In memoriam.

25/jun

É com grande tristeza que comunicamos o falecimento de Katie van Scherpenberg, que morreu na sexta-feira, 20 de junho, aos 84 anos, no Rio.

Van Scherpenberg rompeu profundamente as fronteiras da pintura, expandindo o uso da cor para além da tela, intervindo em espaços físicos e destacando o papel do corpo. Sua prática de pintura e performance – intrinsecamente ligada à Amazônia – era movida por uma fascinação pela impermanência. Ao longo de uma carreira de cinquenta anos, van Scherpenberg explorou a relação entre a natureza e o ser humano, utilizando pigmentos que produzia a partir da terra para criar paisagens que, com o tempo, se dissolviam de volta à natureza, deixando que a própria terra se tornasse simultaneamente meio e mensagem.

Os anos de formação de van Scherpenberg foram divididos entre o Brasil e a Inglaterra. Após estudar pintura na Europa com Oskar Kokoschka, ela retornou ao Brasil e se mudou para a remota ilha amazônica de Santana, onde permaneceu por duas décadas. De volta ao Rio de Janeiro nos anos 1980, van Scherpenberg lecionou na Escola de Artes Visuais do Parque Lage e colaborou com a FUNARTE no desenvolvimento de materiais de qualidade para artistas no Brasil, sendo pioneira na produção de tintas derivadas de pigmentos minerais do solo brasileiro. Essa empreitada aprofundou suas já longas explorações sobre a materialidade e suas investigações intelectuais acerca da pintura. No Parque Lage, ela realizou Jardim Vermelho, um marco na história da pintura brasileira, explorando as porosas fronteiras entre a natureza, o feminino e o gesto artístico.

Ela expôs amplamente no Brasil durante sua vida, incluindo participações na Bienal de São Paulo em 1981 e 1989, deixando uma marca indelével na nossa cena artística. Van Scherpenberg passou a integrar a Cecilia Brunson Projects em 2019, realizando exposições individuais na galeria em 2021 e 2023, além de apresentações de destaque em estandes individuais na The Armory Show (2021) e na Frieze Masters (2022).

Em março de 2025, a Galatea apresentou em São Paulo sua última exposição e passou a representá-la em colaboração com a Cecilia Brunson Projects. Suas pinturas efêmeras começam agora a ser plenamente reconhecidas como formulações pioneiras e profundas do pensamento ecofeminista, servindo como referência em um dos temas mais urgentes que desafiam os artistas hoje.

“A prática expansiva de Katie era nômade, crua e destemida. Sua abordagem dos materiais como portadores de temporalidade, combinada a uma visão singular, conferia à sua obra uma profunda carga psicológica. Sua vida foi marcada por reviravoltas: aos três anos, foi para o Reino Unido durante os tumultuados anos da Segunda Guerra Mundial; aos vinte e poucos anos, retornou ao Brasil apenas uma semana após o golpe militar de 1964 – tema que enfrentou com ousadia e humor sombrio em sua obra. Num gesto característico de autonomia, mais tarde se mudou com a filha para a Ilha de Santana, produzindo trabalhos que testemunhavam essa paisagem remota, fonte que alimentava e sustentava sua prática. Nunca esquecerei quando conheci Katie em 2006, agachada sobre a sua instalação-paisagem nos jardins do Blanton Museum, no Texas, onde seu característico pigmento vermelho-sangue encontrava a grama verde vibrante, apenas para, com o tempo, se dissolver e ser absorvido de volta pela terra. Somos imensamente gratos pela enorme contribuição de Katie à arte brasileira e ao mundo da arte em geral.”

Cecilia Brunson

“Como uma das vozes mais radicais da pintura brasileira, Katie van Scherpenberg deixa um legado de extraordinária força poética e política. Sua capacidade de transformar matéria em gesto – terra em tempo – é inigualável. Na Galatea, sentimos uma profunda honra por termos trabalhado com ela e compartilhado sua visão naquela que se tornou sua última exposição. A obra de Katie continuará a ressoar, provocar e retornar – como a terra que ela tão poderosamente evocava.”

Antônia Bergamin, Galatea

Vínculos artísticos e representatividade.

Ao longo dos 15 anos, a Galeria TATO, Barra Funda, São Paulo, SP, vem estabelecendo relações duradouras com artistas cujas pesquisas se desdobram em diferentes frentes do campo contemporâneo. A representação artística, dentro desse percurso, tem sido entendida não como um ponto de chegada, mas como um compromisso mútuo de continuidade, diálogo e construção.

