Cildo Meireles: Percurso e Presença.

01/jul

“O desenho é a primeira percepção visual. Numa segunda etapa é preciso voltar ao desenho, detalhar. Ele acompanha esse processo de detalhamento de uma ideia. Mas sua função é captar essa coisa que passou como um relâmpago, que ainda não tem forma, cor, tamanho.”

Cildo Meireles

Encontra-se em cartaz na Anita Schwartz Galeria de Arte, Gávea, Rio de Janeiro, RJ, a exposição “Cildo Meireles: percurso e presença”, uma homenagem ao icônico artista, referência na arte conceitual brasileira e internacional. A mostra resgata uma seleção de desenhos produzidos nas décadas de 1960, 1970 e 1980; e gravuras produzidas em 2009, inspiradas em desenhos da década de 1960. Destacando assim uma vertente menos conhecida, mas de grande relevância no processo criativo do artista: os desenhos. Além das obras gráficas, foram reunidos alguns objetos em pequena escala, elementos de instalações simbólicas de sua produção no plano tridimensional.

A prática do desenho permeia a produção artística de Cildo Meireles desde a infância e desempenhou um importante papel em sua trajetória. Desenhar viria a ser uma forma de expressão e reflexão, um meio para detalhamento de ideias e, também, a sua principal fonte de receita até quase 1990. A venda de desenhos para amigos e colecionadores o possibilitou dedicar-se à carreira de artista e realizar projetos mais complexos, pelos quais Cildo Meireles se tornaria mundialmente conhecido. Em entrevista a Frederico Morais, ele conta que quando tinha apenas nove anos de idade, morando em Belém do Pará, ganhou alguns trocados na escola vendendo desenhos. Após se mudar para Brasília, já na escola secundária, seguiu desenhando. Foi a forma que encontrou de estar mais perto do real e de mostrar aos colegas a sua forma de pensar. Em 1963, aos 15 anos, passou a frequentar o Ateliê Livre da Fundação Cultural do Distrito Federal, dirigido pelo artista peruano Felix Alejandro Barrenechea. Lá exercitou o desenho de observação e com modelo vivo. Na mesma época ingressou no curso de cinema do CIEM, escola experimental, vinculada à Universidade de Brasília. Foi nessa ocasião que passou pela cidade uma exposição do acervo de arte africana da Universidade de Dakar, no Senegal, reunindo esculturas e máscaras. A mostra exerceu forte influência na formação do artista, que se sentiu estimulado a enfrentar qualquer superfície com o intuito de resolver o problema da representação, a figura transportada para outro plano. Em 1964, momento de grande adversidade no país com o início ditadura militar, o curso de arte da Fundação Cultural foi fechado, mas Cildo Meireles continuou frequentando o ateliê de Felix Alejandro Barrenechea. Desde então, a prática do desenho o acompanha, e lá se vão mais de seis décadas.

Entre as obras selecionadas para esta exibição, constam desenhos livres de diferentes temáticas e formatos: alguns inspirados nas máscaras africanas mencionadas anteriormente; outros seguindo uma linguagem narrativa, com nichos alusivos aos de histórias em quadrinhos, porém com situações que se desenvolvem de forma arbitrária. Há também composições abstratas com predominância da cor; desenhos que misturam pinceladas arredondadas e tracejados evocando situações de dor e violência; e ainda cenas específicas guardadas na memória do artista.

Distintas vozes na Vaquejada da Meia-Noite.

30/jun

A Almeida & Dale, Pinheiros, São Paulo, SP, inaugurou “Vaquejada da meia-noite”, exposição coletiva com curadoria de David Almeida. Ocupando o novo espaço expositivo da Fradique 1360, a mostra reúne distintas vozes e gerações de artistas conectados ao território cearense por meio de um gesto afetivo que reverbera e amplia a trajetória e a pesquisa de David Almeida. Motivado por uma investigação familiar, David Almeida, nascido em Guará, DF, aproximou-se profundamente do sertão e seus artistas, encontrando reverberações de suas pesquisas nas imagens criadas por eles.

Mais do que explicar ou catalogar a produção local, “A mostra vocaliza testemunhos assombrados da resistência, que se entrelaçam e desafiam o real imaginário do Brasil profundo, onde a reza e a crença são parte indissociável da verdade”.

