48 mil pessoas na ArtRio

23/set

Pluralidade e acessibilidade. Essas duas palavras deram o tom da ArtRio 2019, que terminou na Marina da Glória. O evento, que teve a participação de cerca de 80 galerias, recebeu público de 48 mil pessoas, distribuído em 5 dias de feira, e ocupou uma área de 10.600 m². Em 2020, quando completa 10 anos, a ArtRio está confirmada entre os dias 09 e 13 de setembro.

 

“Esse foi um ano marcante para a ArtRio, com muitas transformações e nova programação. Queremos que cada vez mais a ArtRio seja plural, ao valorizar e trazer para o público diferentes formas e linguagens de arte. Queremos mostrar como a arte e a cultura são a base de nossa formação, nossa história, e o fio que nos conduz para o futuro”, indica Brenda Valansi, presidente da ArtRio.

 

A partir deste mês, a ArtRio entra em uma nova fase de sua história. A plataforma ArtRio passa a ter como sócia, junto com Brenda Valansi, a Dream Factory, empresa de experiência ao vivo, com escritórios no Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília. Fundada em 2001, faz parte do Grupo Artplan e entre os grandes projetos atualmente assinados pela empresa estão o Rio Montreux Jazz Festival, a Árvore do Rio, a Maratona do Rio, Carnaval de Rua do Rio e o Sertões, maior rally das Américas que cruzou o país em agosto.

 

A Dream Factory irá atuar nas áreas de patrocínios, projetos multiplataforma e produção da ArtRio. Brenda Valansi permanece presidente da ArtRio, responsável por todo o conteúdo, seleção de galerias e curadores e desenvolvimento de novos projetos e ações ligadas a arte.

 

“Buscamos formar o mais representativo mosaico da enorme cultura brasileira investindo em projetos que são líderes em seus segmentos. A ArtRio veio complementar o portfólio da Dream Factory com sua plataforma de alto valor, disseminando arte ao longo de todo o ano em diferentes formatos e buscando atingir os mais diversos públicos. Nossa atuação terá foco em ampliar a atuação da ArtRio, sempre com essa essência inovadora, que faz parte de seu DNA. Um ponto extremamente relevante é a multiplicidade de ações para disseminação da arte, que tem seu ápice nesta feira de visibilidade internacional”, reforça Duda Magalhães, presidente da Dream Factory e vice-presidente executivo do Grupo Artplan.

 

A ArtRio teve dois setores gerais, PANORAMA e VISTA, com galerias selecionadas pelo comitê curatorial. Pelo segundo ano, a feira apresentou o programa BRASIL CONTEMPORÂNEO, com galerias trazendo artistas de fora do eixo RJ-SP. O evento teve ainda três programas curados: SOLO, com curadoria de Sandra Hegedüs; MIRA, com curadoria de Victor Gorgulho; e PALAVRA, assinado por Gabriel Gorini.

 

Desenvolvendo um forte trabalho de valorização da arte brasileira, a ArtRio trouxe para o Rio esta semana mais de 100 colecionadores e curadores, brasileiros e estrangeiros. Além de visitar a feira, este grupo tem uma programação especial que incluiu visitas a ateliês, coleções privadas e instituições culturais e museus.

 

Uma importante agenda desse ano da ArtRio foi o lançamento do ArtRio Educacional. Com foco na democratização da arte e do conhecimento, a ArtRio, em parceria com a Aliansce Sonae, produziu a mostra inédita História da Arte, Olhar e Descoberta. Totalmente interativa e gratuita, a ação estreou no Bangu Shopping, onde permanece até o dia 29. Em 2020, a mostra chega ao Carioca Shopping, Caxias Shopping e Shopping Grande Rio.

 

Com curadoria da museóloga e professora de arte Libia Schenker, a mostra foca no período do Renascimento ao Expressionismo Abstrato. A exposição traz 10 totens interativos, e cada um explica o movimento artístico através de imagens de obras emblemáticas de grandes artistas. A locução é da cantora Roberta Sá. Em mais uma ação que extrapolou o espaço da Marina da Gloria, levando a ArtRio para diversos bairros da cidade, foi organizado um circuito de visita a ateliês, com os artistas apresentando seu processo de criação e metodologia de trabalho.

 

Dentro da programação do Conversas ArtRio, agenda de discussões, palestras e debates com artistas, galeristas, colecionadores, diretores e instituições e curadores. Foram nove programas com diversos temas da atualidade, entre eles Arte e Tecnologia e Colecionismo Consciente. A Artrio 2019 tem patrocínio do Governo do Estado do Rio de Janeiro, da Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa e da Osklen, por meio da Lei Estadual de Incentivo à Cultura. Tem ainda apoio da Audi, Aliansce Sonae, Osklen, Rio Galeão, Shopping Leblon, Stella Artois e Green People, além de apoio institucional da Estácio, Bombay Sapphire, Breton, Perrier-Jouet e RUA. O Belmond Copacabana Palace é o hotel oficial do evento.

 

Durante a ArtRio foram apresentados os vencedores da sexta edição do Prêmio FOCO Bradesco ArtRio, destinado a artistas jovens com até 15 anos de carreiras. Os selecionados em 2018 foram Paul Setúbal, Ana Hupe e Aline Xavier. Todos receberão residências artísticas e esse ano participaram com suas obras da ArtRio.

 

Prêmio FOCO ArtRio

 

Em sua sétima edição, o PrMeio FOCO ArtRio apresentou os dois artistas selecionados em 2019: Rafael BQueer e Tiago Santana. Os dois receberão como prêmio a participação em residências artísticas em reconhecidas instituições. Também tiveram seus trabalhos em um estande especial na ArtRio deste ano.

 

As residências do 7º Prêmio FOCO ArtRio são:

– Rio de Janeiro (RJ) – Residência Capacete

– Belém (PA) – Residência São Jerônimo

 

Rafael BQueer

 

Rafael BQueer se graduou em Licenciatura e Bacharelado de Artes Visuais pela Universidade Federal do Pará (UFPA – PA), mas hoje vive e trabalha no Rio de Janeiro. Como artista visual, se dedica a investigar sobre corpo, gênero e sexualidade, assim transitando por diversas linguagens, entre as quais performance, vídeo e fotografias. Na ArtRio, Rafael BQueer apresentou o projeto “Treme Terra”, um vídeo que explora a chamada “música tecnobrega” (gênero popular que reúne referências das músicas brega e eletrônica) do ponto de vista das Artes Visuais, para assim descolonizar a visão histórica que existe sobre a arte brasileira e se reconectar com a sua ancestralidade amazônica.

