Dois em Ribeirão Preto

30/jul

A Galeria Marcelo Guarnieri, unidade de Ribeirão Preto, SP,  apresenta as exposições individuais e simultâneas dos artistas Julio Villani e Renata Siqueira Bueno.

 

Sobre Julio Villani e Almost Readymades: Pequenas Madalenas

 

“Se eu usar a geladeira afim de refrigeração, ela é uma mediação prática; não é um objeto, mas um frigorífico. Nesse caso, eu não o possuo. A posse nunca se refere à um utensílio, já que ele é vinculado ao mundo real, mas sempre ao objeto abstraído de sua função, transformado em algo subjetivo ao sujeito”. (Jean Baudrillard, O sistema dos objetos)

 

É por uma breve nota no projeto Passagen-Werk que Walter Benjamin confronta a noção de vestígio à de aura, ambas remetendo às emoções podendo ser despertadas por objetos naquele que os observa. De acordo com o aforismo que o filósofo propõe, “o vestígio é o advento de algo próximo, por mais distante que possa ser o que o deixou; a aura é a manifestação de uma distância, por mais próximo que possa ser o que a evoca.” Os objetos de Julio Villani, são ao mesmo tempo familiares e fantásticos, tributários das duas noções.
A função original dos utensílios desponta sob suas formas, tornando-os – apesar de sua idade – em vestígios de uma memória comum.
O blecaute do destino prático dos antigos apetrechos permite sua apropriação enquanto objetos. As formas domésticas tornam-se então recipientes das projeções imaginárias do artista; elementos que contrariam as exigências da funcionalidade para atender uma experiência de um tipo diferente: viram sonhos, seres com sopro de vida, evasão.
Proporcionando-lhes uma história que os distancia da sua fabricação – transformando os objetos pertencendo à um momento histórico específico em figuras atemporais – Villani os reveste de aura.

 

Esses objetos são, de certa forma, os seus Traumhäuser (casas de sonho). O termo, cunhado por Walter Benjamin, descreve edifícios de formas historicistas – que tem uma “aparência” familiar – reinvestidos de novos usos relacionados com um sonho. Os Traumhäuser surgem à partir de uma prática contraria à da oniromancia surrealista. Ao invés de extrair dos sonhos elementos à serem aplicados à realidade, seu ponto de partida é material: objetos arqueológicos, bibelôs, fragmentos, imagens desbotadas ou utensílios obsoletos, os vestígios se unem para formar um mundo povoado de objetos e seres, criando uma paisagem de sonho, levando a uma experiência fantástica.

 

O olhar que deita Villani sobre os objetos resgatados nos mercados de pulga parisienses é desse tipo: premendo os olhos, ele vê na concha uma garça, a bigorna é tatu.
Os bichos se impõem à visão do artista sem terem sido suscitados por um exercício de memória consciente. Se ele adiciona aqui um rabo, umas asas acolá, é simplesmente para nos dar a ver a sua visão, que se inscreve em seguida no espectador como a revelação de uma realidade nunca percebida – e no entanto presente – no objeto de origem.
Nesse sentido, os almost readymades de Villani materializam o estado de espírito descrito por Proust quando do memorável episódio da madalena: de repente, o que fora perdido é reencontrado. (texto por Betina Zalcberg)

 

 

Sobre o artista

 

Julio Villani, nasceu em 1956, em Marília, São Paulo, Brasil. Vive e trabalha em Paris, França. Cursou Artes Plásticas na FAAP – Fundação Armando Álvares Penteado, na Watford School of Arts de Londres e na École Nationale Supérieure des Beaux Arts de Paris. Participou de diversas exposições individuais e coletivas, das quais destacam-se nas seguintes instituições: Pinacoteca do Estado de São Paulo; Paço Imperial, Rio de Janeiro; Museo del Barrio, Nova York, EUA; Centro de Arte Reina Sofia, Madrid, Espanha; MAM – Museu de Arte de São Paulo; MAM – Museu de Arte do Rio de Janeiro; Musée d’Art Moderne de la Ville de Paris, França.

 
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Sobre Renata Siqueira Bueno e Ascensão

 

Dentro do contexto urbano, somos permitidos a nos enxergar apenas como parte de uma multidão, a aglomeração nos impossibilita uma consciência de autonomia total e pela inércia formamos um grupo. Essa consciência pode sofrer variações, estimulada, por exemplo, por ruídos que ativam a coletividade desse grupo: comportamentos duvidosos ou acontecimentos inesperados. A subitez de uma queda provoca uma reação que é, por excelência, coletiva. O indivíduo que cai ganha um rosto e uma qualidade: a fraqueza, atribuída por esse grupo que agora compartilha do mesmo sentimento.

 

As fotografias se propõem a localizar em outra esfera esse indivíduo que cai, talvez na esfera do sagrado ou do absurdo, apesar da queda ele continua anônimo. O instante da fotografia impossibilita que saibamos o que aconteceu depois, não sabemos quem ele é, talvez não interesse: podia ser qualquer um. A cena captada, que poderia ser um still de um filme proibido ou um registro descompromissado, adquire um caráter misterioso e imaculado, se desassociando da qualidade da fraqueza. É como se o corpo tivesse sido acometido por um momento de luz divina, uma força exterior que desestrutura o indivíduo e o obriga a ter a consciência de autonomia em relação ao coletivo ao seu redor.
Aqueles que aparecem caindo nas fotografias são na verdade amigos, atores ou dançarinos convidados para simular a ação. Isso não é algo que deve estar necessariamente explícito ou oculto. A intenção é que nunca possamos ter certeza de nada através da imagem, essa dúvida é da natureza da fotografia.
Percebemos em Ascensão o confronto entre as especificidades da técnica e o conceito do trabalho. Através de uma reflexão sobre o instante fotográfico, Renata se utiliza de aparelhos analógicos que evidenciam o embate entre dois tempos distintos. Talvez seja esse o tempo da fotografia analógica que possibilite à imagem uma força que faz da queda algo da ordem muito mais do poder, que da falência.

