Fotos: anos 1940 – 1960

31/jul

Pela primeira vez, reúne-se em uma casa modernista em São Paulo – a residência Castor Delgado Perez, de Rino Levi, sede da Luciana Brito Galeria, Jardim Europa, São Paulo, SP – um conjunto expressivo de fotografias de Geraldo de Barros, Gertrudes Altschul, Thomaz Farkas, Ademar Manarini, Paulo Pires, Marcel Giró, Gaspar Gasparian, Eduardo Salvatore e Mario Fiori, representantes da vertente moderna da fotografia brasileira, linguagem que mudou radicalmente o conceito do que é arte no universo da fotografia e das artes visuais. Realizada em parceria com Isabel Amado, a exposição “Fotografia Moderna 1940 – 1960” propõe-se, com suas mais de 90 obras, a reunir fotos inéditas e outras que ainda não circularam ostensivamente e que, portanto, não são tão conhecidas do público.

 

Com destaque para Geraldo de Barros, precursor do Concretismo no Brasil e cofundador do Grupo Ruptura, e Gertrudes Altschul, uma das poucas mulheres a ter a relevância de sua produção reconhecida neste período, a mostra espera contribuir, assim, para a ampliação do repertório visual que vem sendo construído em torno desses artistas. A fotografia moderna no Brasil aliou o desejo de inventividade e interpretação subjetiva do mundo no
contexto do pós-guerra às especificidades dos movimentos de industrialização e urbanização brasileiros. Impulsionado pela fundação do Fotocineclube Bandeirantes, em 1939, o cenário da fotografia nacional observou uma efervescência única a partir da década de 1940, quando seus representantes se afastaram do pictorialismo academicista e abriram uma discussão sobre a essência do fazer fotográfico e sua autonomia como forma artística em si e por si.

 

Texto de Helouise Costa

 

A ideia de construção como metáfora da modernidade

 

A fotografia moderna no Brasil manifestou-se de maneira ampla e diversificada. Seja no fotojornalismo, na fotografia de arquitetura, no fotoclubismo, na produção documental, ou mesmo na moda e na publicidade, o que se observa são diferentes modos de responder a um mundo em franca transformação. Os nove fotógrafos reunidos nesta mostra – Ademar Manarini, Eduardo Salvatore, Gaspar Gasparian, Geraldo de Barros, Gertrudes Altschul, Paulo Pires, Marcel Giró, Mario Fiori e Thomaz Farkas -, estiveram, em maior ou menor grau, vinculados ao universo dos fotoclubes e tinham como propósito investigar o potencial artístico da fotografia, libertos das amarras da profissionalização.

 

De origens e formações distintas, sendo alguns pertencentes a famílias de imigrantes, os fotógrafos aqui representados produziram suas imagens sob o impacto do processo de modernização que, a partir de meados da década de 1940, reconfigurou a face visível das grandes cidades brasileiras. Em geral, intentaram fazer da fotografia uma ferramenta capaz de dar vazão a novos modos de ver e vivenciar experiências urbanas, até então, inéditas. Tais intenções materializaramse por meio da fotografia direta, mas também de experimentações, tais como fotogramas, montagens e solarizações. Enquanto alguns limitaram-se a exercícios de caráter formalista, outros buscaram alargar o entendimento da fotografia para além do repertório característico do fotoclubismo e do que se convencionou como sendo próprio do fotográfico.

 

Em que pesem as diferenças individuais entre os fotógrafos a ideia de construção parece unir todas as imagens aqui apresentadas. O verbo “construir”, como explicam os dicionários, é sinônimo de edificar, erigir e arquitetar. Tais ações se materializam de diferentes modos nessas fotografias, que ora resultam de um olhar rigoroso sobre o mundo, ora são frutos de um embate criativo com a matéria, por meio das manipulações. Não por acaso a fotografia e a arquitetura foram manifestações do modernismo que estiveram em perfeita sintonia no Brasil no período que se seguiu à Segunda Guerra Mundial. Construir novas formas arquitetônicas e construir uma nova linguagem fotográfica tinham em comum o mesmo ideal de construção de um país moderno, como fica evidente na foto “Canteiro de obras”, que Thomaz Farkas produziu durante a construção de Brasília, em 1958.

