Costurar sentidos.

24/out

Agradeço a vida que teço enquanto o tempo a desfia.

Bianca Ramoneda(1), “Cadernos de costuras”

Bordado, tecido, pintura, colagem e poesia se misturam em Costurar Sentidos, exposição coletiva apresentada no segundo andar da Anita Schwartz Galeria de Arte, Gávea, Rio de Janeiro, RJ, que reúne obras têxteis e derivações de costura como ponto central de produção. A seleção, inicialmente baseada na escolha da técnica, uma vez definida, apontou novos pontos de convergência. São trabalhos permeados por motivos relacionados a construção e a afirmação de identidade, ao resgate e a reverência às memórias afetivas e a ressignificação de sentidos. Falam de questões sociais e temas sensíveis aos autores, ao mesmo tempo em que expressam as suas origens e o caminho percorrido ao longo da sua jornada pessoal e artística. Peças de roupa e pedaços de tecido são matéria-prima tal qual tinta para pintura na criação de Arthur Chaves. A convivência do artista com o universo da costura iniciou-se na infância. Quando criança, ele observava a mãe trabalhando na máquina de costura num quartinho em casa, repleto de roupas e tecidos armazenados. O interesse pela arte têxtil primeiro o levou a estudar design de moda, área em que atuou por um período, antes de migrar para as artes visuais. Hoje, desenvolve colagens têxteis, composições abstratas e grandes instalações. Dani Cavalier combina a linguagem da tecelagem com a da pintura nas suas pinturas sólidas, aproximando o dito universo popular da artesania com a erudição atribuída às belas artes. A artista trabalha com a concretude da matéria e desenvolve obras abstratas, compostas de pedaços de lycra tensionados sobre a estrutura de madeira do chassi. Como num código aberto ou numa partitura musical, a pintura sólida revela o seu processo de feitura: cada passo, cada escolha da trama pode ser lida. O que suscita perguntas sobre o próprio processo de criação, a escolha dos tecidos, a transformação deles em matéria-prima para a composição artística, os caminhos trançados e o tempo de produção. Dani Cavalier estuda diferentes técnicas de artesania brasileira, as quais opera dentro do trabalho. O compartilhamento de saberes, típico do artesanato popular, está ali incorporado e reverenciado. Textile, obra de Duda Moraes, incorpora o encontro de culturas Brasil e França que hoje convivem dentro da artista. Radicada em Bordeaux há oito anos e internacionalmente conhecida por suas pinturas multicoloridas, com fortes referências a luz e a natureza tropical exuberante do Rio de Janeiro, Duda encontrou nos tecidos a ponte de conexão que aproximou o seu processo de criativo do seu atual habitat. A série de trabalhos “Textile” é desenvolvida com materiais de descarte de lojas locais de estofamento. Tecidos nobres como o veludo e a seda, em tons mais invernosos, dão o toque francês aos seus jardins têxteis. Pensando em perspectivas de representação, Jeane Terra desenvolveu uma série de autorretratos. A artista traça um paralelo com o mundo contemporâneo tomado pelas selfies, onde cada vez mais o indivíduo celebra a autoimagem, moldando-a aos diferentes contextos. Presente na mostra está o seu autorretrato em “peles de tinta” costuradas, uma indagação à sua própria identidade e, também, uma investigação sobre os vestígios de seus ancestrais. Para Jeane somos todos uma amalgama das influências e das experiências vividas. Inevitável a alusão a ideia de colcha de retalhos. As diferentes cores da composição representam memórias fragmentadas que se misturam em suas nuances. Há na pintura seca uma cor mãe, uma cor condutora que está presente em todas as outras, chamada pela artista de cor matriz ou cor de condução. Cor que se transforma quando associada a outras, mas que ainda carrega os seus componentes de origem. Em Lagoa-mãe vemos uma reprodução em bordado do perfil da Lagoa Rodrigo de Freitas como era, possivelmente, no final do século XVIII ou XIX. A imagem de origem, garimpada na internet, não deixa ver muitos detalhes. A lagoa hoje é ainda maior, não sofreu aterros e os rios que nela deságuam não estão canalizados ou encobertos. Renato Bezerra de Mello, autor da obra e nascido em Pernambuco, alimenta especial apreço por esse lugar e por sua paisagem, que é para ele, desde a chegada ao Rio de Janeiro, ponto de equilíbrio. No container, localizado no terraço da galeria, apresentamos um vídeo de Rosana Palazyan, que tem como base a obra Rosa Daninha? – um livro objeto em tecido bordado, produzido pela artista, que cabe na palma da mão. Ao subverter a escala diminuta e acrescentar poeticamente elementos inesperados, o vídeo se transforma em obra autônoma. Assim como em outros trabalhos da artista do mesmo período, a obra amplia a reflexão sobre definições e rótulos que transformam seres humanos em daninhas, ao traçar um paralelo entre definições encontradas em livros de agronomia e frases usualmente relacionadas a pessoas que se encontram em situação de exclusão social. O gesto de folhear as páginas do livro real aparece no vídeo como uma passagem de tempo: Ora a Rosa surge linda e vencedora, e como num flashback, passo a passo, nasce e cresce no meio de plantas consideradas daninhas, como a Azedinha. Ora a Azedinha é quem aparece sozinha, como tivesse eliminado a Rosa. E finalmente, em imagens produzidas apenas para o vídeo, as duas convivem até que o vídeo (em loop) reinicie. Dentro desta poética, a artista apresenta ao espectador uma narrativa sem verdades ou repostas absolutas. Poemas em varal, assim a artista visual e performer Yolanda Freyre descreve a sua mais recente série de trabalhos em cambraia, que versam sobre existência e finitude, memórias e sentimentos. Sobre os tecidos, com tamanhos e rendas variadas, Yolanda transcreve poemas nascidos em diferentes momentos, muitos deles recitados em sonhos. Os versos são escritos como pintura, em tinta aquarela, e sugerem pela cor a expressão dos sentimentos “estendidos”, que ganham ainda um delicado alinhavo, em linha de bordar, superposto à aquarela. Ave em arribação é o título de um dos poemas apresentados e se refere ao atual momento de vida da artista, segunda ela o seu terceiro ato: Ave que está preste a levantar seu voo definitivo.