A noite, a crença e o diabo, assim como a luta, o trabalho e as ferramentas de sobrevivência, são imagens que tecem o ambiente gótico-sertanejo proposto na exposição.

Artistas participantes.

Arivanio, Artur Bombonato, Arthur Siebra, Associação de Artesãos do Padre Cícero, Beatrice Arraes, Darks Miranda, Diego de Santos, Efrain Almeida, Francisco de Almeida, Gilberto Pereira, Gustavo Diogenes, J.F., José Leonilson, José Lourenço, Júlia Aragão, Juno B., Sara Costa, Sérgio Gurgel, Sérvulo Esmeraldo, Stênio Diniz, Terezinha de Jesus, Thadeu Dias.

Até 16 de agosto.

Uma experiência alucinatória.

Acervo Vivo: Vivenciando a transcendência: uma coreografia de pinturas inaugura na quinta, 3 de julho, na Almeida & Dale, rua Caconde 152, São Paulo, SP. Partindo da pintura de Rubens Gerchman, a exposição propõe um percurso vertiginoso por entre pinturas de diferentes períodos e tendências, passando pelo abstracionismo, construtivismo, pop e a pintura contemporânea, constituindo um bailado que convida à uma experiência alucinatória, arraigada nos sentidos e de suspensão dos limites da historiografia tradicional da arte.

Acervo Vivo é um programa que explora o acervo da Almeida & Dale por meio de exposições organizadas por curadores e pesquisadores convidados e internos.

As exposições do projeto partem de uma seleção criteriosa e não hierárquica de obras que propõe diálogos entre artistas contemporâneos e de diferentes gerações, transpondo barreiras cronológicas, construindo articulações inusitadas, revelando novas camadas de sentido e promovendo encontros entre tempos e narrativas distintas.

Ao ativar o acervo como um campo de investigação contínua, Acervo Vivo reafirma o compromisso da galeria com a valorização da arte brasileira e global em suas múltiplas temporalidades, contribuindo para sua preservação, difusão e constante reinterpretação.

Artistas participantes

Adriana Varejão, Alfredo Volpi, Amilcar de Castro, Antonio Dias, Claudio Tozzi, Donna Huanca, Dudi Maia Rosa, Emmanuel Nassar, Luiz Sacilotto, Maxwell Alexandre, Mira Schendel, Montez Magno, Peter Halley, Rubem Valentim, Rubens Gerchman, Sandra Gamarra, Sean Scully, Siron Franco, Yayoi Kusama.

Até 31 de julho.

Um retrospecto para Jorge Selarón.

O Gabinete Selarón de Curiosidades em cartaz no Espaço Cultural da Justiça Federal, Centro, Rio de Janeiro, RJ, – os degraus para a gestão compartilhada da Escadaria Selarón é uma exposição que homenageia o multifacetado artista chileno Jorge Selarón, cuja obra transformou a Escadaria Selarón em um dos pontos mais visitados e conhecidos do Rio de Janeiro. A mostra reúne cerca de 300 obras, entre pinturas, azulejos, rascunhos e fotografias, revelando o olhar cosmopolita de Selarón. Mais do que um ponto turístico, a escadaria tornou-se um motor da dinâmica econômica e social da cidade, atraindo visitantes do mundo inteiro, gerando renda para o comércio local e valorizando o patrimônio cultural carioca. Estando localizada a poucos metros do Centro Cultural Justiça Federal, instituição que abriga a exposição, a escadaria estabelece um diálogo simbólico e visual com o espaço, fortalecendo o vínculo entre arte, território e cidadania.

Com curadoria coletiva de Andre Andion Angulo, Marcelo Esteves, Ceci Maciel, Ester Galleguillos, Guilherme Guimarães e Gerardo Millone, a exposição destaca a faceta de pintor de Jorge Selarón e irá propor uma reflexão sobre a preservação e a gestão compartilhada desse patrimônio cultural. O projeto convida o público a pensar formas colaborativas de cuidar da escadaria, ampliando o conceito de gabinete de curiosidades e reconhecendo seu valor como espaço de memória, diversidade e expressão coletiva.

Visita guiada no Paço Imperial.

