra após o nome da técnica; “pintura abstrata”, alguns poderiam dizer. Porém, quando recorremos aos títulos dados pelo artista a algumas de suas produções recentes, como, por exemplo, “Aurora” (2014) e “Estrela do Norte” (2012), essa certeza é colocada em dúvida. Longe do lugar da representação figurativa de imagens que poderiam ser qualificadas como paisagem, a produção recente do artista diz respeito a uma resposta no campo da imagem para algo que o chama a atenção através do seu embate entre corpo e experiência ótica.

 

Ao olharmos de perto alguns de seus cadernos, é interessante perceber como que, mesmo que sua pintura recente lide com grandes campos de cor que dominam o espaço da tela e a fragmentam espacialmente, não estamos a contemplar imagens que são construídas de um modo espontâneo ou que se dão diretamente através de um contato imediato entre homem e tela em branco. É nesses cadernos de viagens que se percebe a importância que Gonçalo atribui para o estudo de suas composições futuras. Trata-se de pequenas arenas em que o artista se pergunta sobre as melhores articulações entre formas geométricas e opções cromáticas de modo que a tela posterior seja uma possibilidade de diálogo com algum elemento apreendido anteriormente e recodificado para uma linguagem que poderíamos chamar de abstrata. A abstração, porém, está apenas na incapacidade do espectador reconhecer elementos realistas. Melhor do que esse termo muito usado na história da arte, talvez fosse mais interessante ler as criações do artista pela perspectiva afetiva da memória capaz de possibilitar que uma igreja como a de Santa Maria de Taüll e suas nuances de cor sejam transfiguradas em listras que configuram de outro modo a potência das imagens religiosas.

 

Ao voltarmos o nosso olhar para “Aurora”, sua pesquisa formal se desvela. Busca-se trabalhar com tons ligeiramente diferentes de azul em contraponto a uma série de pequenas listras dotadas de cores diferentes. Joga-se, assim, com a ideia da justaposição entre as cores. Enquanto isso, qualquer certeza em torno de uma abordagem que lidasse com a ideia de simetria precisa ser revista já que ainda que as grandes áreas de cor se assemelhem a retângulos, quadrados e listras, elas apresentam, ao mesmo tempo, pequenos deslocamentos e transições planares que impossibilitam, novamente, um olhar mais catalográfico da análise da imagem. Não apenas no que diz respeito ao desenho dessas formas, mas a fatura e textura que cada polígono apresenta denota uma pesquisa da pintura que a coloca em princípios de uma busca também pelos diferentes efeitos tridimensionais proporcionados por suas pinceladas. Réguas, portanto, não são o bastante para se escrever sobre as telas de Gonçalo Ivo.

 

Essas características formais também se fazem presentes, mas de modo mais contaminado, na outra técnica que acompanha o artista desde o começo de sua carreira, ou seja, a aquarela. Em pequenos formatos, Gonçalo também propõe encontros geométricos, mas não necessariamente rígidos entre cores. Devido à espessura diversa que a técnica, por exemplo, do óleo sobre a tela possui, ao se praticar a aquarela sobre o papel, as cores se encontram e criam novas manchas em suas fronteiras fictícias. Os títulos aqui se fazem presentes dentro dos limites do papel e convidam o público, novamente, a pensar as relações entre imagem e texto em sua produção pictórica. “Acorde noturno – a luz do Parque do Retiro” remete, por exemplo, às recentes experiências do artista na Espanha, onde se encontra sempre atento tanto às tradições pictóricas locais, quanto às diversas luzes e paisagens proporcionadas pelo seu deslocamento por Madri. Talvez seja possível aproximar esses pequenos formatos de imagens dos cartões postais. Por mais que não vejamos uma paisagem explícita, são frutos de uma experiência da paisagem que não deve ser lembrada tal qual uma fotografia e sua mimese, mas sim ecoada através de sensações cromáticas.

 

Uma dessas aquarelas é intitulada “O véu da aurora – caminhando com Maria Leontina”. Ao fazer referência a essa pintora, penso também como poderíamos elencar diversos outros importantes nomes da arte moderna no Brasil e coloca-los em diálogo com Gonçalo Ivo: Alfredo Volpi, Iberê Camargo e José Pancetti. Parece-me interessante pensar, ao lado desses vínculos já estabelecidos por outros escritores, a possibilidade de ver sua produção caminhando com outras tradições de imagens.

