Fulgor na Noite

08/nov

A Galeria de Arte Mamute, Centro Histórico, Porto Alegre, RS, promove a abertura da exposição “Fulgor na Noite”, da artista representada Camila Elis, dia 10 de novembro, 19h. Com a curadoria de Mario Gioia essa mostra reúne um conjunto de obras inéditas em pintura sobre tela, e integra até 30 de dezembro o roteiro de exibições da Bienal do Mercosul 2022, no projeto Portas para a Arte.

 

Texto curatorial de Mario Gioia

Em paredes, pisos, vazios, enquadramentos, extracampos, curvaturas, superfícies, traços, texturas e proposições de Fulgor na noite, segunda individual de Camila Elis na Galeria de Arte Mamute, diversos eixos poéticos se coadunam num corpus de obra provocativo e inquieto. Numa investigação que não cessa, ela não se esquiva de embates próprios do fazer diário de ateliê e, ao mesmo tempo, passeia por fantasmagorias e temporalidades, se aproxima dos âmbitos da cosmologia e do fenomenológico, forjando uma bem amalgamada reunião de conceito e matéria a explorar o campo ampliado e contemporâneo da pintura.

“O meu trabalho poético gira em torno das tensões entre corpo, imagem e fantasia. Acredito que, como me utilizo de signos abstratos para tanto, essas relações se dão de maneira rápida e direta. Quero dizer, quando alguém encontra um trabalho meu (e agora descrevo em função de relatos) vê, sente, traduz e simboliza em pouco tempo. Isso se dá por conta do meu interesse maior em sensações físicas, táteis. Utilizo, além dos sonhos, de temas fundamentados em romances e mitologia grega para produzir coisas muito simples, mas muito diretas no espaço” (1), sintetiza a artista acerca do recorte apresentado neste final de 2022.

Fulgor na noite é formada apenas por pinturas, um dado importante na trajetória da artista gaúcha, que desenvolve uma faceta gráfica na produção bem relevante. O conjunto de 14 Sleeping pills, telas em escala mais reduzida – a maioria, seis, de 50 cm x 50 cm -, vem acrescido de cinco recentes peças de maior tamanho. Parte fulcral da exibição de agora se fundamenta em Veladuras, inspirada dissertação de mestrado da artista para a ECA-USP (Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo).

Nas conversas com Camila, por e-mail, o título da mostra foi sugerido pelo autor por conta da leitura havia pouco de Relâmpagos, coletânea de críticas de Ferreira Gullar (1930-2016). Nela, Goeldi: Fulgor na noite, lançava conexões não tão óbvias do texto sobre o grande mestre do expressionismo e da xilogravura no Brasil e o recorte atualíssimo da artista emergente. “A cor que costuma ser festa, alegria, seria uma ameaça à voz dramática (de contrabaixo) das gravuras de Goeldi. Mas ele, com mão de mestre, doma-a, dá-lhe raiz em sua linguagem noturna e a faz ali brotar poderosa e verdadeira”(2), escreve Gullar. Na edição, Céu vermelho (1950) ilustra o texto sobre Goeldi (1895-1961).

Na discreta série das 14 pinturas de Camila, há pulsões nada olvidáveis de cor em meio ao negror. Surgem laranjas e avermelhados robustos e assertivos, porém não explosivos. São como existências que não querem sucumbir e que lançam um brilho vital, que não é parco, e, no entanto, não é ostensivo. Quase que como resistências em um ambiente que pode não ser favorável. Resiliências que se revelam pouco a pouco estratégias essenciais para tal matéria.

“O processo de elaboração destes trabalhos é trazer a temática da materialidade, conferindo a cada uma qualidades específicas. Porque, sempre a partir da mancha, começava a pensar as formas com a cor, criando luz dentro da escuridão. São todas fragmentos de movimentos, de sensações, de coisas com dimensões internas e oníricas, inventariadas na memória”(3), relata a artista sobre o conjunto em sua dissertação. “Para além de serem exercícios de cor e de luz, tornam-se exercícios de fantasia.  14 Sleeping pills concernem o sono, o sonho também.”(4) Camila também conta a influência da vista ao vivo da obra-prima A morte de Sardanapalo (1844), de Delacroix (1798-1863), e é evidente na tela do romântico o duo desfoque/vibração, habilmente lidado hoje por ela – é bom frisar que, para Camila, viver e estudar em 2016 no Reino Unido pôde gerar repertório importante em sua formação. Também deve se comentar que Da alma, e as coisas suspensas, individual da artista no mesmo espaço, em 2019, tinha lastro em mitologia grega e na Renascença, a partir da história de Psiquê e Eros retratada nos afrescos de Rafael realizados na Villa Farnesina, em Roma, nos anos de 1517-18.

Já a configuração dos trabalhos mais atuais apresentados em Fulgor na noite poderia ganhar o título de Pinturas moles pela autora. Formalmente se ligam a quadros já vistos em momentos anteriores expositivos dela. Reflexo da aurora e O úmido medem 150 cm x 140 cm. Calor lunar e O macio são de 137 cm x 150 cm. E 4 horas da madrugada tem 95 cm x 80 cm. Exceto o último, são óleo e carvão mineral sobre linho (Em 4 horas…, não é utilizado carvão). Nos três citados inicialmente, há destacada presença daquele laranja-avermelhado citado. Ao lado de O macio, que se mostra já no próprio título, podem ser encarados como peças solares, otimistas. “Mole é uma matéria que tem corpo e por isso pesa”(5), salienta Camila sobre as novas telas.

Assim, a artista acredita que conseguiu ir em direção de uma mais nítida divisão entre desenho e pintura, além de articular mais uma poética da encenação e do drama junto de explorações sobre corpo, matéria e olhar. Nessa perspectiva entre, híbrida e multifacetada, tal pictórico mais flexível e permeável pode ficar perto de visadas e investigações tão nacionais como a levantada pelo neoconcretismo, da série Obra mole, de Lygia Clark (1920-1988), dos anos 1960 iniciais, por exemplo. Ou seja, essa fragilização da racionalidade do concreto, esse tipo de geometria sensível, brilhantemente desenvolvida por grandes nomes da arte brasileira, provoca ecos não literais sobre pensamentos e práticas dos artistas do agora, que são atravessados e contaminados por contextos atuais críticos.

No caso de Camila, o isolamento deflagrado pela pandemia, a virtualidade das relações humanas, a superficialidade, o esvaziamento e o franco combate ao debate público mais racional, entre variadas chagas novíssimas, disparam procedimentos e situações outros na produção, mesmo que ainda difíceis de se determinar com exatidão. “Sempre utilizei memória para pintar e desenhar, mesmo antes da pandemia. A diferença é que, durante este período, a memória crescentemente parecia ser o que nos restava”(¨6), conta a artista.

E é gratificante perceber no conjunto de Fulgor na noite exemplos plástico-visuais que fogem de uma interpretação linear, estanque e lógica. 4 horas da madrugada abriga algo do matérico palpável em 14 Sleeping pills, se vale do basilar óleo sobre linho e é um objeto que não tem óbvia leitura. Distancia-se e, num mesmo golpe, pode coexistir com as Pinturas moles do mesmo período. Atesta a liberdade persistente da práxis de Camila Elis, que consegue ler Cy Twombly, Luc Tuymans, Daria Martin, Merleau-Ponty e uma certa melancolia da pintura do Sul, em tempos que incensam solipsismos vazios e encenações cotidianas desprovidas de razão. Não é pouco.

 

Mario Gioia – Curador e crítico de arte

 

Entrevista da artista para o autor, via e-mail, outubro de 2022.

