Livro de fotografias de Ed Beltrão

19/out

 

 

Ed Beltrão lançou – inclusive com exposição – seu primeiro livro sob o título “Temperança”, curadoria de Juan Esteves, e 20 fotografias que exibem um recorte de seu trabalho onde todas as imagens possuem a “água” como foco central ou parcial.

 

 

“Temperança” é o resultado visual da influência de John McCurdy na visão criativa do artista que o levaram a criar imagens com simbologias onde “as águas podem ser mais turbulentas em fases mais jovens de nossa existência e ficam mais calmas – temperadas –  com o passar dos tempos” explica Ed Beltrão. “Aventura, mistério e beleza emanam de fotografias inspiradas pelo vasto mar da costa brasileira, pelos sinuosos manguezais e canais que cortam terra adentro, bem como por paragens mais remotas, que podem ir da Patagônia argentina às fontes de árvores congeladas pelas ruas de Boston ou de Nova York”, confirma Juan Esteves.

 

 

O equipamento fotográfico é o que estiver disponível no momento do click – um iPhone, uma Leica, uma Nikon – o que for mais adequado aos recortes da cena, que são sua preferência, o que fazem com que utilize lentes Zoom que possibilita a aproximação da cena mesmo estando um pouco distante sem alterá-la ou assustar os personagens no frame. A opção de Ed Beltrão é, em sua maioria, pelos cinzas, pretos e brancos por valorizarem o foco da imagem. “Acredito que seja mais impactante ao olhar e também por gostar de ver recortes de cenas, linhas que se cruzam e marcam e, sobretudo o belo, o leve, o alegre, as proporções, entre outros”, diz o fotógrafo. Suas imagens refletem os valores culturais, o comportamento e a tecnologia do momento atual.

 

 

Nas 20 obras selecionadas para a exposição, um recorte do livro que está lançando, são “imagens que levam o leitor a essa múltipla viagem que destaca o oceano como fonte de inspiração auspiciosa e de ressonância poética”, define o curador e editor do livro Juan Esteves.

 

 

O momento do fotógrafo é de redefinições, registros e documentação para a vida. Em suas próprias palavras, nos últimos anos estou mais focado em deixar meu legado na área. Gosto de capturar cenas que expressam o silêncio, a beleza e a harmonia. Procuro criar um universo poético no qual o público possa penetrar e criar a verdade dele sobre o momento. Eu sempre acredito que minha melhor foto é aquela que vou clicar amanhã.”

 

 

“Temperança oferece um tributo duradouro à força mais poderosa da natureza.”

 

 

Juan Esteves

 

Lina Kim na Casanova

 

 

“Sem perfume”, é o título da nova exposição individual da artista brasileira-coreana Lina Kim na Casanova, Jardim Paulista, São Paulo. Composta por uma série de desenhos, pinturas e fotografias inéditas, Lina dá continuidade a sua pesquisa pictórica e textual ampliando a natureza dinâmica e recíproca entre a escrita e a imagem.

 

 

Para esta mostra a artista usa o espaço da galeria de maneira instalativa ao apresentar quatro séries inéditas de trabalhos bidimensionais. Usando elementos tradicionais do desenho, como sumi-e, nanquim, pastel seco e lápis, a artista propõe universos diferentes que se comunicam, baseados na construção da imagem.

 

 

Até 20 de novembro.

 

 

Sem Perfume: Estratégias de Perlocução

 

 

Se o uso da locução for considerado como um termo de significado intrínseco ou de referência, ou seja, distinto da sua função e contexto imediato, então a perlocução é aquela que em si mesma tem uma ação como seu objetivo, mas que não tem efeito ou constitui a ação, por exemplo, persuadindo ou convencendo. Assim sendo, é o caminho de perlocução gradual da persuasão e deslocamento que devemos seguir visualmente, a fim de experimentar e avaliar o discernimento trabalhado nos desenhos da artista Brasileira-Coreana Lina Kim. O fato de serem elaborados em séries diferentes não significa que se destinem necessariamente a ter uma leitura sequencial particular. Em outras palavras, permanecem como singularidades com um todo que constitui uma série não numerada, assumindo qualidades contextuais e significados em cada local da sua apresentação escolhida.

 

 

Um exemplo imediato de deslocamento fica evidente no grupo de obras OpOp que assumem a forma de campos retangulares monocromáticos emoldurados com uma fonte sincopada. O deslocamento é que os aspectos textuais assumem um papel pictórico em vez de apresentarem o determinismo fonético de uma linguagem escrita, daí a perlocução residir no fato de que enquanto a letra pode ler Space Stations ou Remembering Mountains, ou muitas outras referências dispersas selecionadas, o espectador é levado a um estado de compreensão por meios puramente visuais. Os vários tamanhos das letras e a assimetria de apresentação são circunlocuídos em torno da periferia do campo colorido, e isto evoca uma sensação difusa, fora de qualquer apreensão narrativa imediata. Como resultado, este grupo único de desenhos é apresentado como imagens de punctum, subjetivas, estímulos que levam a um poder de descoberta sutil mas persuasivo, ao invés de um determinismo didático.

 

 

O adiamento de um determinismo imediato é um aspecto central destes desenhos quando vistos como um todo, e é por isso que a artista Lina Kim usa o termo “sem perfume” a fim de explicar a natureza desse adiamento. O termo ‘sem perfume’ baseia-se no sentido olfativo e sugere que está em jogo uma forma de sinestesia psíquica. Este conceito que já existe há muito tempo na cultura visual em relação à abstração precoce, mas que tem sido geralmente atribuído ao intercâmbio do visual e do auditivo. Falar do “sem perfume” é, portanto, menos uma negação e mais uma denotação de ausência que o artista deseja fazer presente através desse deslocamento. Uma vez que a palavra ‘sem’ significa simplesmente a ausência de uma qualidade ou estado imediato. Somos levados a compreender isto novamente num outro grupo de desenhos chamado ‘Eyes’ que apresentam linhas de desenho em forma de olhos, em estado de repetição variável. Enquanto que a um nível podem jogar com a ideia de um teste ocular, a outro nível mais profundo são simultaneamente como uma espécie de braille visual. Como resultado, somos novamente levados a pensar em termos de deslocamento, ou seja, longe do visual para o táctil. É um lembrete salutar que, embora a experiência destes desenhos seja visual, a sua produção é o resultado dos processos de desenvolvimento da mão táctil sensorial. E é característico do tempo presente (um tempo de pandemia) que nos lembramos que a criatividade incorpora a simultaneidade de todos os sentidos.