 

Creio que faz sentido relacionar as suas cores à produção escultórica de Veio, um artista que Gonçalo possui em sua coleção. Nascido em Sergipe e com uma produção que articula as formas de madeiras, troncos e a cor, muito além do fardo de ser sempre lido pelo viés da “arte popular”, o modo como conjuga as cores e as texturas das madeiras que escolhe proporciona um diálogo muito interessante não apenas com a pintura de Gonçalo, mas também com os objetos tridimensionais em que ele explora as possibilidades da têmpera sobre madeira. Esses cruzamentos não precisam se manter geograficamente no Brasil, mas o quão potente não seria também caminhar junto com os objetos africanos também de sua coleção? Trazer a obra de Gonçalo Ivo para uma perspectiva mais global e menos eurocêntrica, mais da cultura visual e menos da história da arte, se trata de uma tarefa curatorial ainda por ser feita e capaz de proporcionar o encontro entre estandartes tribais da África, máscaras e sua larga experiência com a cor em diversas mídias e formatos.

 

Conhecer um pouco de seu fazer e de seu espaço de trabalho em uma tarde me fez relembrar daquelas palavras de meu professor. É preciso se manter imerso no nosso comprometimento para com isso que chamamos por arte. É preciso não ceder à fugacidade do veloz sistema da arte contemporânea que nos avassala em 2014. Tal qual a disciplina e insistência da pintura de Gonçalo Ivo, é necessário estar atento ao que nos rodeia e não necessariamente transformar todas as vivências em escrita, mas seguir a experimentar o mundo através da estesia para que sigamos a pensar uma pluralidade de narrativas para nossas existências e diferenças.

Se Gonçalo caminha com Maria Leontina, gostar-me-ia de caminhar um pouco com as suas formas rumo ao mundo desconhecido, mas fiel à minha meta textual diária.

 

 

 

De 03 de junho a 17 de julho.

Zerbini na Casa Daros

25/abr

A Casa Daros apresenta para o público a partir de 26 de abril de 2014 a exposição “Luiz Zerbini – Pinturas”, com curadoria de Hans-Michael Herzog, que reúne dezenove obras do destacado artista nascido em São Paulo, em 1959, e radicado no Rio de Janeiro. A quase totalidade dos trabalhos é inédita e pertence ao acervo do próprio artista, como as quatro pinturas recentes – em acrílica sobre tela, e em formato que chega a 2m x 3m – “Quadrado Maior, de 2013, “Hipermetrópico”, “Favela” e “Erosão”, de 2014.

 

O público poderá ver obras antigas, como “Peixes”, só vista no ano de sua criação, em 1996 – uma escultura com pintura composta por uma caixa de isopor, resina e tinta –, e duas “Sem título”, de 1999, uma monotipia e uma pintura de acrílica sobre papel.

 

Duas pinturas apenas vistas no exterior, como “Pedra Punk (2012) e “Medusa” (2011), pertencentes a coleções particulares, também estarão na exposição.

 

Estarão ainda na exposição desenhos, um conjunto de dez trabalhos da série “Copicsketch” (2011), em caneta sobre papel, dois feitos com cartas de baralho, de 2009, e três da série com slides, de 2009.

 

Da mesma forma que na exposição de Fabian Marcaccio há uma sala chamada Painting lab (laboratório de pintura), onde o artista revela seu “repertório”, Luiz Zerbini também mostrará uma versão inédita da instalação “Natureza espiritual da realidade” (2012), feita especialmente para a exposição, formada por uma mesa de cerca de dez metros de extensão, contendo elementos de seu cotidiano, com uma coleção de objetos que funcionam como ponto de partida de seu trabalho.

 

“Meu trabalho tem a ver com esse tempo suspenso e com a memória. Não a memória de fatos e acontecimentos cotidianos, que quase nunca consigo lembrar, mas uma espécie de memória visual, afetiva, que fica guardada num canto, num outro espaço que é muito presente… É como se fosse uma reorganização das minhas lembranças. As coisas que eu faço são impregnadas dessa memória”, afirma Luiz Zerbini.