 

Pouco mais de sessenta anos depois, esta exposição apresenta a fotografia moderna brasileira, de viés fotoclubista, em diálogo com o belo espaço projetado pelo arquiteto Rino Levi no final da década de 1950, tombado pelo patrimônio municipal e estadual de São Paulo. Se a força desse encontro nos remete a um momento especial da história do país, nos revela também que o motivo de nosso encantamento diante dessas imagens deve-se, em grande parte, ao fato de que elas guardam a promessa de um futuro repleto de potencialidades. Hoje, porém, talvez mais do que nunca, elas provoquem em nós uma estranha nostalgia por aquilo que não fomos capazes de nos tornar.
Até 07 de setembro.

 

 

Mundo vivo em Paris

09/jul

Reunindo uma comunidade de artistas, botânicos e filósofos, a Fondation Cartier pour l’art contemporain, Paris, França, ecoa a mais recente pesquisa científica que lança nova luz sobre as árvores. Organizada em torno de grandes conjuntos de obras, a exposição “Trees” dá voz à numerosas pessoas e artistas (entre os quais, alguns artistas brasileiros) que, através de sua jornada estética ou científica, desenvolveram um forte e íntimo vínculo com as árvores, revelando assim a beleza e a riqueza biológica desses grandes protagonistas do mundo vivo, ameaçado hoje com o desmatamento em larga escala. A curadoria é de Bruce Albert, Hervé Chandès e Isabelle Gaudefroy.

Artistas participantes e colaboradores da exposição: Efacio Álvarez, Herman Álvarez, Fernando Allen, Fredi Casco, Claudia Andujar, Eurides Asque Gómez, Thijs Biersteker, José Cabral, Johanna Calle, Jorge Carema, Alex Cerveny, Raymond Depardon, Claudine Nougaret, Diller Scofidio + Renfro, Mark Hansen, Laura Kurgan, Ben Rubin, Robert Gerard Pietrusko, Ehuana Yaira, Paz Encina, Charles Gaines, Francis Hallé, Fabrice Hyber, Joseca, Clemente Juliuz, Kalepi, Salim Karami, Mahmoud Khan, Angélica Klassen, Esteban Klassen, George Leary Love, Cesare Leonardi, Franca Stagi, Stefano Mancuso, Sebastián Mejía, Ógwa, Marcos Ortiz, Tony Oursler, Giuseppe Penone, Santídio Pereira, Nilson Pimenta, Osvaldo Pitoe, Miguel Rio Branco, Afonso Tostes, Agnès Varda, Adriana Varejão, Cássio Vasconcellos, Luiz Zerbini (foto).

Até 10 de novembro.

Selfie na Fundação Iberê Camargo

02/jul

A Fundação Iberê, Porto Alegre, RS, inaugura no dia 06 de julho dois andares da exposição “#Selfie: Iberê em modo retrato”. O quarto andar será ocupado com 13 fotos para documentos do artista e outras 36 de Iberê retratando personalidades, como a mãe Doralice Bassani Camargo, Vasco Prado, Sivuca e Adriana Calcanhotto. No terceiro, as três salas serão totalmente interativas, com espelhos e iluminação especial para selfie do público.

 

Diferente do que muitos imaginam, o autorretrato não é algo relativamente novo. A primeira selfie foi feita em 1839 pelo metalúrgico Robert Cornelius, pioneiro na fotografia dos Estados Unidos. Na época, os autorretratos eram o tipo mais comum de fotografias, compreendendo um número estimado de 95% dos daguerreótipos sobreviventes. Na pintura, se afirmou no século 14 e passou a ocupar um lugar de destaque na arte europeia, atravessando diferentes escolas e estilos artísticos.

 

A difusão da retratística acompanhava os anseios da corte e da burguesia urbana de projetar suas imagens na vida pública e privada. Paralelamente aos retratos realizados sob encomenda, e a outros concebidos com amigos e familiares, os artistas produziam uma profusão deles que funcionavam como meio de exercitar o estilo, como instrumento de sondagem de estados de espírito e também como recurso para a tematização do ofício.