 

Os lugares definidos para as tomadas fotográficas são sempre aqueles onde o indivíduo nunca pode se encontrar em solidão: ou por haver uma aglomeração de pessoas ou pela existência de uma arquitetura construída para abrigar esse corpo coletivo ou, em último caso, pela impossibilidade de não haver a subtração dos rastros humanos na cena. Espaços sem a delimitação de serem públicos ou privados, possíveis de serem identificados ou não. Espaços onde seja evidente a construção da cena ou, ainda, onde haja uma casualidade do instante na captura da imagem. (texto por Julia Coelho e Renan Araújo)

 

 

Sobre a artista

 

Renata Siqueira Bueno, nasceu em 1960, em  Anápolis, Goiás, Brasil. Vive e trabalha entre Ribeirão Preto e São Paulo, Brasil. Tem trabalhado com figurino e cenário para teatro desde os anos 80. Atuando entre Brasil e França. Como artista participou de diversas exposições individuais e coletivas, das quais destacam-se os seguintes espaços: OpenScape – ANOA Gallery/Galerie Patrick Mignot, Paris, França; 8º Paraty em Foco – Festival Internacional de Fotografia, Brasil; Arte e Medicina, Museu Histórico Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, Brasil; SESC Santo Amaro, São Paulo, Brasil.

 

 

De 02 a 26 de agosto.

Exposição “Pérolas”

Como parte do Ano da Cultura Qatar-Brasil 2014, o Museu de Arte Brasileira da FAAP, Higienópolis, São Paulo, SP, realiza a exposição “Pérolas”, apresentando peças das coleções de Qatar Museums, Mikimoto & Co., Yoko Londres e Alfardan, Qatar. A mostra foi organizada pelo Qatar Museums. A exposição reúne mais de 200 peças – entre joias e obras de arte – mostrando a grande variedade de cores e formas de pérolas naturais e cultivadas, o uso das pérolas ao longo dos séculos, tanto no Oriente quanto no Ocidente, como um símbolo de prestígio e riqueza, as variações de gostos em diferentes culturas e as mudanças no design de joias com pérolas para celebridades como Salvador Dalí, Elizabeth Taylor e Lady Di.

 

 

A exibição inicia com um olhar revelador sobre a história natural das pérolas. Discorre sobre a pesca e comércio no Golfo Pérsico, Europa e Ásia, desde a Antiguidade aos dias atuais. Uma coleção de pérolas raras e de moluscos portadores de pérolas indica como as pérolas do Golfo têm sido há muito tempo algumas das mais cobiçadas e valiosas do mundo. A segunda parte da exposição explora a utilização das pérolas em joias e destaca as mudanças do design ao longo da história. Com isso, a mostra avança no tempo e espelha a modernidade, realçando o trabalho contemporâneo realizado pelos designers de hoje. Também é possível apreciar na exposição o processo de cultivo das pérolas e sua produção em escala industrial, iniciada por Kokichi Mikimoto, no Japão.

 

 

 

Sobre o Qatar Museus

 

 

Qatar Museums (QM) conecta os museus, instituições culturais, sítios e patrimônios históricos no Qatar, e cria condições para que prosperem e floresçam. A entidade centraliza recursos e propicia uma abrangente organização para o desenvolvimento de museus e projetos culturais, com a ambição, a longo prazo, de criar uma forte e sustentável infraestrutura cultural para o Qatar. Sob o patrocínio de Sua Alteza, o Emir, Xeique Tamim bin Hamad Al-Thani, e chefiada por sua Presidente, Sua Excelência, a Xeique Al-Mayassa bint Hamad bin Khalifa Al-Thani, QM está consolidando os esforços do Qatar no sentido de tornar-se um vibrante centro para as artes, cultura e educação, no Oriente Médio e além. Desde a sua fundação, em 2005, QM supervisiona o desenvolvimento do Museu de Arte Islâmica (MAI), do Mathaf: Museu Árabe de Arte Moderna e do Centro Turístico do Patrimônio Mundial Al Zubarah. QM também administra a Galeria QM, em Katara, e o Espaço de Exposições ALRIWAQ DOHA. Os futuros projetos da instituição incluem a abertura do programa “Posto de Bombeiros: Artistas Residentes em 2014” e a inauguração dos muito aguardados Museu Nacional do Qatar e o Museu Olímpico e do Esporte do Qatar.

 

 

QM está empenhada em instigar as futuras gerações das artes, do patrimônio cultural e profissionais de museologia do Qatar. Em seu cerne está o compromisso de fomentar o talento artístico, criando oportunidades e desenvolvendo as habilidades necessárias para atender à emergente economia da arte do Qatar. Por meio de um programa multifacetado e de iniciativas de arte pública, QM procura ampliar os limites do tradicional modelo de museu, além de criar experiências culturais que transbordam para as ruas e buscam envolver as plateias mais amplas possíveis. Por meio de uma vigorosa ênfase na arte e na cultura, de dentro para fora, e estimulando um espírito de participação nacional, QM está ajudando o Qatar a encontrar a sua própria voz, característica e inconfundível, nos debates culturais globais de hoje.

 

 

 

Ano da Cultura Qatar-Brasil 2014

 

 

O Ano da Cultura Qatar-Brasil 2014 é um programa de intercâmbio cultural de um ano de duração dedicado a conectar as pessoas do Estado do Qatar e da República Federativa do Brasil por meio de cultura, comunidade e esporte. Através de um ano de inovadoras atividades de intercâmbio cultural, indivíduos e instituições de ambos os países criam parcerias duradouras e fortalecem as relações bilaterais. O Qatar-Brasil 2014 é realizado sob o patrocínio da presidente de Qatar Museums (QM), Sua Excelência, a Xeique Al-Mayassa bint Hamad bin Khalifa Al-Thani, em parceria com o Ministério da Cultura, Artes e Patrimônio Histórico do Qatar. É o terceiro Ano da Cultura consecutivo lançado por Qatar Museums, após os sucessos do Qatar-Japão 2012 e do Qatar-Reino Unido 2013.