 

Tiago Sant’Ana

 

Artista visual, curador e doutorando em Cultura e Sociedade pela Universidade Federal da Bahia. Seus trabalhos imergem nas tensões e representações das identidades afro-brasileiras – tendo influência das perspectivas decoloniais. O açúcar aparece com recorrência em seus trabalhos recentes como uma tática de aproximar o debate sobre colonização com a atualidade. Foi um dos artistas indicados ao Prêmio PIPA 2018. Na série “Sapatos de açúcar”, o artista se utiliza do sapato como um símbolo precário da libertação das pessoas negras escravizadas no pós-abolição, transformando-o num objeto feito de açúcar. A tensão da série reside nos sapatos estarem prestes a serem dissolvidos na água do mar, um gesto para tratar da fragilidade da cidadania quando se refere à população negra.

 

 

O nome é “Romance”

19/set

 

Desde o dia 20 e até 28 de setembro, a Luciana Caravello Arte Contemporânea, Ipanema, Rio de Janeiro, RJ, apresenta a exposição coletiva “Romance”, com cerca de 50 obras de 31 artistas: Adrianna Eu, Afonso Tostes, Alan Fontes, Alexandre Mazza, Alexandre Sequeira, Almandrade, Armando Queiroz, Bruno Miguel, Daniel Escobar, Daniel Lannes, Delson Uchoa, Eduardo Kac, Elle de Bernardini, Fernando Lindote, Gabriel Giucci, Gê Orthof, Gisele Camargo, Guler Ates, Igor Vidor, Ivan Grilo, Jeanete Musati, João Louro, Jonas Arrabal, Lucas Simões, Marcelo Macedo, Marcelo Solá, Marina Camargo, Nazareno, Pedro Varela, Ricardo Villa e Sergio Allevato.

 

Com curadoria de Gabriela Davies, a exposição apresentará obras em diversos suportes, como pintura, colagem, desenho, fotografia, vídeo, escultura e instalação. Os trabalhos abordam os diversos tipos de romance, atravessando o romance da memória, o romance da história, o romance clichê e também o romance erótico.

 

“Se a quebra do romance permeia os dias de hoje, as histórias de bom-mocismos também ficaram em patamares passados. Mas a verdade é que o romance não deixou de existir, o conceito foi ressignificado. Nosso novo romance é descobrir nossos verdadeiros desejos, nossas identidades, nosso sexo, a vontade de ser nossa própria força. Estamos lutando contra estereótipos sociais rígidos”, afirma a curadora Gabriela Davies.

 

A exposição apresenta trabalhos recentes e inéditos, sendo que muitas obras foram produzidas especialmente para esta exposição, como é o caso dos trabalhos de Adrianna Eu, Afonso Tostes, Alan Fontes, Armando Queiroz, Bruno Miguel, Daniel Escobar, Daniel Lannes, Delson Uchoa, Elle de Bernardini, Ferrnando Lindote, Pedro Varela, Ricardo Villa e Sergio Allevato.

 

Obras em exposição

 

Nas pinturas de Alan Fontes, aparecem palácios e casarões históricos, que nos remetem a beleza de outras épocas, enquanto Daniel Escobar produz colagens com diversos elementos ressaltados de páginas demonstrando a bela flora brasileira. “Ambas tentativas românticas exaltando desejos de mundos mais sensíveis, mas compreendendo que estes beiram o esquecimento (já não vemos mais estas construções em suas formas majestosas, e nas notícias apenas as chamas flamejantes que tomaram nossa imensa floresta da Amazônia)”, diz a curadora Gabriela Davies. Já Marcelo Macedo, através do mesmo suporte, o livro, ao recortar página após página no mesmo polígono, “revela pequenas lâminas de cada página, sem nos revelar o seu verdadeiro conteúdo dando-nos a responsabilidade de criar sua história com o que achamos próprio”.

 

Os romances também aparecem nas pinturas de Daniel Lannes, que retratam sessões de análise, “onde expressamos nossos desejos mais profundos, mas logo os reprimimos ao sair do consultório – que no caso da pintura, parece mais um “talk-show” de grande audiência que uma sessão particular”, ressalta a curadora.

 

Em uma sala separada no terceiro andar, haverá, ainda, trabalhos com temas eróticos.

 

As fotografias de Eduardo Kac apresentam uma grande passeata nudista pela praia de Ipanema. “Uma atividade que é repetidamente repudiada por moralistas, mas que na verdade expressa a vontade de ser em liberdade”, diz a curadora. Em paralelo, Güler Ates, uma fotógrafa turca, também se apropria do seu corpo com registros fotográficos, mas, por sua vez, encoberta por uma manta de seda que revela apenas uma sugestão de figura feminina. “Esse desaparecimento atrás do véu, uma tradição da religião muçulmana, estimula um senso erótico no imaginário do espectador que é contrário ao propósito do encobrimento”, conta a curadora. Já Élle de Bernardini cria sua série “Formas Contrassexuais”, em que abrange os diferentes campos de gênero e sexualidade, “…possibilitando inúmeras classificações (a insenção de) para o descobrimento de nossos ”‘eus’”.

 

 

 

Pierre Verger e Carybé em livro

04/set

A Galeria Marcelo Guarnieri, Jardins, São Paulo, SP, apresenta, de 12 a 28 de setembro, a exposição comemorativa para o lançamento da nova edição do livro “Lendas Africanas dos Orixás” de Pierre Verger e Carybé, publicado pela Fundação Pierre Verger. Para a mostra, foram selecionadas fotografias vintages Palácios Reais de Abomey feitas desde meados da década de 1930 até o final da década de 1970 durante cerimônias de culto aos Orixás na cidade de Salvador da Bahia, no Benin e no Haiti. Este conjunto inclui não somente as cenas dos rituais que Verger presenciou, como também os objetos de culto e os instrumentos musicais, também sagrados. Três fotografias feitas em 1936 em Abomey, no Benin, registram detalhes de alguns dos baixo-relevos que integram a fachada do complexo dos Palácios Reais de Abomey. Construídos pelos povos Fon entre meados do século XVII e finais do século XIX, foram designados pela Unesco em 1985 como Patrimônio da Humanidade. Animais míticos esculpidos nas paredes de argila simbolizavam as características dos reis e suas qualidades como governantes, fazendo da arquitetura também um memorial. Além das fotografias de Verger, poderão ser vistos na exposição os desenhos originais de Carybé que foram produzidos para o livro.