Cecília Fortes, Curadora

(1) Caderno de costuras / Bianca Ramoneda. Rio de Janeiro: Mapa Lab, 2022.

 

Sentidos compartilhados.

A Flexa, Leblon, Rio de Janeiro, RJ, exibe até 22 de novembro, “Tudo entoa: sentidos compartilhados entre humanos e não-humanos”, exposição que reúne os trabalhos de quatro dos nomes mais significativos da arte indígena amazônica contemporânea e que estiveram, recentemente, presentes nas últimas Bienais de Veneza: Jaider Esbell (Macuxi; Roraima, 1979 – São Paulo, 2021), Santiago Yahuarcani (Uitoto; Pucaurquillo, Peru, 1960), Rember Yahuacani (Uitoto; Pebas, Peru, 1985) e Sheroanawe Hakihiiwe (Yanomami; Alto Orinoco, Venezuela, 1971). A mostra é acompanhada de texto crítico assinado pelo curador peruano Miguel A. López. 

Com conhecimentos adquiridos de forma empírica, Jaider, Santiago, Rember e Sheronawe não possuem formação artística ou acadêmica tradicional. Suas habilidades foram adquiridas por meio da observação e de um relacionamento profundo com a natureza, suas famílias e comunidades. É importante dizer que esses artistas fazem parte de uma “constelação criativa”, como nas palavras de Miguel A. López, que tem transformado, nas últimas três décadas, o que se entende por arte contemporânea. A arte, para os povos indígenas, é também uma ferramenta de preservação, de suas histórias e seus saberes. As obras presentes nessa exposição reafirmam as continuidades entre os humanos, animais, plantas, territórios e mundos espirituais, fazendo eco aos apelos pelo respeito a todas as formas de existência e buscando o freio para a exploração voraz dos recursos naturais. 

O trabalho de Sheroanawe Hakihiiwe consiste em um repertório visual delicado, que se vale da repetição rítmica de motivos em papel artesanal ou tela, fazendo menção às formas de sementes, frutas, insetos, folhas e galhos. Santiago Yahuarcani recorre a narrativas míticas indígenas em suas pinturas, trazendo personagens típicos dessas histórias, como guardiões e criaturas animais híbridas. Já Rember Yahuarcani, seu filho, cria paisagens de grande escala que exploram sonhos abstratos, imaginando um futuro indígena através de formas e cores vibrantes. As pinturas de Jaider Esbell, de iconografia complexa e meticulosa, são homenagens a cada pequeno elemento (animais, plantas, seres humanos e espirituais) capaz de nos conectar com a espiritualidade. 

