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AGENDA CULTURAL

PINTURAS CEGAS DE TOMIE OHTAKE

Tomie Ohtake

A Fundação Iberê Camargo, Porto Alegre, RS, apresenta em seu 4º andar, a exposição “Pinturas cegas”, individual de Tomie Ohtake. Realizadas entre 1959 e 1962, as pinturas cegas de Tomie Ohtake compõem um grupo de obras criadas com os olhos vendados. Apesar da riqueza de sentidos que as pinturas emanam, foi só em 2011 que elas receberam um olhar atento para então se tornarem objeto de exposição particular. Assim, a Fundação Iberê Camargo apresenta em seu espaço expositivo este conjunto pouco antes visto, mostrando uma faceta peculiar do trabalho de Tomie Ohtake.

 

As cerca de 30 obras que a Fundação Iberê Camargo agora exibe, representam a experiência de imersão da artista em questões que se estabelecem entre luz e sombra, presença e falta. Sua produção se deu na tentativa de ajustar o olhar ao ponto cego (região no campo visual do disco ótico no qual a visão entra em colapso), e dialogar com o acaso e a intencionalidade. Na cegueira, ela buscou o fazer através do não-ver, materializando pictoricamente questões de profundidade e transparência.

 

Pode-se reconhecer nas pinturas cegas, além do dinamismo, a presença de elementos constantes ao longo de toda a produção posterior da artista, como o seu diálogo com o tempo, a importância do gesto e certa tensão em relação ao espaço.

 

Tomie Ohtake nasceu em 1913, na cidade de Kyoto, no Japão. Ao visitar um irmão no Brasil, em 1936, ela foi impedida de retornar ao país devido à Guerra do Pacífico. Estabelecida em território brasileiro, Tomie começa a pintar, já por volta dos 40 anos, por influência do artista japonês Keiya Sugano. Aos 50, sua carreira já era reconhecida e sua obra era difundida em diferentes países e cidades. Seu currículo contabiliza mais de 90 exposições individuais e participações em mais de 20 bienais internacionais ao redor do mundo.

 

 

Texto do curador Paulo Herkenhoff:

 

Existe uma região no campo visual do disco ótico no qual a visão entra em colapso, o ponto cego – punctum cecum – também chamado de escotoma fisiológico. No início da década de 1960, Tomie Ohtake confrontou sua pintura com questões óticas e oftalmológicas para discutir o estatuto de seu saber pictórico ao vedar os olhos para pintar. Era como se buscasse ajustar seu olhar ao ponto cego e a partir dele se engajar na experiência. A essas obras denominamos, conforme o testemunho da artista sobre seus procedimentos e método de trabalho, de “pinturas cegas”, feitas sob um estado de não-ver.

 

Esta série forma um corpus estimado em pouco mais de trinta telas, uma singularidade na história da arte brasileira. Na época em que foram produzidas, de 1959 a 1962, artistas como Willys de Castro e Mira Schendel interessaram-se pela experiência de Ohtake. Malgrado sua importância intelectual, o conjunto permanece desconhecido pelo grande público e ignorado mesmo por segmentos da historiografia, posto que até aqui só mereceu referência em textos dedicados a outras questões da obra de Ohtake, mormente o substrato espiritual em sua pintura.

 

No final da década de 1950, o crítico de arte Mário Pedrosa retorna ao Brasil, depois de passar um largo período no Japão em processo de pesquisa de sua história da arte, buscando estabelecer um diálogo com a produção contemporânea ocidental de então. Quando chega ao País, passa a propor e a reivindicar que os artistas brasileiros, de origem nipônica ou não, dessem maior atenção a certos aspectos da cultura japonesa: a caligrafia, a pintura sumi, a arquitetura, o espírito Zen, entre outras questões. Pedrosa também volta sua atenção para alguns nomes de origem japonesa, como Tomie Ohtake.

 

Em sua obra, contudo, Ohtake não reduz sua pincelada à relação formal com a pincelada de escritura ideogramática. Ela desloca a questão para uma relação entre valores e procedimentos Zen e a concepção do signo pictórico em seu processo de constituição de linguagem. Por isso, as vendas nos olhos tinham o sentido de realizar uma ação pictórica no limite da percepção. O pincel não buscava demarcar território ou produzir a figuração possível. Tratava-se da pura experiência da passagem do tempo no processo Zen. A pintura de Ohtake nos submete a um paradoxo poético, é simultaneamente produção de linguagem e de conhecimento, experiência do não saber e da intuição.

 

De 14 de junho a 12 de agosto.

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