 

A exposição integra a temporada dedicada à pintura, aberta por “Fabian Marcaccio – Paintant Stories”, que irá até 10 de agosto. Após a mostra de Luiz Zerbini, Casa Daros apresentará “Guillermo Kuitca + Eduardo Berliner – Pinturas”, de 30 de maio a 29 de junho, e “Vânia Mignone + René Francisco Rodríguez – Pinturas”, de 4 de julho a 10 de agosto de 2014.

 

O que está por trás da pintura

 

Hans-Michael Herzog, curador e diretor da Coleção Daros Latinamerica, sediada em Zurique, Suíça, conta que ao pesquisar a pintura atual no Brasil, e em qual artista brasileiro poderia fazer um diálogo mais direto com a obra “Paintant Stories”, de Marcaccio, pensou imediatamente em Zerbini. Apesar de ressaltar a individualidade de cada um, com pesquisas distintas, ele diz que é possível ver algo em comum, já que ambos buscam saber “o que é a pintura, o que está por trás da pintura”.  “Zerbini desenvolve dois grandes caminhos – um mais racional, ordenado, regular, e outro emocional – resultando em dois tipos de pintura ao mesmo tempo”, afirma. Ressaltando que não o considera um surrealista, o curador diz que ele “joga com essas ferramentas”, ao trazer “visões de paisagens não conhecidas, invenções, a exuberância tropical, a vegetação, e nisso tem algo a ver com Marcaccio”. Hans-Michael Herzog chama a atenção também para o aspecto lúdico do artista, evidenciado na obra “Peixes”.

 

 

Programa Diálogos: Luiz Zerbini

 

No dia 26 de abril de 2014, às 17h, no auditório da Casa Daros, o artista Luiz Zerbini falará sobre sua trajetória em conversa aberta ao público, com a participação de Hans-Michael Herzog. A entrada é gratuita, com retirada de senhas na recepção uma hora antes.

 

 

Sobre o artista

 

Luiz Zerbini nasceu em São Paulo, em 1959. Vive e trabalha no Rio de Janeiro. É um dos artistas que despontaram na década de 1980 e chega à maturidade explorando praticamente todos os aspectos da arte contemporânea. Desde o trabalho individual como pintor, até o coletivo no grupo Chelpa Ferro, desenvolve sua linguagem na utilização diversificada de mídias como vídeo, escultura, fotografia, música, desenho, pintura, arte gráfica, ambientes e instalações. A obra de Zerbini é considerada pelos críticos uma referência na arte brasileira.

 

Dentre as principais exposições individuais que realizou destacam-se as mostras “Amor lugar comum”, em Inhotim, Brumadinho, Minas, e “Papagaio do Futuro”, na Max Wigram Gallery, Londres, ambas em 2013; “Amor”, no MAM Rio, em 2012; “Every Jetsonhas a Flintstone Inside”, na Max Wigram Gallery, em Londres, em 2011; “Ele vê o que ele sabe”,no Galpão Fortes Vilaça, em São Paulo, em 2010; “Ruído”, na Casa de Cultura Laura Alvim, Rio de Janeiro, em 2009; “paisagem natureza morta retrato”, no Centro Universitário Maria Antonia, em São Paulo, em 2008; “Do Corpo à Paisagem”, no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo, em 2006; as mostras na Galeria Filomena Soares, em Lisboa, Portugal, em 2005; na Galeria Rabouan Moussion, em Paris, França, em 2001; as mostras no Paço Imperial, Rio de Janeiro, em 1998 e 1996; a exposição no Museu de Arte Moderna da Bahia, em Salvador, em 1995, dentre outras.

 

 

De 25 de abril a 25 de maio.  

Caleidoscópio da SIM galeria

14/mar

A SIM galeria, Curitiba, Paraná, apresenta “Vertigo”, exposição de caráter coletivo com artistas de diversas origens (alguns estrangeiros) que lançam mão de materiais inusitados e linguagens múltiplas que perpassam da pintura ao vídeo. A exibição conta com nomes pontuais da cena contemporânea como Carmela Gross, Darren Almond, Eduardo Kac, Isao Hashimoto, Ivan Grilo, Jules Spinatsch, Katinka Pilscheur, Luiz Roque, Luiz Zerbini, Miguel Palma, Nuno Ramos, Odires Milászho e Semiconductor (Ruth Jarman e Joe Gerhardt).