A cada novo ciclo, a presença desses artistas na galeria se atualiza em exposições, publicações, inserções institucionais e feiras, refletindo processos em movimento e práticas que respondem ao tempo presente com escuta, rigor e imaginação. Ao compartilhar algumas dessas trajetórias, é possível reafirmar não apenas o vínculo entre artista e galeria, mas também o papel desse encontro no ecossistema mais amplo da arte.

A representação é uma camada entre outras tantas da atuação da TATO, que se constitui na intersecção entre acompanhamento crítico, inserção profissional e compromisso com processos contínuos de pesquisa.

Lançamento do catálogo Djanira 110 anos.

24/jun

A Pinakotheke Cultural, no Rio de Janeiro, e o Instituto Pintora Djanira convidam para o lançamento do catálogo “Djanira – 110 anos”, e visita guiada à exposição com os curadores Max Perlingeiro e Fernanda Lopes, no dia 24 de junho, às 19h. O livro bilíngue (port/ingl), tem 128 páginas e formato de 21cm x 27cm, com textos de Max Perlingeiro, Fernanda Lopes e Eduardo Taulois, diretor-geral do Instituto Pintora Djanira, além de uma cronologia da artista e imagens das obras.

Uma parceria inédita.

A Galatea Salvador, Rua Chile, 22 – Centro, BA, e a Luciana Brito Galeria apresentam “Regina Silveira:Tramadas”, a primeira exposição individual da artista na capital soteropolitana, com abertura no dia 04 de julho, das 18h às 21h. A inauguração da mostra coincide com a Semana da Independência da Bahia, celebrada no dia 02 de julho.

Fruto de uma parceria inédita, a exposição tem curadoria de Adriano Casanova e Tomás Toledo, conta com texto crítico de Ana Maria Maia e reúne obras emblemáticas de Regina Silveira, muitas delas inéditas no Brasil, que sintetizam sua pesquisa em torno do bordado ao longo dos anos.

Elemento recorrente na obra de Regina Silveira desde 1999, o uso do bordado em ponto de cruz, entendido como codificação da imagem, remete a uma herança trans-histórica e intercultural, relacionada à própria história remota da alfabetização das mulheres, em sua trajetória de resistência.

Uma grande instalação site-specific será destaque da mostra. Intitulada “Malfeitos”, faz parte da série dos “bordados malfeitos” e ganha uma reativação inédita adaptada à fachada de vidro da galeria, convidando o público a conhecer mais. Outros trabalhos apresentados incluem “Dreaming of Blue II” (2016), painel em cerâmica com sobrevidrado, em diálogo com a série histórica de gravuras “Risco” (1999), além de gravuras da série “Armarinhos” (2002-2003), representando elementos relacionados à prática do bordado, como agulha, botão e alfinete, e as serigrafias “Tramada” (Pink) (2014) e “Blue Skies” (2015).

Até 11 de outubro.

Visita guiada na exposição de Dani Cavalier.

13/jun

A Galatea Oscar Freire, São Paulo, SP, convida para a visita guiada da exposição “Dani Cavalier: pinturas sólidas” no dia 14 de junho, sábado, às 11 horas. Durante a visita, conduzida pela própria artista, o espectador terá a oportunidade de aprofundar nos trabalhos que integram a pesquisa de Dani Cavalier em torno do que ela chama de “pinturas sólidas”.

Por meio da justaposição de blocos de cor formados por retalhos de Lycra reaproveitados da indústria da moda, as “pinturas sólidas” de Dani Cavalier investigam as fronteiras entre pintura, escultura e instalação. Embora remetam à pintura tradicional – com o uso de chassi, composição e suporte -, essas obras rompem com a lógica pictórica ao substituir a tinta por tecidos entrelaçados. Ao incorporar técnicas têxteis associadas a saberes populares, muitas vezes transmitidos por mulheres fora do circuito das Belas Artes, a artista aproxima arte e artesanato, questionando hierarquias e expandindo os limites da prática artística.

Acompanhamento curatorial.

12/jun

A Galeria TATO, Barra Funda, São Paulo, SP, convida para a abertura da exposição “Crise fractal”, mostra que integra o Ciclo Expositivo do Programa Casa Tato – edição 12. Resultado de um processo de acompanhamento curatorial e trocas ao longo de sete meses, “Crise fractal” reúne obras que refletem distintos percursos poéticos e formas de abordagem das urgências do presente, com atenção à potência das construções coletivas. Com curadoria de Lucas Dilacerda e assistência de Maria Eduarda Mota, a exposição apresenta trabalhos desenvolvidos por dez artistas participantes da 12ª edição do programa.