Gullar, Ferreira. Relâmpagos – Dizer o ver. São Paulo, Cosac Naify, 2003, p. 120

Schneider, Camila Elis. Veladuras: Notas sobre a prática em pintura e desenho. Dissertação de mestrado – Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo. São Paulo, p. 95, 2022.

Schneider, Camila Elis. Op. cit., p. 95.

Entrevista da artista para o autor, via e-mail, outubro de 2022.

Schneider, Camila Elis. Op. cit., p. 25.

 

 

 

Primeira individual no Rio

 

Nara Roesler, Ipanema, Rio de Janeiro, RJ, apresenta a partir de 10 de novembro, a exposição “Depois que entra ninguém sai”, com obras recentes do artista Thiago Barbalho, que faz sua primeira individual no Rio de Janeiro. Até 28 de janeiro de 2023. Com curadoria de Raphael Fonseca, a mostra reúne desenhos sobre papel em grande formato e sobre tela, e ainda a escultura “Gônadas” (2022), com cerca de 2 metros de altura, feita em isopor estrutural, fibra de vidro, impressão 3D, resina cristal, pigmento e pintura automotiva. Na abertura da exposição, o artista fará uma visita guiada às 19h.

Thiago Barbalho tem despontado no cenário nacional e internacional – fez uma individual em 2018, no Kupfer Project Space, em Londres – com seus desenhos em grandes folhas de papel completamente cobertas por intrincadas formas, feitas com lápis de cor, grafite, pastel, caneta esferográfica, marcador permanente, acrílica, tinta óleo, bastão oleoso, spray e resina. A trama de suas histórias é composta pelo olhar do público. No final do ano passado a Pinacoteca do Estado de São Paulo adquiriu uma obra sua, e também no circuito internacional o artista tem sido reconhecido: ele foi o único artista brasileiro a integrar o compêndio de desenho contemporâneo “Vitamin D3 – Today Best in Contemporary Drawing” (Phaidon, 2021), um conceituado indicador das futuras estrelas da arte.

“Depois que entra ninguém sai” mostra o resultado da pesquisa desenvolvida por Thiago Barbalho nos últimos dois anos, em que dá prosseguimento ao seu interesse pelas relações entre desenho, pintura e cor, em trabalhos que se caracterizam pelo horror vacuum – horror ao vazio – conceito que atravessa a história da humanidade, percorrendo filosofia, arte, religião e até psicanálise. Thiago Barbalho nos convida a contemplar imagens cheias de detalhes. “Sobre as superfícies de diferentes folhas de papel, ele cria aglutinações de situações, figuras, manchas e traços que se acoplam umas às outras. Vistas de longe, essas imagens se destacam pela presença vibrante da cor, ao passo que, vistas de perto, são como uma trama onde prazer, humor, violência e nonsense se irmanam na justaposição de imagens ricas em possíveis interpretações”, escreve o curador Raphael Fonseca no texto que acompanha a mostra.

 

Desenhos sobre tela

Esse período mais recente da produção de Thiago Barbalho é marcado pela sua mudança de São Paulo – cidade em que viveu por uma década após deixar Natal, em 2010 – para o interior do estado, onde está em maior contato com a natureza. É nesse momento que surgem os desenhos em tela que compõem a exposição. Apesar do suporte, esses trabalhos não são pinturas. Thiago Barbalho segue utilizando os mesmos materiais empregados nas obras sobre papel, por vezes acrescentando à tela tecido tingido com pigmento natural. Significativamente menores do que estes últimos, os trabalhos sobre tela mantêm a noção de intimidade do gesto de desenhar.

Ainda sobre este conjunto de desenhos, Raphael Fonseca afirma: “Vemos figuras individuais que, por meio de formas orgânicas e um expressivo uso da cor, se apresentam como retratos ou estudos anatômicos de seres fantásticos. Como em toda a sua pesquisa, os limites fictícios entre figuração e abstração, representação e exploração formal se bagunçam e se plasmam em uma coisa só”.

 

Escultura

“Gônadas”, uma escultura inédita coberta por desenhos, é um desdobramento de “Leite derramado”, obra que o artista expôs em “Rocambole”, exposição coletiva em que suas obras estavam em diálogo com as das artistas Yuli Yamagata e Flora Rebollo, e que foi apresentada em duas ocasiões: em São Paulo, em 2018, e em Lisboa, em 2019. Nesta escultura, Thiago Barbalho experimenta as possibilidades de construção sobre um espaço tridimensional cuja topografia é oposta àquela da planaridade do papel.

A exposição “Depois que entra ninguém sai” é um convite ao público para entrar em contato com o universo visual de Thiago Barbalho. Para Raphael Fonseca, o próprio título da mostra é uma metáfora não apenas do processo de criação do artista, mas também para sua recepção. “Depois que o artista insere algumas formas sobre a amálgama de elementos de suas composições, lá estão elas se relacionando com outros elementos e abertas para o deleite de nossos olhos. De forma semelhante, depois que nosso olhar e corpo adentram o universo proposto por Thiago Barbalho, fica difícil nos esquecermos dele.”

 

Sobre o artista

Thiago Barbalho nasceu em 1984, em Natal, e vive e trabalha em São Roque, São Paulo. Escritor e artista visual, Thiago Barbalho encontrou no desenho um modo de expressão que suplantou uma crise com a palavra. Trabalhando em diferentes dimensões e com diversos materiais – lápis de cor, grafite, spray, óleo, pastel oleoso e marcador sobre papel – suas composições trazem aos olhos do público universos intrincados, em que formas e cores se entrelaçam e embaralham em narrativas psicodélicas capazes de abolir a relação entre figura e fundo. Thiago Barbalho entende o desenho como uma tecnologia ancestral, que atravessa eras e culturas. Sua pesquisa visual vê no desenho o rastro de uma presença e da relação entre a mente – a imaginação -, e o corpo – o gesto -, entre a consciência e a realidade.

Para a crítica e curadora Kiki Mazzuccheli: “Ao trabalhar essencialmente com desenho, Barbalho produz composições extremamente intricadas, porém não planejadas, nas quais uma multiplicidade de imagens, símbolos e campos de cor se fundem umas nas outras para criar superfícies vibrantes ininterruptas”. O aparente caos de suas imagens surge do vagar do gesto que traceja, recusando a submeter-se às lógicas formais ditadas pela racionalidade. De fato, deparamo-nos em seu trabalho com fragmentos diversos, uma profusão de referências de diferentes esferas, conjugando cultura popular nordestina, personagens de desenhos animados, assim como signos e símbolos advindos do universo do comércio e da cultura de massa. Somadas às leituras e pesquisas de Barbalho no campo da filosofia, da antropologia e da mística a partir de seu interesse pelas relações entre matéria e pensamento, seus desenhos instauram um universo visual cuja maior constante é a própria revolução. Dentre suas principais exposições individuais destacam-se: “Correspondência” (2019), na Galeria Marília Razuk, em São Paulo; e “Thiago Barbalho” (2018), no Kupfer Project Space em Londres. Suas principais coletivas recentes incluem: “Electric Dreams” (2021), na Nara Roesler Rio de Janeiro; “AVAF” (2018), na Casa Triângulo, em São Paulo; “Rocambole” (2018), no Pivô, em São Paulo, e na Kunsthalle Lissabon (2019), em Lisboa; “Voyage” (2017), na Galeria Bergamin; Gomide São Paulo; Shadows & Monsters (2017), no Gasworks, em Londres. Suas obras integram coleções como a da Pinacoteca do Estado de São Paulo, São Paulo, Brasil.