Segundo Miguel A. López, o repertório dos quatro artistas traz luz a mundos visíveis e invisíveis, que persistem para além das tentativas de apagamento. Para o curador peruano, essas obras são frequentemente associadas ao colapso ecológico contemporâneo, mas a interpretação pode ir além e nos fazer um convite a olhar para o passado: a lógica de apagamento existe desde que os recursos experimentados pelas comunidades indígenas foram desapropriados. Reunir trabalhos de Jaider Esbell, Santiago Yahuarcani, Rember Yahuacani e Sheroanawe Hakihiiwe é, por fim, segundo Miguel A. López, uma possibilidade de “sentir representações mais complexas e ampliadas da vida, que ultrapassam o excepcionalismo humano. Não são imagens simples, nem imediatamente legíveis: exigem muita atenção, imaginação e, acima de tudo, disposição para ouvir o território a partir de outros canais sensíveis.”

Sobre o curador.

Miguel A. López é escritor e curador-chefe do Museo Universitario del Chopo, na Cidade do México. Anteriormente, foi curador-chefe e codiretor do TEOR/éTica, na Costa Rica. Suas exposições recentes incluem duas grandes retrospectivas de Cecilia Vicuña: Seehearing the Enlightened Failure no Kunstinstituut Melly em Roterdã, que viajou para a Cidade do México, Madri e Bogotá; e Dreaming Water: A Retrospective of the Future (1964-…), apresentada no MNBA, Santiago; Malba, Buenos Aires; e Pinacoteca, São Paulo (2023-24). Ele é editor e autor de mais de vinte publicações sobre arte, sexualidade, justiça social, infraestrutura cultural e memória política. Em 2016, recebeu o Prêmio Curatorial Visão Independente do ICI.

 

O grande intérprete do Amor e da Modernidade.

20/out

Para celebrar a vida e o legado do poeta Vinícius de Moraes, que completaria 112 anos, o Museu de Arte do Rio (MAR) abriu a exposição “Vinicius de Moraes – por toda a minha vida” que ficará em cartaz até 03 de fevereiro de 2026.

Com curadoria de Eucanaã Ferraz e Helena Severo, a mostra reúne mais de 300 itens entre manuscritos, fotografias históricas, vídeos, livros raros, capas de discos, objetos e documentos pessoais, instrumentos musicais, esculturas e obras de arte de artistas amigos de Vinicius. 

“Vinicius de Moraes foi um dos construtores do Brasil moderno – aquele que se reconhece na poesia, na música, no afeto e na liberdade. Sua obra atravessa o século vinte como um fio de beleza e humanidade, revelando um país que aprendeu a cantar o amor e a emoção. Nesta exposição propomos um percurso sensível por sua vida e criação, pela alegria e delicadeza com que soube transformar o cotidiano em arte”; analisa a curadora Helena Severo.

A mostra propõe uma viagem afetiva e estética pela vida e pela obra de Vinicius de Moraes – o poeta, diplomata, dramaturgo, jornalista, compositor e cantor que marcou a cultura brasileira do século XX. Organizada em núcleos temáticos, a exposição percorre seus principais eixos de criação: a música, a poesia, o teatro, as artes visuais e as cidades que fizeram parte de sua trajetória.

Entre os grandes destaques está o espaço dedicado a “Orfeu da Conceição” (1956), peça teatral que inaugurou a parceria de Vinicius de Moraes com Tom Jobim. O núcleo apresenta croquis originais de figurinos de Lila Bôscoli e Carlos Scliar, cartazes de divulgação de Djanira, Scliar e Luiz Ventura, fotografias de José Medeiros registrando os ensaios da montagem e um desenho em alto-relevo de Oscar Niemeyer para o cenário do espetáculo, que estreou no Theatro Municipal do Rio de Janeiro. O público poderá conferir alguns instrumentos como o piano, utilizado em parcerias como a série “Os afro-sambas” (1966), com Baden Powell, também foi tocado por Tom Jobim durante ensaios da peça “A invasão” (1962), de Dias Gomes.

A mostra traz ainda obras inéditas, como gravuras e desenhos de Lasar Segall, Guignard, Di Cavalcanti, Carlos Leão, Oswaldo Goeldi, Augusto Rodrigues e Dorival Caymmi. Entre os destaques, está o quadro “Retrato de Vinicius de Moraes” (1938), de Cândido Portinari. As artes plásticas e visuais reafirmam a convivência de Vinicius de Moraes com grandes nomes de sua geração. Estão reunidas obras de Portinari, Guignard, Pancetti, Santa Rosa, Cícero Dias, Dorival Caymmi, Carybé e Carlos Scliar, artistas que foram amigos próximos do poeta.