 

 

 

Até 28 de setembro.

Kyriakakis/Michalany na Raquel Arnaud

28/jul

A Galeria Raquel Arnaud, Vila Madalena, São Paulo, SP, apresenta simultaneamente as exposições individuais de Geórgia Kyriakakis e Cassio Michalany. “Tectônicas” é o título da exposição que Geórgia Kyriakakis realiza no primeiro piso da Galeria Raquel Arnaud. As seis séries de trabalhos que compõem a mostra são resultado de uma recente viagem da artista à Patagônia, cujas paisagens e condições climáticas serviram como fio condutor para a produção das obras reunidas. São fotografias, esculturas, desenhos e instalações que revelam a recorrente influência das questões geográficas na obra de Kyriakakis, das quais ela se apropria para evidenciar frágeis relações de equilíbrio, instabilidade e transitoriedade em seu trabalho e no mundo.

 

Segundo Paula Braga, que assina o texto da exposição, Geórgia Kyriakakis escolheu como tema de investigação um fenômeno básico e regulador de todos os ciclos do que é criação artística ou natural: as forças de desequilíbrio e equilíbrio. “A exposição Tectônicas é um tratado sobre forças invisíveis: a força criadora, a gravitacional, e acima de tudo forças vitais de resistência”, completa.

 

Entre os trabalhos, a série “Equador” evidencia os elementos geográficos, além de trazer a noção de força que tanto interessa à artista. Como explica Braga, “valendo-se de elementos gráficos de representação da superfície da Terra – mapas, legendas, pontos, palavras – este trabalho cartografa o equilíbrio”. Nesta obra é preciso distribuir o peso dos imãs na superfície de placas de ferro para magneticamente manter a linha do Equador na posição que tradicionalmente a conhecemos, passando por três cidades do planeta: Macapá no Brasil, Macowa no Congo e Pontianak na Indonésia.

 

Na série “Vidros”, duas placas de vidro são presas na parede por furos localizados no meio delas, de modo que sua posição final se dá pelo equilíbrio das mesmas após girarem naturalmente no ponto fixo. Após essa etapa, a artista aplica sobre os vidros tortos fotografia com paisagens da Patagônia, tomando o cuidado de manter a linha do horizonte paralela ao chão. “Nesta obra está a síntese da relação conflituosa entre desmoronamento e equilíbrio:  aprumar-se requer adaptação ao ângulo de inclinação do plano de apoio, e exige uma certa movimentação tectônica, invisível, interna, tanto na arte quanto na natureza e portanto na vida”, explica Braga.

 

Ao mesmo tempo  em que a obra de Geórgia Kyriakakis parece sentir atração pelo risco, pelo desequilíbrio, sempre oferece uma possibilidade de estabilidade. “A obra constitui-se no processo de conciliar a atração pelo caos do desmoronamento com a satisfação da necessidade de sentir que tudo está no eixo”.

 

 

Sobre a artista

 

Geórgia Kyriakakis, nasceu em Ilhéus, BA, 1961. Vive e trabalha em São Paulo. Geórgia é formada em Artes Plásticas pela FAAP, mestre e doutora em Artes pela USP. Leciona desde 1997 na Faculdade de Artes Plásticas da FAAP e no Centro Universitário Belas Artes, onde também atua na pós-graduação. Dentre as exposições, vale mencionar “Espelhos e Sombras”, no Museu de Arte Moderna de São Paulo e no Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio de Janeiro (1994 e 1995 respectivamente); a 23ª Bienal Internacional de São Paulo (1996); as exposições “Beelden uit Brazilie”, no Stedelijk Museum de Schiedam, e “De Huit Van Witte Dame” (ambas na Holanda, 1996); a terceira edição do projeto “Arte/Cidade” (São Paulo, 1997); a exposição “Caminhos do Contemporâneo”, no Paço Imperial (Rio de Janeiro, 2001); e as mostras “São Paulo – 450 Anos – Paris”, no Instituto Tomie Ohtake (São Paulo), e “Heterodoxia”, na Galeria Artco (Lima, Peru), ambas em 2004. Em 2008, participou da mostra “Parangolé – Fragmentos desde los 90”, no Museo Pateo Herreriano, em Valladolid, na Espanha. No mesmo ano, a editora espanhola Dardo/DS lançou, em parceria com a Galeria Raquel Arnaud, uma monografia trilíngue sobre seu trabalho. Em 2009 realizou a individual “Outros Continentes” na Galeria Raquel Arnaud, que a representa desde 2001.

 

 

 

Pintura/Objeto de Cassio Michalany

 

Um dos pintores mais reverenciados de sua geração, Cassio Michalany apresenta no segundo piso da galeria a sua mais recente produção. Famoso por suas pinturas em superfícies planas, o artista concebeu para a mostra “Pintura/Objeto” 15 trabalhos inéditos que exploram a tridimensionalidade. Segundo Cauê Alves, que assina o texto da exposição, não se trata de ruptura em seu percurso, mas de um processo de maturação que reencontra na caixa a possibilidade de reorganizar o espaço tridimensional a partir de cores, luzes e formas.

 

O interesse pela variação entre cores e o estudo do espaço permanecem presentes. Cassio Michalany continua a trabalhar a justaposição e o diálogo de planos coloridos homogêneos, principais marcas de sua obra. As caixas, na sua maioria em pequenas dimensões, foram manufaturadas pelo próprio artista em seu ateliê utilizando pedaços retangulares de madeiras com tamanhos diferentes, sendo cada parte pintada com uma única cor. Para Cauê Alves, o que sobressai no todo são as formas coloridas e a relação harmônica que elas estabelecem entre si a partir de uma proporção sensível. “Mesmo quando há certo desequilíbrio, em que a composição pende mais para um lado ou outro, o conjunto possui uma espécie de circularidade que se fecha e se completa com a permutação das formas na caixa”. Mas o crítico ressalta não ser uma lei matemática que regula o trabalho e sim um espaço gerado pelas relações entre cores e formas.