 

Na série não numerada de desenhos chamados Ilhas, a ideia aproxima-se do genético através do microbiano ou da ameba, o que não significa que estas representações aquareladas se destinem a espécies de petri-dish, longe disso. É antes o fato de se abrirem como atóis ligados a variáveis vinculadas referencialmente. Embora não se destinem a ser uma representação específica, têm, no entanto, quando vistas em conjunto, o poder imaginário e acumulativo que se assemelha a um livro cintilante. Mas neste caso, a ênfase é colocada mais imediatamente na interação óptica e sensorial da aplicação do material e do suporte, onde vemos a aquarela espalhar-se e impregnar parcialmente a superfície do papel. Não se pretende, contudo, que sejam alusões a ilhas reconhecíveis ou localizáveis, apesar de sugerirem e de terem um ponto de vista aéreo comum a formas de cartografia de apresentação. É em grande parte o caso dentro do desenho criativo (por oposição ao esboço), que embora a superfície de papel seja um suporte horizontal, a relação do olho com a superfície é, na maioria das vezes, a de um ponto de vista aéreo. Pode supor-se que as aplicações de aquarela tricolor das ilhas, foram geradas de forma semelhante vistas por cima por Kim. Dado que o desenho é um meio mais imediato em relação à duração da pintura, encontramos um sentido de espontaneidade muito maior do que poderíamos supor à primeira vista.

 

 

Se utilizei o termo estratégia no início, não é para determinar qual é o conceito, uma vez que Lina Kim não se considera uma artista conceitual com um sistema pré-determinado. Os desenhos são evocações abertas, perlocuções pessoais, ou seja, os seus desenhos não direcionam o espectador para uma leitura fixa e significado(s) pré-determinado(s). Pelo contrário, ela prefere, na sua prática de desenho, abrir a potencialidade de múltiplas respostas do que seria considerado como diferença. Para isso, e ao longo destes desenhos, ela introduziu ideias do intra-sensorial, aquilo que é retido “dentro” dos sentidos, como diferente de um inter-sensorial existente entre os sentidos. Ao mesmo tempo, a sua conceitualização não é abstrata, pois existem relações análogas intencionais com o mundo natural, testemunhadas em outro dos seus meios mais utilizados, a fotografia. De fato, na série de fotografias de ambientes naturais, floresta e vegetação rasteira, com a sua poiesis do visual e do auditivo, podemos ser tentados a pensá-las como o reservatório oculto das ideias da artista expressas através dos seus desenhos. Em geral, este não é o caso da fotografia que é, na maioria das vezes, um meio de incisão e extração, enquanto que o desenho é o portador da intimidade do momento. Como resultado, a instalação atual dos seus desenhos é uma visão desse mundo pessoal privado.

 

 

©Mark Gisbourne

 

 

 

Cabelo

14/out

 

 

Aurora Incorpora Cobra Coral

 

 

A Gentil Carioca, o Auroras e a Bergamin & Gomide, têm o prazer de apresentar a exposição “Aurora Incorpora Cobra Coral”, a primeira exposição do poeta, músico e artista visual Cabelo no espaço Auroras, Morumbi, São Paulo, SP.

 

 

A voz d’ Aurora canta luz com trevas
Aurora incorpora cobra coral
O som da chuva que cai lá fora
E a força do raio que chega com o temporal

 

 

Sua obra pulsante incorpora o espaço, ressoando a concepção de Lygia Clark – “a casa é o corpo” – e trazendo um conjunto heterogêneo de referências que convivem: desde figuras de religiões de matrizes africanas até cosmologias dos povos originários desta terra. Dentro de sua mitologia própria que é materializada nesse grande projeto “Luz com Trevas”, a exposição traz novas pinturas, desenhos, monotipias, esculturas, neons, instalações e vídeos em um ambiente camuflado pelas padronagens características do artista.

 

 

Esse diálogo com a produção do artista ocupa diferentes ambientes do Auroras e essa EXUberancia é incorporada ao espaço que abriga e torna-se também personagem nessa exposição realizada a partir de uma parceria entre as galerias e o espaço Auroras.

 

 

Se a poesia é um dos pontos de partida para o artista, na mostra, todas as linguagens se misturam para criar um ambiente onde confluem diversas ancestralidades.

 

 

Aqui a Casa é o Corpo, o Cavalo que Incorpora Cobra Coral, Cavalo do Cavalo!

 

 

 

 

As obras estão expostas no espaço físico do Auroras
Visitação: sex e sab de 11 às 18h.

 

 

 

Outros dias, mediante agendamento.

 

De acordo com os protocolos estabelecidos pelas autoridades, só será permitida a entrada após a apresentação do comprovante de vacinação contra a Covid-19 (digital ou físico). Na entrada, será medida a temperatura corporal e é obrigatório o uso de máscara durante a visitação à exposição.

 

 

 

 

De 16 de outubro a 29 de janeiro de 2022.

 

 

Eduardo Berliner: desenhos no Museu Segall

06/out

 

 

 

 

O Museu Lasar Segall, São Paulo, SP, apresenta a exposição “Eduardo Berliner: Desenhos”.

 

Tudo o que fiz na minha vida foi norteado pelo desenho.
Eduardo Berliner

 

 

Eduardo Berliner vem construindo, ao longo dos últimos vinte anos, um sólido e potente corpo de trabalho. Dialogando fortemente com a tradição da pintura ocidental e engajando-se nas especificidades do meio e suas possibilidades expressivas, ele logrou proporcionar novos capítulos e possibilidades, afirmando a potência desse suporte nos dias de hoje. Por meio de uma notável virtuosidade técnica e colorista, Berliner plasma imagens inquietantes em suas telas, habitando o espaço fronteiriço entre o sonho e o real, o imaginado e o observado, questionando constantemente, na superfície de suas pinturas, as distinções entre esses registros.

 

 

O estranhamento causado por essas imagens híbridas faz com que olhemos o mundo a partir de novos interesses ao passo que são questionados os limites de nossas percepções, numa ação que produz imagens plenas de narrativas possíveis. Histórias que ora sugerem pesadelos, sonhos, memórias quase esquecidas ou desejos obscuros. A potencialidade de suas imagens reafirma as atuais possibilidades expressivas da figuração, campo pouco explorado por artistas de sua geração, realidade e ficção sobrepondo-se num universo particular e único. A pintura para ele é campo aberto para o desenvolvimento de íntimas obsessões. Seus desenhos, deve-se dizer, formam os alicerces sobre os quais seu trabalho de pintura se sustenta. Eles são a ossatura sensível de seu universo particular. Menos conhecidos que suas telas, revelam o processo criativo do artista, abrindo ao espectador o campo submerso de seu fazer.