 

Sobre Nara Roesler

Nara Roesler é uma das principais galerias brasileiras de arte contemporânea, representando artistas brasileiros e internacionais fundamentais, que iniciaram suas carreiras na década de 1950, bem como artistas consolidados e emergentes cujas produções dialogam com as correntes apresentadas por essas figuras históricas. Fundada por Nara Roesler em 1989, a galeria tem consistentemente fomentado a prática curatorial, sem deixar de lado a mais elevada qualidade da produção artística apresentada. Isso tem sido ativamente colocado em prática por meio de um programa de exposições criterioso, criado em estreita colaboração com seus artistas; a implantação e estímulo do Roesler Curatorial Project, plataforma de iniciativas curatoriais; assim como o contínuo apoio aos artistas em mostras para além dos espaços da galeria, trabalhando com instituições e curadores. Em 2012, a galeria ampliou sua sede em São Paulo; em 2014 expandiu para o Rio de Janeiro e, em 2015, inaugurou um espaço em Nova York, dando continuidade à sua missão de oferecer a melhor plataforma para seus artistas apresentarem seus trabalhos.

 

 

Galeria de Arte Ibeu reabertura pós-pandemia

Foi um longo período de espera para Mario Camargo, que teve a individual adiada quando a crise pandêmica impôs suas normas, fazendo com que os estabelecimentos fechassem as portas ao público. Dois anos depois, o artista irá inaugurar a primeira exposição inédita da Galeria de Arte Ibeu, Jardim Botânico, Rio de Janeiro, RJ, desde o início da pandemia: “No Campo das Beterrabas” que abre no dia 09 de novembro, às 17h, sob curadoria de Cesar Kiraly. Na ocasião, o Coral do Ibeu, apresentará algumas canções de seu repertório, às 19h.

 

Os trabalhos surgem como peles nas paredes, sustentadas por agulhas.

Em cerca de dez obras apresentadas, a tinta será a substituída pela costura industrial. Movimentos de encolhimentos e franzidos surgirão e substituirão a cor, de forma pictórica, deixando à mostra uma infinidade de buracos e rasgos, tais como arados, representados pelas costuras industriais, onde só faltam as sementes germinarem para revelar, futuramente as cores.

“São tantos os caminhos para esta germinação que quase perdermos o fôlego. A cor não é mobilizada na lógica dos pigmentos, mas do tingimento; a integridade da costura é a protagonista até o último momento. A despeito de todos esforços, a coloração não se sobrepõe à poética do acidente costurado e a abstração se pratica impura, provocando a imaginação a descobrir alternativas”, revela o artista.

Como quase todas as crianças, Mario Camargo demonstrou, desde sempre, interesse pelo desenho. Por convite de uma amiga pintora, fez sua primeira exposição e nunca mais parou. Esther Emílio Carlos, crítica de arte do Ibeu, se apaixonou pelo seu trabalho e abriu várias portas: ele chegou a expor em Santiago do Chile e depois em Paris. Quando participou da feira de arte MAC 2000, em Paris, foi o único brasileiro presente entre 100 artistas franceses. Chamou atenção neste evento sua forma de pintar, executada diretamente no chão, ao sol, usando tinta acrílica líquida. Mario interrompia a secagem com jato d’água e, neste processo de busca quase arqueológica, criava suas obras. Na ocasião, Pierre Restany, crítico de arte francês, profetizou: “você abandonará os chassis e sua pintura se tornará a pele das paredes”. Durante anos o artista conviveu com estas palavras, que se tornaram realidade há pouco tempo.

 

  A palavra do curador

“Não são telas, não há molduras, nem esculturas, são entomologicamente presas por agulhas às paredes, há como ver que as partes das quais são feitas oscilam em origem, mais chegam à mão do artista do que o contrário, as costuras pouco têm de sutura, nem sempre o que costuram precisa ser costurado, apesar da feminilidade da linha e agulha, trata-se do uso não funcional da indústria e do trabalho, mais do que o carinho com o pano da roupa. Se o mundo não se tornar apenas um campo de beterrabas, arruinando a poética, é de tal endereçamento indeterminado que nasce sua beleza, porque é preciso sentir, na obra, as topografias sendo contornadas, aceitas, até certo ponto, o estabelecimento de sequências harmônicas que, depois, interrompidas, são retomadas, como numa frase cheia de apostos. Os tubérculos brotam, outras imagens germinam junto, concorrentes, mas elas não são arbitrárias, habitam o contexto, como ervas daninha. É um sonho, sim, no qual as acepções vizinhas tornam as demais fascinantes, não se esquivando delas”.

Cesar Kiraly é curador da Galeria de Arte Ibeu desde 2015, além de professor de Estética e Teoria Política da UFF.

 

Até 22 de dezembro.

 

 

Instalação no Museu Histórico Nacional

Mostra inédita – até 29 de janeiro de 2023 – no Museu Histórico Nacional, Centro, Rio de Janeiro, RJ, contará a História do Brasil a partir de uma instalação olfativa da artista multimídia Josely Carvalho contando ainda com uma caminhada olfativa com a artista nos dias 12 de novembro de 2022 e 28 de janeiro de 2023, às 15h.

A exposição “Entre os cheiros da história”, é uma instalação olfativa da premiada artista paulistana Josely Carvalho, que há mais de 40 anos se divide entre Nova York, onde mora e trabalha, e Rio de Janeiro, onde mantém ateliê. Criada especialmente para este local, a exposição pretende contar a história através dos cheiros, das sensações e lembranças que os odores nos remetem.

Invisível aos olhos, a instalação será feita em canhões datados entre os séculos XVI e XX. “Ao explorar o olfato, a artista transforma a boca do canhão em túnel do tempo. A arte de cheirar conduz, então, a histórias sensíveis do Brasil”, afirma o professor de história da UFF, Paulo Knauss, no texto que acompanha a exposição.

Pioneira na utilização de cheiros em obras de arte no Brasil, Josely Carvalho utiliza o olfato em suas obras desde a década de 1980, como um “resgate da memória”, mas esta será a primeira vez que a artista fará uma instalação totalmente olfativa, que terá sua visualidade emprestada da coleção histórica de canhões do museu. “É uma obra não para ser vista, mas sentida, que aborda o resgate da memória histórica, transitando pelo espaço-tempo e adentrando os túneis dos canhões, que armazenam vestígios dos poderes econômicos, bélicos, políticos e sexuais, vivenciados ainda hoje com intensidade”, afirma Josely Carvalho, que ressalta que olfato tem sido pouco inserido na arte contemporânea, que privilegia os sentidos da visão e da audição.

A exposição tem patrocínio da Granado,  por meio da Lei de Incentivo à Cultura da Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa do Rio de Janeiro; e apoio da Givaudan do Brasil e Ananse. A produção é do Estúdio Sauá e a realização é do Museu Histórico Nacional.