 

Sobre o uso das cores, Michalany continua a trabalhar uma paleta restrita formada por tons sóbrios. Em “Pintura/objeto” as cores não se repetem numa mesma obra ou mesmo posição do objeto, o que, segundo Cauê Alves, “dá um aspecto mais dispersivo ao todo, cada tom apontando numa direção”.

 

 

Sobre o artista

 

Cássio Michalany, nasceu em São Paulo, 1949, vive e trabalha na capital paulista. Arquiteto da FAU-USP de formação, o artista há quarenta anos se dedica à pintura. O interesse pela arte começou na década de 60, quando foi aluno de Luiz Paulo Baravelli e Frederico Nasser, passando, de 1969 a 1985, à condição de professor de desenho no Curso Universitário, na Faculdade Farias Brito, no Iadê e no MAM/SP. Desde 1980, passa a pintar quadros feitos com telas justapostas. Entre suas principais exposições, destaque para a participação na XIX Bienal Internacional de São Paulo (1987); O que faz você, geração 60? No MAC-USP (1991); Bienal Brasil do século XX, (1994); 20 artistas/20 anos, no CCSP (2002); Cassio Michalany, no Instituto Tomie Ohtake, (2003); Pintura sobre parede, Centro Universitário Maria Antônia, (2004) e Pinturas – Permutações de cor, na Estação Pinacoteca, (2010).

 

 

Exposição: Geórgia Kyriakakis – Tectonicas

 

Até 29 de agosto.

 

 

Exposição: Cássio Michalany – Pintura/objeto

 

Até 20 de setembro.

Mira Schendel – Retrospectiva

A Pinacoteca do Estado de São Paulo, Praça da Luz, São Paulo, SP, instituição da Secretaria de Estado da Cultura, apresenta a exposição retrospectiva da artista suíça, naturalizada brasileira, Mira Schendel que ao lado de seus contemporâneos Lygia Clark e Helio Oiticica, reinventou a linguagem do Modernismo Europeu no Brasil. Com patrocínio do banco Credit Suisse, a mostra é organizada pela Pinacoteca de São Paulo e a Tate Modern, Londres, em associação com a Fundação de Serralves – Museu de Arte Contemporânea, Porto.

 
Com curadoria de Tanya Barson da Tate Modern e Taisa Palhares da Pinacoteca, a exposição já foi apresentada na Tate onde foi um grande sucesso de público, depois foi para a Fundação de Serralves, Porto, Portugal, e agora completa a última parte da itinerância na Pinacoteca. Mais uma vez, o público brasileiro será privilegiado. Além das obras expostas nas mostras anteriores, no Brasil serão incluídas maior número de trabalhos das séries “Bordados” e “Naturezas-mortas” (década de 1960) e “Mandalas” (década de 1970), bem como a série “Papéis Japoneses” (década de 1980) e um conjunto significativo de trabalhos do acervo do Museu de Arte Contemporânea da USP, que foram doados pelo crítico de arte e amigo da artista, o colecionador Theon Spanudis.

 

Apresentada em ordem cronológica a exposição, que ocupa o primeiro e segundo andar do museu, reúne cerca de 300 obras, entre pinturas, desenhos, esculturas e instalações, todas realizadas entre os anos 1950 e 1987, incluindo a última série produzida em vida pela artista, as pinturas conhecidas como “Sarrafos”. O grande destaque da mostra fica por conta da produção de obras em papel de arroz dos anos 1960: a série “Monotipias”, “Trenzinho”, “Droguinhas”, todas de 1965; a sala de “Objetos gráficos”, 1967, os “Cadernos”, 1970, as instalações “Ondas Paradas de Probabilidade”, 1969, e “Variantes 1977″; além da série “O retorno de Aquiles”, 1964, em que pela primeira vez Mira Schendel utiliza o texto como elemento visual da composição. “Esta é a primeira grande mostra da Mira Schendel desde 1996. De lá para cá, a artista tornou-se muito mais reconhecida no contexto internacional, o que se reflete na exposição pelo grande número de obras de coleções e museus internacionais como o Museum of Modern Art – NY, o Houston Museum, a Tate Modern – Londres entre outros. Neste sentido, é uma oportunidade única para o público brasileiro apreciar essas obras que dificilmente serão expostas novamente no Brasil tão cedo.” Afirma Taisa Palhares.

 

A exposição é acompanhada por um catálogo ilustrado, editado pela Pinacoteca de São Paulo e a Tate Publishing. Com textos inéditos de Tanya Barson, Taisa Palhares, Cauê Alves, Isobel Whitelegg, John Rajchman e Lisette Lagnado, o catálogo é uma versão ampliada da edição inglesa.

 

 

 

Até 19 de outubro.

Pinturas de Cristina Canale

A riqueza formal dos trabalhos de Cristina Canale, que está entre os mais importantes pintores brasileiros em atividade, pode ser vista de perto em sua nova individual na Galeria Nara Roesler, Pinheiros, São Paulo, SP. A mostra, traz cerca de 12 obras produzidas entre 2013 e 2014, reforçando as relações entre figuração e abstração que norteiam a pesquisa incessante da artista desde 1993.

 

Conceituando os trabalhos exibidos na galeria, Cristina Canale afirma: “Procurei criar territórios de abstração dentro de um contexto figurativo. Estas áreas abstratas surgem, por exemplo, como fundo da composição, substituindo o que seria um contexto ambiental ou dentro de algum elemento da pintura – como, no caso da obra Menina e Vento no vestido da mulher – passando então a protagonizar a obra. Ou o geométrico é identificado a um elemento figurativo – como o caso da casa-tenda na tela Casa Triângulo.”

 

Dessa forma, sua produção recente é calcada no binômio figura-abstração, com ênfase no orgânico-geométrico, subvertendo uma divisão da linguagem abstrata em dois recursos distintos. “A abstração como linguagem dentro da História da Arte tem se desenvolvido na direção do geométrico ou do gestual. Nas áreas em que uso a referência geométrica, ela traz também o gestual, uma vez que as formas têm tratamento diferenciado e não inteiramente gráfico. A ideia é confrontar as linguagens da abstração com a da figuração.”

