A exposição da Coleção de Arte Popular de Cesar Aché na Galeria Evandro Carneiro Arte, Gávea, Rio de Janeiro, RJ, será exibida entre 09 de setembro e 06 de outubro.
Cesar Aché é um dos mais importantes colecionadores de Arte Popular do país. Começou a formar a sua coleção em 1975, quando adquiriu uma peça do artista Nino, em Fortaleza. Um ano depois, inaugurou a sua galeria em Ipanema, centro do mercado de arte naquele tempo. Era um espaço muito charmoso que inovou na decoração de interiores, com um chão de sisal natural e móveis desenhados por ele mesmo. Sua loja iniciou com a venda de gravuras – Cesar Aché sempre gostou de arte em papel – e em 1977 a arte popular foi incorporada ao acervo.
Ele viajava pelo Brasil todo, conhecendo e visitando artistas, escutando histórias locais e comprando obras… Muito rapidamente começou a separar as suas preferências, em meio às compras que fazia para a galeria. “Ao longo dos anos eu fui fazendo uma seleção do que eu mais gostava porque minha coleção nunca foi uma acumulação. Cada uma dessas foi comprada individualmente e por um motivo. Nada aqui veio aos lotes. Mesmo os Ex-votos eu comprei um a um.” (Cesar Aché, 2025).
Em entrevista oral à autora, em julho 2025, Cesar Aché rememorou a história de sua coleção e alguns dos trechos de nossa conversa seguem aqui destacados como citações diretas porque ele explica o processo muito melhor do que eu poderia retransmitir. Transformei as minhas perguntas em intertítulos, interconectando fluxos e temas. Cabe salientar que as peças que ele coleciona foram escolhidas com muito esmero e individualmente, conforme acima. São peças com 40 anos de trajetória e cujas histórias lhe foram passadas pelos próprios artistas. Esta é uma característica fundamental dos trechos que se seguem: as histórias que Cesar Aché conta, ele escutou da própria fonte oral de cada uma dessas tradições. São histórias regionais e populares contadas por meio da arte e expressas nessa exposição.
As obras expostas nesta mostra – concebida e curada por Cesar Aché para acontecer na Galeria Evandro Carneiro Arte, estão todas à venda. Como dito no início deste texto, a concepção de coleção dele nunca foi acumulativa. Primar pela qualidade sempre foi mais importante do que a quantidade. Assim, chegou um determinado momento em que Cesar resolveu passar adiante as suas peças, em conjunto com as histórias que delas emanam. Cada uma com sua peculiaridade e narrativa.
Laura Olivieri Carneiro.
Preservação cultural e usos da cor pelos artistas
“O meu olho sempre foi o da preservação. Eu tinha muito interesse no aspecto formal das obras: como é que esses artistas resolveram a espacialidade, os cortes e o uso das cores? Como a cor foi usada? Porque o uso da cor é diferente em cada um desses artistas. Todos do interior e naquela época em que eu tinha a loja, então, não havia internet nem nada, eles nunca viram nada de arte, nunca viram os fauvistas alemães. E veja, esse Nino aqui como o uso da cor é interessante! Há outros artistas que quase não usam a cor. A Noemiza usa exclusivamente a cor do barro e o branco. O Sr. Ulisses usa mais para realçar os detalhes. A cor no sr. Ulisses sublinha a escultura, mas não é um elemento essencial. É mais ou menos – fazendo um paralelo – como o uso da cor pelo Rubem Valentim em seus relevos, em que o Rubem faz um relevo e toda a silhueta é coberta de uma cor. O sr. Ulisses acentua os volumes com uma linha de cor. Já o Nino usa a cor para definir os planos de corte da obra.” (Cesar Aché, 2025).
Temas e ciclos: memória social e diversidade regional
“Naqueles anos, havia temas, cenas e tipos de criações que deixaram de existir, como os brinquedos populares. Esses brinquedos eram feitos por pessoas pobres para crianças pobres brincarem. Mas as coisas foram mudando no país e no mundo… Em uma viagem mais recente que fiz ao Ceará – que sempre foi um grande centro de Arte Popular e as coisas convergiam para Fortaleza para serem vendidas nos mercados e nas feirinhas das ruas e das praças – perguntei por brinquedos para um artista velhinho que me disse literalmente o seguinte: “Ah, meu senhor, eu sei muito bem o que o senhor está procurando. Já vendi muito brinquedo, mas hoje nem filho de pobre brinca mais com esse tipo de coisa. Filho de pobre quer brinquedo chinês.” O que ainda se acha hoje de brinquedo, são feitos para serem enfeites (como essa roda gigante cujas luzinhas piscam e o carrossel que vou botar na exposição).”
“Alguns artistas eu tenho mais que outros. A Noemiza por exemplo e o Vitalino faziam as obras a partir dos ciclos do casamento, do trabalho, das profissões, dos presépios… E como eu tinha muito acesso eu comprava.”
“Havia dois meninos, primos, que trabalhavam a tradição local: um fazia as lendas do folclore e o outro fazia peças com onças a partir das histórias que eles ouviam. Fábulas com tamanduás (Wanderley) e coisas assim. Eu gostava de recolher as obras porque as peças contam histórias. Tudo na minha coleção tem história e a maioria tem mais de 40 anos. E eu conservo bem, cuido. Aqueles panos bordados (Cesar vai mostrando as peças) estão guardados há 15 anos em um baú, embaladinhos em plásticos. Eu comprei de um comerciante de Minas Gerais. Essa Nena, uma Babel de barro, ela é discípula do João das Alagoas. João montou um ateliê coletivo, fez um forno e ensinou a vizinhança. Esse São Jorge é do Leonilson.”
“O Vitalino não fez escola, os filhos eram seus herdeiros, era uma guilda familiar. Zé Caboclo e Manuel Eudócio aprenderam com o Vitalino, mas não são discípulos dele, criavam com a sua própria característica.”
“Nhô Caboclo, por exemplo, não ensinou ninguém. Vivia na rua, abandonado, quase um indigente mas era um gênio.” (Cesar Aché, 2025).
Todos os trechos acima são partes de uma conversa oral com Cesar Aché em julho de 2025 e transcritas pela autora em agosto do mesmo ano para o folder da exposição de sua coleção na Galeria Evandro Carneiro Arte.