Eliane Prolik e José Bechara

21/fev

A Simões de Assis, Balneáreo Camboriú, PR, exibe “Intersecções obtusas: Eliane Prolik e José Bechara”.

Eliane Prolik e José Bechara: Intersecções obtusas

Deitando dois conceitos matemáticos e dispondo-os como ferramentas poéticas, a exposição Intersecções obtusas busca aproximar trabalhos recentes de Eliane Prolik (Curitiba, 1960) e José Bechara (Rio de Janeiro, 1957), artistas que operam dispositivos geométricos a fim de tecer narrativas essencialmente humanas, contemplativas e questionadoras acerca de seu tempo. Suas produções, portanto, se interseccionam: não de maneira incisiva e cortante, mas em múltiplos caminhos obtusos, vastos e irrestritos. Nessa ocasião, Eliane Prolik apresenta esculturas metálicas resultantes de processos de dobras, angulações e obliquidades em tubos de aço inoxidável. Linhas se constroem e se metamorfoseiam em entidades escultóricas que provocam o espectador e ativam o espaço. Em oposição a uma geometria cartesiana e hermética, a artista endereça possibilidades experimentais na prática escultórica, a confluir atento rigor, sensibilidade e profunda erudição. Suas obras desobedecem a uma ortogonalidade limitante e se relacionam com leituras abertas do mundo contemporâneo: embora registrem as torções do dia-a-dia, os impasses e embates que incidem sobre as formas, ensaiam uma expansão com seus múltiplos cotovelos a romper o espaço modular. Em suas esculturas de parede, nota-se um avanço: as obras se projetam, em um ímpeto passional a inflamar a tranquilidade dos planos arquitetônicos. Sinal outro da atenção da artista à polivalência contemporânea é o combate a uma frontalidade estrita: suas obras resistem a um ponto de vista oficial, a uma tentação disciplinar que poda o olhar e que restringe as propriedades múltiplas da tridimensionalidade. Formam-se e deformam-se fractalmente, com várias faces ao passo que nenhuma oficial. Seja nas dinâmicas entre obra e espaço expositivo, seja nos aspectos intrínsecos à arquitetura transpostas à escultura, suas obras enfatizam as relações com o espaço arquitetônico. A superfície polida e espelhada do aço inoxidável mimetiza o espaço e amalgama o observador, replicando suas imagens em seus reflexos distorcidos. Esse aspecto reforça fluxos fenomenológicos dos trabalhos, dispondo-os abertos e penetráveis espacial e visualmente, incentivando o movimento do espectador ao seu redor e a fruição em vários ângulos. Desse modo, o olho percorre o objeto e o identifica em seu próprio reflexo mutável. As discussões espaciais movimentadas por José Bechara em suas grandes esculturas e instalações são canalizadas, nessa exposição, em suas pinturas com oxidação de emulsões metálicas, cobre e ferro, tinta acrílica e lonas usadas de caminhão. A variação de plataformas reitera a constância de uma preocupação sobre o acúmulo e o vazio, o excesso e a síntese, limítrofe às compreensões virtuais do espaço. Em suas obras, o dinamismo formal veloz colide radicalmente com um processo demorado, com etapas que guardam semelhanças com meticulosas práticas laboratoriais, ao passo que são igualmente contemplativas, existenciais. Há, portanto, uma declaração imediata: o espaço não é estático, mas é habitado, revirado, corroído. O artista propõe arranjos entrópicos orquestrados, onde o acaso não se encontra por sorte, mas por exaustão experimental. Infiltrações e embaralhamentos em espaços puros através de composições dramáticas e inquietas questionam pressupostos acerca da espacialidade – não de modo a solucioná-la, mas a questioná-la, a negar as imposições cisalhantes que lhe foram historicamente atreladas. Desse modo, Bechara revisita cânones do abstracionismo geométrico sem a milimétrica frieza minimalista, mas em uma pulsão expansora e rompante. De forma conciliatória, o artista emprega meticulosas práticas químicas a serviço de investigações acerca da existência, da impermanência do tempo, da inconstância do espaço, das oportunidades contemplativas em meio a turbilhões. Sensivelmente, decreta a vida ativa nos óxidos, nas reações químicas, assim como a ação do tempo e as histórias imantadas nas lonas de caminhão que utiliza como suporte discursivo. Além das convergências metálicas, da materialidade do aço inoxidável maciço das esculturas de Prolik às oxidações metálicas das pinturas de Bechara, os trabalhos atestam expansões poéticas dos consagrados artistas que comungam um cerne gramatical. Arestas, encontros e quinas tornam-se afáveis pela inflexão poética, na afirmação de experimentações a geometrias sensíveis, humanas e vivenciáveis.