E pelas próprias palavras do curador: “Crise fractal celebra o coletivo como potência estética e política. A exposição nos lembra que nenhuma criação ocorre de forma isolada, que todo gesto artístico carrega as marcas de seus encontros, das suas escutas, das redes que o constituem. Em tempos de crise, imaginar saídas possíveis exige coragem, mas também con-vivências: é preciso criar juntos, resistir juntos, sonhar juntos, pois a beleza está no coletivo”.

Casa Tato 13 | Inscrições abertas

Com a exposição Crise fractal, a 12ª edição da Casa Tato se encerra reunindo os desdobramentos poéticos desenvolvidos ao longo do programa. Agora, a Galeria TATO segue com as inscrições para a 13ª edição do projeto. Voltado a artistas em processo de inserção no circuito, o programa propõe um percurso de acompanhamento crítico e imersão no sistema da arte.

A potência emocional de Stella Margarita

10/jun

A trajetória de Stella Margarita pelo circuito artístico do Rio de Janeiro foi breve, mas profundamente marcante. Um recorte significativo de sua produção poderá ser contemplado na exposição “Stella Margarita: Fugas que se movem”, no Instituto Cervantes do Rio de Janeiro, Botafogo, no dia 17 de junho. A expressão “fugas que se movem” é da própria Stella Margarita. A partir dela, foi construído este retrato curatorial, um convite à imersão na força psicológica e humana de sua pintura.

Tendo como ponto em comum a investigação da dimensão humana e do movimento físico e emocional, foram selecionadas algumas de suas principais séries, entre elas Abraços, Álbum de Família e Fotogramas. A proposta desta individual é oferecer ao público uma imersão nessas fugas: uma visão de mundo singular, ancorada na dimensão humana mais do que na estética pura. Embora sua técnica fosse apurada, o verdadeiro motor de sua criação sempre foi o sentimento. Stella Margarita buscava traduzir emoções em imagem – por isso, dedicou-se intensamente a retratar olhares, gestos, abraços. Fundos marcantes, muitas vezes abstratos, revelam atmosferas emocionais. Os personagens parecem levitar, cair, escapar, mas como se trata de fugas que se movem, há sempre a possibilidade do reencontro, da volta.

Atualmente, sua obra pode ser vista na novela Vale Tudo (TV Globo), nas telas assinadas pela personagem Heleninha, interpretada por Paolla Oliveira.

“O movimento é um elemento central na linguagem de Stella. Ele se revela na pincelada livre e marcante, nos flagrantes de cenas cotidianas, e nas apropriações que fez do cinema e da performance, incorporando essas expressões a sua própria. Mas trata-se sempre de um movimento em fuga – fugas que se movem, fugas que retornam. É nessa constante busca e deslocamento que sua obra pulsa com uma densidade psicológica única. Muitas vezes perturbadora. Um convite à fuga, e ao retorno”.

Stella Margarita iniciou sua formação artística tardiamente, na Escola de Artes Visuais do Parque Lage. Produziu intensamente por cerca de uma década, combinando urgência criativa e consistência técnica. Reinventou-se diversas vezes; adotou novos nomes, novos projetos e abraçou uma nova missão artística. Ganhou prêmios, como o do IBEU, participou de uma residência em Leipzig, e integrou diversas exposições. Sua ascensão, no entanto, foi abruptamente interrompida em 2020 por um diagnóstico de ELA bulbar, uma forma agressiva e rara da doença. Frente à progressiva limitação motora, Stella Margarita impôs a si mesma uma nova resistência: espalhou em seu ateliê a frase “fuerza carajo” como um grito de vida. E seguiu criando. Em 2021, montou um estúdio improvisado em Genebra, onde considerava iniciar um tratamento experimental. Contudo, optou por voltar ao Rio de Janeiro, e transformou sua casa em espaço de produção. Mesmo com a redução da motricidade e do tamanho dos quadros, a potência emocional se manteve intacta. Talvez como um gesto de ironia poética, suas últimas telas retratam cenas leves da vida familiar, cores quentes, ambientes externos, cotidianos ternos. Uma fuga, ou talvez uma síntese. Stella partiu precocemente em 2022, aos 66 anos de idade, deixando um legado artístico admirável.

