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AGENDA CULTURAL

Marcone Moreira na Bergamin & Gomide

 

Na última exposição do ano, que acontece entre os dias 12 de novembro a 19 de dezembro de 2020, a Bergamin & Gomide, Jardins, São Paulo, SP, apresenta a individual “Marcone Moreira: Conjunção”, realizada em colaboração com Fernando Mota. Serão cerca de 20 obras que compreendem quase 20 anos da trajetória do artista maranhense Marcone Moreira, abrangendo linguagens como pintura, escultura, instalação, entre outros.

 

O trabalho de Marcone Moreira está relacionado diretamente à memória de materiais impregnados de significados culturalmente construídos. Destacam-se os materiais escolhidos para compor as peças, retirados de carrocerias de caminhões e embarcações, chapas de ferro e artefatos de trabalhos. O artista desenvolve uma metodologia em que interessa especialmente a apropriação, o deslocamento e a troca simbólica de materiais, a partir de procedimentos que visam a representação da cultura popular na arte contemporânea.

 

“Marcone: o tempo do fazer suado exausto” por Aracy Amaral 

 

  1. Celebrar o trabalho mesmo que inadvertidamente a motivação emergindo quando observamos a série de realizações/opções ao longo do tempo parece ser o desdobramento da obra de Marcone Moreira.
  2. Difícil escapar da indagação: qual é afinal o começo de um artista? Como desperta o desejo o impulso do fazer? Vendo os outros em atividade? Olhando em casa fazendo? A atração por muros carvão ou materiais lápis caneta papel e aquarela? Observando as coisas à volta? Anotando mentalmente o que vê? Ajudando acompanhando os outros construindo? À medida que a mão obedece à vontade o desejo de fazer mais fazer melhor ou acrescentar. A busca por outros materiais.
  3. Madeira. Vendo muitas coisas de madeira à volta. Tocando as coisas sentindo sua superfície sua temperatura sua procedência. Móveis casas bandeiras mastros barcos. Fragmentos de barcos. Construções. A vontade de mexer desconstruir descobrir o processo ou como é feito.
  4. Fascínio pelo cartaz de rua abandonado “adivinhando” a pintura descorada usada raspada dando lugar a outra nova visualidade. A vontade de cortar esses fragmentos usados reconstruindo-os em composição inesperada divorciada da primeira ou segunda ou terceira versão.
  5. No processo de desconstrução: a beleza em si do fragmento. O todo separado em partes encerra um segredo beleza antes oculta impensada.
  6. A surpreendente remontagem. Visualidade emergente nos fragmentos recortados geometricamente. A assepsia da composição emergente.
  7. Encantamento da cor da matéria vivenciada no tempo. Resgate do tabuleiro manual de xadrez ou jogo de damas. Na beleza dos quadrados inseridos no quadrado elegância da simplicidade bicolor dos mesmos quadrados impecavelmente desenhados no plano da partida.
  8. Nobreza do trabalho em madeira executada pela mão do homem nos porretes ou cepos. O corte que fere o lenho em “Ver o Peso”. A mão feminina repetindo a quebradeira de coco ou babaçu. Ou o olho captando a madeira ferida machucada. Ou que observa desejando refazer o processo. O tempo do trabalho: o fazer suado exausto do gesto repetido.
  9. A motivação é do calor do ritmo da luz da cidade da periferia do povoado da oficina do vizinho que faz. O fazer é o reflexo daqueles que igualmente se apropriam das mensagens detritos comunicacionais remontados fascinantes coloridos urbanos suburbanos fluviais espaciais poderosos na imensidão verdejante.
  10. A forte motivação que têm todos os artistas do Norte a contaminação de um meio e suas raízes poderosas seja do ponto de vista de cor como do espaço em que vivem – mestres observados desde Rui Meira e fotógrafos como em particular Luiz Braga ou um artista como Emanuel Nassar. Além de Marinaldo Santos e tantos outros – claro que também presentes no desenvolvimento de Marcone Moreira. Impossível escapar da potência de realidade ambiental que os impregna tão densamente.
  11. Marcone Moreira nos chega das bordas desse universo imenso de vegetação dominante se debruçando com regularidade oscilante e curiosa nos universos suburbanos e ditos urbanos – que ele talvez acredite de sensibilidade cultivada. Vem sempre indeciso se a estes últimos adere e se converte em neo-habitante. Ou se retorna fiel – como sempre o faz – à sua “aldeia”. Onde o equilíbrio lhe pode talvez parecer mais verdadeiro.
  12. Neste ponto recorro a um trecho do crítico britânico sir Herbert Read – de quem Mario Pedrosa era grande admirador – quem registrou que “As pessoas que fazem coisas – não tenho evidencia além de minha própria observação – parecem menos suscetíveis a colapsos nervosos, e uma das formas reconhecidas de tratamento para problemas mentais é conhecida como ‘terapia ocupacional’. Ninguém sugeriria que a função da arte seja meramente manter saudáveis as pessoas; mas ela tem seus efeitos subjetivos. O artista não apenas cria um objeto externo a si: ao fazê-lo ele também reorganiza vitalmente o equilíbrio de impulsos dentro de si”.

 

E ainda prossegue nesse texto: “Nosso olhar em relação à função social da arte portanto reforça o conceito libertário da arte. Todos os tipos de arte não são meramente permissíveis, porem desejáveis. As necessidades da sociedade compreendem, não apenas a estrutura externa num mundo para se viver, mas também uma estrutura interior de uma mente capaz de usufruir a vida”. E termina esse pensamento: “Devemos em consequência buscar métodos de estimular o artista – o artista latente dentro de cada um de nós”. (Herbert Read, To Hell with Culture, Schoken Books, New York, 1976, p. 123, trad. da autora).

 

 

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