Mateus Nunes

Duração da mostra: de 22 de fevereiro até 06 de abril.

Tunga no MAM SP

07/fev

O MAM, Parque do Ibirapuera, São Paulo, SP, anuncia a permanência em exibição na Sala de Vidro de “…uma das últimas obras criadas por Tunga  (1952 – 2016), a instalação Eu, Você e a Lua. Inédita no Brasil, a obra reúne elementos frequentes da poética do artista como pedras, espelhos, garrafas de cristal e de gesso e pratos presos em aros e hastes”.

“Eu, Você e a Lua” está entre as últimas obras realizadas pelo artista que iniciou sua produção na segunda metade dos anos de 1960. Ao longo de sua trajetória, Tunga se interessou pela alquimia, pela psicanálise, pelas ciências e pela filosofia. Ele construiu uma mitologia singular com imagens simbólicas e materiais em que as noções de permanência e transformação são fundamentais. É recorrente em sua obra a ideia de que “o trabalho é um conjunto de trabalhos”.

A palavra do curador

Mesmo com a profusão de objetos e materiais, em Eu, Você e a Lua há uma forte coerência entre as partes. Alguns elementos são recorrentes no vocabulário poético do artista, como garrafas de cristal, de gesso ou de resina, tanto ocas como sólidas. Espelhos, cristais, pedras, pratos presos em aros e hastes, além de correntes ou alças de couro fixadas em tripés também aparecem em outras obras de Tunga. Ao lado de um tronco petrificado de milhares de anos, o uso desses materiais pode evocar o orgânico e o inorgânico ou o natural e o artificial. O fóssil de uma árvore que se manteve intacto, como se o tempo estivesse suspenso, convive com uma essência de âmbar, uma fragrância com toques amadeirados que goteja como se uma ampulheta marcasse a passagem do tempo e a transformação da matéria. Recorrendo ao olfato e à visão, os elementos originários e pré-históricos na obra de Tunga se fundem ao contemporâneo e à presença efêmera do perfume. Fragmentos agigantados de um corpo humano, dedos polegares de bronze patinado apontam para baixo, enquanto espelhos arredondados e prateados como a lua refletem a luz que vem de cima. Escultura de dedos, como se estivessem duplicados, apontam para lados contrários, para o céu e para o solo. Uma delas de pedra, na horizontal, alinhada ao tronco, indica sentidos opostos e apontam para o eu e para o outro. O olhar de dois sujeitos pode atravessar o fóssil e se encontrar num único. Os dois lados já não parecem se opor. Na poética de Tunga, o que está no planeta Terra ou fora dele, o interno e o externo, assim como eu, você e a lua, formam um todo indivisível.

Cauê Alves (curador-chefe do MAM São Paulo)

Sobre o artista

Antônio José de Barros Carvalho e Mello Mourão, o Tunga, nasceu em 1952, em Palmares, Pernambuco, viveu e trabalhou no Rio de Janeiro. Foi o primeiro artista contemporâneo a exibir sua obra na pirâmide do Louvre, além de ter participado de exposições como a Bienal de Veneza, em 1982, e Documenta de Kassel, em 1992. Hoje o trabalho do artista está nos acervos do MoMA, em Nova York; do Museum of Fine Arts de Houston; do Centre Pompidou, em Paris; do Barcelona Museum of Contemporary Art, e da Tate Modern, em Londres.