No dia 05 de julho, às 16h, a artista Amanda Coimbra e a curadora Natália Quinderé farão uma visita guiada, gratuita e aberta ao público, pela exposição “Luz estelar ecoando”, em cartaz até o dia 10 de agosto no Paço Imperial, Centro, Rio de Janeiro, RJ. Inspiradas nas incríveis imagens feitas pelo telescópio espacial James Webb, da NASA, as 35 obras inéditas da exposição foram produzidas em diferentes suportes, como fotografias, caixas de luz, vídeo e instrumentos ópticos variados. A sala expositiva está com uma luz mais baixa, difusa, criando um ambiente escuro, contemplativo e estelar.

Para realizar os trabalhos, Amanda Coimbra fotografa o céu de forma analógica, usando uma câmera Rolleiflex. Com as imagens prontas, ela faz interferências no filme slide com objetos pontiagudos, em geral compassos, desenhando planetas, estrelas e elementos cósmicos na superfície da película. O resultado é surpreendente e o espectador precisa trabalhar sua percepção para entender o que é real e o que foi criado pela artista. Cores variadas surgem nas obras, seja através das interferências feitas por Amanda Coimbra com marcador permanente, seja pelo próprio processo de raspagem do filme fotográfico, que faz brotar tons de azul da sua superfície. Essas imagens estão expostas de formas variadas. Muitas delas estão em caixas de luz, com fotogramas em sequências, que criam uma narrativa. Três fotogramas foram impressos em tamanho 64 x 80 cm. Há, ainda, um vídeo feito a partir de animações das obras da artista, levando o espectador a uma viagem pelo espaço. Completam a mostra imagens expostas em 10 dispositivos ópticos variados, como monóculos, lupas e retroprojetor.

A prática artística de Amanda Coimbra sempre foi baseada nos processos analógicos da fotografia. Se antes a artista realizava as intervenções no fotograma e depois imprimia, agora o próprio slide tornou-se a obra de arte. Outra novidade é que o céu diurno também ganhou atenção da artista, que antes só trabalhava com imagens noturnas. Além disso, Amanda Coimbra começou a criar desenhos enquanto fotografa, aumentando a exposição e explorando novos elementos de luz.

Além da visita guiada, também estão previstos uma conversa, no dia 02 de agosto, e o lançamento do catálogo virtual da exposição.

André Azevedo e sua Escrita-miragem.

27/jun

A Simões de Assis, Jardins, São Paulo, SP, apresenta até 26 de julho “Escrita-miragem”, exposição individual de André Azevedo.

Texto de Mariane Beline e Luana Rosiello.

O grid só existe quando criado, é uma estrutura organizacional, composta por linhas horizontais e verticais que desenham um sistema de divisão no espaço, de modo que não é encontrado organicamente no meio ambiente. André Azevedo combina a vontade de desafiá-lo com a investigação de imagens botânicas, operando em um campo de torção da escrita tradicional e do código visual. Na mostra Escrita-miragem nos deparamos com um universo singular, apresentado pela primeira vez nessa profundidade, que navega em nuances cromáticas, em que o azul, vermelho, verde e preto adentram o tecido e se transformam em figuração. Vivemos sob o domínio de códigos que se superpõem à experiência do mundo e nos afastam da realidade direta, e é nesse mundo codificado em que/no qual Escrita-Miragem atua. André Azevedo é um organizador de sinais, um semiólogo em ação, sua poética investiga possibilidades plásticas da datilografia, um equilíbrio entre a dureza da máquina e o lírico da representação figurativa floral.

A obra Datilográfica 9 engendra uma abstração e promove a abertura para novos universos. Estar diante dessa peça é como quando há décadas e décadas atrás sintonizávamos as estações do rádio. Um mobiliário/meio de comunicação, o rádio permite sentir as ondas sonoras das estações que transmitem sinais eletromagnéticos em determinadas frequências, em que sintonizamos até encontrar uma frequência dentro do circuito. Datilográfica 9 é o tuning da exposição, nos convoca a adentrar nessa frequência e apreciar uma apreensão poética do mundo codificado. Azevedo sintoniza a partícula mínima que é uma letra, parte da palavra imagem e a decompõem, recompõe, refaz, reconstrói, e a transforma em imagem. As obras em tecido de algodão não possuem moldura, as laterais esticadas em chassi de madeira são atreladas à feitura da datilografia, em alguns trabalhos existem pequenas pistas de que a imagem é forjada por caracteres. O revelar de camadas se torna evidente com os papéis carbono, aos quais é possível ver cada letra que atravessou a superfície e se tornou luz, virou partitura visual.