 

Grande clássico da mitologia dos deuses africanos, “Lendas Africanas dos Orixás” é um dos títulos mais procurados por pesquisadores, religiosos e interessados em assuntos da diáspora africana. O livro traz um compilado de lendas, cuidadosamente coletadas por Verger em 17 anos de sucessivas viagens pela África Ocidental, desde 1948, período em que se tornou Babalaô (1950) e quando recebeu do seu mestre Oluô o nome de Fatumbi. Todas essas lendas foram anotadas por Verger a partir das narrativas dos adivinhos babalaôs africanos. O livro foi publicado pela primeira vez em 1985 pela editora Corrupio. Esta nova edição, em capa dura, apresenta como novidades o texto do prefácio assinado por Reginaldo Prandi além de um aplicativo para smartphones que permite ouvir as narrações de todas as lendas do livro feitas por Vovó Cici.

 

No sábado seguinte à abertura, no dia 14 de setembro, Vovó Cici estará presente para narrar essas e outras lendas da cultura dos cultos aos deuses africanos. Vovó Cici é Nancy de Souza, Ebome do Ilê Axé Opô Aganju e contadora de histórias da Fundação Pierre Verger.

 

A exposição na Galeria Marcelo Guarnieri marca o lançamento do livro em São Paulo. “Lendas Africanas dos Orixás” foi lançado apenas na Bahia, em agosto, durante a Festa Literária Internacional do Pelourinho – FLIPELÔ, no Centro Histórico de Salvador. Em 14 de setembro o livro será lançado no Rio de Janeiro, na Livraria da Travessa.

 

Sobre o artista

 

Pierre Verger – 1902 – Paris, França – 1996 – Salvador, Bahia. Além de fotógrafo, Pierre Verger era também etnólogo, antropólogo e pesquisador. Durante grande parte de sua vida, esteve profundamente envolvido com as culturas afro-brasileiras e diaspóricas, direcionando uma especial atenção aos aspectos religiosos, como os cultos aos Orixás e aos Voduns. Antes de chegar à Bahia, no Brasil, em 1946, Verger trabalhou por quase quatorze anos viajando pelo mundo como fotógrafo, negociando suas imagens com jornais, agências e centros de pesquisa, e em Paris, mantinha ligações com os surrealistas e antropólogos do Museu do Trocadéro. Nos quatro anos que antecederam sua chegada, passou pela Argentina e pelo Peru, trabalhando por um tempo no Museo Nacional de Lima. Ao chegar no Brasil, colaborou com a revista O Cruzeiro e em Salvador, onde foi viver, pôde registrar, de uma maneira muito particular, o cotidiano de uma cidade essencialmente marcada pela cultura da África Ocidental. Seu fascínio por aquilo ou por aqueles que fotografava ia além da imagem, havia um interesse pelo contexto, suas histórias e tradições, algo que pode ser notado não só em seu trabalho com a fotografia, mas também com a pesquisa. Pierre Verger integra-se de tal maneira à Bahia e sua cultura que em 1951 passa a exercer a função de ogã no terreiro Opô Afonjá de Salvador e no Benin, África, torna-se babalaô.

Ai Wei Wei no CCBB/Rio

29/ago

Encontra-se em cartaz até 04 de novembro no CCBB Rio, a maior exposição do artista plástico chinês Ai Weiwei já realizada no país, premiada pela APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) como a Melhor Exposição Internacional de 2018. Convidado pelo curador, o artista desvenda a cultura brasileira e cria obras que representam a biodiversidade, a paisagem humana e a criatividade local. “Ai Weiwei Raiz” apresenta também alguns dos trabalhos mais icônicos do artista, hoje considerado um dos principais nomes da cena contemporânea internacional. A curadoria é de Marcello Dantas

 

No dia 25 de setembro, às 18h30, o curador, Marcello Dantas, conversará com o público sobre a obra do artista. Entrada franca e a distribuição de senhas será 1 hora antes.

 

Sobre o artista

 

Para entender Ai Weiwei, é preciso conhecer seu passado e suas origens. Seu pai – o poeta Ai Qing, um libertário e membro da Revolução Chinesa – caiu em desgraça na nova sociedade que se configurou e foi enviado, junto com sua família, para campos de trabalho na área rural da China, logo depois do nascimento de Ai Weiwei. A influência do pai em sua vida é imensa.

 

Uma das imagens mais fortes para o artista é a de quando Ai Qing decidiu queimar seus livros diante do filho, para evitar mais punições caso o regime viesse à sua casa – eram principalmente livros de arte e poesia. Pai e filho fizeram uma fogueira e, página por página, foram queimando os livros, como se se despedissem daquelas imagens e palavras. Um ato de profunda violência para um poeta e intelectual e, acredito, um ato fundador para seu filho, tanto como artista quanto ativista.

 

Uma maneira de ler as obras do artista chinês é compreendê-lo em seus múltiplos pontos de vista, como um intérprete das culturas chinesa e ocidental. Ele encontra maneiras de manter ambiguidades, expressando-se de forma explícita para um dos lados (seja o Ocidente ou o Oriente), e de forma velada para o outro.

 

As imagens inaugurais de Ai Weiwei soltando o vaso da Dinastia Han são, para qualquer ocidental, imagens perturbadoras de desrespeito e uma atrocidade em relação à memória e à história. Para um chinês acostumado aos absurdos da Revolução Cultural, todavia, tal gesto não é tão chocante. O convite para Ai Weiwei vir ao Brasil era também um convite para uma interpretação e para a realização de novos trabalhos. Nesse modelo, ele seria capaz de experimentar a cultura local e digeri-la a seu modo, e o Brasil teria a chance de entender e experimentar as modalidades e o processo criativo do artista. Por outro lado, nós nos tornamos mestres na arte de absorver e digerir à nossa maneira influências exteriores. O convite não foi para uma refeição cotidiana: foi para um banquete mutuofágico, em que se come e se é comido pelo outro, em que cada lado devora o outro – seu corpo, sua alma e sua energia. Weiwei fez um firme gesto inicial ao tentar fundir a cultura, ele decidiu fundir em ferro a maior, mais antiga e ameaçada árvore ainda em pé no sul da Bahia. Apropriar esta árvore dentro de sua oeuvre é como capturar a espinha dorsal da consciência de nossa civilização -uma árvore que tem estado de pé por mais de 1200 anos viu a própria formação da nação.