Até 19 de julho.

A Fermata Erótica na Galeria Marcelo Guarnieri.

06/jun

 A Galeria Marcelo Guarnieri, Jardins, São Paulo, SP, apresenta, entre 14 de junho e 31 de julho, “Fermata Erótica”, terceira mostra do artista José Carlos Machado (Zé Bico). A exposição reúne um conjunto de 27 esculturas realizadas durante os últimos três anos e outras 9 realizadas entre os anos de 2020 e 2021, exibidas pela primeira vez. A partir da força magnética dos ímãs, Zé Bico dá continuidade à sua investigação sobre o equilíbrio e a instabilidade, explorando, através de objetos em chapa metálica, ferro, aço, feltro e areia, as tensões entre a força gravitacional e a matéria. A exposição conta com texto de apresentação do artista e curador Rafael Vogt Maia Rosa.

Ter trabalhado por tantos anos com ímãs na produção de suas obras permitiu a Zé Bico desenvolver uma prática baseada em movimentos sutis, de cálculos exatos, gerados não por métodos teóricos, mas sim empíricos. Em “Fermata Erótica”, o artista apresenta peças em diferentes escalas e alturas, contrapondo a dureza e a ortogonalidade de blocos e cilindros de ferro ao movimento curvo das fitas metálicas. Firmes em suas bases, essas esculturas relacionam-se com o espaço através dos vazios contornados por linhas sinuosas e formas abauladas que remetem ao símbolo da fermata. É um exercício que busca desacelerar a força de atração magnética, que por sua natureza impetuosa, se satisfaz na estabilidade do encontro imediato dos pólos opostos. Como define Maia Rosa em seu texto: “A fermata é a arte da suspensão. Não se trata de paralisar o tempo, mas de prolongá-lo. Esticar o instante até que ele vibre como uma promessa do que ainda não veio – como na notação musical, não marca um fim, mas a indeterminação do tempo extra que é do corpo do intérprete, do desejo que se recusa a seguir o previsto.”

Em uma das paredes laterais, Zé Bico apresenta “Porradinhas”, um conjunto de 9 peças em imã de ferrite produzidas entre os anos de 2020 e 2021, exibidas pela primeira vez. Maia Rosa as descreve como uma “série sustentada pela convicção de que o acidental é ao mesmo tempo intermediário e irremovível, sugere que não devemos atacá-lo ou desenraizá-lo em homenagens impotentes, mas transformar os restos em uma malha estruturante, microscópica como ramo insondável de toda sua poética.” Na área central da galeria distribuem-se as esculturas maiores, algumas delas ultrapassam a altura dos nossos corpos e também se curvam. A curvatura, neste caso, é resultado de um movimento provocado pelo seu próprio peso. Pendem e vibram, ora silenciosas, ora ruidosas, ativando um campo sonoro que ressoa em todas as outras esculturas dispostas ao nosso redor. E a partir do encontro com essa presença musical, “Fermata Erótica”, composta por 36 obras no total, parece se revelar em sua disposição seriada como uma partitura imantada e distribuída pelo espaço.

Sobre o artista.

José Carlos Machado (Zé Bico) nasceu em 1950, em São Paulo, SP, cidade onde vive e trabalha. Formado em Arquitetura e Urbanismo pela FAU/USP, José Carlos Machado (Zé Bico) produz e expõe como artista desde meados da década de 1980. Dentre as diversas exposições individuais e coletivas realizadas, destacam-se as seguintes: Projeto Macunaíma, Funarte, Rio de Janeiro, Brasil; O Reducionismo na Arte Brasileira (19ª Bienal de São Paulo), Fundação Bienal de São Paulo, São Paulo, Brasil; Exposição Internacional de Esculturas Efêmeras, Fortaleza, Brasil; O Estado da Arte, Instituto Figueiredo Ferraz, Ribeirão Preto.

Grupos inéditos de esculturas em cerâmica.

A Gomide&Co, Cerqueira César, São Paulo, SP, apresenta Fogo Fumo, primeira individual de Tiago Mestre (Portugal, 1978) na galeria. A abertura será no dia 07 de junho, e a exposição segue em cartaz até 09 de agosto. O texto crítico é assinado por Verônica Stigger.