 

Iberê retratista

 

Ao longo da vida, Iberê Camargo criou diferentes representações de si mesmo. Pintava-se sob um olhar interior que o mostrava como uma máscara, um enigma, o arquétipo da insondável natureza do homem: “Pinto porque a vida dói”.

 

Para ele, “[…] retratar-se revela narcisismo, todos os pintores o são. Na sucessão de minha imagem no tempo, ela se deteriora como tudo que é vivo e flui. Muitas vezes, me interroguei diante do espelho. No passar do tempo, nos transformamos em caricaturas”, dizia Iberê.

 

A selfie é, portanto, a forma mais expansionista de autoexpressão visual. É algo especialmente fascinante como o ato de retratar a si mesmo tenha sobrevivido a tantas passagens, transformações e movimentos que a arte atravessou em sua história.

 

Até 29 de setembro.

#tbt na Carpintaria

25/jun

A Carpintaria, Jardim Botânico, Rio de Janeiro, RJ, apresenta a mostra coletiva #tbt com seleto elenco de artistas da cena contemporânea nacional como Adriana Varejão, Barrão, Beatriz Milhazes, Carlos Bevilacqua, Erika Verzutti, Ernesto Neto, Iran do Espírito Santo, Jac Leirner, Janaina Tschäpe, Leda Catunda, Lucia Laguna, Luiz Zerbini, Mauro Restiffe e Valeska Soares.

 

De acordo com a linguagem do Instagram, a hashtag #tbt – sigla para “throwback thursday” ou em tradução livre “lembrança de quinta-feira” – é utilizada para legendar imagens que datem de algum momento do passado, seja ele longínquo ou recente. A exposição toma este deslocamento temporal como mote para reunir obras realizadas entre a década de 80 e o início dos anos 2000, investigando as diferentes poéticas e temáticas presentes no limiar da produção dos artistas que integram o conjunto. O impulso de lançar um olhar retroativo ao presente evoca o famoso quote do teórico canadense Marshall McLuhan: “olhamos o presente através de um espelho retrovisor, marchamos de costas em direção ao futuro”.

 

Na ocasião da abertura, a Editora Cobogó promove o lançamento do livro de Carlos Bevilacqua no Rio de Janeiro, monografia que percorre os 30 anos de carreira do artista carioca através de reproduções de obras, estudos e anotações. A publicação conta com introdução do próprio artista, depoimentos de colegas, texto crítico de Paulo Sergio Duarte e entrevista concedida a Luiz Camillo Osorio.

 

De 27 de junho a 27 de agosto.

 

 

No Anexo Milan

24/jun

Mario Cravo Neto é o atual cartaz do Anexo Milan, Pinheiros, São Paulo, SP, através da exposição “O Estranho e o Raro”. Mario Cravo Neto teve como um de seus mestres seu próprio pai, o escultor Mario Cravo Junior e hoje é considerado como um dos artistas brasileiros pioneiros da fotografia contemporânea brasileira a receber reconhecimento internacional – a partir dos anos 1970 -, realizando mostras em diversas capitais ao redor do mundo. Algumas das mais importantes de sua carreira foram  as XI, XII, XIII, XIV e XVII Bienais de São Paulo, Geográfias (in)Visibles, Arte Contemporáneo Latinoamericano en la Colecion Patricia Phelps de Cisneros, Centro Cultural Eduardo León Jimenes, Santiago, República Dominicana(2008), Mapas Abiertos, Fotografia Latino-Americana 1991-2002, entre outras.

 

As obras apresentadas na exposição pertencem ao período de  sua passagem por Nova Iorque, onde viveu no final dos anos 1960, e por Salvador, cidade onde nasceu. Faz parte desse recorte o período em que o artista ficou imobilizado em decorrência de um acidente de carro. Nesse espaço de tempo Neto ficou na casa de seus pais, e a dor e as transformações que marcam essa etapa da vida do artista se refletem em seus registros, que fundem o imaginário místico e religioso. A curadoria é de Bené Fontelles e a exposição é composta de 52 fotos e uma instalação.