Sobre o Instituto Tunga

Criado em 2017 logo após o falecimento do artista, o Instituto Tunga é uma entidade sem fins lucrativos cujo objetivo é estudar, preservar e difundir o legado do artista. Fundado por seu filho Antônio Mourão, diretor executivo, e por Clara Gerchman, gestora do acervo, o Instituto Tunga transformou em realidade uma vontade que o artista manifestava em vida. O Instituto Tunga é formado por uma equipe de profissionais composta por pesquisadoras, museólogas, montadores, arquivista, bibliotecária e gestores que cuidam do acervo que Tunga deixou, contemplando desde as obras de arte até seus materiais e ferramentas de trabalho, cadernos de anotações, fotografias, cromos, publicações e uma importante biblioteca do artista.

Performances e exposição

31/jan

A Gentil Carioca, Centro, Rio de Janeiro, RJ, convida para a abertura da 19ª edição do Abre Alas, primeira mostra do calendário de atividades da galeria em 2024 que ocorrerá no dia 03 de fevereiro. Além da exposição e do tradicional concurso de fantasias, o evento contará com uma programação de DJs e performances.

Os 28 artistes participantes desta edição são:

BELLACOMSOM, Brenda Cantanhede, Bruno Pinheiro, Carlos Matos, Cynthia Loeb, Emilia Estrada, Guilherme Kid, Jeff Seon, Joelington Rios, Jorge Cupim, Jota Carneiro, LYV, Luiz Pasqualini, Marlon de Paula, Matheus Pires, Mauricio Igor, Medusa, Nalu Rosa, Natha Calhova, Naomi Shida, Rafael Simba, RHAY, Silia Moan, Sofia Ramos, Thaís Iroko, Thiago Modesto, Uma Moric e Virgínia Di Lauro.

A comissão de seleção – composta por Agrade Camíz e Daniela Castro – exerceu uma espécie de ausculta de um corpo social, cuja respiração entendem serem as artes, que reverberou a partir e através dos projetos e práticas artísticas recebidos para compor o 19º ABRE ALAS. Uma respiração coletiva, viva, pulsante. Saúde! Evoé!

Novos artistas selecionados

A Anita Schwartz Galeria de Arte, Gávea, Rio de Janeiro, RJ, convida para a abertura, em 02 de fevereiro, às 19h, da exposição “Alvorada”, com 51 trabalhos de 32 artistas selecionados pela chamada pública Projeto GAS – Chamada Aberta de Verão, lançada em agosto do ano passado, e que recebeu 770 inscrições de artistas brasileiros e estrangeiros. Na noite de abertura, às 20h, a artista Carolina Kasting fará a performance “Corpo-Memória”, com a criação de duas pinturas que serão integradas à exposição. “Alvorada” ficará em cartaz até o dia 09 de março.

Cenas do cotidiano; a cultura popular brasileira; a história da arte revista sob a ótica de questões atuais; reflexões do campo político, a natureza e os impactos das ações humanas; gênero e sexualidade são alguns dos assuntos tratados nas obras da exposição. Os trabalhos reunidos em “Alvorada” são resultados de interesses, realidades e práticas distintas entre si. Há artistas que moram no exterior (Gustavo Riego e Graziela Guardino) vivendo em diferentes culturas, enquanto outros convivem com o dia a dia de zonas centrais e periféricas de cidades brasileiras.

Os 32 artistas, que ocuparão todo o espaço expositivo da galeria Anita Schwartz Galeria de Arte são: Ana Raylander (SP), Badu (PB/GO), Bruna Snaiderman (RJ), Bruno Lyfe (RJ), Caetano Costa (PE), Caio Borges (SP), Carolina Kasting (SC/RJ), Cela Luz (RJ), Clarice Rosadas (RJ), Desirée Jaromicz Feldmann (DF), Diego Castro (SP), Flávia Metzler (RJ), Fogo (RJ), Graziela Guardino (SP/Sydney), Guilherme Kid (RJ), Gustavo Riego (Bruxelas/Assunção), Janaína Vieira (SE/SP), Jorge Cupim (RJ), Julia Ciampi e Tiago Lima (MG), Luiz Eduardo Rayol (RJ), Malvo (RJ), Maria Victoria Santos (MG/RJ), Maryam Souza (BA/SP), Michele Martines (RS), Myriam Glatt (RJ), Nita Monteiro (RJ/SP), Rafael Amorim (RJ), Tetê Lian (MG/SP), Thales Pomb (DF/SP), Thix (RS/RJ), Vera Schueler (RJ) e Vinicius Carvas (RJ).