A exposição consiste em uma grande instalação site-specific, composta por diferentes conjuntos escultóricos, que ocupa todo o espaço expositivo. Apresentando grupos inéditos de esculturas em cerâmica, a mostra funciona como uma síntese de aspectos fundamentais da produção do artista, além de aprofundar investigações que têm estado bastante presentes em seu trabalho há alguns anos. Para receber a proposta instalativa de Tiago Mestre, a galeria passou por uma alteração importante em seu espaço expositivo, removendo a parede da fachada que bloqueava a visão entre interior e exterior. Com essa mudança, a exposição passa a funcionar como uma espécie de vitrine na qual as peças em exibição estabelecem um diálogo com a própria cidade.

Para “Fogo Fumo”, Tiago Mestre parte de uma reflexão sobre a tradição da cerâmica portuguesa, com particular atenção para a longa tradição da olaria do Alentejo, onde nasceu e cresceu, propondo uma reelaboração que coloca em perspectiva aspectos históricos, sociais e culturais dos objetos. Assunto ao qual dedica especial atenção mesmo antes de ter começado a trabalhar com escultura em cerâmica, o processo de revisão da produção tradicional da olaria do Alentejo surgiu na trajetória do artista como um ponto de conexão entre sua origem e a noção de espaço advinda da arquitetura, sua primeira formação. Na exposição, Tiago Mestre trata de objetos que não estão mais numa condição estável, apresentando-se como vestígios de um ciclo interrompido no tempo. Uma viga de aço própria da construção civil atravessa o espaço expositivo e funciona como um eixo em torno do qual se organizam diferentes esculturas em cerâmica baseadas em peças utilitárias oriundas no universo da olaria popular de Portugal. As tipologias apresentadas pelo artista inspiram-se num vasto repertório de elementos utilitários populares, como cântaros, jarros, bilhas, ânforas, tigelas, copos e canecas, associados aos antigos espaços de convivência e consumo de álcool e tabaco, como a tasca, a adega e a venda. No entanto, Tiago Mestre interfere nas formas originais desses elementos, criando deformações que remetem à condição de embriaguez provocada pelo consumo das substâncias que tais utensílios costumam conter. Tal intervenção promove o deslocamento desses objetos de seu contexto cotidiano e utilitário para o universo da arte contemporânea, demarcando ao mesmo tempo indícios que remetem ao seu uso em determinada época e lugar.

Em articulação com esse conjunto de obras, a exposição apresenta também esculturas de cachimbos que remetem aos cachimbos de cerâmica branca produzidos em Londres entre meados dos séculos 16 e 19, com reminiscências até os dias de hoje e disseminados em outros centros urbanos na Europa. Mas os cachimbos de Tiago Mestre, por sua vez, apresentam uma configuração sinuosa, contorcida, que remete ao caráter volátil da própria fumaça. As fumaças também estão presentes na exposição, numa configuração não mais atmosférica, mas sim rochosa, quase que como um elemento fóssil. “Se, numa observação mais detida, percebe-se que esse conjunto de obras não constitui uma paisagem, permanece, no entanto, a sensação de caverna e de pré-história,” comenta Verônica Stigger em seu texto para a exposição. A produção de Tiago Mestre é marcada por atravessamentos em diversos campos que se entrecruzam. Originário de Beja, cidade na região do Alentejo, sul de Portugal, o artista mudou-se para o Brasil em 2010, estabelecendo-se em São Paulo. O período coincidiu com sua passagem do meio da arquitetura, sua primeira formação, para as artes visuais – inicialmente com ênfase na pintura, passando em seguida a trabalhar também com escultura e instalação. De modo que sua prática artística é bastante marcada por uma noção de deslocamento tanto territorial quanto disciplinar que embasa sua maneira de lidar com as linguagens que compõem sua produção. Na obra de Mestre, pintura, escultura e instalação acontecem em constante diálogo entre si, superando as fronteiras disciplinares entre os meios. A pintura espelha a experiência escultórica, assim como o elemento escultórico apresenta muitas vezes inserções pictóricas. E um dos principais pontos de partida para pensar uma obra ou exposição é a noção de dispositivo instalativo, ou seja, o trabalho entendido como uma composição sensível que se coloca de maneira crítica no espaço.

Uma intervenção artística de Paty Wolff.

O Instituto Ling, Três Figueiras, Porto Alegre, RS, recebe a artista Paty Wolff para realizar uma intervenção artística inédita em uma das paredes da instituição. De 09 a 13 de junho, o público poderá acompanhar gratuitamente a criação da nova obra, feita ao vivo durante o horário de funcionamento do centro cultural. Será possível observar o processo criativo, técnicas e movimentos durante a produção. Após a finalização, o trabalho ficará exposto para visitação até o dia 09 de agosto, com entrada franca.