Acerca da escolha das imagens projetadas, as ilustrações retomam a vida e os elementos naturais da terra e foram apropriadas do livro “Historia Natural: Vida de los animales, de las plantas y de la tierra – Botánica”, advinda de coleções enciclopédicas ilustradas, populares nos séculos XIX e XX, em uma vida pré digital. A obra mimetiza a gramática da máquina e, em paralelo, a corrompe poeticamente, abrindo rachaduras no sistema de significação. As flores, galhos, ramagens materializam-se nos Is Ms As Gs Es e Ms em um diálogo ritmado entre a rigidez maquínica e a organicidade efêmera. As relações com a pintura se estreitaram. Azevedo opera o têxtil com o pensamento pictórico e alarga as possibilidades de tradução de imagem por um retorno ao analógico. Em obras que replicam figuras, ao primeiro olhar, são iguais, mas para a observação mais atenta, elevam-se pequenas discrepâncias de coloração, desenhos que se delineiam de outra maneira, fazendo com que os trabalhos repetidos sejam absolutamente singulares em sua formação. Utiliza um software que pixeliza a imagem e traduz em código para realizar uma imagem, a tecnologia já existe no campo da estamparia, mas é na tradução imagética que Azevedo a ressignifica, a partir do carbono e do gesto se adiciona individualidade a peça, ao subverter a reprodutibilidade técnica pelo imprevisível. A escrita escapa ao controle e a aura insiste em aparecer. Azevedo apropria-se da mecanicidade do aparelho, deixando a escrita por conta da máquina, instruindo os canais a distribuírem tinta em forma de sinais gráficos, cobrindo a superfície para, depois, encobri-la de maneira que seja apresentado algo imageticamente, produzindo um contraste entre a cor da tinta e da superfície. A escritura é a ciência das fruições da linguagem, a possibilidade de uma dialética do desejo, de uma imprevisão do desfrute, para Roland Barthes, o texto escrito sempre dá uma prova do desejo: é a própria escritura. O que Azevedo propõe é transbordar a escrita, sua prática concebe pela escritura um espaço de fruição poética e novas formas de percepção imagética. A abordagem pictórica é tanto matérica como mental. O artista se apoia em pensamentos como de Vilém Flusser, em que a cultura é a tentativa de enganar a natureza por meio da tecnologia, da maquinação. As regras numéricas inventadas pelo ser humano, em abstrato, são capazes de descrever, explicar e até prever a experiência sensorial. Tão poderosos são os códigos que construímos a partir deles versões alternativas da chamada realidade, mundos paralelos, múltiplas experiências do aqui e agora. Nesse entendimento, todo artefato é produzido por meio da ação de dar forma à matéria seguindo uma intenção, a manufatura corresponde ao sentido estrito do termo in + formação, dar forma a algo – na poética de Azevedo, de traduzir letra em imagem.

O aparelho se torna não apenas um dispositivo mecânico, mas uma entidade complexa, um compasso entre tecnologia, cultura e a humanidade. A intervenção/interação tecnológica organiza e transforma a realidade e a arte, modulando novos modos de vivência. Ao datilografar, Azevedo organiza sinais gráficos e os desenha, deixando a ação e o pensamento em completa coesão. A máquina de escrever atua como mediadora entre a natureza e a cultura, criando uma outra camada de complexidade na relação entre o artista e o espectador. Esse aparelho também influencia a comunicação, criando novas formas de expressão e interpretação. Nesse sentido, a tecnologia não é apenas um meio de transmissão de informação, é também um sistema que molda o significado e a mensagem. A prática poética de Azevedo, além de orientar os pensamentos, atua de forma direta no encontro com o outro, sendo apenas quando uma obra escrita encontra o outro que ela alcança sua intenção, uma espécie de ato criador. Ao investigar diversas possibilidades plásticas da datilografia sobre o suporte têxtil, gera imagens a partir da tipografia, em que cada algarismo imprime sua marca na superfície, com manchas de diferentes intensidades. Nessa lógica de operação, André encontra um possível destino para a escrita no processo de transformar a tipografia em textura e a escrita em imagem. Reconfigura a datilografia em forma visual, adicionando corpo de matéria ao fugidio. Escrita-Miragem é uma tentativa de capturar o que se dissolve, do movimento de se aproximar e se afastar para decifrar o desenho que atravessa o carbono e se pigmenta na tela, elaborando uma superfície simbólica. É dessa forma que o artista recupera um possível destino para a escrita, híbrida, técnica e sensível, em que o código provoca e projeta um futuro para a escrita a partir da visualidade. Futuro esse que é indisciplinado, e sobretudo, dinâmico. André Azevedo decodifica um futuro do passado.

