A jornalista, pesquisadora e escritora Mazé Torquato Chotil, baseada em Paris, resgata a trajetória da artista plástica Lucy Citti Ferreira, brasileira de formação europeia, cuja obra transita entre São Paulo e a capital francesa. No livro “Lucy Citti Ferreira: a pintora esquecida do modernismo”, Mazé Torquato Chotil revela uma artista autônoma, sensível e injustamente apagada da História da Arte Brasileira.
A artista plástica Lucy Citti Ferreira viveu entre dois mundos, o Brasil e a França, e construiu uma trajetória singular no Modernismo brasileiro. Nascida em São Paulo, em maio de 1911, passou parte da infância e juventude na Europa, especialmente na França e na Itália, o que influenciou profundamente sua formação estética. Estudou nas escolas de belas-artes francesas e desenvolveu uma produção marcada pela sensibilidade, pelo rigor técnico e por um diálogo constante entre pintura e música.
Apesar de sua formação sólida e da atuação no cenário artístico paulista, foi, por décadas, relegada ao esquecimento. A jornalista e escritora Mazé Torquato Chotil, autora do livro “Lucy Citti Ferreira: a pintora esquecida do modernismo”, decidiu enfrentar esse apagamento histórico. “Ela era artista tal qual o Lasar Segall”, afirma Mazé Torquato Chotil, referindo-se ao pintor com quem Lucy Citti Ferreira manteve uma relação profissional e afetiva. “Segall dizia: “Ela não era minha aluna, era minha colega de trabalho”.”
Mazé Torquato Chotil explica que o desafio maior foi justamente falar de Lucy Citti Ferreira como artista autônoma, e não como musa ou sombra de Lasar Segall. “Quando ela volta ao Brasil, já era uma pintora formada, com diploma, com experiência europeia. Era uma profissional à part entière, como dizem os franceses.” A autora destaca que a pintura de Lucy Citti Ferreira e Lasar Segall compartilhava influências europeias e que foi (o escritor e figura-chave do Modernismo brasileiro) Mário de Andrade quem os apresentou, reconhecendo afinidades estéticas entre os dois.
A biografia escrita por Mazé Torquato Chotil é também um exercício de justiça histórica, especialmente no que diz respeito à invisibilização das mulheres artistas. “Como muitas outras, Lucy foi esquecida porque era mulher. Pintora, numa época em que isso não era permitido.” A autora lembra que mesmo nomes como Anita Malfatti e Tarsila do Amaral foram “desenterradas” apenas nos anos 1980, após décadas de apagamento.
O trabalho de pesquisa foi intenso. Mazé Torquato Chotil passou dias mergulhada no centro de documentação da Pinacoteca do Estado de São Paulo, onde Lucy Citti Ferreira deixou um acervo valioso antes de morrer. “Ela fez um testamento do material que tinha – arquivos, cartas, muitas telas – e doou à APAC (Associação de Proteção e Apoio à Cultura), com a condição de que fossem distribuídas a outros museus.” Hoje, obras de Lucy Citti Ferreira estão presentes em instituições como o Museu de Arte Judaica de Paris, o MUnA em Minas Gerais, e até em cidades como Bauru, ampliando o acesso à sua produção.
Ao final da vida, Lucy Citti Ferreira fez questão de doar seu acervo, garantindo que sua obra fosse estudada e preservada. Para Mazé Torquato Chotil, esse gesto é um legado poderoso. “Ela queria que o público brasileiro tivesse acesso à sua arte. E hoje, graças a esse gesto e ao trabalho de pesquisadores, podemos finalmente reconhecer sua contribuição à história da arte brasileira do século 20.”
O livro “Lucy Citti Ferreira: a pintora esquecida do modernismo” se encontra disponível em Paris na Livraria Portuguesa e Brasileira, e no Brasil com distribuição da Editora Patuá.
Fonte: Márcia Bechara.



