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AGENDA CULTURAL

José Bechara na Paulo Darzé Galeria

 

A Paulo Darzé Galeria, Salvador, BA, inaugura exposição individual de pinturas de José Bechara, com o título “O Galaxie do amor para sempre”. Constituída basicamente de pinturas em acrílica e oxidação de ferro sobre lona usada de caminhão. A temporada de exibição da mostra permanecerá aberta ao público até o dia 27 de maio.

 

Pequena entrevista sobre a mostra:

1 – A pesquisa formal é um dos fundamentos essenciais e nela o questionamento do espaço, do tempo, da memória, tendo como suporte na pintura, a lona de caminhão, lona usada, que através de emulsões de cobre e de ferro promovem a sua oxidação, acrescida de tintas e pigmentos, e a experimentação com suportes e técnicas variadas, com domínio e risco, isto é, sem certezas, que marcam seu trabalho, continuam nesta mostra?

1 – De modo geral sim. mas já se vão 30 anos de produção e para essa exposição na galeria, escolhi reunir apenas pintura. A “coisa nova”, digamos, é a introdução de cores altas e por vezes luminosas, a ordenação de espaços que contam com uma grade mais cerrada e contrastes mais elevados. O conjunto também traz elementos circulares nascidos talvez da vontade de somar uma ideia de energia centrífuga, forças de expansão, talvez… poderia descrever seguindo o caminho fruto de pesquisas, se há algum material prevalente, formato e dimensões na execução das obras (quantas?) desta mostra? Não tenho o número preciso de pinturas na mostra porque isso dependerá das escolhas de montagem, mas podemos considerar cerca de 20 trabalhos. O uso da lona usada de caminhão permanece, acho que por conta de dramas permanentes, presentes no que chamamos de poética tais como a memória, a ação do tempo sobre todas as coisas, e minha vontade de elogiar as falhas, os defeitos que, tal como vejo, são parte da beleza da vida.

2 – Pode explicar o título, pois parece-me estar ligado a uma memória afetiva da adolescência. Se sim, o que o trouxe, ao criá-la, até esta lembrança ao executar as obras? Que carga emocional ela contém na sua execução, em seus significados e sua existência?

2 – O “Galaxie do amor para sempre”, título da exposição, é o título de um dos trabalhos da mostra. e surge por acidente: ao introduzir, por impulso uma cor metálica na tal pintura, me lembrei, sabe-se lá por  que,dos cromados de um carro que eu utilizava, um pouco clandestinamente, na adolescência… um Galaxie preto com muitos cromados, um carro muito grande, no qual, nos primeiros encontros, fui além dos beijos. O resto é fantasia e é para sempre.

3- Em conversa que tivemos, você afirmou: “Eu nunca trabalho com certezas, eu considero uma pintura ou uma

escultura pronta, mas aquilo poderia ter sido feito de outra maneira também. Eu escolhi aquele material, aquelas dimensões, aquela aparência geral, mas isso é uma possível manifestação de uma ideia. Mesmo que você dê como pronto, o trabalho tem sempre uma vibração de dúvidas”. Quais são as dúvidas que permanecem e as dúvidas novas após fazer esta série?

3 – São as mesmas, os tais dramas permanentes. Mas, neste momento, um tanto purificadas, inseparáveis de minha observação do mundo como, por exemplo, uma certa ambivalência entre a potência da vida e sua fragilidade perante o inesperado. A presença de coisas e pessoas através da memória e seus vestígios. A essa altura reconheço grandeza no erro, na falha, nas imperfeições e, nesse aspecto, penso, por exemplo, em Chaplin, naquele personagem que falha todo o tempo, ao mesmo tempo que carrega suas falhas de ternura, compaixão e humanidades.

 