 

 

A presente exposição apresenta mais de trinta de seus desenhos, muitos deles inéditos, os quais revelam seus processos e estratégias de construção de imagem. Eles registram suas impressões cotidianas e interesses, atuando como um diário visual nos quais elementos de seu vocabulário artístico simultaneamente se organizam e se desestruturam. Desnudados do virtuosismo de suas pinturas, revelam seu cotidiano criativo, a paciente construção de suas narrativas inquietantes, devolvendo-nos a realidade com olhos novos, desvirginados dos entraves e das limitações impostos pela pintura a óleo.

 

 

Seus desenhos nos revelam a história de seu olhar, dos caminhos percorridos por sua subjetividade entre o ato de ver e perceber e a fixação sobre o papel das percepções oriundas dessas ações. Caveiras, pássaros, cobras e seres imaginários ou míticos se mesclam a imagens observadas, cantos de uma sala, retratos ou curiosos objetos minuciosamente registrados, criando um universo plástico de grande expressividade e tensão. Um universo no qual nada é o que parece ser.

 

 

A curadoria é de Giancarlo Hannud com apoio da Casa Triângulo.

 

 

 

Individual de Marina Saleme no CCBB

 

 

 

A partir do dia 06 de outubro, o CCBB, Centro, Rio de Janeiro, RJ inaugura a exposição “Apartamento s”, com uma grande instalação da artista paulistana Marina Saleme, com 1500 obras, dentre desenhos e pequenas pinturas, recentes e inéditas, produzidas nos últimos três anos, que tratam de temas como a espera, a solidão e a separação. As obras começaram a ser produzidas cerca de um ano antes da pandemia, mas ganharam um novo sentido com o isolamento.

 

 

Os trabalhos ocuparão uma grande parede, de 5,70m X14m, na Sala B, no segundo andar do CCBB RJ, do chão ao teto do espaço, formando uma imagem monumental e fragmentada. Conhecida pelas pinturas em grandes dimensões, a artista criou, para esta exposição, uma instalação com obras em pequenos formatos, que reproduzem uma mulher sentada, com as mãos nos ombros, a cabeça abaixada, as pernas e os pés tensos. Apesar de reproduzirem a mesma imagem, nenhum é igual ao outro. O nome da exposição, “Apartamento s”, tem dois sentidos, o de moradia e o de estar apartado.

 

Individual de Marina Saleme

 

A Mul.ti.plo Espaço Arte, Leblon, inaugura a exposição “Partes”, da artista paulistana Marina Saleme. A mostra traz cerca de 60 obras em pequenos formatos pinçadas de uma numerosa série de desenhos e pinturas feitas ao longo dos últimos três anos. Por conta da pandemia, a inauguração da mostra será feita em dois dias: 07 e 08 de outubro (quinta e sexta-feira). O encerramento está marcado para 03 de dezembro.

 

A série de desenhos de Marina Saleme é o resultado de um obsessivo esforço de investigação da artista sobre uma mesma imagem: uma mulher sentada, encolhida, de cabeça baixa, numa atitude profundamente ensimesmada e impactante. De 2019 a 2021, a artista desenhou a mesma figura mais de 1.500 vezes, com tintas, cores, traços e suportes diferentes. A mostra da Mul.ti.plo reúne parte desse trabalho.

 

“Partes” apresenta-se também como um recorte intimista da grande instalação que Marina Saleme apresenta no CCBB do Rio, no mesmo período, chamada “Apartamentos”. Os nomes remetem tanto a um espaço físico como a um espaço emocional: o sentimento de estar sozinho, apartado, sensação intensificada pela pandemia. Com dimensão máxima de 25cm X 35cm, os desenhos exibidos na Mul.ti.plo utilizam materiais como giz de cera, tinta a óleo, tinta acrílica e caneta sobre papel e tela. Segundo Marina Saleme, as duas mostras são complementares e propõem formas diferentes de ver o mesmo trabalho. “A instalação no CCBB faz um olhar panorâmico sobre a solidão escondida na cidade. A multidão de pessoas sozinhas nos apartamentos. A montagem na Mul.ti.plo, ao contrário, convida ao particular, a um olhar mais concentrado, mais intimista, mais próximo e acolhedor”, explica a artista. A última exposição dela na Mul.ti.plo foi em 2016 e 2017, também como uma paralela de uma grande mostra no Paço Imperial, no mesmo período.

 

 

Sobre a artista

 

 

Marina Saleme nasceu em São Paulo, 1958. Concluiu a licenciatura em Artes Plásticas na Fundação Armando Álvares Penteado, em 1982. Nos primeiros anos, a artista trabalhava principalmente com manchas tonais, sem referência à figura humana, utilizando formas compostas por linhas ou grids. No entanto, como afirma a artista: “Meus trabalhos nunca são totalmente abstratos”. Já a partir da metade da década de 1990, sua produção passa a ganhar alusões figurativas a pessoas, chuva, flores, nuvens, muitas vezes indicadas nos próprios títulos. Na década seguinte, sua linha se torna sinuosa e se curva desenhando arabescos que por vezes estão parcialmente encobertos por outras imagens, em outros momentos são evidenciados na camada mais superficial. Destacam-se as exposições individuais e coletivas no Instituto Figueiredo Ferraz, Ribeirão Preto (2019); Paço Imperial, Rio de Janeiro (2017); Museu de Arte Contemporânea de São Paulo (2008); Paço das Artes, São Paulo (2003); Centro Universitário Maria Antônia, São Paulo (2001); Centre D’Art Contemporain de Baie-Saint-Paul, Canadá (2004); Palácio das Artes, Belo Horizonte (1996); Embaixada do Brasil na França, Paris (1989); entre outras. Coleções das quais seus trabalhos fazem parte incluem: Coleção Instituto Figueiredo Ferraz, Ribeirão Preto; Embaixada do Brasil em Roma; Instituto Cultural Itaú, São Paulo; Pinacoteca do Estado de São Paulo; Museu de Arte Moderna de São Paulo e do Rio de Janeiro.

 

 

Até 03 de dezembro.