A sede da Galatea em Salvador

29/jan

Cais é a exposição coletiva que inaugura a sede de Salvador da Galatea, galeria fundada em 2022 em São Paulo, que escolheu a capital do Estado da Bahia e primeira capital do Brasil para sua morada fora do Sudeste.

Estar em Salvador parte do desejo da galeria de ampliar o seu público para além do contexto sudestino e expandir suas trocas e conexões com artistas, curadores e intelectuais sobretudo do Nordeste, mas também para outros locais além do eixo Rio-São Paulo. Nesse sentido, este gesto reflete e rearticula os pilares conceituais fundadores do programa da Galatea: ser um ponto de fomento e convergência entre culturas, temporalidades, estilos e gêneros distintos, gerando uma fricção, um embaralhamento e uma mistura entre o antigo e o novo, o canônico e o não-canônico, o formal e o informal, o erudito e o popular.

​O título Cais nos remete às ideias de deslocamento, de viagem, de troca e de intercâmbio, que envolvem o conceito da chegada da Galatea em Salvador e, ao mesmo tempo, remetem à localização da galeria. Situada no térreo do edifício de arquitetura modernista Bráulio Xavier (que abriga um importante painel de Carybé, artista argentino radicado em Salvador), localizado na rua Chile, a primeira rua do Brasil, a galeria encontra-se na região do antigo Portal de Santa Luzia, uma das portas de acesso de Salvador no período em que era murada, que ligava o porto (cais) à cidade alta pela Ladeira da Conceição da Praia. Este último logradouro, por sua vez, é o local onde se encontra a oficina de José Adário, o ferreiro de ferramentas de orixá mais antigo em atividade na cidade de Salvador. Zé Adário foi o artista escolhido pela Galatea para inauguração de seu espaço em São Paulo, onde o artista realizou a primeira individual de sua carreira.

O recorte curatorial parte justamente dessa relação estabelecida com a obra de José Adário e o contexto cultural e geográfico em que ela está inserida e agrega os demais artistas nordestinos representados e trabalhados pela Galatea – Aislan Pankararu, Chico da Silva e Miguel dos Santos – para a partir de elementos e temas-chave da produção destes artistas derivar os conteúdos dos quatro núcleos que constituem a mostra: Fantasias de fauna e flora; Geometrias afro-indígenas e brasileiras; Representações da religiosidade e cultura afro-indígena e brasileira; e seu subnúcleo Máscaras Expandidas, localizado na sala do cofre.

Justapondo e friccionando nomes históricos e contemporâneos, artistas de formação tradicional e autodidata, a exposição conta com obras de 60 artistas nascidos ou radicados no Nordeste e organiza-se em torno de três temas chave: a estratégia da representação fantasiosa e estilizada da fauna e flora brasileira; as diversas elaborações e usos da abstração no contexto do Brasil, passando pelo modernismo, pelas raízes indígenas e afro-brasileiras; as representações da rica e complexa religiosidade do nosso país, mesclando imagens e referências das religiões de matriz africana com as do catolicismo popular. Desta forma, Cais pede licença para chegar em Salvador e convida para conhecer seus trabalhos e suas histórias.

Curadoria: Alana Silveira, diretora, Galatea Salavador; e Tomás Toledo, sócio-fundador, Galatea.

Exposição Rubens Gerchman

19/jan

A Galeria Evandro Carneiro Arte, Shopping Gávea Trade Center, Rio de Janeiro, RJ, apresenta de 18 de janeiro até 08 de fevereiro, a Exposição Rubens Gerchman. Serão expostas 30 obras do artista, com destaque para as telas Splendor Solis (1971), Nova Geografia (1973) e Ônibus (1962).

Sobre o artista:

“Prefiro sempre dizer que o que faço – minha obra – é meu depoimento diário. Autobiográfico. Costumo dizer que não invento nada. As coisas aí estão. Apenas, é preciso ver, saber ver. Sou constantemente envolvido pelos acontecimentos.” – Rubens Gerchman, 1967, apud. GERCHMAN, Clara (org.), 2013, p. 23.