“Vinicius de Moraes – por toda a minha vida” reafirma o legado do poeta como um dos grandes intérpretes do amor e da modernidade, cuja obra permanece viva e presente. Para além de sua produção literária e musical, a exposição evidencia o homem que viveu intensamente as transformações culturais e comportamentais de seu tempo, ajudando a moldar a sensibilidade brasileira.

 

No Museu Chácara do Céu.

16/out

“O Rio de Ciro: A Cidade em Xilogravuras” pelo olhar de Ciro Fernandes.

Retratando a cidade maravilhosa através da força da arte nordestina, o Museu Chácara do Céu, Santa Teresa, Rio de Janeiro, RJ, abre as portas para a exposição “O Rio de Ciro: A Cidade em Xilogravuras”, celebrando a trajetória do artista plástico Ciro Fernandes e a sua paixão pelo Rio de Janeiro. A exposição, que permanecerá em cartaz até 30 de janeiro de 2026, se dá por meio de 76 obras autorais que transitam entre a técnica milenar da xilogravura e demais estilos, como pinturas, calcogravuras, litogravuras e nanquim. Obras que dialogam com as narrativas populares do nordeste e revelam a versatilidade do xilogravador, pintor, ilustrador, escritor e luthier, Ciro Fernandes, em diferentes linguagens visuais

Durante o vernissage, no sábado, 18 de novembro, os convidados poderão desfrutar de uma apresentação do violonista e compositor Jean Charnaux, trazendo a sonoridade carioca em diálogo com a experiência visual de Ciro Fernandes, com direito a uma vista deslumbrante da cidade do Rio de Janeiro.

Distribuindo as obras em diferentes núcleos temáticos, a mostra inicia com “O Rio de Ciro: um Caso de Amor”, que retrata a chegada do artista ao Rio de Janeiro e sua paixão pela Cidade Maravilhosa, com obras que capturam o ciclo urbano e cotidiano dos cariocas. O núcleo seguinte da mostra, “Lapa e Seus Mistérios”, revela a atmosfera boêmia e cultural do bairro, destacando figuras icônicas como Madame Satã e eternizando a diversidade e a essência das ruas da cidade.

A exposição segue conectando às raízes nordestinas por meio dos núcleos “A Tradição Cordelista Chega à Cidade Maravilhosa”, que narra a forma como o artista retomou a xilogravura nos cordéis urbanos da capital; e “A Natureza Exuberante de Ciro” (Sala Imersiva), que transporta os visitantes para dentro de uma sala de vidro com obras do artista em formato de “lambe-lambes” e adesivos, permitindo que as obras dialoguem com a vista panorâmica do Rio de Janeiro. Integrando diferentes formatos, a exposição não se restringe apenas a xilogravura, podendo também ser apreciadas as pinturas em tinta acrílica sobre tela; calcogravuras e litogravuras; ilustrações; artes em nanquim; além de capas de cordéis, LPs, matérias de jornal e livros de grandes escritores ilustrados pelo artista. 

O público poderá se inspirar e imergir no cenário criativo de Ciro Fernandes, a partir da exibição de suas ferramentas de trabalho, como a prensa, materiais de entalhe e as matrizes de madeira das obras. Tais instrumentos auxiliaram a ditar as dimensões variadas das obras, sendo a menor com proporções de 28 x 32cm e a maior com 90 x 220cm. Como medida de democratização do acesso à cultura, a exposição contará com quatro oficinas programadas para crianças de escolas públicas da região de Santa Teresa. Usando gravuras de material reciclado (Tetrapack), os workshops trarão atividades lúdicas e culturais para as crianças, abordando a natureza do Rio de Janeiro e buscando a representação dos pássaros da cidade, à espelho do que inspira Ciro Fernandes.

“O Rio de Ciro: A Cidade em Xilogravuras” tem curadoria de Mariana Lannes, diretora de produção cultural e idealizadora de projetos artísticos, com atuação nacional em música, artes visuais, cultura popular e impacto social; além de Alessandro Zoe, fundador do escritório de gestão artística CRIVO, somando mais de 8 anos de experiência à frente de produções culturais em teatro, música e artes visuais

Sobre o artista.