 

 

Até 13 de julho.

Olhares Artesanais

06/jun

Há mais de uma década o Cidade Invertida, grupo que reúne fotógrafos, educadores e artistas, investe em ações culturais relacionadas à imagem, buscando despertar em seu público um olhar mais criativo e consciente em relação às imagens que nos cercam cotidianamente. Na exposição “Olhares Artesanais”, a equipe composta por Adelino Matias, Anna Clara Hokama, Andre Solnik, Gustavo Falqueiro, Marcella Marigo, Mauricio Sapata e Ricardo Hantzschel, concebe sua versão imagética da região do Porto de Santos/SP utilizando câmeras manualmente construídas, ou pinhole. Esses dispositivos ópticos são construídos com latas, caixas, ou qualquer aparato vedado à luz, que recebe um furo de agulha em um de seus lados, permitindo a formação de imagens em seu interior, sem a necessidade de lentes.

 

Em cartaz no Centro Cultural São Paulo, Paraíso, São Paulo, SP, a exposição é resultado de dois anos de trabalho em equipe, que, embora voluntariamente inserida na cultura digital, valoriza também o tempo como parceiro, mergulhando numa fotografia lenta, incerta e experimental que começa no projeto da câmera e se estende até a revelação química da imagem. O consagrado artista luso-brasileiro Fernando Lemos, assina um dos textos da mostra, que conta com 38 fotografias impressas em papel fine art em tamanhos variados, sob curadoria de Ricardo Hantzschel. Complementa o trabalho um livro com 48 páginas, representando todo o conteúdo da exposição.

 

Tanto o processo de captação quanto a edição final das imagens, foram realizados em conjunto pelos profissionais envolvidos no projeto, contemplado pelo 1º Edital de Apoio à Criação e Exposição Fotográfica da Secretaria Municipal de Cultura da Cidade de São Paulo. Ele ocupará parte do espaço expositivo do Centro Cultural São Paulo (CCSP), no Piso Flávio de Carvalho (fundos), ao lado de mais três exposições: Cores Nyotas, Idílio e Poéticas Visuais.

 

 

Sobre o Cidade Invertida

 

O Cidade Invertida é um grupo de educadores e artistas que tem se dedicado a elaborar experiências visuais, em sua maioria mediadas pela fotografia, objetivando encantar as pessoas e ao mesmo tempo despertar uma postura mais consciente na relação delas com as imagens que nos cercam cotidianamente. Em pouco mais de uma década, o trailer, símbolo de referência do projeto, foi adaptado como laboratório fotográfico e câmara obscura, e já percorreu cerca de 35.000 km viabilizando cursos e oficinas para um público diverso. Com forte caráter itinerante, o Cidade Invertida tem também um espaço cultural na Vila Madalena, em São Paulo, onde a intenção é oferecer possibilidades de capacitação teórica e prática para artistas, fotógrafos, educadores e interessados por imagens em geral. Temos um compromisso com as bases históricas da fotografia tradicional e as mesclamos sem preconceito com as técnicas digitais de última geração.

 

 

Sinopse

 

A exposição “Olhares Artesanais” reúne 38 fotografias captadas com câmeras manualmente construídas e tem como tema a região portuária da cidade de Santos, litoral do Estado de São Paulo. As imagens expostas foram captadas por câmeras de orifício (pinhole) e reveladas quimicamente em laboratório analógico preto e branco.

 

O resultado desse projeto é um recorte ao mesmo tempo caótico e poético, que desconstrói o seu referente, para imediatamente reconstruí-lo dentro dos aparatos concebidos pelos fotógrafos do Cidade Invertida. Os autores recriam a cena urbana, em imagens que só existem na diversidade de formatos, orifícios e suportes sensíveis das câmeras pinhole.

 

 

 De 15 de junho a 11 de agosto.