 

 

Hamish Fulton na Bergamin & Gomide

13/ago

A Galeria Bergamin & Gomide, Jardins, São Paulo, SP, apresenta Hamish Fulton A Walking Artist “Caminhar transforma, andar é mágico. Caminhar é um bom remédio.” Na terceira exposição do ano, a Bergamin & Gomide apresenta a individual do artista britânico Hamish Fulton, entre os dias 13 de Agosto e 05 de Outubro de 2019, reunindo obras que compreendem diversas mídias e períodos ao longo da trajetória do artista, cuja poética dialoga com a experiência do caminhar. Hamish Fulton (Londres, 1946) afirma ser um “artista caminhante” e desenvolve uma pesquisa que evidencia a intenção de transformar ideias em experiências reais. Sua obra não se limita ao ato de caminhar – Fulton é reconhecido pela trajetória singular que possui como essência a fusão entre natureza, fotografia e texto. Na segunda exposição do artista no Brasil, a galeria apresentará 25 trabalhos produzidos desde a década de 1960 até os dias atuais, entre esculturas, desenhos, fotografias e uma obra Site-Specific. A obra “Sem título (EUA, 1969) / Untitled (USA, 1969)” reúne registros fotográficos em preto e branco de uma das muitas vezes em que realizou travessias pela Península Ibérica. Neste trabalho é possível assimilar a experiência sutil e poética do trajeto de Fulton, assim como os obstáculos e descobertas do caminho, representados pela carcaça de um animal, a sombra do tronco de madeira refletida na terra, o desenho circular que se expande no espelho d’água e o rebanho de gado que atravessa a estrada. Também serão apresentados trabalhos com referências ao Nepal e à Noruega; desenhos com linhas que remetem as formas das montanhas combinados a textos que fazem referência aos trajetos percorridos, como no Monte Fuji, na obra “Fuji. Japan” de 1988, e nas montanhas rochosas de Wyoming, na obra “Seven Small Mountains” de 2017. Estarão expostas também obras em que o artista usa a madeira como suporte e cria uma concepção simétrica particular dessas experiências; como na travessia de Serra Nevada na Espanha, com a obra “A Walk to the top of Mulhacen Sierra Nevada Spain Easter” de 1984, e o vulcão Licancabur na fronteira entre Chile e Bolívia, na obra “Licancacur Bolivia” de 2012. Sobre Hamish Fulton: Ao longo de quase 50 anos de carreira, Hamish Fulton realizou exposições individuais e retrospectivas nas mais importantes instituições, como Centre George Pompidou em Paris, MoMA em Nova York e Tate Britain em Londres; participou de exposições coletivas como a Documenta 5 e Documenta 6 em Kassel, e integra os principais acervos mundiais como do National Museum no Japão e o Guggenheim Museum em Nova York. Possui mais de 40 publicações sobre sua obra e as experiências nas viagens ao redor do mundo para países como Nepal, Tibete, Japão, Bolívia, Chile, França, Espanha, Escócia e outros. Sua produção artística envolve recursos diversos como desenhos, textos, fotografias, wall paintings, pinturas, vídeos, caminhadas coletivas em espaços urbanos e projetos editoriais. Embora sua produção artística seja muitas vezes associada à Land Art; aspecto ironizado pelo próprio artista no convite de uma de suas exposições com o uso da frase “ISTO NÃO É LAND ART”; a mesma transborda o conceitualismo normalmente presente em intervenções na natureza, manifestando-se através da diversidade da produção de materiais e do rígido processo de documentação daquilo que experiencia. Rotas, mapas, percursos, diários, datas, fotos, desenhos, colagens e anotações, tudo coexiste e está sob controle do artista. Suas rotas devem ser bem definidas, os mapas de fácil leitura, a barraca e o saco de dormir de alta qualidade e fácil manuseio, seus calçados adequados a cada itinerário, a comida deve estar seca e não ter invólucros que ocupem espaço, e acima de tudo, o artista deve ter um bom livro e um bloco de anotações à sua disposição. O processo criativo de Fulton, isto é, o caminhar, confere à terra uma importante evidência na sua obra, trazendo à tona uma espécie de conhecimento que excede o compreensível. Em sua obra, sem qualquer ato de interferência na natureza, é possível sentir a presença humana, e ver o reflexo da identificação entre artista e homem, ou até uma resposta à necessidade instintiva e primitiva que os seres humanos têm de entrar em contato uns com os outros. Hamish Fulton pode estar nos mostrando, talvez inconscientemente, que antes de ser um artista, ele é um indivíduo. Como ele mesmo declarou, uma caminhada não é uma recriação nem um estudo da natureza, caminhar é uma maneira de melhorar a si mesmo, física e mentalmente, a fim de experimentar um estado temporário de euforia, uma conexão íntima entre sua mente e o ambiente. O caminhar é antigo e contemporâneo; o caminhar é a relação com tudo.

 

A palavra do artista

 