 

Canhões e Cheiros

Em 20 dos 46 canhões do pátio do museu, a artista introduzirá cápsulas com 15 cheiros criados por ela em parceria com a Givaudan do Brasil, especialmente para esta mostra: da ausência à persistência; do medo à ilusão; do mar à invasão. Para o canhão mais antigo do museu, datado do século XVI e pelo qual os historiadores tem um grande apreço, a artista criou o cheiro “Afeto”, com uma fragrância agradável, com notas adocicadas, que lembram momentos familiares e de infância. Para os canhões que participaram de guerras, o cheiro “medo”, que traz um odor salgado, de transpiração e urina. O canhão da época de Getúlio Vargas, que foi feito com tubo de esgoto, ganhou o cheiro da árvore Abricó de Macaco, que tem lindas e perfumadas flores, mas, o seu fruto denominado “bola de canhão” ao cair no chão, exala um odor que é pútrido. Para o canhão que participou da sangrenta Guerra do Paraguai, conhecido como El Cristiano, que foi fundido a partir de sinos de igreja, foi criado o cheiro “Incenso”, que traz reminiscências da colonização religiosa. Junto a este canhão, haverá o som de um sino tocando de tempos em tempos. Para falar sobre questões ambientais, alguns canhões ganharam o cheiro “Oceano”, que traz a brisa do mar, e “Mata”, com cheiro de terra molhada, e assim por diante. Josely Carvalho sempre debateu questões do feminino em sua obra, mas, pela primeira vez, está usando o masculino para falar sobre o feminino, trazendo à tona questões sexuais e de poder. “Seu interesse pelos canhões tem justamente a intenção de colocar em questão as leituras da história dominadas pelo ponto de vista masculino. Os canhões de época de fina escultura e rica metalurgia são monumentos que celebram os feitos militares de homens guerreiros, mas ofuscam a lembrança da violência e do que ocorre com mulheres e crianças na guerra”, afirma Paulo Knauss. “Pensei em como lidar com esse poder sexual, masculino, militar, econômico, das guerras, que foram e ainda são predominantemente masculinas. O cheiro é o feminino; é a poesia, e eu me sinto o cheiro penetrando nos canhões em busca das memórias vividas, porém, esquecidas nas paredes internas destas formas fálicas”, ressalta Josely. Em cada canhão onde a artista introduziu cheiros, um QR Code levará o público à história daquela peça e também ao nome do cheiro criado, às fragrâncias contidas nele e à relação do cheiro com aquela história. Uma história que vem desde a época da fundição de cada canhão, mas é atualizada pela artista para os dias de hoje, refletindo como questões do passado ainda reverberam nos dias atuais.

 

Sobre a artista

A paulistana Josely Carvalho apresenta, desde a década de 1960, a mulher como protagonista de sua obra. Suas pesquisas ligadas ao olfato datam dos anos 1980. Há 13 anos iniciou, com o apoio da Givaudan do Brasil, a criação de cheiros conceituais. Nos quatro últimos anos, apresentou exposições com essa abordagem nos museus de Arte Contemporânea da USP, Nacional de Belas Artes, no Rio, no centro Harvestworks, em Nova York e na Olfactory Art Keller Gallery, também em Nova York. Nos últimos anos, além dos cheiros, também utilizou vidro soprado em suas obras de arte. Como um desdobramento desta pesquisa, na atual exposição no Museu Histórico Nacional, encapsula os cheiros nos canhões. Além da exposição “Entre os cheiros da história”, este ano também participa da coletiva “The Difference we’ve Made: New Work by Women Artists of the 70s”, de outubro a novembro, na Carter Burden Gallery em Nova York, e “Art for the Future: Artists Call and Central American Solidarities ”, de setembro a dezembro na University of New Mexico Art Museum, no Novo México, EUA, e de fevereiro a agosto de 2023, no DePaul Art Museum, em Chicago, EUA. Este ano recebeu o prêmio trianual Lee Krasner Award for Life Achievement, da Pollock Krasner Foundation, onde foi a única brasileira contemplada até hoje. Em 2019, recebeu na Holanda o prêmio internacional Art and Olfaction Sadakichi Award na categoria Obra Olfativa Experimental, com cheiros desenvolvidos para a obra Teto de Vidro com a colaboração de Leandro Petit, perfumista da Givaudan do Brasil com quem tem trabalhado nos últimos anos.

 

 

 

O imaginário de Chico da Silva

04/nov

 

O Museu de Arte Sacra de São Paulo – MAS/SP, instituição da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo, apresenta até 08 de janeiro de 2023 a exposição “Chico da Silva: Conexão Sagrada, Visão Global“, sob curadoria de Simon Watson com, aproximadamente 61 pinturas que perpassam seus temas recorrentes da visão do imaginário do artista como peixes e pássaros fantásticos além de criaturas míticas e dragões, já caracterizadas como “visões vívidas e alucinatórias, enraizadas nas cosmologias amazônicas e que vão desde figuras folclóricas e espirituais até plantas e animais antropomórficos.” Com estilo incomparável, as obras de Chico da Silva, “representado por criaturas em ambientes naturais luminosos, são conhecidas por trazer uma conexão entre o sagrado e o natural”, diz o curador.

Francisco da Silva (1910-1985), conhecido como Chico da Silva, foi um artista brasileiro de ascendência indígena. No final da adolescência deixou sua casa no Acre, na região amazônica, e mudou-se para Fortaleza (CE), onde morou o resto da vida. Desde cedo, Chico pintava criaturas fantásticas nas paredes das casas dos pescadores. Foi na década de 1940 que o crítico de arte suíço Jean-Pierre Chabloz conheceu sua obra visionária no Brasil; e foi Chabloz, vindo de uma Europa devastada pela guerra, quem primeiro introduziu Chico à pintura e ao papel. O crítico saudou as pinturas de Chico da Silva como pura manifestação da arte visual brasileira e, posteriormente, tornou-se um defensor das obras do artista. A vida de Chico da Silva foi uma complexa gangorra entre a fama internacional – celebrado na Bienal de Veneza de 1966 e além de inúmeras exposições pelo Brasil e pela Europa – e as lutas contra o alcoolismo e a instabilidade mental, que em certo momento exigiram uma longa internação. Em seus últimos anos, Chico da Silva viveu na fronteira dos sem-teto. Morreu em 1985, aos 75 anos, e nos anos seguintes à sua morte o reconhecimento de sua importante produção artística caiu na obscuridade.

Uma das características das obras de Chico da Silva é a de que seus desenhos e pinturas surgem de forma espontânea, no momento de sua criação, como involuntários impulsos de sua imaginação. O artista não teve de maneira formal nenhuma influência de outros estilos, muito menos de escolas de pintura. Seus traços, que no início eram feitos a carvão, impressionavam pela riqueza de detalhes e abstração. Eram dragões, peixes voadores, sereias, figuras ameaçadoras e de grande densidade e formas. Pintor de lendas, folclore nacional, cotidiano e seres fantásticos. “Por muito tempo suas pinturas foram depreciadas e tidas como arte popular simplória. No entanto, os tempos mudaram e, nos últimos anos, após uma pandemia global e o aumento da conscientização sobre a depredação do meio ambiente, as criaturas visionárias do universo fantástico de Chico da Silva nos revelam o poder absoluto e a maravilha de nosso planeta. – tanto a sua fauna como a sua flora”, define Simon Watson.

“Conexão Sagrada, uma Visão Global” exibe o imaginário de Chico da Silva com criaturas quiméricas que muitas vezes aparecem se devorando ou em posição de combate. “Este é um universo composto por cenas que mesclam fábulas e cosmologias populares amazônicas do norte e nordeste do Brasil, representando um pleno florescimento do traço sofisticado e das cores vibrantes usadas pelo artista, que remetem ao espírito interior das criaturas retratadas e de nós mesmos, espectadores humanos”, diz Watson. A galeria de entrada do museu traz uma instalação em estilo de salão, uma “piscina” das pinturas de peixes do artista, sugerindo uma imersão em um aquário. Em seguida, no espaço expositivo as telas encontram-se divididas em dois temas: uma de criaturas míticas e outra de pássaros e outras criaturas aladas.