Arte-veículo

05/jun

O SESC/Santos, São Paulo, SP, apresenta a exibição coletiva com 40 artistas e grupos estudados na pesquisa Arte-veículo, da curadora Ana Maria Maia. Desde a televisão, inaugurada em 1951, e a Internet, difundida no início dos anos 2000, diferentes artistas e grupos figuraram no agendamento midiático para nele experimentar e praticar “inserções em circuitos ideológicos”, como alegou Cildo Meireles em 1970. Ou disseminar “ideias vírus”, conforme Giseli Vasconcelos prescreveu já em 2006, fazendo ressoarem ao longo das décadas os termos de uma relação que se dá entre os veículos de comunicação como hospedeiros e os artistas como parasitas.

 

Para repercutir intervenções midiáticas no contexto de uma instituição cultural, a curadoria pretende misturar diferentes suportes na organização espacial da exposição, de documentos impressos e registros em vídeo a objetos e instalações. O projeto foge de uma narrativa cronológica para priorizar o entendimento de estratégias recorrentes dos artistas e grupos no decorrer desse intervalo histórico. Desse partido, surgem seus seis núcleos, denominados a partir de verbos que denotam um conjunto de ações: duvidar da verdade, perder-se, duelar, “ouviver”, hackear e ficcionalizar. A exposição propõe também um programa público de performances, conversas e laboratórios, e ainda a reinserção de trabalhos em espaços de imprensa e mídias, como jornais, revistas e programas de rádio, e mesmo redes sociais. Destaque para o Grupo Manga Rosa: Carlos Dias, Francisco Zorzette e Jorge Bassani.

 

Até 28 de julho.

Miguel Rio Branco na Luisa Strina

A Galeria Luisa Strina, Cerqueira César, São Paulo, SP, apresenta a exposição individual “Maldicidade”, com cerca de 20 obras de Miguel Rio Branco com lançamento de livro homônimo, em nova edição, pela editora alemã Taschen.

 

“Como uma constelação de flagrantes da entropia da urbanidade em metrópoles distribuídas em latitudes e longitudes variadas, ainda que o olho-razão não resista a procurar pistas de quais cidades e países produziram os espaços retratados, diante de Maldicidade é importante o momento em que o olho-pele assume a impossibilidade da tarefa e percebe que a cidade é uma só, afinal: Qual grande metrópole, se pensada em sua história recente e em sua extensão territorial, pode dizer que desconhece essas imagens? (…) ‘Murió El Cuerpo’, estampa o jornal na mão do menino recostado à margem de um assentamento precário. É difícil entender a quem a manchete originalmente se referia, mas, nesse contexto, é o corpo da chamada civilização ocidental que, tendo alcançado escala e poder inéditos na história do planeta, colapsa esmagada sob o próprio peso dos ideais que alimentou”, escreveu o curador Paulo Miyada em ensaio inédito, por ocasião da individual de Miguel Rio Branco no Oi Futuro, Rio de Janeiro, em 2017.

 

Maldicidade, série em andamento de Miguel Rio Branco, existia, até então, como fotolivro, publicado em 2014 pela Cosac & Naify, e como obras únicas ou conjuntos narrativos (polípticos) de fotografias feitas, ao longo da trajetória do artista, em diferentes cidades às quais sua carreira internacional o levou. Primeiro como filho de diplomata, começando com pintura, até o final dos anos 1960, depois como diretor de fotografia em documentários do cinema nacional e, em seguida, como correspondente da agência Magnum, nos anos 1980. Finalmente, como artista multidisciplinar, expôs em instituições como The Art Institute of Boston; Foto Forum, Frankfurt; Aperture’s Burden Gallery, NY; Maison Européenne de La Photographie, Paris; Rencontres d’Arles; Museu de Arte Contemporânea de Tóquio; Casa América, Madri; Kulturhuset, Estocolmo; e MASP; além de ser um dos contemplados com um pavilhão no Instituto Inhotim.