Rubens Gerchman (1942 – 2008) nasceu no Rio de Janeiro, filho de imigrantes judeus da Ucrânia (URSS à época). Sempre desenhou, desde a tenra infância, até em sala de aula, conforme lembra o seu amigo de escola Armando Freitas Filho  – apud. GERCHMAN, Clara (org.), 2013. Seus pais estimularam seu talento e ainda garoto, ele estudou desenho no Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro. Depois cursou a Escola de Belas Artes, onde já se destacava em exposições coletivas da casa. Daí em diante, nunca parou de criar, em 50 anos de trajetória artística e com toda a pluralidade de sua obra.

Um artista notável que já foi pensado e descrito pelos mais importantes críticos, tais como Mario Pedrosa, Frederico Morais, Wilson Coutinho, Ronaldo Brito e Paulo Sergio Duarte. Ademais, Gerchman tem a sua obra e a sua memória devidamente catalogadas pelo Instituto que leva o seu nome e é cuidadosamente dirigido pela filha Clara, que além de organizar todo o acervo, reconhecidamente dissemina a cultura pujante que envolve o artista pelo website e em publicações institucionais bem produzidas, como o livro Rubens Gerchman: o Rei do Mau Gosto (2013).

Difícil posição esta de tentar escrever sobre esse personagem carioca tão genial, frente ao cabedal de reflexões já existentes. Sugestionada pelo próprio Gerchman, na epígrafe desse texto, pensei em me ater aos fatos, mas a sua trajetória profissional é tão extensa que este folder seria todo tomado pela cronologia das inúmeras exposições que ele realizou, desde a primeira, na Galeria Vila Rica, em 1964, até muito tempo depois de seu precoce falecimento. O Instituto, os colecionadores e o mercado de arte continuam se encarregando de fazer a sua arte aparecer, girar e se mostrar como merece. Coube-me, portanto, a tarefa historiadora de ressaltar aqui algumas memórias, a fim de tentar acrescentar alguma novidade à história desse artista.

Atendo-me à cronologia, primeiramente destaco a exposição do artista na Galeria Relevo, em 1965, não por ter sido mais importante que outras, embora a Relevo tenha sido um marco no mercado de arte. Mas porque eu tinha na cabeça um simpático depoimento de Matias Marcier, coletado por mim há poucos meses, sobre quando ele trabalhava nesse lugar de memória, ainda muito jovem, e organizou a mostra do Rubens Gerchman, numa ocasião em que o Jean Boghici estava em Paris.

“Eu fiz a exposição do Gerchman porque o meu irmão (Carlos André) – que era diagramador da Manchete e também trabalhou como jornalista 13 anos no O Globo – foi colega do Gerchman na Manchete e me pediu “olha, Matias, tem um amigo meu, muito meu amigo, que trabalha lá, e queria fazer uma exposição aí na Relevo”. Eu falei para ele trazer os desenhos para eu ver. O Gerchman chegou com os desenhos, eu gostei muito, e falei com o Jean (Boghici). O Jean falou “não vou me meter nisso, vou viajar, você quer fazer, você faz”. E foi feito. Foi a primeira exposição… porque ele tinha feito uma antes, numa galeria que era um antiquário, da irmã de um  crítico de arte que havia naquela época chamado Harry Laus. Mas na Relevo, o cara expôs e saiu em tudo quanto é jornal, porque a Relevo era uma coisa, entendeu? Então, para fazer a apresentação do Gerchman, eu fui pedir ao Mário Pedrosa que não fazia mais apresentações, mas fez essa porque gostava de mim. Escreveu a apresentação do Gerchman, que é linda! O original ficou comigo. Um dia a empregada foi dar uma limpeza no meu quarto, jogou fora junto com um monte de outras coisas. Mas, existe, no catálogo da Relevo, está lá.” (Matias Marcier, entrevista oral em 5/10/23).