WALKing (Caminhar) é uma palavra de sete letras. Os primeiros sete passos. LUA CHEIA DO SOLSTÍCIO. UMA CAMINHADA DE SETE DIAS NAS MONTANHAS DE CAIRNGORM NA ESCÓCIA. JUNHO 1986. Simplicidade. Caminhar é transformador, caminhar é mágico. Caminhar é um bom remédio. Uma longa caminhada. Hoje 2013, caminhar é mais importante que usar a internet. Wiki-walks. Opinião é uma palavra de sete letras. Caminhar é antigo e contemporâneo. Consistentemente, caminhar é a relação com tudo. LUA CHEIA SOLSTÍCIO INVERNAL. UMA CAMINHADA CONTÍNUA SEM DORMIR PELO CAMINHO DOS PEREGRINOS DE WINCHESTER ATÉ CANTERBUTY. INGLATERRA 21 22 23 DEZEMBRO 1991. (Rotas de peregrinação – uma perda do ego.) Sou o que chamo de um ‘artista caminhante’. Nenhuma dessas duas palavras descrevem uma técnica artística convencional (Não sou um escultor nem um fotógrafo de paisagem.) Não sou um artista conceitual. Transformo ideias em realidades vivenciadas. Sou um artista que anda, e não um andarilho que cria arte. Walking art é a aproximação de duas atividades completamente separadas. CAMINHAR É UMA FORMA DE ARTE POR MÉRITO PRÓPRIO. CAMINHAR É O CONSTANTE, A TÉCNICA DE ARTE É QUE É VARIÁVEL. Com Richard Long, realizei a minha primeira ‘artwalk’ (uma palavra de sete letras) quando era estudante na St Martins em Londres em 2 de fevereiro 1967. Porém levaria ainda mais seis anos para estabelecer progressivamente uma prática de trabalho através de tentativa e erro. (As caminhadas são construídas com regras auto-impostas). 16 de outubro 1973 após a realização de uma caminhada de costa a costa de mais de mil milhas do nordeste da Escócia até o sudoeste da Inglaterra, aos 27 anos, me comprometi com o seguinte: FAZER 100% DE ARTE RESULTANTE DA EXPERIÊNCIA DE CAMINHADAS INDIVIDUAIS. Criatividade. Acredito na diversidade (debate e discussão, concordamos em discordar) Uma diversidade de categorias de caminhadas, uma diversidade de criação de arte, uma diversidade de artistas. Mais importante, uma diversidade de formas de vida, GRAMAS INSETOS. Mercadorias? Os Direitos da Natureza (Oceanos.) Deixar a arte falar por si? Até agora não. Os historiadores de arte nos anos 70 presumiram que a minha walking art se encaixa nos seus temas escolhidos, a saber – pintura paisagista do passado e escultura ao ar livre no presente. Nenhuma pesquisa sobre a caminhada. L.A. Confidentiel: Nunca fui influenciado pelos Românticos e não quero ser associado ao landArt (uma palavra de sete letras.) A colisão entre os E.U.A. ‘não-deixe-rastros’? Para que fique registrado, a data do começo da minha postura foi 1959 quando li sobre a vida de Wooden Leg. da tribo Northern Cheyenne que lutou contra Custer. (25 de junho 1876.) História? História de quem? Justiça? Justiça para quem? Os direitos dos povos indígenas. Dez anos depois, em 13 de setembro 1969 caminhei – com Nancy Wilson, carregando comigo aquele mesmo livro sobre o campo de batalha de Little Bighorn. (Celebridade? Não existem fotografias de Crazy Horse.) Por volta de 1977, precisei ‘escapar’ da arte paisagística (jardinagem e o sistema de classe inglês). Assisti a palestras de alpinistas internacionalmente famosos como Doug Scott e mergulhei na literatura de expedições. Tornei-me um ‘alpinista de poltrona’. GRAVIDADE. Não sou alpinista nem escalador. Não sou científico nem um engenheiro. Sendo caminhante, considero o alpinismo inspirador. Nas palavras do alpinista contemporâneo norte-americano Steve House, ‘O meu machado de gelo pode ser o seu pincel’. Faço caminhadas em cidades. INDOORS (dentro), é uma palavra de sete letras. Acredito em caminhadas solitárias OUTSIDE (ao ar livre) em combinação com acampamento ‘selvagem’. Vida de tenda de acampar, rente ao chão, mais perto da natureza. Gramas, insetos. Posso caminhar o dia inteiro, mas não sou um caminhante rápido. Slowalk (caminhada lenta), é uma palavra de sete letras. No Tate Modern (30 de abril 2011) realizei uma caminhada comunitária indoor chamada, slowalk em apoio a Ai Weiwei. Protegido pelo Estado de Direito? T.A.A. Trekking de alta altitude. No 49º dia da expedição ficamos imóveis no topo do monte Everest, Chomolungma. Bardo. Essa experiência só me foi possível graças aos meus guias xerpas. Fui guiado por Ang Dorje xerpa de Pangboche. Alto e baixo, perto e longe. longe e há muito tempo atrás. Uma boa pergunta é, até onde você consegue andar?. Até a presente data, a minha caminhada mais extensa cobriu uma distância de 2838 quilômetros (carregando toda a minha bagagem), costa a costa da Espanha até os Países Baixos. CAMINHANDO NA DISTÂNCIA ALÉM DA IMAGINAÇÃO. É importante ressaltar que essa caminhada não muito longa foi ‘fácil’. Uma caminhada muito mais difícil, ‘cheia de nós’, duraria uma mera fração dessa duração. Os alpinistas me ensinaram a importância da rota e do estilo. Depois de vários anos de tentativas fracassadas, finalmente consegui: CONTAR 49 PASSOS DESCALÇOS NO PLANETA TERRA DURANTE CADA NOITE DAS DOZE LUAS CHEIAS DE 2010. Minha pegada de carbono oculta. Apenas uma consequência de persistentemente ignorar a natureza é o aquecimento global. Quem se importa com datas? Números é uma palavra de sete letras. Ursa Maior. Quipu. Horário do relógio, duração da vida, morte. Primavera, verão, outono, inverno. A migração das baleias, a migração das borboletas. (Calendário lunar.) No thing (nenhuma coisa), é uma palavra de sete letras. Tudo é feito de alguma coisa. Uma montanha não é feita de pedra, ela é pedra. UM OBJETO NÃO PODE COMPETIR COM UMA EXPERIÊNCIA. Desde 1973 toda obra de arte que eu materializei (coisas) contém um texto sobre a caminhada. Não proporciono o alivio de uma arte sem palavras. (Também não crio arte abstrata.) NÃO HÁ PALAVRAS NA NATUREZA. O peso físico de palavras (faladas). Talk the walk (“pratique o discurso”), A CAMINHADA É A ARTE. ARTE PEQUENA EXPERIÊNCIA GRANDE. Caminhar é transformador, caminhar é mágico. Kora Tibetana. Monjas tibetanas. Os derradeiros sete passos. Até o momento em que escrevo, 99 tibetanos têm se auto-imolado. História? História de quem? Hamish Fulton, 2013.