A atividade faz parte do projeto LING apresenta: Quando as fronteiras se dissolvem, com curadoria de Paulo Henrique Silva, que tem o objetivo de aproximar o Rio Grande do Sul da cultura do Centro-Oeste, trazendo artistas visuais da região para desenvolverem obras inéditas no centro cultural. Após a finalização do mural, a artista comentará a experiência e o resultado em bate-papo com o público e o curador no dia 14 de junho, sábado, às 11h, em frente à obra. Faça sua inscrição sem custo.

Quando as fronteiras se dissolvem.

Quando a linha do horizonte se desloca e as fronteiras deixam de pertencer aos mapas oficiais, emerge um campo múltiplo de vozes, imagens e gestos. Não há centro imóvel nem periferia silenciosa; existe, sim, um circuito de narrativas poéticas em constante movimento, uma paisagem de caminhos que se cruzam e ressoam. Ao valorizar a heterogeneidade, o projeto Ling Apresenta faz florescer uma cartografia viva, na qual cada região do país se liberta da rigidez hierárquica e cria pontos de contato entre si. Dessa forma, não se legitima um único lugar de fala, mas uma polifonia que insiste em modos alternativos de perceber e habitar o mundo. A arte contemporânea brasileira, por si só, desfaz ideias de um plano cartográfico hegemônico ao redefinir as relações entre regional e nacional, local e global, periferia e centro. Artistas que vivem e trabalham em Mato Grosso, Distrito Federal e Goiás, mesmo diante de delimitações políticas, econômicas e geográficas, persistem em estabelecer diálogos com as grandes metrópoles. Assim, projetam suas carreiras em âmbito nacional e internacional, comprovando que a distância não impede a potência criativa. A seleção de artistas apresentada propõe um olhar para um território que, embora geograficamente seja o centro do país, permanece à margem de políticas expressivas de fomento à arte contemporânea. Quando comparado à Região Sudeste, o Planalto Central converte-se em uma espécie de limbo. No entanto, compreender a produção artística do Centro-Oeste como um dos eixos da arte brasileira exige reconhecer que transformações sociais, políticas e econômicas superaram o antigo paradigma de periferia em estado de inferioridade. O imaginário do exótico, outrora associado às criações fora do eixo Rio-São Paulo, agora atrai atenção para a arte produzida no Planalto Central. Os artistas escolhidos para esta edição do projeto Ling Apresenta colaboram para construir uma história da arte horizontal, em que periferias e centros aparecem no mesmo mapa, reforçando a pluralidade de vozes que compõem o cenário nacional.

Paulo Henrique Silva/Curador

Sobre a artista.

Paty Wolff é artista visual, escritora e mestre em Geografia. Com uma produção multifacetada, trabalha relações étnico raciais, memória, identidade, ancestralidade e diáspora em uma perspectiva contra colonial. Transita por diversas linguagens artísticas como pintura, desenho, ilustração, escultura, cerâmica e escrita da palavra. Participa de exposições coletivas desde 2016, com destaque para Encruzilhadas da Arte Afro-Brasileira, no Centro Cultural Banco do Brasil (SP, BH, RJ e BA) e Funk: um grito de ousadia e liberdade, no Museu de Arte do Rio (2023). Em 2022, foi indicada ao Prêmio Jabuti com o livro Como pássaros no céu de Aruanda (Editora Entrelinhas), também é autora de Azul Haiti e Thehcitura. Paty Wolff é uma das artistas indicadas ao Prêmio PIPA de 2025. Vive e trabalha em Cuiabá/ MT.

Sobre o curador.

Paulo Henrique Silva nasceu em Anápolis, Goiás. Foi aluno e professor na Escola de Artes Oswaldo Verano, mantida pela Prefeitura de Anápolis, e graduou-se em Artes Visuais pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Desde 2004, dedica-se à curadoria, com foco no estudo e na pesquisa da arte contemporânea produzida na Região Centro-Oeste do Brasil. Foi curador em mais de onze edições do Salão Anapolino de Arte e tem contribuído significativamente para a ampliação do acervo do MAPA e o fortalecimento da arte contemporânea no interior do Brasil. De 2020 a 2024, foi responsável pela Coordenação do Fundo Municipal de Cultura e Editais, Curadoria e Gestão do MAPA e da Galeria de Artes Antônio Sibasolly, em Anápolis.