 

 

 

Com Millan & Raquel Arnaud

 

 

A Galeria Millan e a Galeria Raquel Arnaud, São Paulo, SP, apresentam a exposição coletiva “Vício impune: o artista colecionador”, com curadoria de Gabriel Pérez-Barreiro. A mostra reunirá, nos espaços das duas galerias, uma seleção de nove artistas representados, ao redor do diálogo entre seus trabalhos e coleções. Dentre os artistas colecionadores, estão: Artur Barrio (Porto, Portugal, 1945), Iole de Freitas (Belo Horizonte, MG, 1945), Paulo Pasta (Ariranha, SP, 1959), Sérgio Camargo (Rio de Janeiro, RJ, 1930 – 1990), Tatiana Blass (São Paulo, SP, 1979), Thiago Martins de Melo (São Luís, MA, 1981), Tunga (Palmares, PE, 1952 – Rio de Janeiro, RJ, 2016), Waltercio Caldas (Rio de Janeiro, RJ, 1946) e Willys de Castro (Uberlândia, MG, 1926 – São Paulo, SP, 1988).

 

 

Desenvolvida ao longo dos últimos anos, a pesquisa de Pérez-Barreiro sobre o colecionismo encontra no contexto desta mostra um campo de análise, em que o espectador é convidado a compreender as nuances de diferentes relações entre artistas colecionadores e suas coleções. Em seus mais diversos modelos, as práticas de coletar e colecionar mostram-se singulares em cada um dos nove casos apresentados e essenciais para a compreensão de cada produção artística em sua complexidade. Segundo o curador, “as coleções dos artistas podem nos dizer não apenas sobre sua própria prática: o que eles vêem no trabalho de outros que os impacta, mas também estão frequentemente na vanguarda de reconhecer e valorizar fenômenos antes subestimados”. Foi com esse propósito que as galerias decidiram realizar a exposição.

 

 

Esculturas e relevos de Sérgio Camargo são expostas ao lado de parte de sua vasta coleção de pinturas de Hélio Melo (Vila Antinari, AC, 1926 – Goiânia, GO, 2001), seringueiro, artista e compositor autodidata. O contraste entre as pinturas fantásticas de Melo e a estética construtiva de Camargo traz à tona uma nova abordagem sobre este artista já consolidado na história da arte brasileira, assim como revela a permeabilidade entre movimentos e tendências.

 

 

Duas esculturas (ambas Objetos ativos) de Willys de Castro – cuja frase publicada em artigo empresta título à exposição – são exibidas ao lado de uma coleção de arte indígena, uma dentre tantas que o artista preservou e estudou. Com trabalhos de arte plumária e cestarias amazônicas, o conjunto montado nos anos 1970 e 1980 revela um outro lado de seu fascínio pelas formas e padrões geométricos, desdobrados em diversos níveis da percepção ao longo de sua produção.

 

 

Em diversos contextos, as coleções evidenciam interesses e obsessões singulares, como é o caso de Waltercio Caldas e sua afeição pelo formato do livro e seus desdobramentos em uma coleção de livros de artistas, trabalhos que discutem possibilidades a partir desta formação primária. Em paralelo, o interesse de Artur Barrio pelo mergulho foi a razão que impulsionou sua coleção de 3 mil grãos de areia, iniciada em 1983, em que cada grão é o registro de um mergulho realizado. A busca pelo registro de cada situação vivida é não somente essencial, para Barrio, mas também para o desenvolvimento de sua produção artística – daí figuram suas séries “Situações e Registros”. Cada grão de areia que compõe esta coleção demonstra, entretanto, que a busca pelo registro da experiência extrapola, em Barrio, o trabalho de arte e está presente em outras esferas de sua vida.

 

 

Conjuntos criados por artistas colecionadores podem, em muitos casos, representar rastros afetivos de suas relações pessoais. A coleção de Tatiana Blass, composta por trabalhos de seu tio-avô, Rico Blass (Breslau, Alemanha, 1908 – ?), desafia-nos a questionar em que medida essas relações se estabelecem como intercâmbios diretos ou indiretos. O mesmo ocorre à vista do trabalho inédito e instalativo de Thiago Martins de Melo e de sua coleção de desenhos de amigos também artistas. Os conjuntos de Martins de Melo e Blass fazem saltar aos olhos a potência afetiva do ato de guardar e os desdobramentos subjetivos deste ato em suas escolhas formais.

 

 

As pinturas de Paulo Pasta estão em diálogo com uma coleção de alguns de seus mestres: Mira Schendel (Zurique, Suíça, 1919 – São Paulo, SP, 1988), Alfredo Volpi (Lucca, Itália, 1896 – São Paulo, SP, 1988) e Amilcar de Castro (Paraisópolis, MG,1920 – Belo Horizonte, MG, 2002), em uma troca potente entre grandes nomes da arte brasileira. De maneira semelhante, opera a relação entre Iole de Freitas e sua guarda de desenhos e decalques inéditos de Tarsila do Amaral, em que se delineiam os caminhos metodológicos das célebres pinturas da segunda artista. Processo e método estabelecem-se aqui em seus rastros, passíveis de serem compartilhados entre práticas de diferentes gerações.

 

 

A coleção de um artista é capaz de revelar traços de reflexões latentes que conduziram a suas práticas e a poéticas. Nesse sentido, as obras de Tunga apresentam-se neste eixo de interlocução com sua coleção de trabalhos dadaístas e surrealistas franceses – entre eles, quatro gravuras de Marcel Duchamp (Blainville-Crevon, França, 1887 – Neuilly-sur-Seine, França, 1968). Dentre os trabalhos de Tunga, além de seus desenhos, está também a instalação “Evolution” (2007), realizada a partir do emprego da mesma linguagem da instalação/performance “Laminated Souls”, exibida entre 2007 e 2008 no MoMA P.S. 1, em Nova York.

 

 

Até 30 de outubro.

 

Flávia Junqueira na Zipper Galeria

01/out

 

 

 

“Parece um sonho”. Esta é uma reação comum diante das fotografias de Flávia Junqueira, e não à toa: as imagens encenadas pela artista têm a intenção de produzir um universo próprio e de transportar o pensamento de quem as testemunham para outros lugares, sejam fantasiosos, fictícios ou encantados. Agora, a artista aprofunda ainda mais esta investigação pelos espaços do encantamento em sua quarta individual na Zipper Galeria, Jardim América, São Paulo, SP, através de “Igrejas Barrocas e Cavalinhos de Pau”, em cartaz até 30 de outubro.