Apresentação

A mostra “O Galaxie do amor para sempre”, de José Bechara, tem curadoria de Daniel Rangel, que no texto de apresentação afirma: “Após fazer as devidas oferendas, Ogum “deveria esperar a próxima chuva e encontrar um local onde houvesse ocorrido uma erosão. Ali devia pegar areia escura e fina e colocá-la no fogo… ao queimar aquela areia, ela se transformou na massa quente que se solidificou em ferro. O ferro era a mais dura substância que ele conhecia, mas era maleável quando estava quente. Ogum passou a modelar a massa quente. Ogum fabricou primeiro a tenaz, um alicate para tirar o ferro do fogo… Ogum passou a produzir toda espécie de objeto de ferro…”. As obras de José Bechara emanam a força de Ogum, orixá forjador, guerreiro, patrono da agricultura e protetor daqueles que viajam pelas estradas. Certamente, o artista não imaginou essa presença quando produziu os trabalhos. Suas referências, grande parte provindas das vanguardas, estão distantes das religiões, sobretudo de matrizes africanas. No entanto, Ogum esteve presente em seu processo de criação, e, ao aportar na Bahia, isso se tornou evidente. Bechara usa o ferro, o cobre e outros metais como pintura, se apropriando dos tons e efeitos obtidos no processo de oxidação como pigmento. Avermelhados, amarronzados, azulados e esverdeados são frequentes, inclusive nos suportes que utiliza – as lonas de caminhão. Essa presença da energia das rodovias é mais um elemento que coloca “Ogum no caminho” das obras, como um oculto coautor. O artista tem consciência do acaso em sua produção, incorporou o intangível como parte de sua práxis e poética. Uma operação alquímica, cujo desconhecido é administrado pela experiência que adquiriu e por uma operação sensitiva-científica controlada por ele. A experimentação se tornou regra, assim como o intercâmbio de saberes e fazeres. A busca por dogmas coletivos e por uma perfeição idílica deixou de ser preponderante, e o artista se sentiu livre para criar sua própria identidade. O trabalho de Bechara é um jogo de fruição infindável que retorna ao mesmo ponto que não se encontra nem no começo nem no final, e se torna cíclico na visão. O que temos diante dos olhos é mutável, uma obra viva que pulsa uma inquietação formal, presente também na personalidade do artista. A lona que cobriu é agora coberta; a oxidação se fundiu como pintura; traços e faixas que, ao mesmo tempo, delimitam e expandem o espaço planificado da tela. A possível perfeição geométrica, aparente nos grids e em outras obras da exposição, se encontra apenas na epiderme da percepção e logo se desfaz nos derretimentos orgânicos dos escorridos de tinta e nas falhas assumidas. Uma organicidade sutil presente em boa parte dos trabalhos, conformados por uma “geometria hesitante”, de quase-retas interrompidas pelo natural imperfeição do gestual humano. Existe aqui uma consciência aparente da impossibilidade de controle do resultado final, assumindo o percurso como tal. O caminho é o objetivo e não a chegada. Uma metodologia que absorve o tempo e o acaso como partes integrantes das obras. Desde a apropriação das lonas, que tiveram passados desconhecidos; até à espera das reações químicas, que dependem do clima; do sol; da chuva; da umidade; da temperatura; do tempo; de paciência; de sabedoria; de erros e acertos. A previsibilidade de um experimento é sempre relativa, e, na maioria das vezes, o descontrole precisa ser assumido. Em uma última interferência, o olho analisa o que precisa ser inserido ou apagado com o uso das tintas e cores. Além das escolhas, de materiais e reações, essa é a fase que Bechara tem o maior controle do resultado de sua ação. A obra seguirá, mesmo na parede e no espaço, se transformando pelo inexorável do tempo e das condições climáticas de onde esteja instalada. Entregue ao mundo pelo autor, vigiada pela mirada histórica da arte, e regida por Ogum, o orixá que nunca descansa. O artista também nunca descansa. Sua vida é um constante ato criativo em busca de soluções formais para resolver questões poéticas. “Um minuto e dezessete segundos”. Esse foi o menor tempo que Bechara levou entre a garagem de seu apartamento até a porta de seu ateliê, localizados em ruas vizinhas. Uma proximidade apaziguante para um artista intenso como ele, quando, no meio da noite, “encontra” o tom correto de uma cor que buscava para cobrir uma das muitas obras em que trabalha simultaneamente. “O Galaxie do amor para sempre” é sobre esse momento; de alívio; de gozo; de intensidade; de apaziguamento e entrega. De um jovem, cujos hormônios estavam explodindo, e finalmente teve sua primeira noite de amor a bordo de um Ford Galaxie, “emprestado” do pai de um amigo, no alto de um cartão postal. De um artista cuja maturidade, rigorosa e consistente, permite adicionar novas camadas ao seu próprio repertório, sem hesitar, renovando sua própria linguagem constantemente. A vida passa e “os passados” se perpetuam no presente, que é fruto do acúmulo dessas experiências vividas, como afirmou Walter Benjamin. Bom saber que Ogum sempre estará em nossos caminhos – nos protegendo, guiando e inspirando – mesmo que a gente não saiba. Ogum Yê! Patakori Ogum!”.

 