MON realiza nova exposição internacional.

26/jun

“Re-Selvagem”, da artista francesa Eva Jospin, é a nova exposição internacional realizada pelo Museu Oscar Niemeyer (MON) e a primeira mostra da artista no Brasil. Com curadoria de Marcello Dantas, a inauguração aconteceu no Olho e Espaços Araucária. A exposição reúne nove obras de grandes dimensões, entre elas instalações e desenhos, além de dois vídeos. A matéria-prima das instalações é o bordado de seda e o papelão, mas a artista também usa madeira, bronze, tecido e outros materiais.

“Eva Jospin no Museu Oscar Niemeyer reforça nossa missão de conectar o público paranaense com o que há de mais relevante na arte contemporânea mundial”, afirma a secretária de Estado da Cultura, Luciana Casagrande Pereira. “Esta exposição ainda reafirma a diretriz de diplomacia cultural que o Paraná estabelece com a França, em um ano especialmente significativo, marcado pelas celebrações do Ano do Brasil na França e da França no Brasil”.

A diretora-presidente do MON, Juliana Vosnika, afirma que a sensibilidade da artista francesa Eva Jospin fica evidente nesta exposição. “Ao abordar a natureza e o tempo em poéticas obras de arte, ela evoca nossa memória afetiva”, diz.

O curador Marcello Dantas conta que Eva Jospin é conhecida por seu meticuloso trabalho de criar, com as próprias mãos, ilusões de um mundo imaginário – arquiteturas silenciosas e espaços naturais abundantes, que nascem do gesto paciente e obsessivo de devolver à matéria um sentido de origem. “A floresta, para Jospin, é mais que uma representação da natureza. É um lugar simbólico, onde o mistério, o inesperado e a transformação acontecem”, diz Marcello Dantas. “Como nos contos antigos, suas florestas são territórios onde nos perdemos para nos reencontrar”. Em “Re-Selvagem”, o visitante atravessa trilhas de papel e sombra, entra em universos de folhagens esculpidas, experimentando uma espécie de rito íntimo. As formas evocam memórias esquecidas, despertam imagens do inconsciente coletivo e provocam silêncio.

Sobre a artista.

Eva Jospin nasceu em 1975 em Paris, onde formou-se na École Nationale Supérieure des Beaux-Arts. Nos últimos 15 anos, vem criando florestas meticulosas e paisagens arquitetônicas, que explora por meio de diversas mídias. Desenhadas a tinta ou bordadas, esculpidas em papelão ou em bronze, suas obras evocam jardins barrocos italianos, decorações rocaille do século XVIII e grutas artificiais. Foi residente na Villa Medici, em Roma, em 2017, e eleita para a seção de Escultura da Academia de Belas Artes em 2024. Entre suas exposições internacionais, destacam-se: “Inside”, no Palais de Tokyo, em Paris (2014); “Sous-Bois”, no Palazzo dei Diamanti, em Ferrara (2018); “Eva Jospin – Wald(t)räume”, no Museum Pfalzgalerie, em Kaiserslautern (2019); “Among the Trees”, na Hayward Gallery, em Londres (2020); “Paper Tales”, no Het Noordbrabants Museum, em Den Bosch (2021); “Galleria”, no Musée de la Chasse and Nature, em Paris (2021); “Panorama”, na Fondation Thalie, em Bruxelas (2023); e “Palazzo”, no Palais des Papes, em Avignon (2023). Em 2024, apresentou duas novas exposições individuais: “Selva”, no Museo Fortuny, em Veneza, durante a 60ª Bienal de Veneza, e “Eva Jospin – Versailles” na Orangerie do Castelo de Versalhes. Também desenvolveu diversas instalações de grande porte como parte de encomendas especiais, incluindo “Panorama” (2016), no centro do Cour Carrée do Louvre, e “Cénotaphe” (2020), na Abadia de Montmajour. Além disso, criou uma série de painéis bordados para o desfile Dior Haute Couture 2021-2022 (Chambre de Soie, 2021).