“No contexto de crise global, de devastação do planeta e o distanciamento emocional das almas humanas, anestesiadas por distrações digitais, o público de hoje anseia por uma arte visionária que os ajude a lembrar da vitalidade do mundo natural que sustenta nossas vidas. A exposição “Chico da Silva: Conexão Sagrada, Visão Global” incluirá um catálogo online de ensaios acadêmicos a ser publicado no início de janeiro de 2023.”  Simon Watson

 

Projeto “LUZ Contemporânea”

“LUZ Contemporânea” é um programa de exposições de arte contemporânea que se desdobra em eventos e ações culturais diversas, públicas e privadas. Desenvolvido pelo curador Simon Watson, o projeto, atualmente, encontra-se baseado no Museu de Arte Sacra de São Paulo. Nesse espaço, “LUZ Contemporânea” apresenta exposições temáticas de artistas convidados, de modo a estabelecer diálogos conceituais e materiais com obras do acervo histórico da instituição. Embora fortemente focada no cenário artístico brasileiro atual, “LUZ Contemporânea” está comprometida com uma variedade de práticas, cultivando parcerias com artistas performáticos e organizações que produzem eventos de arte.

 

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 Verger por Maureen Bisilliat       

 

A Galeria Marcelo Guarnieri, Jardins, São Paulo, SP, apresenta, entre 19 de novembro e 28 de janeiro de 2023, “Ver a vida com Verger por Maureen Bisilliat”, exposição que promove um encontro entre a obra de Maureen Bisilliat (1931, Englefield Green, Reino Unido) e Pierre Verger (1902, Paris, França – 1996, Salvador, Bahia), dois fotógrafos que, através do olhar estrangeiro, contribuíram para a formação de um imaginário afirmativo da cultura popular brasileira. A mostra reúne uma seleção feita por Bisilliat de fotografias realizadas por Verger entre as décadas de 1930 e 1950 e fotografias de sua série “Perspectivas” (2021), elaborada a partir de um trabalho de imersão no seu arquivo. “Ver a vida com Verger por Maureen Bisilliat” também inaugura o novo espaço da Galeria Marcelo Guarnieri, que a partir de 19 de novembro funcionará no número 1054 da Alameda Franca. O catálogo da exposição, publicado pela Editora Vento Leste, será lançado durante a abertura.

Em “Perspectivas” (2021), Maureen Bisilliat resgata fotografias dos ensaios “Pele preta”, “Sertões”, “Caranguejeiras” e “A João Guimarães Rosa” para imprimi-las em novas configurações. O formato de 32 x 112 cm escolhido permitiu à artista experimentar com a composição a partir de duas operações: montando sequências de imagens de uma mesma série ou ocupando um terço do canvas com apenas uma fotografia, sendo o restante do espaço dominado pela total ausência de luz. Esse formato, 32 x 112 cm, remete ao da fotografia panorâmica, que permite registrar até 360º de uma paisagem através de capturas de diversos pontos de vista. Embora incorpore em “Perspectivas” (2021) a ideia de uma visão panorâmica, a montagem de Bisilliat não pretende formar uma sequência linear, mas uma sobreposição de temporalidades que lhe permite trabalhar em narrativas de repetições e cortes abruptos. O formato do canvas também remete ao do filme fotográfico e a total ausência de luz que ocupa mais da metade do espaço em algumas dessas obras poderia aludir a uma imagem não revelada da sombria realidade atual. Por meio dessas operações, a fotógrafa coloca em perspectiva o tempo passado, da captura da imagem, e o tempo presente, de suas intervenções, utilizando-se dos contrastes entre luz e sombra, mecanismo estrutural da fotografia, para refletir sobre a opacidade do tempo presente.

“Pele preta”, datado do começo da década de 1960 e realizado nas cidades de São José do Rio Pardo e São Paulo, foi o primeiro ensaio fotográfico de Maureen Bisilliat e marca a transição de seu trabalho da pintura para a fotografia. “A série deriva de meus tempos de estudante, quando frequentava ateliês de modelo vivo, atenta à anatomia, à movimentação do corpo e à iluminação. O corpo humano, minha porta de entrada na pintura, acabou por me levar à fotografia”, conta Maureen. Em 1966, o trabalho foi exposto no MASP, naquela que seria sua primeira grande exposição individual.

A série “Sertões” é composta por fotografias feitas entre 1967 e 1972 em aldeias e lugares santos dos municípios de Canindé, Juazeiro do Norte e Bom Jesus da Lapa, nos estados do Ceará e da Bahia, e contou com o incentivo de uma Bolsa da Fundação Guggenheim. Algumas das imagens dessa série deram origem à publicação “Sertões: Luz & Trevas”, de 1982, que combina trechos do clássico “Os Sertões” (1902) de Euclides da Cunha com os seus registros fotográficos, produzindo diálogos, justaposições e dissonâncias.

Durante os anos em que trabalhou como fotojornalista para a Editora Abril (1964-1972), Maureen Bisilliat pôde fotografar em contextos diversos do Brasil, produzindo ensaios que ficaram célebres, entre eles “Caranguejeiras”, no qual retrata mulheres catadoras de caranguejos na aldeia paraibana de Livramento. O ensaio, que foi capa da edição de março de 1970 da revista Realidade, integrava uma reportagem que contava com texto de Audálio Dantas. Em 1984, as fotografias foram publicadas em livro, acompanhadas pelo poema “O cão sem plumas” (1950), de João Cabral de Melo Neto.

“A João Guimarães Rosa”, realizado durante a década de 1960 em algumas viagens pelo sertão mineiro, surgiu do desejo de Bisilliat de conhecer e retratar os gerais de Guimarães Rosa depois da leitura de “Grande sertão: veredas” (1956). As viagens da fotógrafa eram intercaladas por encontros e trocas com o escritor, que, diante das imagens feitas por ela, indicava nomes de pessoas, lugares, roteiros a seguir e outros detalhes. Em 1969, o ensaio foi publicado em livro, acompanhado por trechos do romance, o que marca o início do seu trabalho de “equivalências fotográficas” com a literatura brasileira que geraria, posteriormente, outros ensaios e publicações produzidas em diálogo com autores brasileiros.

Assim como Maureen, Verger também consolidou sua linguagem fotográfica por meio de viagens, embora não fosse fotojornalista. Durante a década de 1930, passou por países como China, Filipinas, Egito, Máli, Níger, Vietnã e Djibuti. Entre os anos de 1934 e 1939, publicou mais de 1.200 fotografias em jornais, revistas e livros, como o jornal francês Paris Soir e prestigiosas revistas como Life, Daily Mirror, Arts et Métiers Graphiques. Em 1945, depois de ter vivido por dois anos em Buenos Aires e já no Peru, trabalhando para o Museu de Lima, Verger publicou aquele que seria um dos primeiros fotolivros feitos na América Latina e também um dos primeiros registros de antropologia visual: “Fiestas y danzas en el Cuzco y en los Andes”. Ao chegar ao Brasil, em 1946, começou a trabalhar para a revista O Cruzeiro e realizou, durante os dois anos subsequentes, um de seus mais importantes trabalhos sobre a cultura popular nordestina.

A partir de então, Verger também deu início a uma investigação sobre as relações entre Bahia e África, mais especificamente sobre os rituais e costumes das culturas e religiões afro-brasileiras e africanas em Salvador e na Costa do Benin – e se tornou um estudioso do culto aos orixás. Com uma bolsa de estudos, partiu para a África, onde renasceu em 1953 como Fatumbi – “nascido de novo graças ao Ifá” – e foi iniciado como babalaô, um adivinho que se utiliza do jogo do Ifá. Sua pesquisa, que resultou em inúmeros livros, escritos avulsos, fotografias e exposições, é tida como obra de referência para os estudos sobre as culturas diaspóricas. Em 1988 Verger criou a Fundação Pierre Verger, instituição que preserva seu acervo e divulga sua obra até hoje, notadamente através de publicações e exposições realizadas na Bahia, no Brasil e no mundo, assim como incentiva o desenvolvimento da fotografia baiana. A Fundação atende também pesquisadores que dialogam com as temáticas estudadas por Verger ao longo de sua vida e desenvolve através de seu Espaço Cultural atividades educacionais e culturais com as pessoas oriundas dos bairros populares ao seu redor.