Desde criança, Ciro Fernandes se encantou pelo desenho e pela arte, imerso na cultura dos cordéis e na tradição da xilogravura popular do sertão da Paraíba, desenvolvendo suas habilidades como gravurista. Ao longo da vida, o artista viveu em diferentes cidades do Brasil, como Natal e São Paulo, mas encontrou seu verdadeiro lar no Rio de Janeiro, onde se apaixonou pelas belezas da cidade, incluindo sua natureza exuberante, o Carnaval, as ruas do centro e da Lapa, e pelo efervescente movimento cultural do bairro. No auge dos 83 anos, Ciro Fernandes é um dos grandes nomes da cena artística brasileira, sendo considerado um patrimônio da xilogravura no país. 

 

A exposição, fica em cartaz até o dia 30 de janeiro de 2026

 

Jaime Laureano celebra a cultura afro-brasileira.

A Galeria Nara Roesler, Ipanema, apresenta “Eu estou aqui com toda a minha gente”, primeira exibição individual de Jaime Lauriano na galeria do Rio de Janeiro. Incluindo 12 trabalhos, em sua maioria inéditos, a mostra conta com texto crítico de Ademar Britto. O título da exposição é retirado da música  “A Força da Jurema”, gravada em 1973 pelo grupo Os Tincoãs, que remete à ideia de cura, aos orixás, e faz uma homenagem a Oxum. Durante a vigência da exposição, ao final do mês de novembro, ocorrerá também o lançamento da publicação Jaime Lauriano – Mapeamentos, primeira publicação dedicada ao artista, editada pela Nara Roesler Books e com textos de Tadeu Chiarelli, Keyna Eleison e Sylvia Monasterios. 

Uma das obras inéditas que fazem parte da exposição são quatro objetos da série Pencas, que consistem em esculturas de latão penduradas em couro com argolas também em latão. As esculturas inéditas têm a forma de sementes de jatobás, búzios, um ogó de Exu, sinos, agogôs, quartinhas, alguidar, canecas, pemba, cachimbo e cabaça, elementos da ritualística do candomblé e da umbanda, de modo a criar uma espécie de ofertório para a cultura afro-brasileira e a sua resistência ao longo da História do Brasil. Jaime Lauriano alude neste trabalho às joias crioulas dos séculos XVIII e XIX, consideradas um patrimônio da Bahia e da cultura afro-brasileira, que marcam a resistência negra contra o regime escravocrata, sendo uma das manifestações artísticas afrodescendentes mais antigas no país.

Os mapas, interesse recorrente na trajetória de Jaime Lauriano, estão presentes com a obra A new and accurate map of the world: democracia racial, êxodo, genocídio e invasão (2025), composta por dois desenhos realizados em pemba branca – giz branco usado em terreiros de candomblé – e lápis dermatográfico sobre algodão preto, medindo cada um 150 x 170 cm. Essa série criaria, a partir das ilustrações de mapas e cartas náuticas, uma das cenas mais emblemáticas da história recente da humanidade: as navegações e o “descobrimento do novo mundo”. Entretanto, diferentemente de sua versão original, com cores prontas para retratar a exuberância da região recém-explorada, Jaime Lauriano usa um rebaixamento visual, pautado pelo branco sobre preto, fazendo uma releitura dos primeiros esforços de representação do sistema de exploração da madeira e da mão de obra indígena, a primeira força de trabalho do que mais tarde seria consolidado como “país”. O artista contrapõe a representação idílica existente nos mapas antigos inscrevendo termos como invasão, etnocídio, democracia racial e apropriação cultural, retirados de livros que pautam a construção da História do Brasil.

A pintura Entradas em Minas Gerais (2025) faz parte da pesquisa que Jaime Lauriano desenvolve desde 2022, dedicada à revisão crítica de pinturas históricas que moldaram a memória oficial do país. Ao revisitar imagens acadêmicas produzidas entre o final do século XIX e o início do século XX, o artista percebeu que a colonização foi “consistentemente apresentada de forma idealizada, transformada em um gesto heroico e civilizador”, ao passo que “as presenças, resistências e experiências de violência afro-indígenas foram sistematicamente silenciadas”. “Meu interesse reside em questionar essa operação, desmantelar sua lógica celebratória e transformar a pintura histórica em um contramonumento: não mais um local de consagração, mas um campo de disputa, atrito e reflexão”, diz. Jaime Lauriano “esvazia” a pintura de seus personagens, deixando apenas a paisagem. Sobre essa superfície despovoada, ele aplica uma profusão de adesivos “que evocam tanto a violência colonial quanto a resistência afro-indígena”. Sobre a própria moldura, ele ainda instala figuras em miniatura que encenam uma batalha entre soldados coloniais e entidades da religiosidade afro-brasileira, como Zé Pilintra. “Desta forma, o passado não retorna como um mito pacificado, mas sim como um campo de conflito simbólico no qual a pintura se torna um território contestado”.