 

 

Arrechea/Nara Roesler, Ipanema

08/ago

Fragmentos e camadas de cores dão forma a máscaras carregadas de simbologia. Essa é a temática da exposição “Superfícies em conflito” do cubano Alexandre Arrechea, que após mais de uma década atuando junto ao coletivo Los Carpinteros, apresenta mostra individual no Rio de Janeiro. A exposição fica em cartaz até o dia 31 de agosto, na Galeria Nara Roesler, Ipanema, Rio de janeiro, RJ e apresenta 12 trabalhos em diversos suportes, que vão das tradicionais telas à tapeçaria, papéis artesanais de cânhamo, linho e algodão, e videoinstalação.

 

As obras nos remetem, em um primeiro momento, às máscaras africanas, impressão essa confirmada pelo curador Rodolfo de Athayde, que destaca em texto curatorial as influências de Picasso e Malevich. As máscaras de Arrechea, sem olhos e sem bocas, de aparência enigmática, podem ser lidas a partir da problemática cubana com relação a liberdades e direitos humanos.

 

Mas esses trabalhos vão além: evocam estruturas urbanas, tanto em sua construção – que utiliza linhas, sulcos, texturas e sobreposições geométricas, lembrando os tradicionais bairros cubanos, suas casas e arquitetura – quanto na intenção de revelar, também filosoficamente, “as camadas da ação humana no tempo”. Dessa forma, o que inicialmente pode parecer uma obra de rápida assimilação, oferece, em seguida, outras possibilidades interpretativas.

 

ArtRio 2019, programa SOLO

30/jul

A ArtRio 2019 apresenta Sandra Hegedüs como curadora do programa SOLO, destinado a projetos expositivos com foco em importantes coleções de arte. Brasileira, Sandra vive na França desde 1990, onde desenvolveu atividades de produção audiovisual e deu início à sua coleção particular.

 

Em 2009, buscando oferecer uma maior contribuição ao cenário artístico e também incentivar a formação e reconhecimento de novos nomes, Sandra criou o SAM Art Projects. Seu foco principal está na promoção e suporte a artistas contemporâneos de países não ocidentais, incluindo o estímulo a intercâmbios artísticos, além de apoiar projetos de artistas franceses que vivem e/ou trabalham em países estrangeiros (não europeu ou norte-americano). O projeto, que conta com residências artísticas e o Prêmio SAM para a Arte Contemporânea, realiza exposições regulares no Palais de Tokyo, em Paris.

 

Em 2013, o SAM Art Projects se tornou uma fundação sem fins lucrativos, e Sandra assumiu a posição de patrona. Atualmente, seu comitê é formado por Jean-Hubert Martin, Annabelle Ténèze, Sandra Hegedüs, Marie-Ann Yemsi, Jean de Loisy, Thierry Raspail, Myriam Ben Salah, Emma Lavigne e Nicolas Bourriaud.

 

Com os resultados do SAM Art Projects, Sandra Hegedüs é reconhecida como importante mecenas do cenário atual e também faz parte do círculo internacional do Centro Georges Pompidou, sendo responsável pela aquisição de artistas latino-americanos, e do Centro Nacional de Artes Plásticas, órgão do Ministério da Cultura francês.

 

Para o projeto SOLO, Sandra Hegedüs vai selecionar cerca de dez artistas e suas galerias, que exibirão, em seus estandes, somente trabalhos do artista indicado.

 

Data: 19 a 22 de setembro (quinta-feira a domingo)

 

Preview – 18 de setembro (quarta-feira)

 

Local: Marina da Glória – Av. Infante Dom Henrique, S/N- Glória, Rio de Janeiro, RJ.

 

 

Em cartaz na Bergamin & Gomide

03/jun

A Burrice dos Homens: uma colagem espaço-temporal realizada em conversa com Tiago Carneiro da Cunha na Bergamin & Gomide, Jardins, São Paulo, SP. Até 20 de julho.

 

Entre 1985 e 1986, Martin Kippenberger, em Colônia, embarcou rumo ao Brasil acompanhado pela fotógrafa Ursula Böckler, encarregada de registrar o périplo de três meses. Àquela altura, o artista já era um herói local na Alemanha Ocidental, famoso tanto por seu trabalho quanto por sua personalidade histriônica. Kippenberger nomeou a expedição ao “exótico” país como “Magical Misery Tour”, parodiando o famoso álbum dos Beatles. O tom sardônico e irreverente é típico do artista. Seu slogan também foi o ponto de partida conceitual para uma série de trabalhos embebidos em estereótipos, autodepreciação e interpretações jocosas, que expressam uma aposta na autoridade moral e cultural supostamente conferida por seu passaporte alemão. As fotos de Böckler revelam Kippenberger como um típico “gringo”: vermelho de sol, de shorts e sem camisa, encantado com as mazelas tropicais e pronto a interpretá-las a partir de sua posição privilegiada. Naquela época, ainda se falava em “Terceiro Mundo” e o circuito da arte contemporânea oficial se concentrava essencialmente entre Nova York, Londres e Colônia.

 

“Aqui é o fim do mundo”, escreveu Torquato Neto, quase vinte anos antes, no refrão da música Marginália II, gravada por Gilberto Gil em 1967. O poeta piauiense desconstrói – com a fluência associativa típica do grupo tropicalista – a exaltação nacionalista do romântico Gonçalves Dias. Seu exercício sagaz de intertextualidade desvela a complexa realidade brasileira durante a ditadura militar. Era o início dos chamados “anos de chumbo” e o experimentalismo exuberante da Tropicália logo foi dispersado por uma série de perseguições e pelo exílio dos integrantes do movimento, que antes de partirem protagonizaram uma verdadeira revolução estética no cenário cultural brasileiro.

 

Em 1971, Ivan Cardoso convidou Torquato Neto para interpretar Nosferatu no Brasil, um clássico do gênero “Terrir”, termo criado pelo poeta Haroldo de Campos. No mesmo ano, Neville de Almeida rodou o lendário Mangue-Bangue, uma colagem audiovisual radical realizada numa zona de prostituição carioca que o cineasta visitou com Hélio Oiticica. Os dois filmes revelam certa desconfiança dos cânones da história do cinema ocidental, mostrando, cada um a sua maneira, pela via do absurdo tragicômico e do deboche, um Brasil ameaçado pelo autoritarismo e pela censura.