No livro Gerchman (Salamandra, 1989), lemos à p. 36 o artista lembrando o fato: “Devo minha exposição individual a Matias Marcier, que levou a minha pasta para Jean Boghici e depois para Mário Pedrosa. Mário foi até a minha casa, ficou encantado com as obras e escreveu um texto”. Seguindo essa trajetória da memória que resolvemos investigar, uma novidade é chamar a atenção para uma mostra realizada em dezembro de 1975, organizada por Evandro Carneiro na Bolsa de Arte. Gráfica era o título da exposição que reunia obras gráficas de todas as fases do artista até aquele ano.

“Nessa época eu alternava, na Bolsa de Arte, leilões e exposições. Fiz inúmeras exposições e o Gerchman era de uma fertilidade enorme, ele estava produzindo gravuras em São Paulo e também ia começar a fazer coisas com a Lithos aqui no Rio – que eram os grandes impressores da época, o Otávio Pereira em São Paulo e a Lithos aqui no Rio -, então eu propus fazermos essa exposição da obra gráfica dele. E ficou muito bonita, a loja era muito grande, ficou repleta de gravuras. Nesse tempo eu não fazia catálogo e fizemos um poster que dobrava, dobrava, dobrava até virar um folder. Era um folder que se abria em poster e atrás tinha um texto da exposição, mas infelizmente eu não guardei o original e não sei se lá na Bolsa os materiais foram conservados. Mas foi uma magnífica exposição porque a obra gráfica do Rubens é riquíssima!” (Evandro Carneiro, entrevista oral em 15/12/23). Garimpamos no Acervo Digital de O Globo a matéria que nos relembra toda essa história. Repassamos o documento para o Instituto Rubens Gerchman guardar e incluir na cronologia profissional do artista. As memórias vão sempre conformando a história que cresce, infinitamente. Para o artista, o evento teve a importância de democratizar suas obras e se fazer conhecer mais: “Gráfica é uma oportunidade de mostrar o conjunto da minha obra, abrangendo um grande período E tenho o maior carinho por todos os trabalhos que estão lá. A validade de todas as gravuras continua, embora algumas já estejam distantes de mim no tempo. (…) Eu sempre me interessei por gráfica. Meu pai trabalhava nisso e, quando eu entrei para a Escola de Belas Artes, foi apenas por causa do Goeldi. Então eu comprei uma prensa de 800 quilos numa gráfica que estava fechando. (…) e além de eu curtir gráfica, há também o fato de que ela torna a obra mais acessível. É bem mais democrática.” (Rubens Gerchman, 1975, matéria em O Globo de 10/12/1975, p. 33).

Nessa linha minêmica, atrevo-me a compartilhar uma lembrança pessoal. O famoso quadro O Rei do Mau Gosto, capa do livro do Instituto, por longos anos esteve agraciando as paredes da sala de estar da casa dos meus pais. Dizia o artista sobre essa obra: “A ideia é um pouco de provocação, mexer com uma certa arrogância da burguesia, incomodar mesmo. Eu fiz Caixa e Cultura – o Rei do Mau Gosto. É a primeira vez que aparecem asas de borboleta e as bananeiras com dois papagaios. Acho que todo esse clima, quando Hélio cunha o termo tropicália tem a ver com aquelas bananeiras que ele botou depois na entrada.” Rubens Gerchman, 1967, apud. GERCHMAN, Clara (org.), 2013, p. 86.

Mas foi outra obra sua que me impactou na infância, naquele mesmo apartamento: Os desaparecidos. Eu morria de medo daquela pintura porque os olhos dos retratados me acompanhavam aonde quer que eu andasse pela sala. Aquilo me assombrava! Hoje, pelos estudos que realizei sobre o artista, percebo que deve ter sido intenção do Gerchman imprimir aqueles olhares fantasmagóricos à obra, afinal disso se tratava: a denúncia contra os desaparecimentos políticos, pintada em série durante o período da ditadura militar. Uma fantasmagoria, conforme Walter Benjamin.

Frederico Morais destaca que: “(…) a importância de sua obra vai além do campo estético. Esse rio transbordante de imagens que é a sua obra tem implicações sociológicas e políticas, da mesma maneira como falam de nosso imaginário e do inconsciente brasileiro. O que pode mais desejar um artista?” – Frederico Morais, 1986, apud. GERCHMAN, Clara (org.), 2013, p. 39.