 

 

O título da exposição é emprestado de um ensaio do antropólogo Roger Bastide, publicado pela primeira vez em 1944. No texto, ele descreve parte de sua pesquisa sobre o barroco brasileiro, especificamente uma viagem pelo Nordeste durante a qual dedicou-se a observar os detalhes da decoração barroca. O autor relata que, na medida em que se aprofundava no estudo dos ornamentos, era acometido pela sensação de reconhecimento dessas formas. Esta estranha sensação é explicada pela rememoração da infância do antropólogo e, notadamente, de suas visitas a feiras de variedades e parques de diversão na França, onde uma experiência de encantamento, repleta de volutas e toda sorte de ornamentos, tinha lugar no carrossel.

 

 

O antropólogo traçou uma linha que liga igrejas, carrosséis e teatros barrocos, a partir da perspectiva da produção do devaneio. Ele identificou padrões de ornamentos, adornos e formas cujas funções simbólicas se uniam e marcavam presença em um grande número de objetos e monumentos, das igrejas aos cavalinhos de carrossel. A inspiração levou Flávia Junqueira a seguir um caminho análogo. Ela, então, apropriou-se de espaços como igrejas, teatros e cinemas históricos de Recife, monumentos da família real no Rio de Janeiro, um antigo convento franciscano no coração da capital paulista, sempre com o intuito de deslocar o pensamento a lugares imaginários.

 

 

“A poética da artista alimenta-se do mesmo encantamento que, na primeira metade do século passado, arrebatou o filósofo francês. Nessa exposição, a artista reúne um conjunto de obras que desdobram e aprofundam suas pesquisas em torno das relações entre encantamento, infância e ornamento. Balões, bolhas de sabão e cavalos de pau povoam arquiteturas ostensivamente ornamentadas em imagens que constroem uma noção ampliada de infância, como recusa da racionalidade instrumental moderna e da controversa ideia de progresso”, escreve Icaro Ferraz Vidal Junior, que assina o texto crítico da mostra.

 

 

Sobre a artista

 

 

Flavia Junqueira nasceu em São Paulo, 1985, lida principalmente com fotografia. O universo visual da infância e a construção de um imaginário sobre este período permeiam a obra da artista desde o início de sua produção. Flávia leva a fotografia encenada para a sua fonte mais primordial: o espaço de espetáculo, encenação e contemplação. A artista tem se apropriado de exemplares arquitetônicos do patrimônio histórico e natural, nos quais ela constrói seus cenários. Nas encenações, sejam fotografias ou instalações, o balão é o grande personagem, encarnando diversos papeis: como elemento lúdico, cria a atmosfera de regozijo; como metáfora da decadência, assume o papel de espetáculo perene, apenas retido pelo instante fotográfico; ora ocupam o lugar dos espectadores, ora, a posição da artista, em um jogo de deslocamentos; outras vezes, assumem a simbologia criadora das narrativas fantásticas, que se constituem em peças-chave nos espaços ocupados pela artista. Doutoranda em Artes Visuais pelo Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), mestre em Poéticas Visuais pela Universidade de São Paulo (USP), pós graduada em fotografia e bacharel em Artes Plásticas pela Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP. Integra o Atêlie Fidalga sob coordenação de Sandra Cinto e Albano Afonso. Participou do projeto do programa de residências da Izolyatsia’s Platform for Cultural Initiatives na cidade de Donestk na Ucrânia com curadoria de Boris Mikailov (2011), da residência Cité Internationale des Arts em Paris com apoio da FAAP (2011), integrou o Programa PIESP da Escola São Paulo (2010) e atuou como assistente de cenografia no Espaço Cenográfico de São Paulo de J.C.Serroni. Entre os principais projetos e exposições coletivas que participou destacam-se: Culture and Conflict, IZOLYATSIA in Exile; Palais de Tokyo, The World Bank Art Program; Kaunas Photo festival; Exposição Individual “Tomorrow I will be born again” na Cité Dês Arts; coletiva “Una mirada latino Americana” do projeto Photo España; temporada de projetos Paço das Artes; prêmio Energias na Arte no Instituto Tomie Otahke, programa Nova Fotografia no MIS; Concurso Itamaraty; Residência RedBull House of Art; Atêlie Aberto da Casa Tomada, entre outros. A artista tem obras nos acervos de instituições como MAR-RJ, MAM-SP, MIS-SP, MAB-FAAP, Museu do Itamaraty, Instituto Figueiredo Ferraz, RedBullStation entre outros.

 

 

Sobre Icaro Ferraz Vidal Junior

 

 

Icaro Ferraz Vidal Junior é doutor em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e em História da Arte pelas Université de Perpignan, Via Domitia e Università degli studi di Bergamo, atualmente é pesquisador visitante no Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

 

 

 

 

 

 

Rodrigo Andrade na Paulo Darzé Galeria

30/set

 

 

“Variações sobre paisagem” é o título da exposição de pinturas de Rodrigo Andrade, na Paulo Darzé Galeria, Salvador, BA, a partir do dia 07 de outubro, com temporada até o dia 06 de novembro, podendo ser visitada, sem agendamento, no horário de funcionamento da galeria, de segunda à sexta, de 9h às 19h, e aos sábados de 9h às 13h.

 

 

A mostra pode também ser vista virtualmente, acessando o endereço @paulodarzegaleria nas redes sociais Facebook e Instagram, ou o site www.paulodarzegaleria.com.br, onde serão encontradas todas as imagens das obras e o catálogo da exposição.

 

 

Quanto ao dia do lançamento, 07 de outubro, a visitação do público será das 17 às 21 horas, seguindo o protocolo do uso obrigatório de máscara, sem serviço de bebidas alcoólicas, e estará aberta das 17 às 21 horas.

 

 

A exposição “Variações sobre paisagem”, de Rodrigo Andrade, é composta de 33 trabalhos em óleo sobre tela, sobre mdf, ou em óleo sobre cartão, em dimensões variadas, tem como apresentação texto do crítico José Bento Ferreira:

 

 

“O rápido desenvolvimento dos centros urbanos e o impacto dos avanços tecnocientíficos a partir da segunda metade do século dezenove alteraram os posicionamentos dos artistas acerca das relações produtivas e da interação humana com o meio ambiente. Nas primeiras décadas do século 21, enfrentamos uma situação análoga, não apenas pela intensificação da exploração do trabalho e da natureza, mas também devido à acelerada difusão dos meios eletrônicos de comunicação. Ao impor determinados formatos de socialização e monitoramento, os dispositivos digitais reconfiguram a mobilidade, os relacionamentos, a memória e o próprio modo de se estar presente em algum lugar”.