Outro conjunto inédito de obras, produzidas especialmente para a exposição, possui caráter intimista e é mostrado sob a claraboia do espaço expositivo. Intitulada o sobrado de mamãe é debaixo d’água, a série se originou a partir de uma fotografia que o artista fez da praia de Copacabana. Aqui, Jaime Lauriano retoma o gênero da paisagem, mas com uma abordagem inédita, em que se distancia da representação de conflitos que permeia suas obras anteriores. “O foco agora é a exploração das tensões visuais entre campos de cores, criadas a partir da utilização de materiais variados. O mar do Rio de Janeiro surge não apenas como cenário, mas como ponto de partida conceitual. A escolha de me debruçar sobre suas águas está ligada à estreia desta série na minha exposição individual na cidade, mas, sobretudo, à minha fascinação pela complexa história que as águas transatlânticas carregam. Elas são testemunhas de um passado de violência e sofrimento colonial, mas também são as rotas que trouxeram as ricas heranças africanas que, ao longo do tempo, moldaram profundamente a cultura e a identidade do Brasil”, conta. Jaime Lauriano afirma: “A série O sobrado de mamãe é debaixo d’água se posiciona, portanto, como uma celebração poética da resiliência e da riqueza da cultura afro-brasileira e de sua capacidade de florescer e resistir, transformando dor em história e luta.”

Até 20 de dezembro.

 

Homenagem com painel em mosaico.

Exposição Mosaico Getúlio Marinho, o Amor, celebra pioneiro da música afro-brasileira com painel de mosaicos na Pequena África.

O Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica apresenta até 15 de novembro, a exposição Mosaico Getúlio Marinho, o Amor, que apresenta ao público pela primeira vez o painel de ladrilhos em homenagem a Getúlio Marinho da Silva (1889-1964), conhecido como Amor, pioneiro na gravação de cânticos de religiões de matriz africana. A mostra, sob curadoria de Marco Antonio Teobaldo, marca um momento inédito: o painel criado pelos artistas John Souza e Natalia Reyes Najle, do Ateliê Cosmonauta Mosaicos, será exibido no espaço cultural antes de sua instalação permanente na região da Pequena África, território que compreende os bairros da Gamboa, Saúde e Santo Cristo.

Um pioneiro da resistência cultural

Getúlio Marinho entrou para a história da música brasileira em 1930, quando gravou ao lado de Mano Elói e acompanhado pelo Conjunto Africano os primeiros registros fonográficos de cânticos rituais afro-brasileiros pela gravadora Odeon. O disco Macumba (Ponto de Ogum) representou um ato de coragem e insurgência em plena era de perseguição sistemática às religiões de matriz africana, quando terreiros eram invadidos, atabaques apreendidos e praticantes criminalizados. Baiano radicado no Rio de Janeiro nas primeiras décadas do século XX, homem negro, músico e mestre-sala, Amor transformou o disco em território de liberdade e afirmação identitária, desafiando o projeto de apagamento sistemático das culturas negras no Brasil.

Memória e pertencimento

A escolha da Pequena África para instalação permanente do painel não é casual. Batizada pelo sambista Heitor dos Prazeres, essa região foi o coração pulsante da diáspora africana no Rio de Janeiro. Ali, onde funcionou o Cais do Valongo, onde a Pedra do Sal se tornou quilombo urbano e nasceu o samba carioca, a memória de Getúlio Marinho encontra seu lugar de pertencimento. A exposição vai além da celebração, propondo uma reflexão urgente sobre os silenciamentos históricos. O patrimônio construído por Getúlio Marinho é apresentado ao lado de matérias jornalísticas preconceituosas da época, publicadas durante as batidas policiais realizadas no mesmo período em que o compositor revolucionava a indústria fonográfica com seus cânticos de macumba.

Arte como reparação

A técnica do mosaico, com seus fragmentos cuidadosamente dispostos para formar uma imagem coesa, oferece uma metáfora perfeita para a própria trajetória de Getúlio Marinho. Cada ladrilho representa uma nota, um ponto cantado, uma memória que o trabalho paciente da pesquisa e da arte recompõe, devolvendo dignidade e visibilidade a quem sempre esteve presente, mas permaneceu invisibilizado pelas narrativas hegemônicas. “Esta exposição é um gesto de reparação simbólica e um compromisso com o futuro”, afirma o curador Marco Antonio Teobaldo. Ao instalar o painel na região onde existiam terreiros invadidos pela polícia, reafirmamos que a memória é campo de disputa e que o espaço público deve refletir a diversidade e a complexidade de nossa formação cultural.