 

“Essa questão já faz parte da minha ‘dramaturgia’ desde sempre, mas com diferentes enfoques. O diferencial nesse grupo de trabalhos é a equivalência de peso entre o plano figurativo e a referência abstrata. A narrativa nessa série também aquiriu tons de abstração, e não mais literários. É mais atmosfera que história”, explica a artista.

 

 

Pesquisa pictórica

 

Para Cristina Canale, o ano de 1993 marcou o abandono definitivo de uma pintura mais matérica e empastada, ao gosto do neorrealismo alemão que caracterizava o grupo de pintores denominado Geração 80 – do qual Canale fez parte ao lado de nomes como Beatriz Milhazes e Daniel Senise (amigos próximos da artista). De acordo com o crítico Fernando Cocchiarale, “a superação, na Alemanha, dos preceitos pictóricos que a situavam no contexto da Geração 80 marca uma inflexão fundamental da obra de Canale. Desde então, as transformações de seu trabalho devem ser buscadas unicamente na maturação interna ao processo criativo”.

 

Em 1993, com sua mudança para Berlim, a artista parte para uma nova busca pictórica que transforma a construção de perspectiva, a temática e a utilização de matéria-prima em seus quadros, sintetizando as dinâmicas do movimento da vida através da tensão entre cultura e natureza, arquitetura e ser vivo. Nesse movimento, ela traduz o fluxo oculto do cotidiano em elementos opostos. Em lugar do excesso de tinta, camadas econômicas, mesmo translúcidas, permitindo superposições. Em vez da perspectiva construída no ponto de fuga, uma tridimensionalidade mínima, quase planar. Em oposição à utilização de símbolos rígidos, a alternância de uma geometria baseada em elementos arquitetônicos, como ladrilhos e lajotas, abandona a frieza formal por meio da inserção de elementos familiares e de seres vivos.

 

Nas palavras do curador Luiz Camillo Osorio, “A figura ganha o primeiro plano e está sendo projetada para fora. Neste aspecto é uma imagem que trabalha em sentido anti-perspectivo, vinda de dentro para fora da tela e não levando o olhar em direção a um ponto de fuga. O olhar do espectador ganha densidade e fluidez, assumindo uma materialidade que as imagens virtuais não têm. A pintura é uma reserva diante da manipulação desenfreada das coisas. Diante das pinturas de Cristina Canale estamos sempre à espera de uma deflagração do mundo enquanto cor.”

 

 

Até 23 de agosto.

Modernos / contemporâneos: design brasileiro de móveis

A nova exposição da galeria Bolsa de Arte, Jardins, São Paulo, SP, “Modernos/Contemporâneos: design brasileiro de móveis”, exibe peças de alguns dos nomes mais expressivos do design nacional. Com curadoria de Alberto Vincente e Marcelo Vasconcellos, sócios da Galeria Memo, a exposição traz cerca de 50 criações, assinadas por artistas das décadas de 1940, 1950 e 1960, mas também de nomes contemporâneos.

 

O critério que norteia a mostra é o caráter pouco óbvio do que será apresentado neste panorama. A exposição traz cerca de 50 criações que dialogam naturalmente com o mercado de arte. A ideia é fazer um contraponto entre itens vintage e novos, ressaltando a essência do que torna cada peça atemporal, mas extinguido qualquer seqüência cronológica na apresentação. Entre os destaques ressalte-se, por exemplo, a cadeira “Três Pés”, de Joaquim Tenreiro, mas também lançamentos como a série “Palafitas” de Brunno Jahara.

 

Entre os contemporâneos está um banco de Zanini de Zanine e peças pouco vistas, como a mesa lateral da série “Desconfortáveis”, dos irmãos Campana, a mesa “Metro” de Carol Gay, a cadeira “Cuica” de Carlos Motta e a mesa “Cone”, de Nido Campolongo, todos de tiragens limitadas. Peças do acervo particular de Aida Boal, uma rara cômoda da fábrica Cimo, um lustre de três andares, assinado por Joaquim Tenreiro, a “Easy Chair vintage”, de Oscar Niemeyer, e a poltrona “Revisteiro”, de Zanine Caldas também poderão ser apreciados na exibição.

 

 

Sobre as duas fases

 

O design de móveis teve uma época áurea no Brasil entre as décadas de 1940 e 1960, com grandes criadores, guiados quase sempre por uma estética alinhada com a arquitetura modernista. Além de peças que ficaram para a história, um grande legado do movimento foi a introdução de aspectos de brasilidade na produção moveleira nacional, contrapondo-se à cultura copista que se impunha até então. Hoje, a atividade vive novamente um momento de efervescência no País. Não se pode falar em movimento, talvez não caiba pensarmos em uma geração (apenas). A diversidade expressiva e do perfil de seus criadores é a marca do design brasileiro de móveis contemporâneos, que hoje ganha o mundo, revivendo com características tão distintas

 

o reconhecimento conquistado há décadas pelos designers brasileiros modernos. Entre
os expoentes de agora, há herdeiros do modernismo, gente da marcenaria, artistas ecléticos, designers próximos da arte contemporânea, outros embrenhados na cultura popular. Madeira, metais, plástico, acrílico, tecidos e revestimentos sintéticos fazem parte deste amplo universo, em processos artesanais e industriais.

 

 

Sobre a curadoria

 

Albert Vicente e Marcelo Vasconcellos são sócios da Galeria MeMo (Mercado Moderno), especializada em design, no corredor cultural do Rio de Janeiro. Entre as ações de divulgação do design em que estão envolvidos nos últimos anos, estão a organização dos livros Móvel Brasileiro Moderno (Aeroplano/FGV) e Design brasileiro de móveis: cadeiras, poltronas, bancos (Olhares), a curadoria das mostras  Hiperbólico – Jahara 10 anos, Isto é uma mesa e Do moderno ao contemporâneo, todas no Museu Histórico Nacional. Além disso, a produção de mostras de Sergio Rodrigues, Fernando Mendes, Rodrigo Calixto e Zanini de Zanine na própria galeria e em espaços como a Casa Electrolux e o Museu Oscar Niemeyer, entre 2012 e 2014. A MeMo foi o único espaço dedicado ao design na América Latina a sair publicada por três anos consecutivos na revista WallPaper, guia de viagem para turistas antenados.