 

 

“As imagens surgiram como presenças que demarcam ausências e que, em determinados lugares, promovem trocas de olhares com os que já não estão. Conforme passamos os dedos pelas telas dos dispositivos eletrônicos, os rostos sem olhar, que aparecem momentaneamente por meio de mensagens e notificações, distraem a atenção para longe de onde estamos para outro lugar. Ao contrário das imagens físicas, que necessariamente estão em algum lugar, as imagens digitalizadas estão em toda e em nenhuma parte, pois habitam, nas nuvens do ciberespaço, um “não-lugar”, conforme os antropólogos denominam os locais de passagem, caracterizados pela hipervisibilidade e pela ausência de signos identitários relevantes, como aeroportos e terminais viários, por exemplo. Submetidos a um regime sob o qual somos convocados a responder aos chamados das telas a cada minuto, fomos condenados a nunca estar atentos onde estamos. As paisagens de Rodrigo Andrade exercem um contraponto a essa desterritorialização automatizada. Não apenas convidam, como toda obra de arte, a uma contemplação duradoura e a uma imersão reflexiva, cada vez mais rara na época da avaliação visual instantânea, mas também proporcionam uma experiência de fruição que se configura como acontecimento, uma vez que muda o modo como vemos a própria pintura. Rodrigo Andrade faz da pintura de observação a reafirmação de uma modalidade de presença que a cultura digital agride”.

 

 

Trajetória

 

 

Rodrigo Andrade nasceu em 1962, São Paulo, SP. Vive e trabalha em sua cidade natal. A materialidade da tinta e referências sobre a história da pintura permeia o trabalho de Rodrigo Andrade. Sua gestualidade vibrante manifesta-se, sobretudo na pintura, mas também transita por suportes como desenho, gravura e objetos. Nos anos 1980, o artista integrou o grupo Casa 7 e, sob a influência do neo-expressionismo alemão, sua obra é apresentada em grandes formatos, com pinceladas expressivas e cores fortes. Na década seguinte, alternou trabalhos figurativos e abstratos e, a partir de 1999, passou a criar obras em que espessas massas de tinta a óleo, em formas geométricas, são aplicadas sobre a tela. Ele instalou suas pinturas matéricas de cor e forma em espaços públicos de São Paulo, e em seu contato com esses entornos é que reside sua potência: há uma permeabilidade entre a concentração e a contenção dos elementos presentes nos trabalhos do artista e nos ambientes nos quais foram instalados.

 

 

 

Sobre o artista

 

 

 

Rodrigo Andrade realizou mostras em importantes instituições nacionais e internacionais. Entre as individuais recentes, destacam-se: Pinturas da era do absurdo, Galeria Millan, São Paulo (2020); Diálogo cromático, Galeria Simões de Assis, Curitiba, PR (2019); Pintura e Matéria (1983-2014), Estação Pinacoteca, São Paulo, SP (2017); Pinturas de Estrada, Centro Universitário Maria Antonia, São Paulo, SP (2013); Pinturas: Seleção 99-06, Museu de Arte da Pampulha, Belo Horizonte, MG (2006); e Paredes da Caixa, Museu da Caixa Cultural, São Paulo, SP (2006). Entre suas participações em exposições coletivas, estão: 1981/2021: Arte Contemporânea Brasileira na Coleção Andrea e José Olympio Pereira, Centro Cultural Banco do Brasil Rio de Janeiro, RJ; Já estava assim quando eu cheguei, Galerie Ron Mandos, Amsterdam, Holanda (2020); Oito décadas de abstração informal, Museu de Arte Moderna de São Paulo, SP e Cependant, la peinture: Rodrigo Andrade, Fabio Miguez, Paulo Monteiro, Sérgio Sister, Galerie Emmanuel Hervé, Paris, França (2018); Troposphere, Beijing Minsheng Art Museum, Pequim, China (2017); Pequenas Pinturas, Auroras, São Paulo, SP (2016); Pivô, São Paulo, SP (2015); Deserto-Modelo “As Above, So Below”, Harold St., Londres, Reino Unido (2015); Iberê Camargo: Século XXI, Fundação Iberê Camargo, Porto Alegre, RS (2014); Lugar Nenhum, Instituto Moreira Salles, Rio de Janeiro, RJ (2013); 30 x Bienal, Pavilhão da Bienal, São Paulo, SP (2013); e 29ª Bienal de São Paulo, SP (2010). Em 2008, foi publicado o livro monográfico Rodrigo Andrade, que reúne seus trabalhos desde 1983 (Editora Cosac Naify). Sua obra integra importantes coleções públicas, como do Museu de Arte de Brasília, DF; Instituto Cultural Itaú, São Paulo, SP; Museu de Arte da Pampulha, Belo Horizonte, MG; Museu de Arte Moderna de São Paulo, SP; Pinacoteca do Estado de São Paulo, SP; Museu de Arte Contemporânea de Niterói, RJ; além de coleções particulares.

 

 

Texto de José Bento Ferreira

 

 

O rápido desenvolvimento dos centros urbanos e o impacto dos avanços tecnocientíficos a partir da segunda metade do século dezenove alteraram os posicionamentos dos artistas acerca das relações produtivas e da interação humana com o meio ambiente. Nas primeiras décadas do século 21, enfrentamos uma situação análoga, não apenas pela intensificação da exploração do trabalho e da natureza, mas também devido à acelerada difusão dos meios eletrônicos de comunicação. Ao impor determinados formatos de socialização e monitoramento, os dispositivos digitais reconfiguram a mobilidade, os relacionamentos, a memória e o próprio modo de se estar presente em algum lugar.