 

Originais de Juarez Machado.

13/out

Juarez Machado é o artista que transforma a vida em cena. Entre pinceladas, cores e gestos, ele construiu uma das carreiras mais marcantes da arte brasileira, uma narrativa onde o cotidiano se torna espetáculo, e cada obra, um fragmento de história.

Artista de trânsito internacional, agora, parte dessa trajetória ganha vida na Galeria Dom Quixote, CasaShopping, Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, RJ, através da exposição “O Contador de Histórias”, reunindo mais de 80 obras originais.

Sobre o artista.

Juarez Machado nasceu em 1941 em Joinville, Santa Catarina. Pintor, escultor, desenhista, caricaturista, cenógrafo e escritor. Aos 14 anos, trabalhou em uma oficina gráfica, no setor de produções de rótulos de remédios, embalagens e cartazes para laboratórios. Aos 18 anos Juarez Machado, resolveu explorar outras cidades, indo para Curitiba onde matriculou-se na Escola de Música e Belas Artes do Paraná. Logo ao se formar, realizou sua primeira individual na Galeria Cocaco, dando início a sua carreira de contínuo sucesso. Em 1965, mudou-se para o Rio de Janeiro. Em 1978 mudou para Paris, onde fez seu terceiro ateliê, mas antes, visitou Nova York, Londres, Itália, Dinamarca, Chipre, Israel e Grécia onde tomou partido dos acontecimentos do universo artístico de cada região. Ganhou o prêmio da 5ª Bienal de Arte da Itália, prêmio Cenários em Televisão, prêmio “Barriga Verde” de Artes Plásticas de Santa Catarina, prêmio Nakamori, Japão, pelo melhor livro infantil, entre outros. Sua cidade natal (Joinville), deu-lhe o título de Cidadão Honorário em 1982, e o presidente da República concedeu-lhe a Ordem do Mérito de Rio Branco, em 1990. Divide suas atividades entre a França e o Brasil.

Até 16 de novembro.

 

Exposição individual de Ana Kemper.

09/out

A Galeria Mercedes Viegas, Jardim Botânico, Rio de Janeiro, RJ, anuncia a exposição “HIPERMAR”, da artista visual Ana Kemper. A curadoria é da pesquisadora, escritora e artista Eleonora Fabião, que também assina o texto crítico.

Em sua primeira individual na galeria, Ana Kemper traz uma série de fotografias inéditas e uma videoinstalação. Nas imagens, a artista mostra formas de vida aquáticas, botânicas e minerais. Segundo a curadora Eleonora Fabião, “são imagens-acontecimento que brotam quando a artista presta cuidadosa atenção e as coisas retribuem. São lumino-brotações.”

Ana Kemper, que transita entre diferentes linguagens, também atua como pesquisadora, médica acupunturista e fisioterapeuta com atuação transdisciplinar. Sua prática é fundamentada no cuidado interespécies, permeando seu trabalho artístico, clínico e sua pesquisa em ecologia.

“HIPERMAR” pode ser vista até 08 de novombro.

 

A grande aldeia cultural.

07/out

Encontro de escritores e artistas indígenas completa 20 anos e se torna um marco. O evento acontecerá no Museu de Arte do Rio e na Fundação Casa de Rui Barbosa com uma programação totalmente gratuita.

Completando 20 anos, o “Encontro de escritores e artistas indígenas” será realizado nos dias 15, 16 e 17 de outubro no Museu de Arte do Rio (MAR) e no dia 18 de outubro na Fundação Casa de Rui Barbosa. Idealizado pelo escritor e educador Daniel Munduruku, com a coordenação da professora de literatura da Universidade Federal Fluminense (UFF), Claudete Daflon, em parceria com a Coordenação de Pesquisa e Políticas Culturais do Museu Nacional dos Povos Indígenas (MNPI), o evento conta com a realização do Ministério da Cultura (MinC), por meio da Secretaria de Formação Artística e Cultural, Livro e Leitura (Sefli) e apoio da Fundação Casa de Rui Barbosa, com o apoio do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), por meio do Museu Nacional dos Povos Indígenas, órgão científico-cultural da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). A ação tem como ponto de partida o protagonismo indígena na área cultural. A programação inclui mesas de conversas, lançamentos de livros, roda de poesia, apresentações musicais, oficinas de ilustração e atividades para crianças, tudo de graça e aberto ao público. 