Nas fotografias de Pierre Verger selecionadas por Maureen Bisilliat é possível observar uma predominância de retratos, cenas de trabalho e de celebrações. São situações de igual interesse para Bisilliat, nas quais é possível conhecer a cultura de uma população por meio de seus movimentos de corpo e expressões faciais, vestimenta, costumes, instrumentos musicais e arquitetura. Os trabalhos retratados em suas obras, por exemplo, são aqueles comumente executados por pessoas racializadas; trabalhos informais que podem remontar às tradições sertanejas e da pesca ou mesmo do âmbito da construção civil, realizados de maneira coletiva por exigirem grande esforço físico. Verger registra a puxada de rede em 1946 na praia de Itapuã, na Bahia, enquanto Bisilliat vai registrar, vinte anos depois, a cata de caranguejos na aldeia de Livramento, na Paraíba. Imagens que surgem de situações de estranhamentos e afinidades entre fotógrafo e fotografado e que se constroem nessa relação. Tanto para Pierre Verger como para Maureen Bisilliat, essas fotografias tinham o objetivo não só de apresentar Brasis muitas vezes desconhecidos para o próprio Brasil dos grandes centros – no caso de Verger, Áfricas e Ásias para o resto do mundo – como também de reconhecer a importância de tais atividades na preservação de tradições culturais.

 

 

Artistas reunidos

03/nov

 

Coletiva de artistas instiga questionamentos através de trabalhos apresentados em técnicas, escalas e suportes diversos.

O Consulado Geral da República Argentina, Botafogo, Rio de Janeiro, apresenta a exposição “Territórios Insustentáveis”. Artistas oriundos de países distintos, como a Argentina e a França, em conjunto com artistas brasileiros, convergem ao lidar com um vasto horizonte de relações – sejam elas referentes à história da arte, aos diversos saberes que incidem sobre os seus trabalhos ou às questões concernentes ao tempo histórico. A coletiva foi inaugurada no dia 04 de novembro, na Sala Antonio Berni, sob curadoria de Aline Reis, e reúne 26 artistas: Adriana Nataloni, Albarte, Bernar Gomma, Beth Ferrante, Beatriz Calmon, Camila Morgado, Daniela Barreto, Graça Pizá, Isadora F., Jack Motta, JaquesZê, Jannini Castro, Jeni Vaitsman, Julia Garcia, Katia Politzer, Marcelo Palmar Rezende, Mario Camargo, Nando Paulino, Nora Sari, Regina Dantas, Reitchel Komch, Ricardo Laranjeira, Sandra Sartori, Solange Jansen, Tathyana Santiago e Verônica Camisão. Os trabalhos possuem diferentes formatos e vão da pintura à fotografia, passando pela escultura, instalação, objeto, vídeo e intervenção.

“Os trabalhos de arte não repetem mundos, mas criam mundos. Os artistas vivem num momento histórico sempre muito próprio e isso aparece na visualidade de suas obras. Não como ilustração de um tempo, mas como uma força propositiva frente aos desafios que sentem na própria carne, produzindo diferenças que são fruídas pelo espectador”, diz a curadora.

A guerra das narrativas incide sobre todos os conceitos que são utilizados na curadoria: a globalização – desde as grandes navegações e as ideias iluministas modernas até a discussão se há ou não integração econômica, social e cultural no espaço geográfico em escala mundial, no que tange aos fluxos de capitais, mercadorias, pessoas e informações, proporcionada pelo avanço técnico na comunicação e nos transportes numa mesma condição ética -, o pensamento descolonial (opção pela grafia portuguesa da palavra não desconsiderando a diferença entre o termo Decolonial e Descolonial, mas assumindo tanto a importância de falar sobre o colonialismo referente à dominação social, política, econômica e cultural dos europeus sobre os outros povos do mundo quanto à colonialidade que diz respeito à permanência da estrutura de poder até os dias de hoje) e o antropoceno, referente à época em que as ações humanas começaram a provocar alterações biofísicas em escala planetária e uma crise definitiva da natureza.

 

Sobre a curadora

Aline Reis é carioca, formada em Comunicação Social, pós-graduada em Crítica e Curadoria de Arte Contemporânea pela Universidade Cândido Mendes-EAV, em Psicologia Clínica Fenomenológica-Hermenêutica e em História da Filosofia. Tem mestrado em Filosofia, lecionou por mais de vinte anos. É colunista semanal do BLOGDEARTE.art, participa do Grupo de Pesquisa Entre – Educação e arte contemporânea (CE/UFES), tem trabalhos de arte contemporânea expostos nas plataformas ArtMaZone e Acessoartecontemporanea e integra a oficina Antiformas de Intervenção sob a orientação do artista David Cury, no Parque Lage. Em sua formação filosófica e artística integrou vários grupos de estudo, fez cursos com curadores e artistas do circuito, tais como Paulo Sergio Duarte, Marcelo Campos, Daniela Labra, Clarissa Diniz, Ligia Canongia, Lia do Rio, Fernando Cocchiarale. Participou de exposições coletivas: “Ainda fazemos as coisas em grupo”, em 2020, no Centro Municipal de Arte Helio Oiticica, “Fixo só o prego”, em 2019, no Espaço Cultural Municipal Sérgio Porto, ambas exposições com curadoria de Ana Miguel, Brigida Balthar e Clarissa Diniz; “Uma afirmação da presença”, no Centro Cultural dos Correios, em 2018, no Acesso arte contemporânea – Qual é seu link?, em 2016, no Centro de Artes Calouste Gulbenkian, ambas com as curadorias de Lúcia Avancini e Marilou Winograd, entre outras. Aline Reis vive e trabalha no Rio de Janeiro.

 

Até  05 de dezembro.

 

 

Fotografias de Walter Firmo no CCBBRJ

01/nov

 

No dia 09 de novembro, chega ao Rio de Janeiro a grande exposição retrospectiva “Walter Firmo: no verbo do silêncio a síntese do grito”, um panorama dos mais de 70 anos de trajetória do consagrado fotógrafo carioca. A mostra será apresentada no Centro Cultural Banco do Brasil Rio de Janeiro, CCBB, RJ, depois de ter sido exibida com enorme sucesso no Instituto Moreira Salles de São Paulo (IMS Paulista), e marca o início da parceria – inédita – entre as duas instituições. O IMS fechará sua sede carioca para reforma em abril de 2023.

“Essa bela parceria não poderia começar de forma melhor. Inaugurá-la com uma mostra que tem tanta relação com a identidade carioca e que o público do Rio de Janeiro não poderia perder de forma alguma é muito significativo”  afirma Sueli Voltarelli, gerente geral do CCBBRJ. E complementa: “As imagens de Firmo despertam memórias de uma afetividade profunda, que certamente aumentam a conexão das pessoas com a produção cultural brasileira”. Marcelo Araujo, diretor-geral do Instituto Moreira Salles, ressalta a especial importância da parceria com o CCBB: “É um privilégio poder apresentar a exposição de Walter Firmo no Rio de Janeiro numa instituição de tamanho prestígio, e com uma relação tão forte com a cidade e sua população.”