 Sobre o curador.

Marcello Dantas é um renomado curador, diretor artístico e produtor brasileiro, reconhecido por sua abordagem interdisciplinar que integra arte, tecnologia e experiências sensoriais imersivas. Nascido no Rio de Janeiro em 1968, Marcello Dantas possui uma formação acadêmica diversificada: estudou Relações Internacionais e Diplomacia em Brasília, História da Arte e Teoria do Cinema em Florença, e graduou-se em Cinema e Televisão pela New York University, onde também realizou pós-graduação em Telecomunicações Interativas. Ao longo de sua carreira, Marcello Dantas foi responsável pela concepção e direção artística de diversos museus e pavilhões, tanto no Brasil quanto no exterior. Também é conhecido por curar exposições de grande impacto, que atraem vasto público e crítica especializada. Entre elas “Ai Weiwei: Raiz”, do artista chinês Ai WeiWei, e “Invisível e Indizível”, do artista espanhol Jaume Plensa, ambas no Museu Oscar Niemeyer.

Sobre o MON.

O Museu Oscar Niemeyer (MON) é patrimônio estatal vinculado à Secretaria de Estado da Cultura. A instituição abriga referenciais importantes da produção artística nacional e internacional nas áreas de artes visuais, arquitetura e design, além de grandiosas coleções asiática e africana. No total, o acervo conta com aproximadamente 14 mil obras de arte, abrigadas em um espaço superior a 35 mil metros quadrados de área construída, o que torna o MON o maior museu de arte da América Latina.

Até 03 de agosto.

Artistas brasileiros contemporâneos em Paris.

25/jun

A mostra coletiva “Le Brésil illustré” é uma revisão histórica. A exposição, sediada na Maison de l’Amérique Latine, em Paris, reúne obras de 15 artistas brasileiros contemporâneos que confrontam, ressignificam e desviam a iconografia do pintor francês Jean-Baptiste Debret – autor da célebre “Viagem pitoresca e histórica ao Brasil”.

Com curadoria de Jacques Leenhardt e Gabriela Longman, a exposição propõe um mergulho crítico sobre como a imagem do Brasil foi construída a partir de um olhar europeu. E mais: mostra como artistas indígenas, negros e mestiços brasileiros vêm hoje subvertendo esse imaginário, criando novas narrativas para os corpos antes silenciados ou exotizados por Debret.

Entre os participantes estão nomes como Denilson Baniwa, Gê Viana, Jaime Lauriano, Livia Melzi e Anna Bella Geiger. Utilizando linguagens diversas – fotografia, vídeo, escultura, instalação -, suas obras não apenas comentam Debret, mas inserem-se como resposta direta ao projeto colonial que ele, ainda que involuntariamente, ajudou a consolidar. A proposta não é destruir o passado, mas criar novos significados a partir dele – muitas vezes com humor, ironia e potência simbólica. A mostra integra a programação do Ano do Brasil na França e deve chegar ao Museu do Ipiranga, em São Paulo, no segundo semestre deste ano. “…Mas o mais importante é o que ela revela: uma geração que não aceita ser apenas retratada. Uma geração que reivindica o direito de imagem – e que faz disso um gesto político”, diz Matheus Paiva, internacionalista, formado pela Universidade de São Paulo, e produtor cultural.

In memoriam.

É com grande tristeza que comunicamos o falecimento de Katie van Scherpenberg, que morreu na sexta-feira, 20 de junho, aos 84 anos, no Rio.

Van Scherpenberg rompeu profundamente as fronteiras da pintura, expandindo o uso da cor para além da tela, intervindo em espaços físicos e destacando o papel do corpo. Sua prática de pintura e performance – intrinsecamente ligada à Amazônia – era movida por uma fascinação pela impermanência. Ao longo de uma carreira de cinquenta anos, van Scherpenberg explorou a relação entre a natureza e o ser humano, utilizando pigmentos que produzia a partir da terra para criar paisagens que, com o tempo, se dissolviam de volta à natureza, deixando que a própria terra se tornasse simultaneamente meio e mensagem.