 

Ainda que haja novidades na série Maldicidade, o ensaio de Miyada segue atual e preciso. A cidade é uma só. Todas as obras selecionadas por Rio Branco para a individual na galeria mostram a metrópole pulsante, entre exuberância e miséria, entre cores vibrantes e vapores noturnos, entre abstrações poéticas e denúncias francas. Qual grande cidade pode dizer que desconhece esses contrastes? Mesclando fotos publicadas em 2014 a outras, novas, que serão conhecidas apenas no livro da Taschen e na exposição, o artista não considera relevante pensar a imagem nestes termos – “novo”, “inédito” etc. – pois, segundo ele, “o inédito é a construção e a intenção”, ou seja, a Página 1 / 4 edição de um livro ou de um grupo de fotografias para serem ampliadas, a sequência em que são apresentadas as imagens, o contexto em que cada instantâneo é colocado para dialogar com os demais – por aproximação ou repulsa -, formal, narrativo, de cores e assim por diante, cria sempre uma experiência inédita. “A versão da Taschen tem uma nova dinâmica, talvez um pouco menos melancólica, mas dando importância, além da construção, também à leitura completa de cada imagem. Entramos em detalhes que no formato pequeno não conseguimos ver. Acaba se transformando em outro livro. Um pouco como interpretações musicais jazzísticas. Meu trabalho, em uma exposição na galeria da Magnum, em Paris (1985) foi definido, meio como crítica, por um fotógrafo, Denis Stock, como se eu tentasse criar música com fotografias: talvez o maior elogio que já fizeram sobre a obra”, afirma Miguel Rio Branco sobre o livro. Desde 1977, com “strangler in a strangled land” e com a exposição Negativo Sujo (1978), vindo da pintura e do cinema, o artista começou a criar narrativas poéticas com montagens feitas com grupos de fotografias; já naquele momento, a ideia de foto única, “instante decisivo”, não lhe bastava, o campo da imagem, para ele, precisava de um contexto narrativo visual. “Um conjunto de peças consegue ganhar um formato final no diálogo entre elas, da mesma maneira que outras, por força individual, não precisam nem conseguem entrar em conjuntos, são mesmo completas individualmente. O cimento que as une em diversas construções é o que cria o ritmo e os conceitos que finalizam, mesmo que provisoriamente, as obras”, explica. Seguindo esta lógica, na exposição Maldicidade o visitante depara, por exemplo, com o díptico Preto e Rosa com Bandeira, espécie de encontro perfeito entre padronagens geométricas – uma em ambiente interno, outra flagrada na rua – que apresentam, ambas, um elemento em estado de suspensão, o “punctum” de ambas, para falar com Roland Barthes, que as une, ou que cimenta, ainda que provisoriamente, a construção do díptico. Entretanto, próxima ao conjunto, o espectador pode contemplar Sapatos Azul e Vermelho, mostrada como peça individual, com toda a sua força narrativa, sem a necessidade de outra imagem que a complemente, ainda que, na mais recente edição da Bienal de São Paulo, a mesma obra tenha sido vista dentro de um políptico, intitulado Geometria do Desejo. “O meu trabalho é como uma maré de imagens que podem tomar direções diversas, como um mar de imagens que criam discursos poéticos que desmancham, muitas vezes, sua capacidade apenas documental, criando outros significados. Criam ritmos e sentidos que desmancham uma proposta apenas de retrato da realidade.” Depois de Negativo Sujo, Rio Branco mostrou, na Bienal de São Paulo de 1983, uma peça audiovisual chamada Diálogos com Amaú, composta de cinco telas translúcidas sobre as quais era projetada uma sequência de imagens de um menino surdo-mudo kayapó dialogando com imagens de sua vida e da civilização branca que cercava sua aldeia. “As conexões tinham um ritmo próprio, mas criavam relações aleatórias, porém significantes pela escolha das imagens; a obra se situa na área do que Hélio Oiticica definia como Quase cinema”, conta o artista. Este trabalho está permanentemente exposto no pavilhão dedicado à obra de Rio Branco em Inhotim, e é considerado uma das obras mais icônicas da fotografia expandida brasileira.