 

 

Sobre a Bolsa de Arte

 

Criada em 1971, a Galeria Bolsa de Arte tem sido um importante agente propulsor do mercado de arte nacional, especialmente no segmento de leilões de arte moderna e contemporânea. Em 1999, lança a edição bilíngue do livro “Joaquim Tenreiro – o mestre da Madeira” com exposição retrospectiva na Pinacoteca do Estado de São Paulo, sob a curadoria da arquiteta Janete Costa, antecipando a revalorização do móvel moderno brasileiro, observada na última década. Com escritórios em São Paulo e Rio de Janeiro, a Galeria foi pioneira, em 2008, quando promoveu um leilão com peças de design.

 

 

Até 04 de agosto.

Singular & plural

O Instituto Moreira Salles, Higienópolis, São Paulo, SP, apresenta a exposição “Araújo Porto-Alegre: singular & plural”, com trabalhos de Manuel de Araújo Porto-Alegre. A exibição consta de quase 90 obras, com destaque para a sua produção gráfica. Foram reunidas aquarelas, esboços, caricaturas, esboços, rascunhos e desenhos feitos a grafite e a nanquim. Artista múltiplo, Porto-Alegre atuou também como arquiteto, cenógrafo, crítico, historiador, escritor, jornalista e diplomata. A exposição também apresenta textos, poemas e projetos de arquitetura e cenografia.

 

A curadoria é de Leticia Squeff, professora do departamento de História da Arte da Unifesp e de Julia Kovensky, coordenadora de Iconografia do Instituto Moreira Salles. O projeto partiu da intenção de levar ao público um álbum composto por desenhos e documentos que pertenceram ao autor e que hoje integra o acervo do IMS. A maioria das obras abrange o período em que Araújo Porto-Alegre esteve na Europa pela primeira vez (1831-1837), acompanhando seu mestre Jean-Baptiste Debret, que definitivamente voltara para a França.

 

 

Sobre o artista

 

Manuel de Araújo Porto-Alegre (1806-1879) nasceu em Rio Pardo-RS e, em 1827, seguia para o Rio de Janeiro. Araújo Porto-Alegre é uma das figuras mais desconcertantes da história da cultura e das artes no Brasil. Entre suas diversas atividades, atuou como arquiteto; fez trabalhos de cenografia e decoração para teatro e para festas da monarquia; é considerado autor das primeiras caricaturas realizadas no país; foi idealizador da estátua equestre de d. Pedro I, no Rio de Janeiro; escreveu novelas, peças para teatro e poemas; esteve em cargos de poder em instituições de cultura importantes da época, como o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (ihgb) e a Academia Imperial de Belas Artes (Aiba), para a qual concebeu um projeto de reformulação pedagógica, com desdobramentos na arte brasileira da segunda metade do século XIX.

 

 

Até 21 de setembro.

Leonilson: Truth, Fiction

25/jul

A Pinacoteca do Estado de São Paulo apresenta, no quarto andar da Estação Pinacoteca, Largo General Osório, Santa Ifigênia, São Paulo, SP, a mostra “Leonilson: Truth, Fiction”. Com curadoria de Adriano Pedrosa, a exposição reúne mais de 150 obras de José Leonilson, entre pinturas, desenhos, bordados, objetos e uma instalação. A seleção concentra-se na produção “madura” do artista, com trabalhos realizados a partir de 1987, e inclui a última peça concebida pelo artista: a instalação montada na Capela do Morumbi em 1993.

 

Para Adriano Pedrosa, esse período assinala a intensificação das qualidades sintéticas, ou “minimalistas”, na obra do artista – como em desenhos e bordados feitos com poucas linhas (para representar figuras diminutas e grafar textos breves, valorizando os vazios e as grandes áreas de cor) ou, ao contrário, em papeis e tecidos preenchidos por conjuntos de um mesmo elemento (que pode ser uma sequência numeral ou um punhado de botões).

 

Como sugere o título da exposição, a curadoria também investiga as maneiras pelas quais a obra do artista se compõe tanto da apropriação ou de referências do real como dos exercícios de fabulação. Por exemplo, quando justapõe conteúdos autobiográficos e ficcionais; quando mistura a agenda pública dos noticiários com episódios da vida privada, etc. O nome da mostra, a propósito, vem dos escritos presentes em um desenho de 1990, intitulado “Favorite game”.

 

Ainda segundo o curador, a exposição não deve se distribuir pelo espaço em ordem cronológica, mas dividida em sete módulos, que consideram aspectos formais, temáticos, técnicos ou temporais: “Mapas”, “Diário”, “Matemática e Geometria”, “Brancos”, “Capela do Morumbi” e “1991”, além de um núcleo dedicado às ilustrações que Leonilson publicou no jornal “Folha de S. Paulo” entre 1991 e 1993. Acompanha a mostra, ainda, um livro com entrevista inédita realizada por Adriano Pedrosa com Leonilson, em 1991, e reproduções das obras presentes na Estação Pinacoteca. Nesta entrevista, o artista fala de sua formação artística, do início da trajetória profissional, da arte e da música por que se interessa e do meio artístico no Brasil, entre outras coisas. A edição deste volume, a ser publicado pela Cobogó, é também de Adriano Pedrosa, com a colaboração de Isabel Diegues.

 

 

De 09 de agosto a 09 de novembro.

Bechara na Simões de Assis

O artista plástico José Bechara inaugurou exposição individual de seus trabalhos na Simões de Assis Galeria, conceituado espaço situado no Batel, Curitiba, PR. A mostra recebeu edição de um esmerado catálogo com reproduções das atuais criações do importante artista contemporâneo. O texto de apresentação traz a assinatura do crítico de arte e curador Felipe Scovino.