Com curadoria de Sergio Burgi e Janaina Damaceno, “Walter Firmo: no verbo do silêncio a síntese do grito” ocupará todas as salas do segundo andar do CCBB RJ com 266 fotografias, produzidas desde 1950, no início da carreira de Walter Firmo, até 2021. São imagens que retratam e exaltam a população e a cultura negra de diversas regiões do país, registrando ritos, festas populares e religiosas, além de cenas cotidianas. O conjunto destaca a poética do artista, associada à experimentação e à criação de imagens muitas vezes encenadas e dirigidas. “Acabei colocando os negros numa atitude de referência no meu trabalho, fotografando os músicos, os operários, as festas folclóricas, enfim, toda a gente. A vertigem é em cima deles. De colocá-los como honrados, totens, como homens que trabalham, que existem. Eles ajudaram a construir esse país para chegar aonde ele chegou.”, diz Walter Firmo.

O fotógrafo percorreu intensamente todo o país, mas sempre manteve um vínculo especial com o Rio de Janeiro, sua cidade natal, onde iniciou e construiu sua carreira e desenhou sua trajetória na fotografia, a partir da vivência de homem negro nascido e criado nos subúrbios e arrabaldes de Mesquita, Nilópolis, Marechal Hermes, Osvaldo Cruz, Vaz Lobo, Cordovil, Parada de Lucas, Vista Alegre e Irajá, territórios do samba de raiz e do permanente ronco da cuíca.

Dividida em núcleos temáticos, a mostra traz retratos memoráveis de grandes nomes da música brasileira, como Cartola, Clementina de Jesus e a icônica fotografia de Pixinguinha na cadeira de balanço, além de destacar a importante trajetória de Walter Firmo como fotojornalista e de dedicar uma seção à fotografia em preto e branco do artista, pouco conhecida e, em grande parte, inédita.

“Walter Firmo incorporou desde cedo em sua prática fotográfica a noção da síntese narrativa de imagem única, elaborada através de imagens construídas, dirigidas e, muitas vezes, até encenadas. Linguagem própria que, tendo como substrato sua consciência de origem – social, cultural e racial -, desenvolve-se amalgamada à percepção da necessidade de se confrontar e se questionar os cânones e limites da fotografia documental e do fotojornalismo. Num sentido mais amplo, questionar a própria fotografia como verossimilhança ou mera mimese do real”, afirma o curador Sergio Burgi, coordenador de fotografia do Instituto Moreira Salles, que assina a curadoria ao lado de Janaina Damaceno Gomes, professora da UERJ e coordenadora do grupo de pesquisa Afrovisualidades: Estéticas e Políticas da Imagem Negra.

A exposição é uma oportunidade para o público conhecer em profundidade a obra de um dos grandes fotógrafos do nosso país, que até hoje mantém seu compromisso pelo fazer artístico: “Aí está o meu relato, a história de uma vida dedicada ao fazer fotográfico, dias encantados, anos dourados. Qual a minha melhor imagem? Certamente aquela que em vida ainda poderei fazer. Emoções, demais”, afirma o fotógrafo. Com patrocínio do Banco do Brasil, a exposição segue para os Centros Culturais Banco do Brasil Brasília e Belo Horizonte.

 

Núcleos temáticos

A exposição está dividida em sete núcleos temáticos. No primeiro, o público encontra cerca de 20 imagens em cores, de grande formato, produzidas ao longo de toda a sua carreira. Há fotos feitas em Salvador (BA), como o registro de uma jovem noiva na favela de Alagados (2002); em Cachoeira (BA), como o retrato da “Mãe Filhinha” (1904-2014), que fez parte da Irmandade da Boa Morte durante 70 anos; e em Conceição da Barra (ES), onde o fotógrafo retratou o quilombola Gaudêncio da Conceição (1928-2020), integrante da Comunidade do Angelim e do grupo Ticumbi, dança de raízes africanas; entre outras.

O segundo núcleo apresenta a biografia do artista, abordando os seus primeiros anos de atuação na imprensa, quando registrou temas do noticiário, em imagens em preto e branco. O conjunto inclui uma fotografia do jogador Garrincha, feita em 1957; imagens de figuras proeminentes da política nacional, como Jânio Quadros e Juscelino Kubitschek; além de registros de ensaios de escolas de samba do Rio de Janeiro. Também há fotografias feitas para a reportagem “100 dias na Amazônia de ninguém”, publicada em 1964 no Jornal do Brasil, pela qual Walter Firmo recebeu o Prêmio Esso de Reportagem.

Nas próximas seções, a retrospectiva evidencia como, no decorrer de sua carreira, Walter Firmo passou a se distanciar do fotojornalismo documental e direto, tendo como base a ideia da fotografia como encantamento, encenação e teatralidade, em diálogo com a pintura e o cinema. Isso fica evidente no ensaio realizado em 1985 com seus pais (José Baptista e Maria de Lourdes) e seus filhos (Eduardo e Aloísio Firmo), no qual José aparece vestindo seu traje de fuzileiro naval, função que desempenhou ao longo da vida, ao lado de Maria de Lourdes, que usa um vestido longo, florido e elegante. O ensaio faz alusão às pinturas “Os noivos” (1937) e “Família do fuzileiro naval” (1935), do artista Alberto da Veiga Guignard (1896-1962).

Como destaque, a exposição apresenta, ainda, retratos de músicos produzidos por Walter Firmo, principalmente a partir da década de 1970. Nas imagens, que ilustram inúmeras capas de discos, estão nomes como Dona Ivone Lara, Cartola, Clementina de Jesus, Paulinho da Viola, Gilberto Gil, Martinho da Vila, Maria Bethânia, Caetano Veloso, Milton Nascimento, Djavan e Chico Buarque. Nesse conjunto, está, ainda, a famosa série de fotografias de Pixinguinha feita em 1967, quando Firmo acompanhou o jornalista Muniz Sodré em uma pauta na casa do compositor. Após o término da conversa, o fotógrafo pegou uma cadeira de balanço que ficava na sala da residência, colocou no quintal, ao lado de uma mangueira, e propôs que Pixinguinha se sentasse nela com o saxofone no colo. Assim registrou o músico, em uma série de imagens que se tornaram icônicas.

A exposição traz também um ensaio com fotografias do artista Arthur Bispo do Rosário para a revista IstoÉ, em 1985, feitas na antiga Colônia Juliano Moreira, onde Bispo ficou confinado e criou seu acervo ao longo de cerca de 25 anos.

A retrospectiva apresenta diversos registros produzidos durante celebrações tradicionais brasileiras, como a Festa de Bom Jesus da Lapa, a Festa de Iemanjá e o próprio Carnaval do Rio de Janeiro. Há também um núcleo com fotos feitas em outros países, como Cuba, Jamaica e Cabo Verde.

Na mostra, o público poderá assistir, ainda, ao curta-metragem Pequena África (2002), do cineasta Zózimo Bulbul, no qual Firmo trabalhou como diretor de fotografia, e que trata da história da região que recebeu milhões de africanos escravizados. Também há um núcleo dedicado à fotografia em preto e branco, ainda pouco conhecida e em grande parte inédita, cujo destaque é a série de imagens feitas na praia de Piatã, em Salvador, entre o final dos anos 1990 e o início dos anos 2000. Grande parte das obras exibidas provém do acervo do fotógrafo, que se encontra sob a guarda do IMS desde 2018, em regime de comodato.

 

Catálogo

A mostra é acompanhada de um catálogo, com imagens das obras da exposição, além de textos de autoria do próprio Walter Firmo, de João Fernandes, diretor artístico do IMS, e dos curadores Sergio Burgi e Janaina Damaceno. Há também uma entrevista do fotógrafo com os curadores e o jornalista Nabor Jr., editor da revista O Melenick. Segundo Ato, além de uma cronologia do fotógrafo assinada por Andrea Wanderley.