 

 

 

 

A palavra da curadoria

 

 
A vertigem é sintoma de descompasso. Ocorre em curto circuito perceptivo quando, por exemplo, o feedback dos dados processados pelo cérebro diverge das sensações experimentadas pelos sentidos que orientam o corpo no espaço. O indivíduo, mareado, sente como se tudo ao seu redor estivesse a ponto de dissolver; a matéria, então, menos sólida parece ondular em um universo elástico.

 

No âmbito estético, a vertigem é frequentemente associada a situações em que representações ambíguas desafiam a interpretação do olhar. Imagens em que a reversibilidade entre figura e fundo pulsa, alternadamente, disputando a atenção em primeiro plano. Vertigo busca ampliar esta abordagem sugerindo também alegorias de ordem psicológica ou social para além da dinâmica fisiológica.

 

Testemunhamos uma era em que a humanidade está mergulhada no oceano polifônico de informações partilhadas em rede. A conexão com esta teia coletiva insere percepções de outros tempos e espaços no seio da vivência do agora.

 

Há tanto para ver, tanto para saber, tanto para digerir…

Tudo, ao mesmo tempo, dilatado por um caleidoscópio de possibilidades.

O vasto mosaico de expressões singulares é consequência da popularização dos meios técnicos que facilitam o acesso à representação. Após séculos em que somente a voz da elite ecoou no imaginário coletivo, finalmente a evolução tecnológica possibilitou aos demais indivíduos a chance de inscrever suas histórias pessoais na crônica social.

 

Por outro lado, a multiplicação excessiva de pontos de vista circulando indiscriminadamente pode nublar o discernimento subjetivo. O redemoinho de opiniões heterogêneas tem efeitos atordoantes; o acúmulo de diversas referências tende a se tornar indigesto. Paul Valéry alertou, ainda em 1923: “O ouvido não suportaria dez orquestras juntas. O espírito não pode seguir muitas operações distintas, não há raciocínios simultâneos”.

 

O elenco de obras que compõem Vertigo não foi elaborado sob a obrigatoriedade de justificar a coerência do conjunto. Ao contrário, sua seleção é identificada pela noção de enumeração disjuntiva, pela qualidade da lista poética – aquela que não pretende representar integralmente a totalidade, mas sugere um horizonte de eventos abertos às associações flexíveis. Esse conjunto exprime o senso de fragmentação e a complexidade de uma sequência de impressões sem conexões rigorosas.

 

Há desde obras onde a ambiguidade visual incita jogos óticos vertiginosos, até proposições que tensionam os limites da representação, exibindo-a em escala análoga ao espaço físico real (trompe l’oeil). Há também um objeto feito com assemblage de relógios digitais cujos algarismos estão partidos ao meio, quebrando a linearidade da progressão temporal. /Retratos constituídos por milhares de números carimbados, marcando a quantidade de gestos necessários para traçar a figura. /Uma instalação que contabiliza quantas vezes a ganância de certos grupos humanos levou à eclosão de bombas atômicas. /Fotografias de flores transgênicas que contém o DNA do artista que as cultivou. /Gravações de sons captados acima da atmosfera terrestre decodificados em imagens gráficas. /Pintura feita por meio da retenção de gases tóxicos expelidos por um carro. /Cartografias celestes, mapeadas tanto a partir do polo norte quanto do polo sul, sobrepostas em lâminas transparentes, unindo paradoxalmente dimensões opostas no mesmo plano. /Desenhos que apresentam uma notação de escala em uma folha em branco dando margem à projeção mental de um espaço imaginado. /Um filme que mostra o simulacro de uma obra de arte reconhecida transportada a um contexto insólito. /…/

 

O micro universo desta exposição propõe uma narrativa aberta e não linear, articulada em linguagem visual. Orquestra experiências díspares, contrapondo proposições de natureza totalmente diversa. Alude à alguma coisa imensa, impossível de ser totalmente conhecida. Faz analogia à convivência cotidiana com pluralidades cada vez mais abundantes e o consequente sentimento de angústia vertiginosa gerado pela incapacidade de apreender o todo. Apoiado em breves epifanias estonteantes, o tema de Vertigo remete à perda de escala, à desorientação e ao gosto pelo excesso, tão característicos dos tempos turbulentos deste barroquismo tecnológico em que hoje vivemos.

 

Denise Gadelha

 

 

 

DE 13 de março a 19 de abril.