 

Ainda sobre o livro e a sua relação com as grandes metrópoles, Rio Branco afirma que “as mudanças foram mais por questões relacionadas ao novo tamanho e à cidade que me atrai, claro que nem todas, muito menos as nossas que ficam cada vez mais estruturalmente precárias, mas MALDICIDADE veio de uma mistura do francês “mal d’amour’, dor de amor, e maldita cidade: às vezes sinto repulsa e, outras, atração. Mas continuo achando que as cidades estão em um caminho irreversível de terror depois de um certo tamanho, depois de um exagero de milhões de pessoas. Não acho saudáveis as grandes concentrações de gente; hoje, me parecem grande atrativos para o desastre”.

 

 

Sobre o artista

 

Nascido em 1946, em Las Palmas de Gran Canaria, Espanha, Miguel Rio Branco vive e trabalha em Araras, Rio de Janeiro. Formado no New York Institute of Photography e na Escola Superior de Desenho Industrial, Rio de Janeiro, começou a expor fotografias e filmes em 1972, desenvolvendo um trabalho documental de forte carga poética. Nos anos 1980, foi aclamado internacionalmente por seus filmes e fotografias na forma de prêmios, publicações e exposições, como o Grande Prêmio da Primeira Trienal de Fotografia do Museu de Arte Moderna de São Paulo e o Prêmio Kodak de la Critique Photographique, de 1982, na França. Exposições individuais recentes incluem: Nada levarei qundo morrer, MASP – Museu de Arte de São Paulo (2017); Wishful Thinking, Oi Futuro, Rio de Janeiro (2017); De Tóquio para Out of Nowhere, Galeria Filomena Soares, Portugal (2016); Nova York Sketches, Magnum Photo Gallery, Paris (2016); e Teoria da Cor, Pinacoteca de São Paulo (2014). Exposições coletivas recentes incluem: Southern Geometries, from Mexico to Patagonia, Fondation Cartier pour l’art contemporain, Paris (2018); 33ª Bienal de São Paulo (2018); Door into Darkness, Galerija Kula, Institute Haru – Milesi Palace e The Institute for Scientific and Artistic Work, Croatian Academy of Sciences and Arts, Split, Croácia (2018); 11ª Bienal do Mercosul, Porto Alegre (2018). Possui obras no acervo de instituições como Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro; Museu de Arte Moderna de São Paulo; Museu de Arte de São Paulo; Centro George Pompidou, Paris; San Francisco Museum of Modern Art; Stedelijk Museum, Amsterdã; Museum of Photographic Arts of San Diego e Metropolitan Museum, Nova York.

 

 

Até 27 de julho.

Nacional Trovoa

04/jun

A Baró Galeria, Jardins, São Paulo, SP, apresenta a primeira exposição do Nacional Trovoa em seu espaço expositivo, sob a curadoria de Carollina Lauriano, com obras das artistas Aline Motta, Bruna Amaro, Caroline Ricca Lee, Gabriela Monteiro, Heloisa Hariadne, Igi Ayedun, Juliana Santos, Lidia Lisboa, Luiza de Alexandre, Lyz Parayzo, Mariana Rodrigues, Micaela Cyrino, Monica Ventura, Rebeca Ramos, Renata Felinto, Sheila Ayo, Val Souza e Yaminah Garcia reunindo nesta exposição um conjunto de pinturas, fotografias, assemblages, site-specific, performances e instalações – algumas inéditas, pensadas para a mostra -, e deriva da convocatória nacional proposta pelo coletivo de mulheres artistas Trovoa.

 

 

A palavra da curadoria

 

A noite não adormecerá jamais nos olhos nossos

 

A exposição A noite não adormecerá jamais nos olhos nossos parte da convocatória nacional do coletivo Trovoa que visa, para além de mapear a produção de artistas racializadas, trazer o protagonismo desses corpos para o campo da arte. No impulso de investigar a pluralidade de suas pesquisas e práticas artísticas, a mostra reúne um conjunto de vinte e quatro trabalhos produzidos por dezoito mulheres de diversas gerações e diferentes trajetórias.

 

Nesse sentido, a exposição pretende entrecruzar reflexões acerca da produção dessas artistas, inspirando uma curadoria mais aberta, numa perspectiva de busca por singularidades individuais e coletivas. A partir dessa elaboração simbólica, derivam-se os eixos curatoriais que apontam as convergências entre as obras: a busca pela própria identidade, as violências institucionalizadas e os caminhos de cura por meio de suas vivências.