“Ao completar seu 20º Encontro, queremos celebrar os muitos avanços que foram acontecendo na sociedade brasileira, o aumento numérico de escritores e artistas indígenas, a abertura do mercado editorial e livreiro, as políticas públicas que se desenvolveram a partir desse feito, os prêmios e reconhecimentos recebidos pelos autores e autoras, o virtuoso aumento de publicações universitárias trazendo a literatura como objeto de pesquisa, o ingresso do primeiro escritor indígena na academia brasileira de letras, entre outras tantas conquistas”, afirma Daniel Munduruku. 

A edição deste ano acontece ampliada, com mais participantes, e inclui atividades educativas voltadas para a formação de professores. Essa grande aldeia cultural contará com personalidades indígenas de destaque, como Gustavo Caboco, artista plástico e criador do Selo Editorial Picada; Fernanda Kaingang, advogada, escritora, arte educadora e doutora pela Universidade de Leiden-Holanda; Ademário Payayá, dramaturgo e escritor; Jaime Diakara, professor, escritor e ilustrador; Eva Potiguara, escritora; Moara Tupinambá, poeta e artista plástica; Uziel Guayné, artista plástico e escritor do Povo Maraguá/AM, as lideranças indígenas Marcos Terena, Catarina Tupi Guarani e Darlene Taukane, entre muitos outros. Na abertura oficial do evento, haverá a conferência “Vozes Ancestrais: O tênue fio entre literatura e oralidade”, com Daniel Munduruku, curador do evento, escritor, educador e fundador do Selo Uka Editoria. 

 

Pela regeneração urbana.

06/out

O Consulado Geral da Itália Rio de Janeiro inaugura dois projetos em outubro: Programa da Prefeitura do Rio de Janeiro, “Reviver o Centro”, e a mostra “Cidades em Cena”, que entra em cartaz no Polo Cultural ItaliaNoRio, abertos ao público gratuitamente.

Tendo como elo de ligação a regeneração urbana, o Polo Cultural ItaliaNoRio abriga nova exposição e a Praça Itália reinaugura após longo período de revitalização. Ambos poderão ser visitados a partir do dia 12 de outubro, gratuitamente. No primeiro, a mostra “Cidades em Cena” valoriza as melhores práticas italianas de regeneração urbana, promovendo as competências e tecnologias ligadas ao desenho de espaços urbanos, à construção e à habitação, desenvolvidas por administrações públicas, empresas e projetistas italianos.

Na segunda, o projeto de requalificação, desenvolvido pelo renomado escritório italiano de arquitetura ARCHEA e aprovado pela Prefeitura de Rio de Janeiro, transforma completamente a praça. A proposta se inspirou em praças contemporâneas italianas, com foco em sustentabilidade e soluções tecnológicas inteligentes e se insere no contexto do programa de revitalização do Centro da Prefeitura do Rio, “Reviver o Centro”.

A mostra tem um duplo objetivo: de um lado, apresentar a extraordinária vitalidade criativa e construtiva existente na Itália, que está transformando as cidades de norte a sul; e de outro, ilustrar, através de exemplos significativos, a variedade de soluções adotadas, testemunhando as amplas e difundidas competências conceptuais, projetuais, tecnológicas e construtivas que se desenvolveram recentemente no país, convertendo-se em uma das mais relevantes expressões do Made in Italy. A partir de 2023, mais de 130 projetos de reabilitação urbanística foram reunidos pelo Festival Città in Scena. Desde a edição de 2024, o Festival conta também com a colaboração da Farnesina, que enriqueceu o evento com novas conexões internacionais, incluindo cidades do Mediterrâneo como Tirana, Tunes, Petrinja e Zagreb.

Um elemento significativo da praça é o busto da imperatriz Teresa Cristina, carinhosamente chamada “Mamma dos Brasileiros”, símbolo do vínculo histórico entre Itália e Brasil. O busto original, em bronze, foi inaugurado em 2008 como homenagem à comunidade italiana, mas em janeiro de 2019 foi furtado integralmente. Para celebrar os 200 anos do nascimento de Teresa Cristina, em 14 de março de 2022 foi criado um novo busto pelo artista ítalo-brasileiro Gianguido Bonfanti, doado pelo Consulado. A nova escultura em bronze com detalhes em aço retrata a imperatriz com o traje da época do Império do Brasil.

Até 29 de novembro.