 

 

Pintura contaminada pela poeira do mundo

Texto de Felipe Scovino

 

No Brasil, o legado das tendências construtivas, ao longo da segunda metade do século XX, foi uma constante com algumas variáveis. A geração que se estabeleceu logo após o fim do neoconcretismo teve influências tanto da Pop quanto da arte conceituai, ainda que tenha criado uma linguagem muito própria e inventiva, sem abdicar em maior ou menor grau do abstracionismo geométrico, como foram os casos, por exemplo, de Antonio Dias, Carlos Vergara, Cildo Meireles, José Resende, Rubens Gerchman e Roberto Magalhães. Outras pesquisas estéticas, tais como as de Mira Schendel, Paulo Roberto Leal e Raymundo Colares, tiveram uma aproximação maior com as tendências construtivas e, sem dúvida, arquitetaram uma condição nova e abrangente para essa pesquisa. As obras desses três artistas, por exemplo, criaram uma superfície pictórica orgânica e fluída.

 

 

Era um novo entendimento sobre como o construtivismo tendia cada vez mais a um discurso sobre o sensorial. José Bechara e uma determinada parcela da geração em que está incluído — como Carlos Bevilacqua, (as primeiras obras de) Ernesto Neto e Raul Mourão — estendem essa vertente ao trabalharem de uma forma harmônica e orgânica com o metal – seja o aço, o ferro ou o cobre — como material para esculturas ou, especialmente no caso de Bechara, como matéria pictórica. Um primeiro ponto que sempre me chamou a atenção em sua obra foi o fato de substituir a tela branca por uma superfície suja, poeirenta, impregnada de história, que são as lonas usadas de caminhões. Esse é o primeiro passo para entendermos o aspecto orgânico — expressão clichê, mas que, aqui, perde efetivamente sua impotência para ganhar outra validade — de sua obra e como a forma cria mais uma variável para esse acento geométrico na arte brasileira. O artista sobrepõe camadas de tempo ao fazer uso de processos de oxidação daquele material. Bechara incorpora a morosidade da oxidação como condição para a aparição do aleatório. As modificações que ocorrem — marcas, texturas e manchas — tecem uma sobreposição de volumes, cor e textura. Em outros momentos, ele divide a lona entre uma parte marcada por esse processo de oxidação e outra, pelas marcas que foram adquiridas por aquele material ao longo de seu uso na estrada. São linhas construídas ao acaso, signos de memória, que passam em um gesto poético a serem incorporados como pintura.

 

 

Ademais, o artista faz uso da grade, elemento simbólico da gênese da pintura construtiva (vide os construtivistas russos e Mondrian) que, no pós-guerra, ganha distintas leituras (de Robert Ryman a Agnes Martin, passando por Gerhard Richter e Lygia Pape), como uma possibilidade real e precisa de criar uma perspectiva ilusória. Segundo Dan Cameron, “a grade lentamente se desenvolveu de um dispositivo usado para ajudar a criar uma ilusão espacial para um sistema que se impôs sobre o espaço propriamente dito.” A grade declarou a modernidade da arte ao ajudá-la a conquistar sua autonomia e, “em parte”, a dar as costas à natureza. Para Sennet, “a convicção de que as pessoas podem expandir os espaços infinitamente — através de um traçado em grade — é o primeiro passo, geograficamente, de neutralizar o valor de qualquer espaço específico.” Em Bechara, a grade aparece como um ato transformador. Antes de tudo, porque as linhas que a delimitam são tortas, sujas e erradas, assim como toda a superfície da lona. Há uma outra ordem para essa composição geométrica, minimalista e precisa. Suas obras são sobrevoadas por uma atmosfera ruidosa, poluída, violenta, urbana, na qual caos e ordem estão misturados. E é exatamente por isso que sua obra é extremamente real e viva. De alguma forma, a velocidade e a dinâmica que fizeram parte da história daquelas lonas são transferidas para as composições criadas pelo artista. E, ainda, a grade em determinados momentos parece avançar sobre o espectador, e em outros recua como se o que interessasse fosse tornar visível as figuras que são construídas aleatoriamente pelo processo de oxidação e por suas próprias linhas, tortas e precárias. E esse grito de defeito, de que algo deu errado que faz as obras de Bechara serem demasiadamente humanas. Ao aproveitar o que já vem dado pela lona — riscos e manchas —, o artista cria um novo repertório de traços e linhas que magistralmente equilibra passado (história e memória) e presente (a ressignificação da pintura — e por que não do desenho? — e da própria ideia de gestualidade).

 

 

Em sua série mais recente, Bechara intensifica a aparição da grade, pois sua composição se torna mais fechada e apresenta sucessivas camadas que, ao se sobreporem, “apagam” a “pele” da lona. Todavia, o plano se torna ainda mais dramático — como se a um olhar leigo fosse possível criar drama apenas e tão somente pelo cruzamento de linhas verticais e horizontais, e é aqui que a deflagração poética transforma a banalidade e o ordinário em um acontecimento mágico e encantador — com a incapacidade em denotarmos o que é figura ou fundo, pois a perspectiva se transforma amplamente em uma experiência ilusória. A oxidação, porém, continua presente e cria zonas gráficas e de interferência cromática que continuam transformando essas obras em uma espécie de canteiro de obras. E um processo sucessivo de decantamento (ao aplicar a emulsão sobre a lona, a oxidação derivada desse processo precisa de um repouso para a sua ação) e encantamento. Bechara é um artista incansável, pois estão lá gravados, na lona, sua força, sua participação, sua investigação de materiais e técnicas; como uma experiência biológica, assistimos ao jogo de forças e presença que a emulsão de cobre ou aço, o uso da palha de aço e a corrosão derivada desse processo realizam sobre a superfície da lona.