 

Em tempos como os atuais, de crises de representatividade, A noite não adormecerá jamais nos olhos nossos traz à tona o desejo de subverter e ampliar as narrativas a partir de micropolíticas que emergem como possibilidade de redefinir o futuro. Assim, no espectro transformador que a arte possui, tal experiência de encontros, trocas e chamamentos que o circuito Trovoa propôs nacionalmente contribuem para questionar os discursos hegemônicos que cercam, não somente a sociedade, mas também o campo da arte.

Carollina Lauriano

O poder da palavra no IPN

23/mai

A Galeria Pretos Novos de Arte Contemporânea, do Instituto Pretos Novos, Gamboa, Rio de Janeiro, RJ, apresenta registros em vídeo e fotografias, em  “Tu Mata Eu”, exposição inédita que revela parte da pesquisa do artista Sérgio Adraino H. que se fundamenta em teorias e práticas acerca dos fluxos de informações, das fake news e conhecimento na sociedade contemporânea. A curadoria é de Marco Antônio Teobaldo e permanecerá em cartaz até 20 de julho.

 

 

TU MATA EU

 

O artista visual Sérgio Adriano H. participou de 33 exposições nos últimos doze meses, entre individuais e mostras coletivas. Mas o que chama a atenção na intensa produção do artista, além do volume de trabalhos criados e a sua concorrida agenda, é a sua dedicação e comprometimento em se posicionar como homem negro em uma sociedade racista, e, assim, poder dar voz aos seus pares. Por isso, deve-se dizer que o seu trabalho biográfico possui uma carga de sentimentos profundos e que corajosamente são revelados em suas criações. Segundo a reflexão do próprio artista, vivemos em um mundo cada vez mais conectado na ignorância coletiva e a arte cumpre seu papel resiliente, no despertar dos questionamentos e na liberdade individual de pensar, concluir e se expressar.

 

A instalação “Tu Mata Eu”, que dá o nome à exposição, é formada por letras douradas infláveis, emolduradas por impressões de carimbos com as palavras: “preto”, “puta”, “viado” e “trans”.  De longe as palavras formam apenas os desenhos da moldura e de perto são identificadas com seu significado, deixando visível o indivíduo invisível. O desdobramento deste trabalho é uma performance do artista, na qual ele percorre desde o Cais do Valongo, até o sítio arqueológico do Cemitério dos Pretos Novos, falando estes quatro adjetivos carregados de preconceito.  Estimulado pela força da palavra, Sérgio Adriano H. apresenta a obra “Brasil brasileiro”, em que frases ouvidas desde a sua infância, até os dias de hoje, são estampadas em roupas de bebê, dispostas em um display, que podem ser manuseadas pelo visitante, como se estivessem em uma loja. Ainda associando este ambiente de compra e venda para tratar do racismo estrutural no Brasil, uma espécie de livraria é montada pelo artista, na qual ele se apropria de publicações antigas e realiza intervenções em suas capas e páginas, conferindo-lhes outros significados, mais próximos à realidade em que vivemos.

 

Contudo, a pesquisa do artista tem se desenvolvido intensamente no campo da fotografia, no qual ele se coloca como objeto central, para tratar do corpo do sujeito negro. Na série “O lugar a que pertenço”, 2018, por exemplo, Sérgio Adriano H. se coloca nu dentro de uma lixeira gradeada, em uma calçada. Já na série “Ruptura do invisível”, o seu rosto aparece pintado de branco, e que gradativamente é diluído por um líquido incolor, até que a imagem se desintegre totalmente. Esta obra possui registros em vídeo e fotografias. “Tu Mata Eu”, exposição inédita apresentada na Galeria Pretos Novos de Arte Contemporânea, revela parte da pesquisa do artista que se fundamenta em teorias e práticas acerca dos fluxos de informações, das fake news e conhecimento na sociedade contemporânea. Este conjunto de obras faz refletir sobre o poder de nossas palavras e do nosso silêncio também.

 

Marco Antonio Teobaldo

Curador