 

A versão marginal e ensolarada do vampiro Nosferatu, que toma água de coco em Copacabana ao som de bossa-nova, poderia facilmente ser um dos personagens cáusticos de Tiago Carneiro da Cunha, que são o ponto de partida desta exposição. Minha opção, neste texto, de chegar ao seu trabalho pela via da associação livre, replica a dinâmica que nos levou às obras em exposição: uma procura compartilhada por artistas de diferentes gerações que, assim como ele e os exemplos citados acima, optam por habitar a tênue linha entre o cômico, o trágico, o melancólico e o sedutor quando se propõem a representar e a discutir criticamente os códigos visuais que constituem uma ideia de identidade cultural brasileira ou, mais amplamente, da região que se convencionou chamar de América Latina no mundo globalizado e do chamado “circuito internacional da arte contemporânea” – que a propósito começou a ser instaurado na época da viagem de Kippenberger.

 

Yes, nós temos bananas e melancolia tropical para dar e vender na exposição. Optamos por criar um ambiente cacofônico, repleto de associações livres, jogos semânticos, homenagens, intertextualidades, releituras e profanações variadas. Os trabalhos em exposição põem em cheque a ideia de alta e baixa cultura, optam pela transgressão e pela idiossincrasia como antídotos às interpretações rasas, discursos fechados e olhares unilaterais. Levando isso em conta, a inclusão de uma das imagens originais feitas por Böckler – única artista europeia na mostra -, a qual retrata Kippenberger no Brasil, tem a intenção de ressaltar a autonomia do olhar da fotógrafa em relação à abordagem ambivalente do projeto do artista. Em várias imagens, as lentes de Böckler captam com certo constrangimento os movimentos de um artista-turista fanfarrão em um Brasil recém-saído de vinte anos de ditadura militar, e acabam por se tornar um documento visual importante da mentalidade de uma época.

 

Distante da “miséria mágica” estilizada por Kippenberger, o território estereotipado que Carneiro da Cunha explora há anos e que ecoa nesta exposição, é resultado da sublimação intencional de um contexto que é insuportavelmente real. Ao evocar com humor o que é canônico ou inenarrável, sua obra nos aproxima de elementos da nossa sociedade que, por serem tão flagrantes e traumáticos, desafiam a razão. Quando o noticiário se aproxima tão intensamente da narrativa fantástica, os monstros lodosos e os diabos sacanas de Tiago Carneiro da Cunha, ou mesmo o escatológico Polochon de Lina Bo Bardi, deixam de parecer absurdos e nos lembram do potencial agregador – e por que não revolucionário? – do senso de humor como ponto de partida para reflexões criticas sobre dinâmicas sociais arraigadas, e que necessitam de revisão.

Fernanda Brenner

 

 

Lista de artistas:

 

Adriano Costa, Amadeo Luciano Lorenzato, Ana Prata, Anna Bella Geiger, Antônio Dias, Antonio Henrique Amaral, Artur Barrio, Cabelo, Cícero Dias, Cristiano Lenhardt, Erika Verzutti, Glauco Rodrigues, Hélio Oiticica, Ivan Cardoso, Ismael Nery, Jac Leirner, Jarbas Lopes, José Antônio da Silva, Leda Catunda, Lina Bo Bardi, Oswaldo Goeldi, Pedro Caetano, Radamés “Juni” Figueroa, Rogério Reis, Saint Clair Cemin, Tiago Carneiro da Cunha, Tonico Lemos Auad, Ursula Böckler, Vicente do Rego Monteiro, Wilma Martins, Yuli Yamagat.

Ai Wei Wei em Curitiba

21/mai

As galerisa SIM e Simões de Assis apresentam a primeira exposição do conceituado artista internacional em Curitiba, PR.

 

AI WEIWEI

 

Para entender Ai Weiwei, é preciso conhecer seu passado e suas origens. Seu pai – o poeta Ai Qing, um libertário e membro da Revolução Chinesa – caiu em desgraça na nova sociedade que se configurou e foi enviado, junto com sua família, para campos de trabalho na área rural da China, logo depois do nascimento de Ai Weiwei. A influência do pai em sua vida é imensa.

 

Uma das imagens mais fortes para o artista é a de quando Ai Qing decidiu queimar seus livros diante do filho, para evitar mais punições caso o regime viesse à sua casa – eram principalmente livros de arte e poesia. Pai e filho fizeram uma fogueira e, página por página, foram queimando os livros, como se se despedissem daquelas imagens e palavras. Um ato de profunda violência para um poeta e intelectual e, acredito, um ato fundador para seu filho, tanto como artista quanto ativista.

 

Uma maneira de ler as obras do artista chinês é compreendê-lo em seus múltiplos pontos de vista, como um intérprete das culturas chinesa e ocidental. Ele encontra maneiras de manter ambiguidades, expressando-se de forma explícita para um dos lados (seja o Ocidente ou o Oriente), e de forma velada para o outro. Exemplo disso são as fotografias e papéis de parede icônicos e massivamente reproduzidos de Finger [Dedo], que têm um significado muito direto na maioria das culturais ocidentais, mas são vazios de sentido para os chineses, para quem gestos ofensivos não são normalmente utilizados e para quem esse, em particular, tem menos significado. As imagens inaugurais de Ai Weiwei soltando o vaso da Dinastia Han são, para qualquer ocidental, imagens perturbadoras de desrespeito e uma atrocidade em relação à memória e à história. Para um chinês acostumado aos absurdos da Revolução Cultural, todavia, tal gesto não é tão chocante.

 

O convite para Ai Weiwei vir ao Brasil era também um convite para uma interpretação e para a realização de novos trabalhos. Nesse modelo, ele seria capaz de experimentar a cultura local e digeri-la a seu modo, e o Brasil teria a chance de entender e experimentar as modalidades e o processo criativo do artista. Por outro lado, nós nos tornamos mestres na arte de absorver e digerir à nossa maneira influências exteriores. O convite não foi para uma refeição cotidiana: foi para um banquete mutuofágico, em que se come e se é comido pelo outro, em que cada lado devora o outro – seu corpo, sua alma e sua energia.

 

Weiwei fez um firme gesto inicial ao tentar fundir a cultura, ele decidiu fundir em ferro a maior, mais antiga e ameaçada árvore ainda em pé no sul da Bahia. Apropriar esta árvore dentro de sua oeuvre é como capturar a espinha dorsal da consciência de nossa civilização -uma árvore que tem estado de pé por mais de 1200 anos viu a própria formação da nação.