 

 

Suas esculturas não constituem uma outra fase de produção em relação às pinturas, pois são diálogos pertinentes e imbricados. Sua mais recente série de obras, denominada Enxame ou estudos para uma aproximação de suspensos (2013-14), torna clara essa aproximação. Ela possui um papel intermediário nessa aproximação entre a bidimensionalidade e o ar. São caixas de madeira cujo interior é formado pela sobreposição, com pequenos intervalos, de placas de vidro. Sobre as placas, há a aplicação de tinta spray de distintas cores que, como um pincel, imprime um preciso e livre jogo de formas geométricas. No fundo de algumas dessas caixas, placas de madeira cortadas, que acentuam não só o legado construtivo na obra de Bechara mas também a pesquisa sobre cor e planaridade que tanto interessa a sua produção. Na construção de uma relação óptica e ilusória, essas obras parecem lançar ao espaço as linhas e campos de cor, fazendo que com que elas bailem por entre os vidros.

 

 

E essa constituição de um desenho no espaço que cria o diálogo entre suas pinturas e esculturas. Especialmente na série Esculturas gráficas, a tridimensionalidade pertence mais ao ar do que à terra. E essa imagem advém principalmente pelo fato de Bechara equilibrar cheio e vazio, o dentro e o fora. Seus volumes preenchidos de ar nos fazem ver aquelas formas como estruturas gráficas suspensas do papel e tendo o espaço como seu habitat. Mesmo sendo esculturas, ficam na fronteira entre a bidimensionalidade e a tridimensionalidade. E mais um fator que nos ajuda a compreender essa fronteira borrada é como o artista continua a investigar a cor. Esses monocromos tridimensionais elevam a cor que estava no plano do papel ou da lona para a superfície. Criam formas gráficas suspensas que se equilibram minimamente, transmitindo uma sensação de precariedade e instabilidade, entre o balanço de preenchidos de vazio e outro com grande carga cromática. Não me parecem que ocupam o espaço de uma forma vigorosa e pesada, mas pousam sobre ele. Há uma sensação de que o peso foi retirado daquelas estruturas, e elas simples e decisivamente ganharam leveza e um ritmo que as leva a ocuparem e se infiltrarem naquela área de uma maneira cadenciada. Por outro lado, a série Open House traz uma velocidade caótica e desorganizada. E importante relatar que, nesse percurso de experimentação acerca do espaço, a casa é um arquétipo freqüente na obra do artista. Entretanto, é uma casa que procura ser esvaziada, como presenciamos na série em questão, pois, ao mesmo tempo que parece desejar ser ocupada pelo vazio, expulsa o que contém ou que estava sendo mantido em âmbito privado. As duas séries de esculturas se situam em uma zona de conflito, porque, nessa imagem dionisíaca e hostil de uma escultura que se faz no turbilhão do caos, o artista quer demonstrar que “o vazio tem solidez, é uma matéria.” E um vazio que se coloca como personagem de um enredo trágico.

 

 

 

Desde 24 de julho.

A Magia de Miró

24/jul

Obras de Miró para a CAIXA Cultural, Galeria 3, Centro, Rio de Janeiro, RJ, passam a ser exibidas na exposição “A Magia de Miró, desenhos e gravuras”, que reúne 69 trabalhos do artista espanhol e 23 fotografias em preto e branco registradas pelo curador Alfredo Melgar, fotógrafo galerista em Paris e Conde de Villamonte. A mostra já passou pela CAIXA Cultural São Paulo e Curitiba, e por prestigiadas galerias e museus da Europa, América e Oceania.

 

A “Magia de Miró” revela um plano mais íntimo e pessoal do mundo do artista catalão ao exibir esboços ou notas, além de obras produzidas sobre papel, com lápis e giz de cera ao longo dos seus últimos cinco anos de vida. As ilustrações correspondem a diferentes épocas da sua produção, entre 1962 e 1983, e remetem ao universo do processo criativo do artista, que pintou e desenhou sobre qualquer superfície que permitisse exibir sua enorme criatividade e conhecimento.

 

Melgar conheceu Miró quando começou a fotografar profissionalmente, durante uma vernissage no mítico Moulin de La Galette, em Paris. “Vestido como um dândi, de porte e maneiras aristocráticas, seus olhos azuis, penetrantes e sonhadores traziam o ar do mar Mediterrâneo. Ao seu lado, sempre discreta e elegante, Pilar Juncosa completava o quadro do perfeito matrimônio catalão, exalando correção, sobriedade, ordem, trabalho e disciplina. Eu tinha na época menos de 30 anos, minha obra fotográfica era escassa”, declara.

 

 

Sobre Miró

 

Nascido em Barcelona, na Espanha, em 20 de abril de 1893, Miró é um dos mais renomados artistas da História da Arte Moderna. Estudou com Francisco Galí, que o apresentou às escolas de arte moderna de Paris, transmitiu-lhe sua paixão pelos afrescos de influência bizantina das igrejas da Catalunha e o introduziu à fantástica arquitetura de Antonio Gaudí. Em suas pinturas e desenhos, tentou descobrir signos que representassem conceitos da natureza em um sentido poético e transcendental, revelando os aspectos em comum com dadaístas e surrealistas, e sendo influenciado principalmente pelo pintor e poeta Paul Klee.

 

Miró também trazia intuitivamente a visão despojada de preconceitos que os artistas das escolas fauvista e cubista buscavam, mediante a destruição dos valores tradicionais. A partir de 1948, na Espanha e em Paris, realizou uma série de trabalhos de conteúdo poético, entre eles esculturas, com variações temáticas sobre mulheres, pássaros e estrelas. Em 1954, ganhou o prêmio de gravura da Bienal de Veneza e, quatro anos mais tarde, ganhou o Prêmio Internacional da Fundação Guggenheim pelo mural que realizou para o edifício da Unesco, em Paris. Miró faleceu em 25 de dezembro de 1983, em Palma de Maiorca, na Espanha.

 

De 28 de julho a 28 de setembro.

 

Após a temporada no Rio de Janeiro, a exposição segue para as unidades da CAIXA Cultural de Recife, PE, (a partir de outubro de 2014) e de Salvador, BA, (a partir de dezembro de 2014).