Nesse sentido, importa notar algo grandioso que Gerchman também realizou: transformou o Instituto de Belas Artes na vanguardista Escola de Artes Visuais. E fez dali um espaço de criação transdisciplinar entre as mais diversas expressões artísticas, movimentando a cena cultural da cidade nos anos de chumbo. Criou um espaço de liberdade, resistência e encontro no Rio de Janeiro nos anos 1975-1979.   

A mostra que ora apresentamos, organizada por Evandro Carneiro em sua galeria, traz uma diversidade do universo desse artista brasileiro que produzia obras tão importantes quanto plurais, tanto esteticamente quanto sociologicamente. Assim, o acervo aqui reunido tenta dar conta dessa pluralidade temática e temporal: da questão indígena, recorrente nos anos 1970 quando ele lia e relia o Brasil pela ótica do admirado antropólogo Levi Strauss, aos calorosos beijos e bancos de trás de fortuitos carros de passeio. Das malas e outros objetos a serem completados pelo espectador às multidões urbanas e ciclistas. Dos desaparecidos políticos às enormes palavras construídas em trocadilhos, brincadeiras semânticas na criação do espaço formal. Do futebol às violências cotidianas de crimes e destruição ecológica. Estão na mostra o Splendor Solis, reproduzido no catálogo de sua mostra do MAM-RJ, o primeiro Beijo escultórico que foi de seu amigo Gilles Jacquard e algumas outras preciosidades de cada década de sua trajetória.

“O que eu acho do Gerchman? Acho um artista magnífico! Sempre tivemos amizade, sempre tive obras dele. O simples fato de eu fazer uma exposição póstuma na minha galeria diz tudo: tenho o maior respeito e a maior admiração por ele”. (Evandro Carneiro, entrevista oral em 15/12/23).

Laura Olivieri Carneiro

Janeiro 2024

Registros de Ricardo Ribenboim

09/jan

O Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, MAC-USP, Ibirapuera, São Paulo, SP, exibe a exposição “Rastro dos Restos”, com cerca de 80 obras recentes do artista Ricardo Ribenboim.

As peças evidenciam seu procedimento de trabalho a partir da ação do tempo sobre ideias e materiais que recolhe, observa, avalia os significados e então utiliza na construção de suas obras. Cacos, gravetos, retalhos, troncos calcinados, raízes do mangue, metais fundidos, chapas enferrujadas ou um giz de cera de seu neto encontram os restos do cotidiano do ateliê ao lado de suas memórias e dos registros de sua trajetória.

Sobre o artista

Ricardo Ribenboim foi aluno de Evandro Carlos Jardim e da Escola Brasil, sob a orientação de José Resende e Carlos Fajardo. Ele foi diretor do Paço das Artes e do Itaú Cultural, sendo responsável pela criação dos Eixos Curatoriais, das Enciclopédias em meio digital e do Programa Rumos.

Até 10 de março.

Fonte: Agência FAPESP

Uma novidade para Salvador

21/dez

É com muita alegria que anunciamos a chegada da Galatea na cidade de Salvador! Em busca de ampliar o nosso público e as nossas conexões para além do eixo Rio-São Paulo, será inaugurada no dia 31 de janeiro de 2024 a nossa nova sede na Rua Chile, no centro histórico da capital baiana. Primeiro logradouro do Brasil, a rua se situa entre a Praça Castro Alves e o Elevador Lacerda. Entre as diversas construções emblemáticas que a rua abriga está o Edifício Bráulio Xavier, cujo térreo passa a ser ocupado pela Galatea. O edifício modernista é famoso por ter em sua lateral o mural intitulado A colonização do Brasil, feito pelo artista Carybé em 1964.

Para a inauguração realizaremos uma grande exposição coletiva reunindo, além de artistas representados pela galeria, como o pernambucano Aislan Pankararu, o baiano José Adário e o pernambucano radicado na Paraíba Miguel dos Santos, outros nomes de diversas áreas do Nordeste.