 

 

As imagens surgiram como presenças que demarcam ausências e que, em determinados lugares, promovem trocas de olhares com os que já não estão. Conforme passamos os dedos pelas telas dos dispositivos eletrônicos, os rostos sem olhar, que aparecem momentaneamente por meio de mensagens e notificações, distraem a atenção para longe de onde estamos para outro lugar. Ao contrário das imagens físicas, que necessariamente estão em algum lugar, as imagens digitalizadas estão em toda e em nenhuma parte, pois habitam, nas nuvens do ciberespaço, um “não-lugar”, conforme os antropólogos denominam os locais de passagem, caracterizados pela hipervisibilidade e pela ausência de signos identitários relevantes, como aeroportos e terminais viários, por exemplo. Submetidos a um regime sob o qual somos convocados a responder aos chamados das telas a cada minuto, fomos condenados a nunca estar atentos onde estamos. As paisagens de Rodrigo Andrade exercem um contraponto a essa desterritorialização automatizada. Não apenas convidam, como toda obra de arte, a uma contemplação duradoura e a uma imersão reflexiva, cada vez mais rara na época da avaliação visual instantânea, mas também proporcionam uma experiência de fruição que se configura como acontecimento, uma vez que muda o modo como vemos a própria pintura. Rodrigo Andrade faz da pintura de observação a reafirmação de uma modalidade de presença que a cultura digital agride.

 

Frequente na pintura antiga e oriental, a natureza ressurge como pano de fundo de ações na pintura italiana. Na Legenda de São Francisco (Giotto di Bondone, 1300), a paisagem urbana aparece como lugar da futilidade, onde todos estão fora de si mesmos e a cidade está infestada por demônios. No ermo da paisagem rural, porém, ocorrem gestos milagrosos e encontros com o divino. Na Alegoria do bom e do mau governo (Ambrogio Lorenzetti, 1338), por sua vez, invertem-se os sinais dos enunciados produzidos pelas pinturas sobre a cidade e o campo. Uma cidade bem administrada apresenta atividades econômicas pulsantes. Homens e mulheres circulam livremente para dentro e fora das fronteiras. A paisagem rural estende-se, não como um lugar ermo onde ocorre o milagre, mas como consequência de políticas públicas salutares. Tanto a mobilidade e a vivacidade que caracterizam o bom governo quanto à violência e o medo que predominam no outro lado da Alegoria apenas remotamente se devem a fatores teológicos. Os afrescos do Palácio Público de Siena confrontam os da Basílica de Assis com uma versão secular do contraste entre a cidade e o campo.

 

Tão atento ao elitismo do mundo da arte quanto às referências históricas da pintura, Rodrigo Andrade participou do projeto Ali Leste de ensino de artes em Cidade Tiradentes, no extremo leste da capital paulista, e produziu a exposição Um lugar, lugar nenhum (Galeria Marília Razuk, 2021), com pinturas de paisagens e observações feitas por artistas do centro e da periferia na região onde atua a “escola nômade”. Desde Courbet, Monet, Cézanne e Van Gogh, a atitude de pintar ao livre para captar uma pura sensação visual reafirma a autonomia do artista em relação ao meio de arte e torna a pintura capaz de registrar uma visão pré-reflexiva, inacessível no interior do estúdio, onde o desenho dos objetos representados tende a ser enquadrado por categorias, ao passo que, no calor da hora, sob a intempérie e com uma paleta restrita, o contato direto com a natureza produz uma experiência intuitiva do espaço. A própria pintura abstrata, da qual Rodrigo Andrade também é contumaz praticante, é devedora da revolução impressionista, uma vez que as relações entre formas e campos de cor também resultam da dimensão pré-reflexiva desbravada pela pintura ao ar livre.

 

 

Os lugares visitados por Rodrigo Andrade e seu grupo para a retomada dessa prática artística moderna estão entre a cidade e o campo. Centros urbanos modernos possuem “zonas de vazio”, conforme os antropólogos denominam certos correlatos dos “não-lugares”, áreas ermas incrustadas na cidade. No Brasil, a urbanização ao mesmo tempo precária e acelerada provocou um descompasso entre a estruturação do tecido urbano e o afluxo de imigrantes, de modo que apenas para perfis socioeconômicos privilegiados é possível atribuir a condição de sociedade propriamente urbanizada. Em São Paulo, populações inteiras não deixam as regiões periféricas onde residem senão a trabalho e somente participam da urbanização exercendo funções subalternas.

 

 

Rodrigo Andrade encontrou no mato e na quebrada da zona leste paulistana as paisagens que faziam sentido para o seu trabalho. As especificidades desses lugares e a colaboração com o artista urbano Link Museu impactam sua pintura. O artista já havia se deixado levar pelas pinceladas de um outro ao produzir versões para as pinturas de Ranchinho, o “Van Gogh de Assis”, em 2012. A troca com Link Museu, porém, é diversa, pois se trata de caminhar juntos e não seguir os passos de alguém. Em incursões para a pintura de observação ao ar livre, parcerias em galerias e ateliê, a dupla reata o apuro técnico à capacidade de encontrar valores pictóricos no tecido urbano.

 

 

Essa “partilha do sensível” entre o artista culto e o artista urbano transparece nas paisagens de Rodrigo Andrade que descobrem a riqueza visual das zonas vazias paulistanas e a vitalidade de regiões aparentemente áridas do cerrado brasileiro, confundindo os valores estabelecidos pelas referências de Giotto e Ambrogio. Não há encontros com o divino, mas uma tonalidade ígnea em contraste com a obscuridade dominante. Em monturos, poças e córregos, a pintura descobre uma consistência de magma que arde e pulsa em meio ao verde turvo e noturno do matagal em Terreno baldio e Terreno baldio II. Nestas pinturas é possível observar o uso de compactas massas de tinta que marca a obra de Rodrigo Andrade, utilizadas com apuro e parcimônia, formando figuras semelhantes a arabescos e ornamentos em contraste com as formas regulares das janelas com luzes acesas que salpicam a escuridão da região desprovida de iluminação pública. Uma área abandonada e negligenciada pelo poder público foi transformada em “horta urbana” por Link Museu e seus companheiros. O lugar tornou-se um ponto de encontro e convivência improvisado. A Vista da horta urbana de Rodrigo Andrade explora a irregularidade do terreno, caracteriza um mundo sem planos, linhas,  nem retas. A presença difusa de torres de eletricidade e fiação elétrica põe-se em contraste com o verde vivo da folhagem, como se o progresso tecnológico apenas passasse por esse espaço a serviço de outras paragens, secando as árvores por onde passa.