 

Mas logo este processo começou a se tornar multidirecional. E nossas próprias questões começaram a ocupar sua mente. Nossa iconografia escravocrata, nossas injustiças sociais, nossa fé e códigos.  Ai Weiwei começou a ser permeado pela latência da cultura brasileira: ele incorporou o Alfabeto Armorial de Ariano Suassuna em seus escritos; ele encontrou um modo irreverente de lidar com Ex-votos para expressar sua inquietação com a injustiça; ele foi levado pelo mundo natural e suas sementes; ele começou a busca pela conexão China-Brasil; ele foi desconcertado pelas condições de escravidão tanto no passado como no presente; Ele foi agora ocupado.

 

Este jogo é um grande modelo para promover o contato, o entendimento e para desafiar as noções pré-concebidas de ambos os lados. Com fricção, barulho, um território incerto a ser descoberto e uma combinação de temperos nunca antes combinados, produzindo um novo sabor para a arte de Ai Weiwei e para nossa cultura. E com a dor e o prazer de uma mordida dada e uma mordida recebida.

 

 

Até 29 de junho.

Louise Bourgeois na FIC

14/mai

Em itinerância promovida pelo Itaú Cultural, a Fundação Iberê Camargo, Porto Alegre, RS, recebe paa exibição a partir do 18 de maio, “Spider”, escultura de Louise Bourgeois.  Depois de permanecer pouco mais de duas décadas em regime de comodato ao lado do Museu de Arte Moderna, São Paulo, SP, em dezembro do ano passado a obra – pertencente à Coleção Itaú Cultural – começou uma série de itinerâncias pelo país. Primeiro foi levada a Minas Gerais, para ser exibida na Galeria Mata do Inhotim. Agora a escultura chega a Porto Alegre com uma novidade: a gravura da artista “Spider and Snake”. Na Fundação Iberê Camargo, a escultura permanecerá em exibição por mais de dois meses. Na sequência, viaja para Curitiba e Rio de Janeiro.

 

“Spider”, obra realizada pela escultora francesa Louise Bourgeois (1911-2010) em 1996, foi vista no Brasil pela primeira vez na 23ª Bienal Internacional de São Paulo e adquirida para a Coleção Itaú Cultural. Em 1997, o instituto a cedeu em regime de comodato ao Museu de Arte Moderna – MAM/SP, no Parque Ibirapuera. Ela permaneceu ali até 2017, em um espaço de vidro de onde podia ser observada da marquise do parque. Na ocasião, a escultura foi enviada para a Fundação Easton, em Nova York, para averiguação e restauro, de modo a garantir a sua longevidade e possibilitar a sua exibição em espaços expositivos diversos. Em dezembro passado, “Spider” botou o pé na estrada.

 

“Assim como fazemos com grande parte da Coleção Itaú Cultural, tomamos a decisão de circular uma das suas mais importantes obras internacionais e ampliar o acesso do público a esta grandiosa escultura”, diz o diretor do Itaú Cultural, Eduardo Saron.

 

“Spider reafirma a nossa parceria com a Coleção Itaú Cultural e o nosso compromisso de trazer a Porto Alegre o que há de mais instigante e inquieto na arte moderna no Brasil e no mundo”, arremata o superintendente da FIC, Emilio Kalil.

A parceria entre as duas instituições, vem de longa data e foi retomada em maio de 2018 com a exposição “Moderna para Sempre – Fotografia Modernista Brasileira na Coleção Itaú Cultural”, um recorte de 144 obras fotográficas de importantes artistas do movimento modernista brasileiro, dos quais 60 nunca haviam estado antes em Porto Alegre. Agora, a fundação recebe do instituto a mostra da famosa aranha gigante de Bourgeois, que chega pela primeira vez ao Rio Grande do Sul.

 

 

A mostra

 

Esta “Spider” é a primeira das seis que a artista produziu em bronze a partir de meados da década de 1990 e que estão espalhadas pelo mundo. A escultura será exibida até o dia 28 de julho. Com ela, chega também a gravura “Spider and Snake” – a 15ª das 50 realizadas por Louise em 2003, com uma dimensão de 48,2 x 44,1 cm e pertencente ao acervo do Itaú. As viagens da “Spider” pelo Brasil são acompanhadas de um texto do crítico de arte Paulo Herkenhoff e de um vídeo de pouco mais de cinco minutos realizado pela equipe do Itaú Cultural, com relato da também crítica Verônica Stigger. Este material foi produzido especialmente para estas itinerâncias.

 

Entre imagens da escultura, Verônica Stigger discorre sobre a vida da artista que se entrelaça com esta sua criação. Ela reproduz de Paulo Herkenhoff que as aranhas de Louise Bourgeois representam a mãe da artista, sintetizada em dois adjetivos aparentemente paradoxais: frágil e forte. Diz Verônica Stigger: “A fragilidade e a força se conjugam nesta versão de Spider. À primeira vista, é uma peça imponente, até um tanto monstruosa: ela é toda em bronze, com três metros e meio de altura, oito longas patas e um núcleo central duro, todo torcido em espirais, que faz as vezes de cabeça e ventre – um grande ventre capaz de armazenar os ovos.” E conclui: “Em uma olhada mais atenta, percebe-se como, apesar da força e da rigidez do bronze, ela também é frágil, delicada: suas patas são longas e muito finas, dando a impressão de serem insuficientes para sustentar o pesado corpo da aranha.”

 

Feita em bronze, a escultura pesa mais de 700 quilos, 68kg, cada uma das oito patas; 113kg o corpo e 57kg a cabeça. O seu traslado, exige grande cuidado e dedicação. Com a inexistência do esboço e projeto original da escultura, a equipe do Itaú Cultural criou um aparato para garantir a sua estrutura na desmontagem e remontagem. A produção do instituto desenhou uma plataforma que é colocada debaixo dela para sustenta-la. As partes, cujas pontas são de agulha, são retiradas uma a uma enquanto uma espécie de berço se eleva da plataforma para segurar o corpo do pesado aracnídeo. Na remontagem, o caminho é o inverso.

 

 

Itinerância

 

O plano de viagem de “Spider” tem duração garantida por todo o ano de 2019, durante o qual ainda poderá ser vista no Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba, e no Museu de Arte do Rio, MAR-RJ. A previsão é de que a escultura prossiga em sua viagem pelo país no ano seguinte.