A reforma do espaço é assinada pelo Estúdio Anagrama. Sediado em Salvador, o estúdio se volta para a restauração e renovação de construções históricas e para a produção de arquiteturas, mobiliários e objetos com o olhar atento ao reuso.​

A chegada da galeria se alinha a um momento em que o centro histórico de Salvador recebe diversas iniciativas de restauração dos seus edifícios e de recuperação da sua vida turística e cultural. Além disso, a cidade como um todo vem acolhendo novas iniciativas e projetos no âmbito das artes visuais, como a criação do MAC – Museu de Arte Contemporânea, inaugurado em setembro; a reabertura do MUNCAB – Museu Nacional da Cultura Afro-Brasileira; a abertura de uma nova sede da Pivô em um casarão histórico no Boulevard Suiço; entre outros.

Estamos muito animados para começar 2024 embarcando nessa nova aventura!

 

Destaque na Galeria Fonte do Instituto Inhotim

A exposição “Direito à Forma”, está em destaque na Galeria Fonte do Instituto Inhotim, Brumadinho, MG. A partir de uma seleção poderosa, a mostra proporciona uma investigação profunda sobre a relação entre forma e narrativa na arte de autoria negra no Brasil. Para isso, conta com trinta artistas negros e negras, cujas obras, parte da coleção do Inhotim, transcendem questões figurativas, ampliando as possibilidades da presença negra no fazer artístico brasileiro. A exposição reúne trabalhos de diferentes gerações, como Mestre Didi, Rubem Valentim, Emanoel Araujo, Castiel Vitorino Brasileiro, Luana Vitra e Tadáskía, entre outros importantes nomes da arte nacional.

 

Até 01 de março de 2024.

 

 

Encruzilhadas da Arte Afro-Brasileira

Com patrocínio do Banco do Brasil e BB Asset Management, “Encruzilhadas da Arte Afro-Brasileira”, foi aberta ao público em 16 de dezembro e permanecerá em cartaz até 18 de março de 2024. A mostra reúne obras produzidas por 61 artistas negros, de diferentes regiões, nos últimos dois séculos no Brasil. São cerca de 150 pinturas, fotografias, esculturas, instalações, vídeos e documentos abordando uma variedade de temáticas, técnicas e descritivos, distribuídos pelos cinco andares do CCBB, São Paulo.

“O propósito da mostra é um diálogo transversal e abrangente da produção artística afro-brasileira no país”, explica o curador Deri Andrade, pesquisador, jornalista, curador assistente no Instituto Inhotim e criador da plataforma Projeto Afro de mapeamento e difusão de artistas negros/as/es da cultura afro-brasileira. A exposição é um desdobramento do Projeto Afro, em desenvolvimento desde 2016 e lançado em 2020, que hoje reúne cerca de 300 artistas catalogados na plataforma. São nomes que abarcam um vasto período da produção artística no Brasil, do século 19 até os contemporâneos nascidos nos anos 2000. “A exposição traz outra referência e um novo olhar da arte nacional aos visitantes”, afirma o curador. “A história da arte do Brasil apaga a presença negra e o artista negro do seu referencial”, completa.

Cinco eixos, cinco artistas. Assim foi desenhada a exposição que, a partir de cinco nomes centrais, revela diferentes épocas e discussões, contextos, gerações e regiões. De grande abrangência, a mostra percorre do período pré-moderno à contemporaneidade e discute eixos temáticos em torno de artistas negros emblemáticos: Arthur Timótheo da Costa (Rio de Janeiro, RJ,1882-1922), Lita Cerqueira (Salvador, BA, 1952), Maria Auxiliadora (Campo Belo, MG, 1935-São Paulo, SP,1974), Mestre Didi (Salvador, BA,1917-2013) e Rubem Valentim (Salvador, BA,1922-São Paulo, SP, 1991). 

Cada um dos nomes acima lidera, respectivamente, um eixo: Tornar-se, Linguagens, Cosmovisão (sobre engajamento político e direitos), Orum (sobre as relações espirituais entre o céu e a terra, a partir do fluxo entre Brasil e África) e Cotidianos (discussão sobre representatividade).