Os anos de formação de van Scherpenberg foram divididos entre o Brasil e a Inglaterra. Após estudar pintura na Europa com Oskar Kokoschka, ela retornou ao Brasil e se mudou para a remota ilha amazônica de Santana, onde permaneceu por duas décadas. De volta ao Rio de Janeiro nos anos 1980, van Scherpenberg lecionou na Escola de Artes Visuais do Parque Lage e colaborou com a FUNARTE no desenvolvimento de materiais de qualidade para artistas no Brasil, sendo pioneira na produção de tintas derivadas de pigmentos minerais do solo brasileiro. Essa empreitada aprofundou suas já longas explorações sobre a materialidade e suas investigações intelectuais acerca da pintura. No Parque Lage, ela realizou Jardim Vermelho, um marco na história da pintura brasileira, explorando as porosas fronteiras entre a natureza, o feminino e o gesto artístico.

Ela expôs amplamente no Brasil durante sua vida, incluindo participações na Bienal de São Paulo em 1981 e 1989, deixando uma marca indelével na nossa cena artística. Van Scherpenberg passou a integrar a Cecilia Brunson Projects em 2019, realizando exposições individuais na galeria em 2021 e 2023, além de apresentações de destaque em estandes individuais na The Armory Show (2021) e na Frieze Masters (2022).

Em março de 2025, a Galatea apresentou em São Paulo sua última exposição e passou a representá-la em colaboração com a Cecilia Brunson Projects. Suas pinturas efêmeras começam agora a ser plenamente reconhecidas como formulações pioneiras e profundas do pensamento ecofeminista, servindo como referência em um dos temas mais urgentes que desafiam os artistas hoje.

“A prática expansiva de Katie era nômade, crua e destemida. Sua abordagem dos materiais como portadores de temporalidade, combinada a uma visão singular, conferia à sua obra uma profunda carga psicológica. Sua vida foi marcada por reviravoltas: aos três anos, foi para o Reino Unido durante os tumultuados anos da Segunda Guerra Mundial; aos vinte e poucos anos, retornou ao Brasil apenas uma semana após o golpe militar de 1964 – tema que enfrentou com ousadia e humor sombrio em sua obra. Num gesto característico de autonomia, mais tarde se mudou com a filha para a Ilha de Santana, produzindo trabalhos que testemunhavam essa paisagem remota, fonte que alimentava e sustentava sua prática. Nunca esquecerei quando conheci Katie em 2006, agachada sobre a sua instalação-paisagem nos jardins do Blanton Museum, no Texas, onde seu característico pigmento vermelho-sangue encontrava a grama verde vibrante, apenas para, com o tempo, se dissolver e ser absorvido de volta pela terra. Somos imensamente gratos pela enorme contribuição de Katie à arte brasileira e ao mundo da arte em geral.”

Cecilia Brunson

“Como uma das vozes mais radicais da pintura brasileira, Katie van Scherpenberg deixa um legado de extraordinária força poética e política. Sua capacidade de transformar matéria em gesto – terra em tempo – é inigualável. Na Galatea, sentimos uma profunda honra por termos trabalhado com ela e compartilhado sua visão naquela que se tornou sua última exposição. A obra de Katie continuará a ressoar, provocar e retornar – como a terra que ela tão poderosamente evocava.”

Antônia Bergamin, Galatea

Vínculos artísticos e representatividade.

Ao longo dos 15 anos, a Galeria TATO, Barra Funda, São Paulo, SP, vem estabelecendo relações duradouras com artistas cujas pesquisas se desdobram em diferentes frentes do campo contemporâneo. A representação artística, dentro desse percurso, tem sido entendida não como um ponto de chegada, mas como um compromisso mútuo de continuidade, diálogo e construção.

A cada novo ciclo, a presença desses artistas na galeria se atualiza em exposições, publicações, inserções institucionais e feiras, refletindo processos em movimento e práticas que respondem ao tempo presente com escuta, rigor e imaginação. Ao compartilhar algumas dessas trajetórias, é possível reafirmar não apenas o vínculo entre artista e galeria, mas também o papel desse encontro no ecossistema mais amplo da arte.

A representação é uma camada entre outras tantas da atuação da TATO, que se constitui na intersecção entre acompanhamento crítico, inserção profissional e compromisso com processos contínuos de pesquisa.