Trajetória da Pintura

Tendo no início de sua carreira uma obra predominantemente de pintura, na sua trajetória passa a desenvolver uma linguagem poética, incluindo esculturas e instalações, além dos desenhos, e realizando em algumas obras um diálogo mais direto com a arquitetura, é preciso saber de antemão que irão ver trabalhos onde a pesquisa formal é um dos fundamentos essenciais para a existência deles, tanto quanto o questionamento do espaço, do tempo, da memória, tendo como suporte na pintura a lona de caminhão, a lona usada, que através de emulsões de cobre e de ferro promovem a sua oxidação, acrescida de tintas e pigmentos, permitindo criar um trabalho de muita liberdade e de inegável beleza. A história da pintura de José Bechara, que começa figurativo, é modificada em seu percurso após um problema de saúde, ter contraído uma hepatite A, que mesmo depois de recuperado, como consequência, o impedia de trabalhar com tinta, fosse acrílica ou óleo. Neste momento é que descobre como suporte a lona de caminhão. “Num posto de gasolina, vendo um cara lavar uma lona de caminhão, paguei para que ele parasse o serviço, o que me permitia olhar e perceber a diferença, a quantidade, daquilo que mais tarde, iria chamar de “ocorrências visuais”. A parte molhada estava mais homogênea porque havia um filtro entre a luz direta e a superfície da lona, que era a água. Ela tornava a superfície mais escura e mais homogênea, diminuía o grau de contraste entre as marcas que a lona recebia de cordas e outras coisas. A lona, propriamente, adquire com o tempo uma cor cinza, chumbo, oferecendo marcas mais claras. Era como uma pintura em uma tela de 11 x 8m. Precisava pensar muito rápido, pois o cara queria continuar lavando. Novamente, como a mesa na janela, havia alguma coisa ali que não sabia o que era. Mas havia alguma coisa… Uma pintura ao contrário, que começava pelo fim”. Com uma incessante capacidade de visualidade para o espectador, ao promover o estímulo e a reação, processo que recupera em cada um de nós, que se a arte existe para conhecimento ou entretenimento, como querem alguns, ela também é tensão, conflito, questionamento, indagação e, essencialmente, pergunta. Jamais resposta. Arte é descoberta. É invenção. A criação da obra de José Bechara é um dos sinais mais evidentes de estarmos diante de todo o construir de um pensamento que se torna ação ou ações, por um fazer técnico, estético e emocional, existencial, e deles termos uma alteração de estrutura, e é isto, creio, que o coloca como um dos nomes mais consagrados pela crítica e pelo público na arte brasileira hoje.

 

Sobre o artista

José Bechara nasceu no Rio de Janeiro em 1957, onde trabalha e reside. Estudou na Escola de Artes Visuais do Parque Lage (EAV), localizada na mesma cidade. Participou da 25ª Bienal Internacional de São Paulo; 29º Panorama da Arte Brasileira; 5ª Bienal Internacional do MERCOSUL; Trienal de Arquitectura de Lisboa de 2011; 1ª Bienalsur – Buenos Aires; 7ª Bienal de Arte Internacional de Beijing; Anozero’19 – 3ª Bienal de Arte Contemporânea de Coimbra; Bienalsur 2019; Museu Nacional de Riad, Arábia Saudita e das mostras “Caminhos do Contemporâneo” e “Os 90″ no Paço Imperial-RJ. Realizou exposições individuais e coletivas em instituições como MAM Rio de Janeiro-BR; Culturgest-PT; Ludwig Museum (Koblenz)-DE; Instituto Figueiredo Ferraz-BR; Fundação Iberê Camargo-BR; Fundação Calouste Gulbenkian-PT; MEIAC-ES; Instituto Valenciano de Arte Moderna-ES; Fundação Biblioteca Nacional-BR; MAC Paraná-BR; MAM Bahia-BR; MAC Niterói-BR; Instituto Tomie Ohtake-BR; Museu Vale-BR; Haus der Kilturen der Welt-DE; Ludwig Forum Für Intl Kunst-DER; Museu Brasileiro da Escultura (MuBE)-BR; Gropius Bau-DE; Centro Cultural São Paulo-BR; ASU Art Museum-USA; Museo Patio Herreriano (Museo de Arte Contemporáneo Español)-ES; MARCO de Vigo-ES; Es Baluard Museu d’Art Modern i Contemporani de Palma-ES; Carpe Diem Arte e Pesquisa-PT; CAAA-PT; Musee Bozar-BE; Museu Casa das Onze Janelas-BR; Casa de Vidro/Instituto Lina Bo e P.M. Bardi-BR; Museu Oscar Niemeyer-BR; Für Intl Kunst-DER-BR; Centro de Arte Contemporáneo de Málaga (CAC Málaga) – ES; Museu Casal Solleric-ES; Fundação Eva Klabin-BR; entre outras. Possui obras integrando coleções públicas e privadas, a exemplo do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro-BR; Centre Pompidou-FR; Pinacoteca do Estado de São Paulo-BR; Ludwig Museum (Koblenz)-DE; ASU Art Museum-USA; Museu Oscar Niemeyer-MON-BR; Es Baluard Museu d’Art Modern i Contemporani de Palma-ES; Universidade de Coimbra – CAPC, Círculo de Artes Plásticas de Coimbra-PT; Coleção Gilberto Chateaubriand-BR; Fundação Biblioteca Nacional-BR; Coleção Ateliê de Gravura da Fundação Iberê Camargo- BR; Coleção Dulce e João Carlos Figueiredo Ferraz/Instituto Figueiredo Ferraz-BR; Coleção João Sattamini/MAC Niterói-BR; Instituto Itaú Cultural-BR; MAM Bahia-BR; MAC Paraná-BR; Culturgest-PT; Benetton Foundation-IT/CAC Málaga-ES; MOLA-USA; Ella Fontanal Cisneros-USA; Universidade Cândido Mendes-BR; MARCO de Vigo-ES; Brasilea Stiftung-CH; Fundo BGA-BR, entre outras. Sua última exposição na Bahia foi na Paulo Darzé Galeria, em 2014, e tinha por título “José Bechara: Coração, seu tempo e a persistência da razão”.

 

 

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