 

Sobre o artista

Nascido em 1937 no bairro do Irajá, no Rio de Janeiro, e criado no subúrbio carioca, filho único de paraenses – seu pai, de família negra e ribeirinha do baixo Amazonas; sua mãe, de família branca portuguesa, nascida em Belém -, Firmo começou a fotografar cedo, após ganhar uma câmera de seu pai. Em 1955, então com 18 anos, passou a integrar a equipe do jornal Última Hora, após estudar na Associação Brasileira de Arte Fotográfica (Abaf), no Rio. Mais tarde, trabalharia no Jornal do Brasil e, em seguida, na revista Realidade, como um dos primeiros fotógrafos da revista. Em 1967, já trabalhando na revista Manchete, foi correspondente, durante cerca de seis meses, da Editora Bloch em Nova York. Neste período no exterior, o artista teve contato com o movimento Black is Beautiful e as discussões em torno dos direitos civis, que marcariam todo seu trabalho posterior. De volta ao Brasil, trabalhou em outros veículos da imprensa e começou a fotografar para a indústria fonográfica. Iniciou ainda sua pesquisa sobre as festas populares, sagradas e profanas, em todo o território brasileiro, em direção a uma produção cada vez mais autoral.

 

Até 27 de março de 2023.

 

 

 

Galatea representará a obra de Marília Kranz

28/out

 

A Galatea, Jardins, São Paulo, SP, anuncia a representação do espólio da artista Marília Kranz (1937-2017). Marília Kranz nasceu e viveu na cidade do Rio de Janeiro, cuja paisagem é assunto recorrente em sua obra. Desenhando desde a infância, inicia aos 17 anos seus estudos formais em arte, cursando pintura no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Em 1956, ingressa na Escola Nacional de Belas Artes, onde estuda durante três anos. Passa, ainda, pelos ateliês de Catarina Baratelli (pintura, 1963-66) e Eduardo Sued (gravura, 1971).

Em um primeiro momento de sua produção, até meados da década de 1960, Marilia Kranz se dedica ao desenho e ao estudo da pintura. Na sequência, começa a produzir relevos abstratos em gesso, papelão e madeira, que integraram a sua primeira exposição individual, em 1968, na Galeria Oca, no Rio de Janeiro. Em 1969, ao retornar de viagens que fez à Europa e aos Estados Unidos, passa a produzir os relevos a partir da técnica de moldagem a vácuo com poliuretano rígido, fibra de vidro, resina e esmaltes industriais; além das esculturas com acrílico cortado e polido, chamadas de Contraformas

Marilia Kranz inova ao produzir quadros-objetos a partir da técnica de vacum forming, pouco difundida no Brasil naquela época, até mesmo no setor industrial. Além disso, o conteúdo dos trabalhos também guarda forte caráter experimental. Segundo o crítico de arte Frederico Morais, as formas abstratas e geométricas exploradas nestas obras e na produção de Marília Kranz como um todo se aproximariam mais de artistas como Ben Nicholson, Auguste Herbin e Alberto Magnelli do que das vertentes construtivistas de destaque no Brasil, como o Concretismo e o Neoconcretismo.

A partir do ano de 1974, Marilia Kranz retoma a prática da pintura, trazendo para o centro da tela elementos constituintes das suas paisagens preferidas no Rio de Janeiro. Comparada a artistas como Giorgio de Chirico e Tarsila do Amaral, os seus cenários e figuras geometrizados, beirando a abstração, contêm solenidade e erotismo ao mesmo tempo. Os tons pasteis, por sua vez, tornam-se a sua marca. “A cor cede diante da intensidade luminosa”, diz Frederico Morais. Ao observarmos as flores e as frutas que protagonizam com grande sensualidade várias de suas pinturas, pensamos também em Georgia O’Keeffe, considerada por Kranz sua “irmã de alma”.

A artista carioca é também conhecida pela defesa da liberação sexual feminina e da liberdade política durante a ditadura militar no Brasil, além da luta pelas causas ambientais, atuando como uma das fundadoras do Partido Verde em 1986.

Marília Kranz expôs em galerias e instituições nacionais e internacionais e recebeu inúmeros prêmios pelas suas pinturas e esculturas, entre eles: o prêmio em escultura do 13º Panorama de Arte Atual Brasileira, em 1981, e o prêmio de aquisição do Salão de Artes Visuais do Estado do Rio, em 1973. Em 2007, contou com a exposição retrospectiva Marília Kranz: relevos e esculturas no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, ocasião em que foi lançada a monografia Marília Kranz, escrita pelo crítico de arte Frederico Morais, que acompanhou a artista durante toda a sua carreira.

É com grande entusiasmo, portanto, que assumimos a missão de representar e difundir a obra de Marília Kranz e o seu legado para a arte brasileira. Iniciaremos esse trabalho com uma individual da artista em março de 2023, abrindo o programa de exposições do próximo ano.

 

 

Impacto visual na Alban

 

A Alban Galeria, Ondina, Salvador, Bahia, apresenta a exposição “Baile”, exibição individual inédita da artista paulistana Thalita Hamaoui. Destaque na cena nacional, ela apresenta pinturas produzidas segundo sentimentos particulares e emoções que partem de um tema recorrente em sua trajetória: as paisagens. A exposição poderá ser visitada pelo público até o dia 28 de novembro.

O título da mostra reflete fielmente a proposição criativa de Thalita Hamoui, que promove um verdadeiro “baile” de cores com suas pinturas exuberantes. Na mostra, são 15 telas de forte impacto visual – uma delas com 5m de comprimento x 2m de altura –  em que os vermelhos, amarelos e verdes vibram em meio à delicadeza das múltiplas variações do branco, preto e cinza. Em conjunto, as cores passeiam pelo imaginário da artista, que se diz assumidamente comprometida com o inesperado e as possibilidades do acaso e da intuição.

“Vejo minha pintura como uma miragem, um vislumbre, algo que se delineia na medida em que a minha criação se exterioriza sem obedecer a um pensamento prévio sobre qual será o resultado. Tudo acontece pela força do próprio movimento. Dai que associo o meu fazer artístico à noção da impermanência. Tudo muda, nada está parado ou fixo. O meu trabalho acompanha essa força da própria natureza”, analisa Thalita Hamaoui.

Segundo ela, a paisagem faz parte de sua vida desde sempre. São paisagens que via quando criança ao sair da capital paulista para as praias do Litoral Norte de São Paulo. São paisagens que vivenciou em viagens por diversas partes. São paisagens aprisionadas em lembranças e que, no momento de produção, mostram a sua força emocional enquanto base criativa do trabalho da artista.

Como reconhece Victor Gorgulho, curador da mostra, o trabalho de Thalita Hamaoui se traduz por “uma singular abordagem da temática da paisagem, atribuindo expressiva contemporaneidade a um universo amplamente trabalhado e discutido secularmente”. Para o curador, ao trabalhar simultaneamente em diferentes obras, a artista instaura “um fluxo a um só tempo orgânico e intuitivo” que acaba dando origem a uma “coreografia involuntária”, permitindo que “a memória da natureza, dos espaços naturais por ela vivenciados e nela retidos afetivamente seja transposta para o plano pictório”.

 

Sobre a artista

Thalita Hamaoui nasceu em São Paulo em 1981. Formou-se na Fundação Álvares Penteado (FAAP) em 2006. Sua primeira exposição individual aconteceu no Centro Cultural São Paulo em 2017. Outras exposições individuais aconteceram em São Paulo, Curitiba e Lisboa. Entre as mostras coletivas destacam-se Possession (Galeria Folley, Nova Iorque| 2016); Coexistência (NowHere, Lisboa| 2021) e Mothering (Kupfer, Londres|2022).