 

 

Ainda assim, apesar dessa recusa do desenvolvimento urbano como algo distante da comunidade, os lugares mostrados nas paisagens de Rodrigo Andrade resultam do trabalho humano, seja a horta, os blocos de construção, ruínas ou as vistas da quebrada. O mundo humano está sempre por se fazer, por toda parte há “espaço em obra”. A irregularidade e a profusão de formas da natureza observadas em Desfiladeiro, Paredão rochoso, Despenhadeiro, Arbusto com paisagem rochosa, Rochedo e Cavernas contaminam as paisagens urbanas com uma titanomaquia entre o mineral e o vegetal encenada por pinceladas eletrizantes e as massas volumosas de tinta que, por sua vez, insinuam na pintura um flerte com a antiga linguagem do relevo. As massas constituem uma verticalidade hierática que se inclina sobre o espectador. O aparente desmoronamento dessas massas em As ondas verdes do mar sinaliza a fragilidade humana em face da resistência das coisas. No título da pintura ressoa o canto épico das Canções praieiras (Dorival Caymmi, 1954) sobre a trágica e “doce” morte que assola uma comunidade de pescadores. O que demarca as paisagens de Rodrigo Andrade não é o trabalho alienado que se configura na sociedade industrial e que a revolução digital conduz ao ápice da alienação sob o manto da autonomia. Uma solidariedade tácita reúne as vistas observadas pelos ocupantes pré-históricos da Serra da Capivara, cujas pinturas Rodrigo Andrade não apenas visitou, mas estuda com afinco, aos artistas modernos que recusam o progresso tecnológico em proveito da “segunda técnica” de práticas artísticas que favorecem vínculos comunitários e reconstituem a nossa atenção ao lugar onde estamos, como, por exemplo, a pintura de observação.

 

 

Nas duas Cavernas, áreas planas e escuras aparecem rodeadas pelas formas rochosas, barrentas, aquosas, ígneas e aéreas que compõem, com galhos retorcidos e gramíneos, um vocabulário pictórico constituído por Rodrigo Andrade em seu contato vivo com a paisagem semiárida. Nas pinturas de zonas vazias, a relação se inverte. Carros estacionados sobre aclives, moradias precárias, a cintilação das luzes domésticas e a própria constituição do espaço como mundo da vida possuem a dignidade do trabalho coletivo e da comunidade que se forma, vive e, apesar de ter sido marginalizada pelo sistema econômico, sustenta-se em meio à obscuridade que permeia. Se a experiência de expressão pictórica proporciona ao artista uma visão privilegiada, intuitiva ou pré-reflexiva, nas pinturas de Rodrigo Andrade esta visão não se transmite sem a consciência da “responsabilidade de ter olhos quando os outros perderam”, conforme a formulação do Ensaio sobre a cegueira (José Saramago, 1995). Cara à pintura italiana do trezentos e à pintura holandesa do quinhentos, a figura do anacoreta, emulada por Rodrigo Andrade no estudo O ermitão, traduz o sentimento de responsabilidade que impele o artista à partilha do sensível. O anacoreta que se retira para o ermo não vive necessariamente sozinho, mas funda uma comunidade que se quer à parte do Império. Nas pinturas de observação que revisitam o gênero da paisagem, Rodrigo Andrade propõe exercícios de “ascese desespiritualizada” para uma forma de vida resistente ao enquadramento narcísico que nos distrai do espaço ao redor e fecha nossa atenção, assim como o “mal branco” prefigurado pelo escritor português.

 

 

Lourival Cuquinha exibe Crapulocracia

 

 

A Central Galeria, Vila Buarque, São Paulo, SP, apresenta

 

 

até 19 de novembro, “Crapulocracia”, primeira mostra individual de Lourival Cuquinha na galeria. A exposição é a terceira de uma trilogia de exposições que vêm acompanhando os últimos capítulos políticos do país e a consequente derrocada do pacto democrático.

 

 

O trabalho de Lourival Cuquinha atinge o campo político geralmente partindo de impressões estritas e pessoais. Não chegou a concluir nenhum curso acadêmico, mas cursou engenharia química, filosofia, direito e história, passou dez anos na Universidade Federal de Pernambuco entre 1993 e 2002. Atua em artes visuais, nas áreas de artes plásticas, audiovisual (fotografia, cinema, vídeo) e intervenção urbana. Participou de exposições nacionais e internacionais, com trabalhos caracterizados pela interatividade e pelo diálogo com o público e com o meio urbano.

 

 

Em sua obra estão constantemente refletidos pensamentos sobre a liberdade do indivíduo e o controle que a sociedade e a cultura exercem sobre ele; assim como sobre a liberdade da arte, e o controle exercido sobre ela pelas instituições. Ao atuar tanto na cidade quanto na instituição, questionando o estatuto sobre o que é “obra de arte” e verificando os limites das instituições na hora de absorverem investidas artísticas transgressoras, sua obra nos leva a pensar nas formas pelas quais os artistas de hoje vêm se posicionando frente ao sistema da arte, além de criticar tais instituições, fazer uso delas, negociar permanentemente seu lugar, numa deriva contínua entre a crítica e a adesão. Percorrendo um arco que possui inflexões políticas e força poética, a obra de Lourival surge como local de provocação e nos leva a pensar sobre o lugar que a arte pode ocupar nessas negociações pelo exercício da liberdade, experimentando, assim, o seu alcance de intervenção no próprio sistema da arte e na realidade que o circunda.

 

 

Sobre o artista

 

 

Lourival Cuquinha (Recife, 1975) vive e trabalha em São Paulo. Foi reconhecido em diversas premiações e programas de residência como: Prêmio Funarte Conexão Circulação ArtesVisuais (2017), Prêmio Marcantônio Vilaça (2012), Prêmio Brasil Contemporâneo – Fundação

 

 

Bienal de São Paulo (2010), Artist Links – British Council (2009), entre outros. Suas exposições individuais incluem: Transição de Fase, Funarte (Belo Horizonte, 2018), O Trabalho Gira em Torno, MAMAM (Recife, 2015), Territórios e Capital: Extinções, MAM Rio (Rio de Janeiro, 2014), Capital: destruction-construction, PROGR Foundation (Bern, Suíça, 2012),  Topografia Suada de Londres: Jack Pound Financial Art Project, Centro Cultural Correios (Recife, 2012). Entre as coletivas recentes, destacam-se: À Nordeste, Sesc 24 de Maio (São Paulo, 2019), Panorama da Arte Brasileira, MAM-SP (São Paulo, 2017 e 2011), Bienal Sur, Centro Cultural Parque de Espanha (Rosário, Argentina, 2017), 5º Prêmio Marcantônio Vilaça, MAC-USP (São Paulo, 2015). Sua obra está presente em importantes coleções públicas, como: CCSP (São Paulo), MAM-SP (São Paulo), MAR (Rio de Janeiro), MAMAM (Recife), Centro Cultural do Banco do Nordeste, entre outras.